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Delitos de Bagatela

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*Claudio da Silva Leiria   

A tolerância com o crime é enorme e assustadora.  Os juristas ‘modernos’, totalmente alienados da realidade, a todo momento criam teses que beneficiam o delinqüente.   

Dentre as muitas teorias de exculpação do criminoso está a da aplicação do princípio da bagatela ou insignificância.  Segundo essa doutrina, não há crime quando o criminoso furta objetos de pequeno valor. Infelizmente, esse posicionamento vem sendo adotado por grande número de magistrados e  promotores de justiça.   

A corrente ‘pró-criminoso’  geralmente considera pequeno valor o que não supera 20% do salário mínimo nacional, ou seja, não haveria crime se o valor do objeto furtado não atingisse R$ 70,00.  Alega-se que uma máquina cara e abarrotada como o Judiciário não pode ser movimentada por tão pouco, devendo se importar com crimes mais graves.    

Esse posicionamento não pode merecer respaldo.  

Mesmo que o prejuízo da vítima seja de pequeno valor, não se deve falar em insignificância, pois o que a norma penal combate é o desvalor da conduta delituosa, até mesmo para inibir a contumaz prática de pequenos delitos.  A norma penal prescreve ‘não furtarás’, não importando se o bem vale muito ou pouco. Assim, o pequeno valor jamais poderá excluir a responsabilidade penal do infrator. 

A teoria da bagatela (ou insignificância) vai de encontro aos anseios da comunidade por uma ‘tolerância zero’ em relação às condutas delituosas. 

O Direito Penal já tem uma resposta adequada para os casos em que o bem furtado é de pequeno valor:  redução de 1/3 a 2/3 da pena, substituição da reclusão por detenção ou aplicação de multa.  Não se pode chancelar a impunidade, ao deixar de reconhecer que a subtração de bem de pequeno valor é criminosa. 

Volney Corrêa Júnior, com acerto, diz que pretende-se com o princípio da insignificância estatuir uma carta de indenidade para o ladrão moderado, pouco ambicioso: ele pode furtar quantas vezes quiser, ainda que muito se ressintam do desfalque patrimonial as vítimas.  Não haveria conseqüências penalmente relevantes se o ladrão furtar comedidamente. 

Nessa equivocada visão, prossegue o autor, a velha tesoura de que se vê despojada a pobre costureira será, talvez, um objeto de pequeno valor (= conduta atípica, impunidade garantida), mas sua reposição representará um dispêndio imprevisto e doloroso para o bolso vazio da vítima; o velho alicate subtraído a um pobre borracheiro de periferia será, talvez, um objeto de pequeno valor (= conduta atípica, impunidade garantida), mas sua reposição…; a verruma, o martelo, o serrote do pobre carpinteiro, serão, talvez, objetos de pequeno valor, de modo que o gatuno, na ótica do moderno direito penal, nenhuma reprovação merecerá, conquanto a reposição das ferramentas importe num gasto que a vítima proverá a duras penas. 

A teoria da bagatela (ou insignificância) não possui consistência lógica.  Ora, como considerar, indaga Volney Corrêa Jr., um bem subtraído insignificante, se tal não pareceu ao ladrão, tanto que o furtou? Haverá justiça em equiparar quem trabalhou duro e honesto para ter a coisa a aquele que considerou mais fácil obtê-la à custa do suor alheio, mediante furto?  Há sentido em impor à vítima um agravamento do seu prejuízo, obrigando-a a efetuar gastos com a reposição da coisa que ao gatuno não custou mais  do que o desrespeito à propriedade do próximo?  

A adoção do princípio da bagatela (ou insignificância) desprestigia profundamente o sistema de justiça como um todo, tornando-o co-responsável pelo fomento da impunidade. 

A  “regra da insignificância” relativiza, de forma subjetiva e perigosa, o direito penal, transformando-o, de um conjunto de normas de proteção e segurança jurídica, em um amontoado de regras sujeitas à subjetividade e ao arbítrio do julgador. 

O fato de o Poder Judiciário estar atulhado de processos relativos a crimes graves (homicídios, estupros, etc) não é motivo idôneo para não haver persecução penal em relação a delitos de menor gravidade.  Atulhamento da máquina judiciária se resolve com informatização e alterações na legislação processual penal, além de maior número de juízes e servidores, mas jamais tornando impuníveis delitos de mediana gravidade, o que estimula a prática de crimes mais graves.

 

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA:

Cláudio da Silva Leiria é Promotor de Justiça em Guaporé/RS

E-mail: claudioleiria@hotmail.com

 


Uma análise jurídica do Sistema econômico capitalista no Brasil. Subsídios para interpretação do fenômeno econômico

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*Sérgio Gabriel 

1. Introdução  

A ordem econômica nacional foi disciplinada pelo legislador no Título VII da Constituição Federal dos arts. 170 ao 192, e tem como finalidade disciplinar o exercício das atividades econômicas por meio de mecanismos de proteção e restrição de tal exercício. 

Como se percebe, a ordem econômica nacional assenta-se no sistema econômico capitalista, pois adotou como paradigmas a liberdade de iniciativa e reforçou a propriedade privada. Portanto, adotou-se expressamente o regime de liberdade de produção, em contraposição à participação do Estado como agente econômico. 

André Ramos Tavares define o capitalismo como: 

“(…) o sistema econômico no qual as relações de produção estão assentadas na propriedade privada dos bens em geral, especialmente dos de produção, na liberdade ampla, principalmente de iniciativa e de concorrência e, conseqüentemente, na livre contratação de mão-de-obra”[1] 

No caso brasileiro, o sistema já domina a valorização da propriedade privada e contempla a liberdade de iniciativa dos meios produtivos, restando apenas proclamar a ampla liberdade na forma de contratação, mas que já caminha nesse sentido com as notícias constantes de reforma da legislação, para flexibilização das normas trabalhistas.  

É que as normas trabalhistas hoje em vigor apresentam um sistema rígido de contratação, ao qual as empresas devem se submeter e, até por conta disso, é que surgiram alternativas como a terceirização e o cooperativismo, nem sempre utilizados de forma legal.  

A liberdade dos meios de produção valorizou tanto a iniciativa privada no Brasil que o legislador constituinte tratou de excluir, ou melhor, excepcionar os meios de produção por intermédio do Estado, ao disciplinar no artigo 173 que:  

“(…) ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”. 

As duas únicas hipóteses em que os meios de produção podem ser explorados pelo Estado ficaram condicionadas à situação de exceção, pois, a primeira está vinculada diretamente aos imperativos da segurança nacional, ou seja, não se trata de produção para consumo direto pela população; e a segunda, essa sim, poderia estar ligada ao consumo direto, desde que fosse de relevante interesse coletivo, mas que também só se aplicará em situações nas quais o mercado privado de produção não possa atender ou que então não atenda em condições satisfatórias, seja de preço, distribuição ou qualidade, o que seria muito mais meio de intervenção do que propriamente de produção.   

De qualquer forma, estudar-se-á mais profundamente o desenvolvimento da ordem econômica e sua regulação jurídica para entender-se a sua influência no mercado.

2. O Papel do Estado na economia 

É louvável e legítimo e de capital importância para a sociedade que o legislador proponha mudanças e atualizações nos diplomas legais que regulam as relações sociais. A função primordial da lei é estabelecer harmonia, consonância e temporalidade com a realidade social, assim como estimular e nortear, nos indivíduos, comportamentos desejáveis no futuro.  Está claro, por este prisma, que o desenho da lei não pode pretender engessar, em absoluto, o comportamento da sociedade. É preciso entender que o espírito da lei deve ter uma funcionalidade diametralmente oposta a esta, qual seja a de reunir e sintetizar o conhecimento desenvolvido por outras Ciências Sociais, integrando-o e servindo-lhe de base. Nesse sentido, é que o Estado enquanto regulador da economia deve observar o fenômeno social e econômico, para melhor atender o interesse social. 

Como já asseverado anteriormente, o Estado, antes das constituições econômicas, tratava apenas de sua organização política. Ocorre que, com o advento das constituições econômicas, a ordem econômica passou a criar também a figura do Direito constitucional econômico, dividindo o Estado de um lado com sua função política – Direito constitucional, e de outro, com sua função econômica – Direito constitucional econômico. 

Essa segunda vertente constitucional-econômica passou a se preocupar com a estrutura e os princípios que regeriam a ordem jurídica econômica, permitindo assim, contribuir para o desenvolvimento econômico nacional.  

André Ramos Tavares, nesse sentido esclarece que: 

“(…) o grau de desenvolvimento econômico de um país é responsabilidade atribuída, em parte, ao Estado e às suas políticas públicas. Sendo o Estado configurado pela Constituição, tanto em sua estrutura como em suas finalidades, passou-se a falar em Direito constitucional econômico desde que o aspecto econômico se tornou preocupação constante nas constituições”. 

E complementa: 

“(…) o Estado, portanto, é co-responsável no que se refere à economia nacional. Sua interferência nesse segmento é considerada, pois, essencial e natural. A progressiva implementação de políticas públicas, especialmente aquelas de cunho social, também contribuiu para essa concepção de Estado”[2]. 

Daí, Eros Roberto Grau extrai um princípio, que não está explícito no art. 170, da Constituição Federal, mas que certamente define o papel do Estado na Economia organizada constitucionalmente, definindo que: 

“(…) o derradeiro princípio a considerar, entre aqueles extraídos da Constituição de 1988, vocacionados à conformação da interpretação da ordem econômica, é o da ordenação normativa através do Direito Econômico”,

 e, acrescenta: 

“(…) peculiariza o Direito Econômico, como vimos, a sua destinação à instrumentalização, mediante ordenação jurídica, da política econômica do Estado; cuida-se, assim, de ramo do direito que se destina a traduzir normativamente os instrumentos da política econômica do Estado”[3]. 

Por outro lado, José Afonso da Silva acrescenta que mais do que uma contribuição, o papel do Estado é uma necessidade, assim colocado:  

“(…) a participação do Estado na economia será uma necessidade, enquanto, no sistema capitalista, se busque condicionar a ordem econômica ao cumprimento de seu fim de assegurar a existência digna a todos, conforme os ditames da justiça social e por imperativo de segurança nacional”[4]. 

Luiz Alberto David de Araújo coloca o Estado na qualidade de regulamentador e interventor, dispondo que “(…) o Estado, por outro lado, tem o dever de intervir na economia em sua atividade típica de regulação social, que na espécie, assume foros de regulação da economia” e acrescenta ainda que: 

“(…) neste sentido, a Constituição ajustou a intervenção regulatória do Estado à opção ideológica do constituinte por uma economia de mercado, preestipulando, dessa forma, um princípio subjacente a essa intervenção, qual seja, o da intervenção mínima, consentida com fundamento em finalidades específicas: repressão do aumento abusivo dos lucros e tentativa de eliminação das concorrências e dominação de mercado”[5]. 

Tal entendimento se extrai do próprio texto constitucional que, em seu art. 174, define o Estado “como agente normativo e regulador da atividade econômica” e, por isso, Manoel Gonçalves Ferreira Filho acrescenta que: 

“(…) assim, não seria o mercado, como é típico de uma economia descentralizada (ou liberal), mas o Poder Público, segundo é próprio de uma economia de tipo centralizado (ou soviético), que regeria a economia. Isto colide com os princípios de livre iniciativa, livre concorrência, que a Constituição consagra (arts. 1º, IV, 170, caput e inc. IV), que atenuam esse centralismo econômico. Por outro lado, o art. 174 prevê o planejamento, outro dos elementos de uma economia centralizada. Entretanto, só o considera determinante, isto é, obrigatório para o setor público. Para o setor privado, ele é apenas indicativo: sugere metas desejáveis”[6].

3. Incorporação de normas econômicas nas Constituições

Para entender-se a evolução da incorporação das normas econômicas nos textos constitucionais, é importante observar-se que historicamente as constituições se apegavam apenas a recepcionar a ordem política, disciplinando direitos individuais fundamentais e da organização política do Estado. 

O primeiro texto constitucional, que se teve noticia de ter incorporado normas econômicas, foi a Constituição Mexicana de 1917, a qual, em seu artigo 27, disciplinou a propriedade em originária (aquilo que pertence ao Estado) e derivada (aquilo que o Estado poderia transmitir aos particulares), nascendo assim, o conceito constitucional de propriedade privada. Ademais, tal texto constitucional disciplinou, também em seu artigo 134, os princípios que deveriam orientar a administração dos recursos econômicos públicos.  

Posteriormente, de forma mais acentuada, a Constituição Alemã de 1919 criou um capítulo específico, denominado de a vida econômica, cujo artigo 151 disciplinava:  

A ordem econômica deve corresponder aos princípios da justiça tendo por objetivo garantir a todos uma existência conforme à dignidade humana. Só nestes limites fica assegurada a liberdade econômica do indivíduo”. 

Além disso, o texto constitucional alemão criou os conselhos de empresa e econômico.   

Já a Constituição Russa de 1924 foi o primeiro texto a incorporar a criação de órgãos superiores, para fixar os fundamentos e o plano geral da Economia nacional, a aprovação do sistema monetário e de créditos, bem como, estabelecer os princípios comuns ao uso e regulamentação de terras. 

A Constituição Espanhola de 1931 teve, em seu artigo 44, a disposição de que: 

“toda a riqueza do país, qualquer que seja o seu dono, está subordinada aos interesses da economia nacional e afeta a manutenção dos encargos públicos”.   

De forma mais direta, a Constituição Portuguesa de 1933 incluiu um capítulo específico sobre ordem econômica e disciplinou a livre iniciativa, ao determinar que: 

“a liberdade de comércio e indústria tem de ceder perante as exigências do bem comum”.  

A Constituição Francesa de 1946 criou um capítulo dedicado aos direitos sociais e econômicos e disciplinou a criação de um Conselho Econômico, que deveria ser consultado para a adoção de um programa econômico nacional, para o pleno emprego e a utilização racional dos recursos econômicos. 

Em 1947, na Itália, a promulgação do texto constitucional apresentou um capítulo denominado Relações Econômicas que, em seu artigo 41, disciplinava a aceitação de uma liberdade de iniciativa no âmbito econômico, assegurando, no artigo 42, a propriedade privada.  

Na Alemanha, em 1949, o novo texto, a exemplo do texto anterior, manteve o capítulo a vida econômica e pregou a liberdade do exercício de atividade profissional.  

4. Constituição econômica 

No Brasil, embora não previsto um título específico sobre ordem econômica, a Constituição Imperial de 1824, em seu artigo 179, inciso XXII, assim dispõe: 

“É garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem público legalmente verificado exigir o uso e emprego da propriedade do cidadão, será ele previamente indenizado do valor dela. A lei marcará os casos em que terá lugar está única exceção, e dará as regras para se determinar a indenização”. 

Além disso, o inciso XXVI disciplinava: 

“Os inventores terão a propriedade das suas descobertas, ou das suas produções. A lei lhes assegurará um privilégio exclusivo temporário, ou lhes remunerará em ressarcimento da perda, que hajam de sofrer pela vulgarização”. 

A primeira constituição republicana, de 1891, expressamente por intermédio de seu artigo 72, parágrafo 24, garantiu o livre exercício de qualquer profissão moral, intelectual e industrial.

 Porém, foi em 1934 que o texto constitucional brasileiro criou um capítulo específico para tratar da ordem econômica, e seu artigo 115, assim dispôs: 

“A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a todos existência digna. Dentro desses limites, é assegurada a liberdade econômica”. 

Por outro lado, o texto era marcadamente intervencionista, ao dispor, em seu artigo 116, que: 

“(…) por motivo de interesse público e autorizada em lei especial, a União poderá monopolizar determinada indústria ou atividade econômica, asseguradas as indenizações devidas, conforme o art. 112, n. 17, e ressalvados os serviços municipalizados ou de competência dos poderes locais”.  

A Constituição de 1937, embora mantivesse o tratamento para a ordem econômica, permitia o exercício da atividade individual e a intervenção no domínio econômico, de forma mediata ou imediata, que revestiria a forma de controle, do estímulo, ou da gestão direta. 

Já em 1946, o texto constitucional revitalizou o sistema capitalista como princípio econômico, dispondo, em seu artigo 145, que: 

“a ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano”. 

Apesar disso, o artigo 146 estabelecia que: 

“A União poderá, mediante lei especial, intervir no domínio econômico e monopolizar determinada indústria ou atividade. A intervenção terá por base o interesse público e por limite os direitos fundamentais assegurados nesta Constituição”. 

Na Constituição de 1967, a estrutura econômica de 1946 foi mantida, acrescentando-se como princípios da ordem econômica: a harmonia e a solidariedade entre os fatores de produção. Porém, o parágrafo 8º, do artigo 157, gerou instabilidade ao permitir que: 

“O Estado, por meio de lei federal, instituísse monopólio por motivo de segurança nacional ou para organizar setor que se mostrasse ineficiente dentro do regime de competição e de livre iniciativa”.  

Surgiu, então, a Constituição Federal de 1988, que apresentou um cenário estruturado em termos de disciplina da ordem econômica e financeira, e que tinha como meta superar o regime intervencionista até então vigente, para adotar um modelo mais liberal, com a adoção de um sistema capitalista de economia descentralizada, baseada, pois, no mercado. Nesse sentido, Lafayete Josué Petter, ao discorrer sobre a hermenêutica jurídica da ordem econômica constitucional, se referiu ao seu texto, afirmando que: 

“(…) de fato, consubstancia um texto moderno, perfeitamente adequado a uma social-democracia, onde uma economia de mercado – adoção de um regime capitalista, como apropriação privada dos meios de produção e liberdade de iniciativa – é temperada por princípios como o da função social da propriedade, livre concorrência, defesa do consumidor e respeito ao meio ambiente, afora a busca de uma justiça social, onde a dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades conferem um conteúdo social à mesma economia, por natural vocação, mais orientada pela ótica individualista dos agentes econômicos”[7]. 

Por isso mesmo, Oscar Dias Correa afirmou que: 

“o regime instaurado na Constituição de 1988, se funda em princípios marcadamente neoliberais, neocapitalistas”[8]. 

Assim sendo, a Constituição Federal do Brasil apresenta um conjunto de princípios, normas e institutos jurídicos, que fundam a ordem jurídica econômica.

Diante disso, para viabilizar a contextualização do tema, resta agora, a necessidade de estudar-se a estrutura dessa ordem econômica. 

5. Conceito de Ordem Econômica 

A ordem econômica natural é um subproduto abstrato gerado espontaneamente das relações sociais da coletividade. A ordem econômica constitucional é de caráter concreto, positivada e derivada da vontade humana que, em uma síntese, representaria o amálgama dialético de toda a ordem econômica. 

Como visto anteriormente, exceção feita à Constituição Mexicana de 1917, as constituições anteriores à Primeira Guerra Mundial tratavam apenas da organização política, deixando de lado a organização econômica. Posteriormente, com a abertura de mercado provocada pelo pós-guerra, a organização econômica passou a ser fator de preocupação dos Estados, principalmente daqueles que migravam para um regime político democrático.    

Por ser o Brasil um país regido pelo sistema democrático de direito, não seria possível conceber a democracia sem uma organização que lhe fosse própria. Assim sendo, dentro dessa estrutura de organização, a democracia prima por uma organização econômica, pelo legislador brasileiro denominada de ordem econômica e financeira em 1988, mas que já apareceu em textos, ainda que de forma tímida, a partir de 1934. 

Logo, de forma direta já é possível se afirmar que ordem econômica é o espaço criado na constituição para a regulamentação jurídica da economia em favor da democracia. Manoel Gonçalves Ferreira Filho discorre que: 

“(…) assim, ao lado dos preceitos sobre a organização política – órgãos governamentais, divisão de competências, etc. – as Constituições modernas passaram a conter também um complexo de regras auto-aplicáveis e princípios programáticos destinados a dar raízes, nos planos econômico e social, à democracia política”[9]. 

A ordem econômica constitui, portanto, um sistema próprio, ou se apreciado do todo constitucional, de um subsistema de normas e princípios que dão dimensão jurídica à ordem econômica, adotando formalmente o sistema econômico capitalista, haja vista que ela se apóia inteiramente na apropriação privada dos meios de produção e na iniciativa privada (art. 170 vs. art. 173). E, justamente pela adoção desse sistema econômico, é que se justifica a criação de uma ordem econômica como instrumento regulador, pois a liberdade de iniciativa requer a presença firme do Estado – enquanto agente da ordem política – para disciplinar o mercado. 

Por outro lado, Eros Roberto Grau sustenta que: 

“(…) o termo ‘ordem econômica’ na Constituição de 1988 vem afetado ideologicamente ao afirmar que ‘o que se extrai da leitura despida de senso crítico, dos textos constitucionais, é a indicação de que o capitalismo se transforma na medida em que assume novo caráter, social’”[10]. 

Nesse mesmo sentido, José Afonso da Silva diz que: 

“(…) a atuação do Estado, assim, não é nada mais nada menos do que uma tentativa de pôr ordem na vida econômica e social, de arrumar a desordem que provinha do liberalismo. Isso tem efeitos especiais, porque importa em impor condicionamentos à atividade econômica, do que derivam os direitos econômicos que consubstanciam o conteúdo da constituição econômica”[11].   

Eros Roberto Grau, quem mais se debruçou sobre o estudo da ordem econômica, em conceituação, dispõe que: 

“(…) ainda que se oponha à ordem jurídica a ordem econômica, a última expressão é usada para referir uma parcela da ordem jurídica. Esta, então – tomada como sistema de princípios e regras jurídicas – compreenderia uma ordem pública, uma ordem privada, uma ordem econômica, uma ordem social”[12]. 

E em conclusão, afirma que: 

“(…) a descrevo, agora, como o conjunto de normas que define, institucionalmente, um determinado modo de produção econômica. Assim, a ordem econômica, parcela da ordem jurídica (mundo do dever ser), não é senão o conjunto de normas que institucionaliza uma determinada ordem econômica (mundo do ser)”. 

Vital Moreira[13], citado por Eros Roberto Grau, tratando da Constituição Econômica, a conceitua como: 

“(…) o conjunto de preceitos e instituições jurídicas que, garantindo os elementos definidores de um determinado sistema econômico, instituem uma determinada forma de organização e funcionamento da economia e constituem, por isso mesmo, uma determinada ordem econômica; ou, de outro modo, aquelas normas ou instituições jurídicas que, dentro de um determinado sistema e forma econômicos, que (sic) garantem e (ou) instauram, realizam uma determinada ordem econômica concreta”[14]. 

Mas essa dicotomia entre o mundo do ser – forma econômica e do mundo do dever-ser – ordem jurídica, parece aclarada na visão de André Ramos Tavares que diz que: 

“(…) a expressão em apreço busca sintetizar a idéia de que a ordem econômica, enquanto manifestação do dever-ser, é a parcela do Direito – e este o sentido que há de interessar ao operador jurídico – que cuida das questões de alcance econômico, institucionalizando (ou pretendendo fazê-lo) uma determinada ordem (ordenação, regulamentação) no mundo do ser (forma econômica)”[15]. 

6. Fundamentos e finalidade da Ordem Econômica 

O sistema econômico caracteriza-se, no plano teórico ou ideal, como uma determinada sociedade empreende a forma e a técnica da sua atividade macroeconômica. O regime econômico, por sua vez, decorre do arcabouço jurídico que dá sustentação legal à organização econômica de um país.  

O artigo 170 da Constituição Federal estabelece, de um lado, os princípios da ordem econômica nacional e, de outro, seus fundamentos e finalidades. Os princípios serão vistos a seguir, no entanto, o que chama a atenção são os fundamentos e finalidades que compõem tal ordem, haja vista que a identificação dos princípios se dá em razão deles – dos fundamentos e finalidades, assim descritos no texto constitucional: 

“Art. 170 – A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…)”. 

Por serem os fundamentos (valorização do trabalho humano e livre iniciativa) e as finalidades (existência digna e justiça social) balizadores da ordem econômica, claro está que também devem ser erigidos à condição de princípios, devendo os demais (incisos I a IX) serem interpretados a partir deles. 

Sobre a consideração dos fundamentos e finalidade como princípios, José Afonso da Silva, ao tratar sobre os princípios da ordem econômica que, na sua visão, não seriam princípios, mas sim objetivos (finalidade), assim discorreu:  

“Alguns desses princípios se revelam mais tipicamente como objetivos da ordem econômica, como, por exemplo, o da redução das desigualdades regionais e sociais e a busca do pleno emprego. Mas todos podem ser considerados princípios na medida em que constituem preceitos condicionadores da atividade econômica”[16]. 

Ainda nesse sentido, Eros Roberto Grau diz que: 

“(…) cumpre neles identificar, pois, os princípios que conformam a interpretação de que se cuida (se referindo à interpretação da ordem econômica). Assim, enunciando-os, teremos: – a dignidade da pessoa humana (…); os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (…); a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (…); o garantir o desenvolvimento nacional (…); a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais (…); a liberdade de associação profissional ou sindical; a garantia do direito de greve; a sujeição da ordem econômica (mundo do ser) aos ditames da Justiça social; a soberania nacional, a propriedade e a função social da propriedade, a livre concorrência, a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais, a busca do pleno emprego e o tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte (…)”[17]. 

6.1. Valorização do trabalho humano 

Embora não se pretenda aqui tratar da livre iniciativa, cabe ressaltar que não existe contradição ou superposição em fundamentar a ordem econômica na livre iniciativa e ao mesmo tempo no trabalho humano, até porque, o próprio legislador constituinte, ao proclamar os fundamentos da república (art. 1º), conciliou os dois fundamentos em um único inciso (IV). Ou seja, sem enfatizar este ou aquele, percebe-se que o legislador afasta qualquer exclusividade ou maior relevância de qualquer um dos fundamentos, gerando entre eles, portanto, uma conformidade e uma harmonia.  

Aliás, no entendimento do autor deste trabalho, o incentivo à livre iniciativa é um pressuposto para que se possa cumprir, em um segundo momento, a valorização do trabalho humano. 

A controvérsia nasce ao adotar o regime capitalista, onde se valoriza a propriedade privada como modo de produção, gerando uma aparente supervalorização da empresa, em detrimento do empregado, daí porque se entende que o fundamento também possui caráter principiológico, de forma que a empresa deverá fazer uso da mão-de-obra, valorizando-a como meio principal de produção. 

Sendo a valorização do trabalho humano fundamento da ordem econômica, e na sua essência um fator de produção, deixa a condição de matéria regulada exclusivamente pelo Direito do Trabalho, para ganhar conotação mais ampla, se vinculando à política econômica, como preleciona Lafayete Josué Petter: 

“(…) sendo o trabalho um fator de produção, por certo o tema diz respeito à política econômica, melhor conduzida quando inserida na normatividade propiciada pelo Direito Econômico, sempre a partir da Constituição Federal”[18]. 

Por outro lado, não se pode vincular o fundamento da valorização do trabalho humano exclusivamente à relação empregatícia, haja vista que hoje é comum a utilização de outras fontes de trabalho na cadeia produtiva, como é o caso da terceirização, da fragmentação das etapas de produção, da adoção de cooperativas de trabalho, todas ligadas à atividade produtiva, por meio de vínculos não-laborais. 

Acredita-se, pois, que, ao eleger a valorização do trabalho humano, o fez o legislador como garantia do fundamento da república da dignidade da pessoa humana (art.1º, III), para que se tenha uma visão menos utilitarista e patrimonialista do ser humano como fator de produção, e o mesmo passe a ser encarado a partir de uma visão mais humanitária. 

Para melhor compreendê-lo, pode-se aplicar tal fundamento como forma de reprimir o trabalho escravo, situação em que o empregador confina a mão-de-obra em local pré-estabelecido, reduzindo-o à condição análoga de escravo, considerando tão somente o interesse produtivo, em detrimento das pessoas que cumprem tal mister. Ora, do ponto de vista jurídico-econômico, a exploração indevida de qualquer tipo de mão-de-obra não coaduna com os dias de hoje. 

Aliás, se a produção é fator essencial do sistema econômico capitalista, a mão-de-obra também o é, por ser ela um dos fatores a alimentá-lo em conjunto com a matéria-prima e os demais insumos tecnológicos, tornando-se, portanto, interdependentes, o que por si só justificaria a valorização de um no melhor aproveitamento do todo.  

6.2. Existência digna 

De forma um pouco mais ampla, enquanto a valorização do trabalho humano visava viabilizar a garantia da dignidade da pessoa do trabalhador, fosse ele empregado ou terceiro, a existência digna ampliou esse escopo de garantias, para dar efetividade ao princípio da dignidade da pessoa humana, em toda esfera de atuação da iniciativa privada, permitindo não só a valorização do empregado e do terceiro, como também do consumidor ou de todos aqueles que se beneficiarem do sistema privado de produção. 

A existência digna parece guardar correspondência com a filosofia de Kant, quando este afirma que: 

“(…) o homem e, de uma maneira geral, todo o ser racional, existe como fim em si mesmo, não só como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas ações, tanto nas que se dirigem a ele mesmo como nas que se dirigem a outros seres racionais, ele tem sempre de ser considerado como fim”[19]. 

É claro que se deve verificar que no texto constitucional (art. 170) a existência digna é colocada em seu caráter genérico, mas, de qualquer sorte, foi oportunamente inserida no texto legal regulador da ordem econômica, pois toda existência digna pressupõe, por óbvio, implicações econômicas. 

Se assim o é, a existência digna como finalidade da ordem econômica visa a exigir que o Estado adote políticas que possam oferecer, a todo cidadão, condições mínimas de subsistência.

6.3. Justiça social 

A Constituição Federal, em seu artigo 3º, ao enumerar os objetivos fundamentais da república, dispõe a necessidade de se construir uma sociedade livre, justa e solidária, o que seria complementado na disciplina da ordem econômica, quando se coloca como finalidade a justiça social. 

Isso por si só já é suficiente para se verificar que o interesse público deve sempre prevalecer, em detrimento do interesse individual, além do que, gera uma dependência de um indivíduo aos demais. 

Observa-se, na doutrina, certa desconfiança quanto ao termo justiça social, seja por sua imprecisão, seja por sua ambigüidade, porém, nas palavras de Oscar Dias Correa encontra-se o sentido que: 

“(…) implica na melhoria das condições de repartição dos bens, diminuição das desigualdades sociais, com a ascensão das classes menos favorecidas. Não é objetivo que se alcance sem continuado esforço, que atinja a própria ordem econômica e seus beneficiários”[20]. 

No mesmo sentido, André Ramos Tavares conclui que: 

“(…) a Justiça Social deve ser adotada como um dos princípios expressos da Constituição de 1988 a interferir no contexto da ordem econômica, visando ao implemento das condições de vida de todos até um patamar de dignidade e satisfação, com o que o caráter social da justiça é-lhe intrínseco”[21] 

7. Princípios da Ordem Econômica 

Faz-se necessário explicitar o caráter orientador e indutor das normas constitucionais em estudo, por meio das quais o legislador constituinte, em vez de regular direta e indiretamente determinados conflitos de interesses, limitou-se a dar-lhe um norteamento genérico, outorgando ao legislador ordinário poderes para propor e fazer aprovar marcos regulatórios dos setores que compõem o sistema econômico. Esse posicionamento está em perfeita consonância com os princípios econômicos liberais, inerentes ao modo de produção capitalista. 

Observou-se, na leitura feita do artigo 170, que a ordem econômica foi assentada nos seguintes princípios: soberania nacional (I), propriedade privada (II), função social da propriedade (III), livre concorrência (IV), defesa do consumidor (V), defesa do meio ambiente (VI), redução das desigualdades sociais e regionais (VII), busca do pleno emprego (VIII) e tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte, constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País (inciso IX). 

Excluir-se-á neste momento a análise dos princípios da livre concorrência (IV) e defesa do consumidor (V), além do princípio da livre iniciativa (caput), haja vista que tais princípios demandam tratamento individual que por si só serão objeto de apreciação em estudo específico.

7.1. Soberania nacional 

Considerando que a soberania nacional é forma de garantia da independência nacional, que é fundamento da república (art. 1º, CF), o sentido aqui é o de buscar uma autonomia capitalista, permitindo a adoção de um sistema econômico capitalista, sem a extrema dependência do capitalismo mundial, como assevera José Afonso da Silva ao proclamar que: 

“(…) se formos ao rigor dos conceitos, teremos que concluir que, a partir da Constituição de 1988, a ordem econômica brasileira, ainda de natureza periférica, terá de empreender ruptura de sua dependência em relação aos centros capitalistas desenvolvidos. Essa é uma tarefa que a constituinte, em última análise, confiou à burguesia nacional, na medida em que constitucionalizou uma ordem econômica de base capitalista. Vale dizer, o constituinte de 1988 não rompeu com o sistema capitalista, mas quis que se formasse um capitalismo nacional autônomo, isto é, não dependente. Com isso, a Constituição criou as condições jurídicas fundamentais para a adoção do desenvolvimento autocentrado, nacional e popular, que, não sendo sinônimo de isolamento ou autarquização econômica, possibilita marchar para um sistema econômico desenvolvido, em que a burguesia local e seu Estado tenham o domínio da reprodução da força de trabalho, da centralização do excedente da produção, do mercado e a capacidade de competir no mercado mundial, dos recursos naturais e, enfim, da tecnologia”[22].   

Eros Roberto Grau coaduna do mesmo entendimento ao proclamar que: 

“(…) a afirmação da soberania nacional econômica não supõe o isolamento econômico, mas antes, pelo contrário, a modernização da economia – e da sociedade – e a ruptura de nossa situação de dependência em relação às sociedades desenvolvidas”. 

Ele só vai discordar de José Afonso da Silva no sentido de que entende que o papel não será apenas da burguesia, mas também do Estado: 

“(…) é que a soberania nacional – assim como os demais princípios elencados nos incisos do art. 170 – consubstancia, concomitantemente, instrumento para a realização do fim de assegurar a todos existência digna e o objetivo particular a ser alcançado. Neste segundo sentido, assume feição de diretriz (Dworkim) – norma objetivo – dotada de caráter constitucional conformador. Enquanto tal, justifica reivindicação pela realização de políticas públicas”[23].    

Assim sendo, é fácil observar que a soberania nacional proclamada pelo legislador vai muito mais no sentido de se adquirir condições regionais de produção do que propriamente de mercado. Ou seja, talvez pelo fato de o Brasil ter aderido tardiamente ao sistema econômico capitalista pleno, até hoje seu parque produtivo carece de totais condições tecnológicas de produção que o torne independente dos demais centros capitalistas, justificando, nesse sentido, a adoção, neste momento, do princípio da soberania nacional.  

Por outro lado, não se pode acreditar que a globalização (econômica) é um fator de interferência no princípio da soberania econômica, pois, como visto, a soberania não se presta a um estado de isolamento, mas sim de priorização de capacidade de produção das empresas nacionais. O fenômeno da globalização, seja em seu aspecto econômico, comercial ou cultural, é irreversível, mais aceitável na medida em que permite compartilhar os problemas mundiais e transferir a solução para a esfera internacional, sem que com isso a soberania de determinado país seja atingida.  Cabe, então, concentrar-se o entendimento – no sentido econômico – que a globalização permite que o excedente de produção nacional seja escoado para outros mercados, assim como, a necessidade não satisfeita pelo mercado interno, seja coberta por intermédio do fornecimento oferecido pelo mercado internacional.  

E, nesse sentido, Lafayete Josué Petter afirma que: 

“(…) por isso as normas da ordem econômica não podem e não devem apenas restringir-se aos aspectos estritamente internos do desenvolvimento, de modo que o planejamento da atividade econômica precisa considerar os efeitos que se fazem sentir sobre as estratégias no encaminhamento da política econômica internacional. Mas o que parece mesmo destacado no texto é que a consideração de tais aspectos não pode chegar ao ponto de subtrair do país as possibilidades de autodeterminação”[24]. 

7.2. Propriedade privada 

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, já se refere à propriedade privada, porém, ao reiterar o princípio da propriedade privada na ordem econômica, claro está que o legislador se refere à propriedade dos meios de produção, como assevera André Ramos Tavares, ao proclamar que: 

“(…) de acordo com a orientação capitalista seguida pelo constituinte, o princípio do respeito à propriedade privada, especialmente dos bens de produção, propriedade sobre a qual se funda o capitalismo, temperado, contudo, de acordo com o inc. IV, pela necessária observância à função social, a ser igualmente aplicada à propriedade dos bens de produção”[25]. 

Ocorre que, ao contrário, Eros Roberto Grau[26] afirma que: 

“(…) não se trata, pois, no texto constitucional, de atributo conferido ao capital ou ao capitalista, porém, à empresa – ao empresário, apenas enquanto detentor do controle da empresa”. 

Então, por uma questão metodológica, separar-se-á o direito à propriedade privada previsto no artigo 5º, inciso XXII – “é garantido o direito de propriedade”, do direito à propriedade previsto no artigo 170, inciso II – “propriedade privada”.   

A propriedade referida no art. 5º é aquela de caráter geral, prevista no Capítulo I, do Título III, do Livro III do Código Civil – propriedade em geral, cujo artigo 1228 assegura que “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”. Está-se falando, portanto, do caráter genérico de propriedade, da propriedade como gênero.  

Já a propriedade a que se refere o art. 170 diz respeito ao conjunto de bens que compõem o estabelecimento empresarial previsto no artigo 1142 do Código Civil – “considera-se estabelecimento todo o complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária”. Ou seja, a propriedade em proteção na ordem econômica é exclusivamente a dos fatores de produção – elemento de sustentação do sistema econômico capitalista.   

Assim, em apertada síntese, pode-se afirmar que enquanto a propriedade privada prevista no art. 5º está para gênero, a propriedade privada prevista no art. 170 está para espécie a ser aplicada em benefício da sociedade brasileira e não de determinados indivíduos.  

Muito se discute sobre a evolução do direito de propriedade, no entanto, dentro do contexto que aqui se apresenta, resta apenas analisar o direito de propriedade atual, que nasce do exercício do direito de liberdade. O direito de propriedade sobre os meios de produção é forma de se assegurar a liberdade para o exercício da atividade econômica mercantil, como preleciona Lafayete Josué Petter, ao dizer que com o reconhecimento do direito à propriedade estavam “satisfeitas as necessidades da era industrial que surgia, pois a economia dependia de uma liberdade de comércio, o que pressupunha a disponibilidade da propriedade”[27]. 

Mas, é claro que esse exercício de liberdade sobre a propriedade, com o passar dos tempos, ganhou novo contorno, como se verifica do parágrafo 1º do artigo 1228 do Código Civil: 

“(…) o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”. 

Vê-se, ainda, que, da mesma forma que o direito de propriedade aqui vincula os meios de produção, por outro lado, poder-se-ia entender aqui que essa liberdade de propriedade se outorga também ao consumidor – destinatário da produção, a quem não pode ser cerceado o direito de aquisição, conforme preceitua o artigo 39, do Código de Defesa do Consumidor:  

“É vedado ao fornecedor de produto ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

(…);

IX – recusar venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais”. 

É lógico que com isso obriga-se a distinguir a propriedade dos fatores de produção – necessários à fabricação da propriedade dos bens de consumo – resultado final por meio da utilização dos fatores de produção. Ocorre, que após ser concluído o processo produtivo, o produto final passa a integrar o rol de bens que compõem a propriedade privada do empresário, fazendo com que, se analise a propriedade sobre o todo e não apenas em relação às fases produtivas. 

Outra distinção que força-se a observar é a de que enquanto a propriedade do artigo 5º se inseria no contexto dos direitos individuais, a propriedade aqui discutida ganha, até pela relação com o mercado, contorno de propriedade não-individual, determinado assim, pelo caput do art. 170 que estabelece como fim assegurar, a todos, existência digna, conforme os ditames da justiça social. 

Mas, de qualquer forma, pode-se crer que não há no Brasil exercício dominial e absoluto sobre a propriedade, devendo ela atender a uma finalidade maior, denominada de função social da propriedade. 

7.3. Função social da propriedade 

A função social é um princípio que se analisa a partir do direito de propriedade visto anteriormente, que tem o proprietário o direito de usar e gozar tirando todo o proveito de determinado bem ou coisa, porém, essa liberdade de propriedade tem como contrapartida o cumprimento de determinada função social regularmente estabelecida.  

Como asseverado anteriormente, em se tratando de propriedade de meios de produção, o limite do uso da propriedade se vincula ao objetivo maior de se garantir, a todos, a existência digna, ou seja, a satisfação da coletividade é em larga medida, o limite maior da propriedade, configurando assim sua função social, como acrescentou José Afonso da Silva ao proclamar que: 

“(…) o art. 170, III, ao ter a função social da propriedade como um dos princípios da ordem econômica, reforça essa tese, mas a principal importância disso está na sua compreensão como um dos instrumentos destinados à realização da existência digna de todos e da justiça social”[28]. 

Ademais, a função social da propriedade, como trata exatamente de seu exercício (uso e gozo), está correlacionada com os seguintes princípios: soberania nacional (I) – para garantia do desenvolvimento interno, propriedade privada (II) – por inerência, livre concorrência (IV) – uso saudável da propriedade, defesa do consumidor (V) – satisfação da coletividade, defesa do meio ambiente (VI) – produção sustentável procurando preservar o meio ambiente na sua forma natural, redução das desigualdades sociais e regionais (VII) – no interesse da existência digna e busca do pleno emprego (VIII) – não permitir a propriedade como um fator individual.  

E é dentro desse contexto citado, que a função social da propriedade passa a ser denominada de forma mais ampla e ativa, como função social da empresa, destinando-se então, à garantia de todos os demais elementos da ordem econômica explorada pela livre iniciativa. 

Por essa razão é que se afasta o caráter egoístico da propriedade, para se impor ao proprietário, ou no caso da empresa, a quem detenha o seu controle, o dever de exercê-la também em benefício de outrem e não, apenas, de não exercê-la em prejuízo de outrem. Ou seja, o princípio da função social da empresa gera uma regra de comportamento positivo-coletivo a ser exercitado permanentemente pelo empresário ou por quem esteja no controle da empresa. 

O legislador tenta dar efetividade para o cumprimento da função social da empresa, ao estabelecer que tanto o Estado quanto o particular (individual ou coletivamente) podem reprimir a conduta contrária à ordem econômica, ao estabelecer no artigo 29 da Lei nº 8.884/94, que:  

“Os prejudicados, por si ou pelos legitimados do art. 82 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, poderão ingressar em juízo para, em defesa de seus interesses individuais ou individuais homogêneos, obter a cessação de práticas que constituam infração da ordem econômica, bem como o recebimento de indenização por perdas e danos sofridos, independentemente do processo administrativo, que não será suspenso em virtude do ajuizamento de ação”. 

Assim, pode-se dizer que o princípio da função social da empresa é instrumento de garantia do cumprimento da ordem econômica, no uso dos meios privados de produção.  

7.4. Defesa do meio ambiente 

O exercício de atividade econômica produtiva não pode pressupor o uso predatório dos recursos naturais. Logo, ao impor o constituinte que a defesa do meio ambiente seria princípio da ordem econômica, definiu de um lado que o Estado estabelecesse políticas públicas de uso e preservação do meio ambiente e de outro, norma de conduta ao empresário, no sentido de que harmonizasse seus interesses econômicos com o reflexo que o uso econômico do meio ambiente pudesse gerar à sociedade. 

Eros Roberto Grau coloca tal princípio como mais uma conquista social, concluindo que: 

“(…) o princípio da defesa do meio ambiente conforma a ordem econômica (mundo do ser), informando substancialmente os princípios da garantia do desenvolvimento e do pleno emprego. Além de objetivo, em si, é instrumento necessário – e indispensável – à realização do fim dessa ordem, o de assegurar a todos existência digna. Nutre também, ademais, os ditames da justiça social. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo – diz o art. 225, caput”[29]. 

Manoel Gonçalves Ferreira Filho vai um pouco além e elenca tal princípio como imperativo de sobrevivência, ao proclamar que: 

“(…) em boa hora o constituinte se apercebeu que a expansão das atividades tem como limite natural a defesa do meio ambiente. A deterioração deste, ameaça a própria sobrevivência da humanidade”[30]. 

Esse imperativo constitucional, seja de caráter social ou de sobrevivência, gera ao empresário uma obrigação não prevista anteriormente, que é a necessidade de se desenvolver pesquisas para determinar técnicas de uso sustentável dos recursos naturais. Exemplificativamente pode-se citar o caso das madeireiras que, antigamente, faziam o replantio simplesmente no interesse individual, para, futuramente poder novamente extrair do solo outro carregamento de madeira, sendo que, hoje, não há que se falar de replantio apenas para a hipótese futura de colheita e sim de imperativo próprio da exploração econômica de tal recurso, com segurança ambiental.  

De certa forma, a defesa do meio ambiente na exploração econômica parece ganhar conotação de função social, pois as empresas utilizam o marketing da defesa do meio ambiente, como forma de sinalizar o cumprimento de sua função social, o que de todo não é negativo, haja vista que o resultado final é o bem-estar social, como ensina André Ramos Tavares, ao ponderar que: 

“não se pode olvidar que o meio ambiente está protegido com uma única finalidade: propiciar o bem-estar do ser humano, bem como o das futuras gerações”[31]. 

E acrescenta, de forma pontual, que:  

(…) não se poderia sustentar, pois, a proibição de se obter o lucro a partir da exploração do meio ambiente. Pretende-se implantar fórmulas sustentáveis de desenvolvimento, tendo em vista a necessidade de que a evolução não despreze a manutenção de um meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado”[32]. 

Lafayete Josué Petter, mostrando o caráter econômico do Direito Ambiental, o que ao ver do autor deste trabalho pode ser tomado aqui como conclusão, coloca: 

“(…) certo é que as normas de direito ambiental possuem nítido caráter econômico. A própria política nacional do meio ambiente ancora-se em uma finalidade econômica, no sentido mais elevado que a expressão comporta. Assim considerada a questão, parece mesmo natural a Constituição Federal prever a defesa do meio ambiente no capítulo destinado ao exame dos princípios que regem a atividade econômica. Aliás, a conjugação do econômico e do ambiental reconduz, de todo modo, ao que se tem entendido por desenvolvimento sustentável”[33]. 

7.5. Redução das desigualdades sociais e regionais 

A redução das desigualdades sociais e regionais é o puro reconhecimento da condição de subdesenvolvimento existente no país, e que aqui, como princípio da ordem econômica, na busca pelo desenvolvimento econômico se pretender estancar. 

De um lado, tal princípio parece antagônico com o sistema econômico capitalista, haja vista ser de sua essência a acumulação de capital nas mãos de poucos, o que, em regra, inviabilizaria o resultado almejado da redução das desigualdades – distribuição de renda. 

Por outro lado, a intensificação dos fatores de produção, por intermédio da atividade empresarial, faz lembrar os quatro eixos essenciais do sistema econômico capitalista: produção, trabalho, renda e consumo. 

A estimulação da produção nos centros capitalistas gera emprego que, por conseqüência, gera renda, levando as pessoas a consumirem não só para a subsistência como também para satisfação de outros desejos. Assim sendo, a estimulação do sistema econômico capitalista, por si só, de forma automática, caminhará no sentido da redução das desigualdades sociais e regionais – ainda que não coibindo a acumulação de riquezas por poucos. 

É natural que o uso egoístico da propriedade privada como fator de produção poderia fazer com que cada vez mais a mão-de-obra fosse explorada no sentido de se extrair o máximo de lucro, com o mínimo de custo e está aí a importância de relevar a redução das desigualdades como princípio, para torná-la papel de todos (capitalismo moderno) e não apenas instrumento de política governamental obrigatória. Assim sendo, Eros Roberto Grau acrescenta que: 

“(…) o princípio inscrito no art. 3º, III e parcialmente reafirmado no art. 170, IV prospera, assim – ainda que isso não seja compreensível para muitos – no sentido de, superadas as desuniformidades entre os flancos moderno e arcaico do capitalismo brasileiro, atualizá-lo. Aqui também atua como fundamento constitucional de reivindicação, da sociedade, pela realização de políticas públicas. Suas potencialidades transformadoras, por outro lado, são, no entanto, evidentes”[34]. 

Além disso, por ser a redução das desigualdades princípio maior da República (art. 3º, III), a sua inserção no capítulo da ordem econômica e meramente complementar àquilo que se pretende de uma forma geral para a busca da existência digna – finalidade maior da ordem econômica. 

Para se complementar, se faz necessário fazer menção de forma individualizada à questão das desigualdades regionais, proclamadas assim no texto constitucional, em razão das dimensões continentais existentes no país. Logo, a ordem econômica pode ser utilizada como instrumento para o direcionamento da distribuição da atividade produtiva no Brasil, de forma a contemplar todo o contorno geográfico do país – exigindo, portanto, política pública nesse sentido, conforme fica estampado no parágrafo 1º do art. 174 da CF: 

“A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento”. 

De outra forma, não se poderia olvidar um desenvolvimento econômico com vistas a proclamar a existência digna e que atingisse a justiça social. Tanto uma finalidade quanto a outra estão colocadas no sentido mais extenso e amplo, sem considerar dificuldades atinentes a uma ou outra camada social ou regional, razão pela qual, à mercê de políticas públicas e de um desenvolvimento planejado, ficará o princípio em comento. 

7.6. Busca do pleno emprego 

Talvez o mais controverso dos princípios da ordem econômica seja a busca do pleno emprego, não pela sua necessidade ou finalidade, mas sim, pelo seu significado. 

Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho, a busca pelo pleno emprego significa: 

“criar oportunidades de trabalho, para que todos possam viver dignamente, do próprio esforço”[35]. 

Isso parece muito pouco, pois dada a subjetividade de tal princípio não se vislumbraria como poderia servir de contribuição para o aperfeiçoamento do sistema econômico brasileiro, com vistas ao bem-estar social. 

No mesmo sentido, porém, de forma mais ampla, André Ramos Tavares diz que: 

“(…) na criação e aplicação de medidas de política econômica deverá o Estado preocupar-se em proporcionar o pleno emprego, ou seja, situação em que seja, na medida do possível, aproveitada pelo mercado a força de trabalho existente na sociedade”[36]. 

Dessa forma, o princípio em comento ganha uma relevância e um contorno mais objetivo, restando sua função como balizador de políticas públicas de desenvolvimento econômico. 

Eros Roberto Grau, em uma análise muito mais profunda do que as asseveradas anteriormente, coloca o pleno emprego como forma de expansão das oportunidades de emprego, garantia da função social da empresa e restrição à implementação de políticas públicas recessivas, como se vê:   

“Em outros termos – a expansão das oportunidades de emprego produtivo – esse princípio já fora contemplado entre aqueles da ordem econômica na Emenda Constitucional nº 1/69, no seu art. 160, VI. Em razão de ser esse, o imediatamente acima transcrito, o seu enunciado, tomava-se-o, em regra, como se estivesse referido, exclusivamente, ao pleno emprego do fator trabalho. Expansão das oportunidades são expressões que conotam o ideal Keynesiano de emprego pleno de todos os recursos e fatores da produção. O princípio informa o conteúdo ativo do princípio da função social da propriedade. A propriedade dotada de função social obriga o proprietário ou o titular do poder de controle sobre ela ao exercício desse direito-função (poder-dever), até para que se esteja a realizar o pleno emprego. Não obstante, consubstancia também, o princípio da busca do pleno emprego, indiretamente, uma garantia para o trabalhador, na medida em que está coligado ao princípio da valorização do trabalho humano e reflete efeitos em relação ao direito social ao trabalho (art. 6º, caput). Do caráter conformador do princípio decorrem conseqüências marcantes, qual, entre eles, o de tornar inconstitucional a implementação de políticas públicas recessivas”[37]. 

Lafayete Josué Petter, em uma análise da evolução e das influências do uso de tecnologias sobre a redução dos postos de trabalho, vincula o princípio em questão às políticas públicas dizendo que: 

“(…) pelo contrário, como o investimento na produção tem sua propulsão no lucro e não numa política social, pois o investimento privado não abre mão da eficiência para garantir maior taxa de emprego, a qual somente é tomada em consideração na medida em que implementa e garante o interesse particular, todas as políticas públicas ou decisões privadas que resultam em eficiências econômicas derivadas de transformações tecnológicas, modificadoras da realização da atividade econômica (seja do setor primário, secundário ou terciário), têm como conseqüência a menor necessidade de mão-de-obra, com agravamento da situação do emprego. A conclusão é que a concretização do princípio da busca do pleno emprego constitui diretriz fundamental na política econômica adotada, em especial nos papéis reservados ao Estado por força do art. 174 da Constituição Federal”[38]. 

De forma metodológica e a permitir uma conclusão sobre a aplicação do princípio em debate, socorrer-se-á da interpretação sistemática, até por ausência de maiores contribuições doutrinárias, além do que, a maior parte dos constitucionalistas simplesmente deixa de comentar esse princípio ou o fazem de forma meramente superficial.  

O princípio da busca do pleno-emprego, em seu conteúdo, não pode considerar apenas sua interpretação literal para entender-se que pleno-emprego esteja vinculado tão somente à oferta de postos de trabalho e como meio de geração de renda indireta para movimentação do ciclo econômico-capitalista, até porque, se assim fosse, seria fator natural do regime econômico, não se justificando a sua inserção como princípio expresso do sistema. 

Logo, a elevação do pleno-emprego como princípio exige, sim, o alcance estabelecido por Grau, ao proclamá-lo como forma de garantia da função social da empresa e, principalmente, como diretriz determinante para que o Estado estabeleça políticas públicas não só de oferta, mas dentro de um planejamento econômico, de forma a contribuir com o desenvolvimento nacional e a finalidade de existência digna e justiça social.   

7.7. Tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte 

Em primeiro lugar, cumpre esclarecer que empresa de pequeno porte como quis dizer o legislador é a mesma estabelecida no artigo 179 da Constituição Federal – A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas, por meio de lei, assim definida (Lei n º 9.841/99):

“Art. 1º Nos termos dos arts. 170 e 179 da Constituição federal, é assegurado às microempresas e às empresas de pequeno porte tratamento jurídico diferenciado e simplificado nos campos administrativo, tributário, previdenciário, trabalhista, creditício e de desenvolvimento empresarial, em conformidade com o que dispõe esta Lei e a Lei nº 9.317, de 5 de dezembro de 1996, e alterações posteriores.

Art. 2º Para os efeitos desta Lei, ressalvado o disposto no art. 3º, considera-se:

I – microempresa, a pessoa jurídica e a firma mercantil individual que tiver receita bruta anual igual ou inferior a  R$ 433.755,14 (quatrocentos e trinta e três mil, setecentos e cinqüenta e cinco reais e quatorze centavos) (valor já alterado de acordo com o que determina o Decreto nº 5.028, de 31 de março de 2004);

II – empresa de pequeno porte, a pessoa jurídica e a firma individual que, não enquadrada como microempresa, tiver receita bruta anual superior a R$ 433.755,14 (quatrocentos e trinta e três mil, setecentos e cinqüenta e cinco reais e quatorze centavos) e igual ou inferior a R$ 2.133.222,00 (dois milhões, cento e trinta e três mil, duzentos e vinte e dois reais) (valores já alterados de acordo com o que determina o Decreto nº 5.028, de 31 de março de 2004)”. 

Portanto, a empresa de pequeno porte contida no art. 170 da Constituição Federal é gênero, do qual são espécies a micro e a pequena empresa, assim consideradas por um critério econômico de renda bruta anual. 

Como se pode observar, tal princípio visa a diferenciar as diversas empresas por capacidade econômica de faturamento, permitindo, a partir daí, criar condições que permitam um equilíbrio de mercado, ainda que em condições distintas. Nesse sentido, Manoel Gonçalves Ferreira Filho diz que: 

numa era de gigantismo empresarial, a sobrevivência das empresas de pequeno porte é extremamente difícil. São elas, porém, um elemento de equilíbrio e, conseqüentemente, merecem um tratamento especial”[39] 

Lafayete Josué Petter, ao justificar tal tratamento diferenciado, discorre que: 

“(…) de outra banda, certo é que o tratamento jurídico favorecido às empresas de pequeno porte tem variados fundamentos a justificar sua inserção dentre os princípios da atividade econômica. Bem examinadas as disposições relativas à ordem econômica no texto constitucional – sem olvidar que ela é parte integrante e indissociável da Constituição vista em sua inteireza – parece mesmo intuitivo que algo deveria ser feito em relação às empresas de pequeno porte. Pois são elas que mais empregam mão-de-obra, o que nos reconduz à valorização do trabalho humano como fundamento da ordem econômica. São elas que menos investimentos necessitam, havendo expansão do desenvolvimento se trilhados os caminhos em face delas abertos. Demais disso, exercem no contexto da economia um papel mais versátil e próximo do consumidor do que o desempenhado por grandes estruturas empresariais. Obtêm sua aprovação no mercado sem intermediação de pesados investimentos publicitários, indutores de hábitos de consumo, em muitos casos, evidentemente supérfluos. Mas também são elas as que mais dificuldades têm para a obtenção de financiamentos junto às instituições financeiras, daí o necessário tratamento favorecido no respeitante às operações creditícias”[40]. 

São regras, pois, capazes de viabilizar o desenvolvimento econômico por meio de pequenos negócios que, em condições diferenciadas, terão a sua sobrevivência possível, assim colocado por Lafayete Josué Petter: 

“(…) a conclusão se impõe, pois está pressuposto que o tratamento favorecido é decorrente, entre outras razões, das desvantagens comparativas que as menores tem em relação às outras”[41]. 

Viu-se, porém, que os artigos 170 e 179, anteriormente citados, divergem na terminologia utilizada, o que se aclara na lição de André Ramos Tavares: 

“(…) enquanto no art. 170 fala-se de tratamento favorecido, no art. 179 fala-se de tratamento jurídico diferenciado, no sentido de favorecido (o que fica claro pelas referências posteriores constantes do mesmo art. 179). E já que a renda das empresas é o fator determinante para auferir as benesses, seria incongruente admitir esse tratamento para as empresas de pequeno porte (únicas referidas no art. 170), mas recusá-lo para as microempresas que do ponto de vista do critério constitucional seriam as primeiras a necessitar do referido tratamento favorecido. Portanto, quando a Constituição, no art. 170, elencou apenas empresas de pequeno porte, devem-se considerar aí também as microempresas”[42]. 

E, nas palavras de Ives Gandra da Silva Martins, é possível se concluir o que seja o tratamento diferenciado, aqui tomado como princípio, ao proclamar que: 

“(…) tratamento favorecido é tratamento mais benéfico, com menos encargos, ônus e obrigações, com mais apoio, auxílio e suporte das autoridades. Claramente, tal tratamento favorecido não surgirá das empresas concorrentes ou do setor privado. Virá das autoridades, do governo, do Estado, do Poder Público. Nestes termos, exigiu o constituinte. Nestes termos, deve a legislação se orientar”[43]. 

                          Temos assim a análise dos princípios que compõe a ordem econômica nacional. 

8. Conclusão 

                         É possível concluir-se que a Ordem Econômica Nacional foi inserida no texto constitucional com o objetivo maior de estabelecer-se uma delimitação para sua prática econômica. 

                        Ocorre, que quando temos a interdisciplinaridade de ramos científicos temos sempre como complicador o ajuste da dinâmica de cada um para que se torne possível a sua aplicação. De um lado temo a ciência econômica com sua dinâmica que a torna extremamente mutável e de outro a ciência jurídica com seus instrumentos teóricos que não conseguem acompanhar a dinâmica econômica ou social, restando sempre as demandas judiciais no sentido de buscar o necessário ajuste. 

                        Essa imperfeição dinâmica de ajuste é que provoca de um lado a interpretação de que o regramento jurídico da ordem econômica é mais um instrumento meramente teórico, mas se observarmos a questão político-econômica de forma contextualizada, fácil é se concluir que essa estrutura jurídica colocou um freio na voracidade do capitalismo selvagem permitindo essa vertente social verificada no capitalismo brasileiro.

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SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 12ª ed., São Paulo: Malheiros, 1996.

SMITH, Adam. A Riqueza das Nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. 3ª ed., São Paulo: Nova Cultural, 1988.

SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. São Paulo: Malheiros, 1992.

TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. São Paulo: Método, 2003.

 


 

NOTAS

[1] Direito Constitucional Econômico, p. 33.  

[2] Direito Constitucional Econômico, p. 48.

[3] A Ordem Econômica na Constituição de 1988, p. 256.

[4] Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 732.

[5] Curso de Direito Constitucional,  p. 351-352.

[6] Curso de Direito Constitucional, p. 360.

[7] Princípios Constitucionais da Ordem Econômica, p. 145.

[8] A Constituição de 1988: contribuição crítica, p. 209.

[9] Curso de Direito Constitucional, p. 353.

[10] A Ordem Econômica na Constituição de 1988, p. 66.

[11] Curso de Direito Constitucional Positivo,  p. 718.

[12] A Ordem Econômica na Constituição de 1988, p. 60.

[13] Economia e Constituição, Faculdade de Direito – separata do Boletim de Ciências Econômicas, volume XVII, Coimbra, 1974, p. 35.

[14] A Ordem Econômica na Constituição de 1988, p. 72.

[15] Direito Constitucional Econômico, p. 86.

[16] Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 723.

[17] A Ordem Econômica na Constituição de 1988, p. 194.

[18] Princípios Constitucionais da Ordem Econômica, p. 151.

[19] Fundamentação da Metafísica dos Costumes, p. 68.

[20] A Constituição de 1988: contribuição crítica, p. 206.

[21] Direito Constitucional Econômico, p. 138.

[22] Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 724.

[23] A Ordem Econômica na Constituição de 1988, p. 225.

[24] Princípios Constitucionais da Ordem Econômica, p. 191.

[25] Direito Constitucional Econômico, p. 156.

[26] A Ordem Econômica na Constituição de 1988, p. 207.

[27] Princípios Constitucionais da Ordem Econômica, p. 200.

[28] Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 745.

[29] A Ordem Econômica na Constituição de 1988, p. 251.

[30] Curso de Direito Constitucional, p. 356.

[31] Direito Constitucional Econômico, p. 197.

[32] Direito Constitucional Econômico, p. 199.

[33] Princípios Constitucionais da Ordem Econômica, p. 242.

[34] A Ordem Econômica na Constituição de 1988, p. 219.

[35] Curso de Direito Constitucional, p. 356.

[36] Direito Constitucional Econômico, p. 217.

[37] A Ordem Econômica na Constituição de 1988, p. 253.

[38] Princípios Constitucionais da Ordem Econômica, p. 259.

[39] Curso de Direito Constitucional, p. 356.

[40] Princípios Constitucionais da Ordem Econômica, p. 265.

[41] Idem, p. 264.

[42] Direito Constitucional Econômico, p. 224.

[43] Idem, p. 77.

 


 

FONTE BIOGRÁFICA

SERGIO GABRIEL:  Administrador de Empresas e Advogado; Pós-graduado em Administração pela FAAP – Fundação Armando Álvares Penteado; Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela UNIMES – Universidade Metropolitana de Santos; Coordenador do curso de Administração da USF – Universidade São Francisco; Professor de Direito Empresarial e Tributário da USF – Universidade São Francisco; Coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da UNICSUL – Universidade Cruzeiro do Sul; Membro da Comissão de Direitos Autorais da UNICSUL; Professor da INTERFASES – Escola de Prática Jurídica de São Paulo; Professor do EXORD – Curso Preparatório; Professor convidado da ESA/OAB – Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil; Co-autor do livro “Temas Relevantes do Direito”, SP: Lúmen Editora, 2001; Co-autor do livro “Dano Moral e sua Quantificação”, RS: Editora Plenum, 2004; Co-autor do livro “Exame de Ordem comentado e anotado”, SP: Apta Edições, 2005; Co-autor do livro “Exames de OAB”, SP: DPJ Editora, 2005; Autor do livro “Direito Empresarial” da coleção Lições de Direito, SP: DPJ Editora, 2006.

Texto adaptado em 23/07/2007 da dissertação de mestrado do autor defendida junto a UNIMES – Universidade Metropolitana de Santos .

 

Os contratos de franquia e a recente decisão do CADE contra a cláusula de raio em Shopping Centers.

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*Daniel Bushatsky 

A mídia deu grande espaço para a recente decisão do CADE de multar o Condomínio Shopping Center Iguatemi de São Paulo (“Iguatemi”) por inserir em seus contratos a chamada cláusula de raio ou de territorialidade, atitude que restringe a livre concorrência e a livre iniciativa de seus locatários, pois os impede de abrir novas lojas em locais próximos ao shopping. 

A decisão realmente é importante. É por meio dela que poderemos estudar a viabilidade de novos shoppings centers, a modificação do tenant mix de um determinado shopping, bem como a importância do mercado relevante no estudo da concorrência. 

Qual o poder de uma marca na atração de consumidores? Importa a localização do estabelecimento? A loja estar localizada na rua ou estar dentro de um shopping center, que não só é detalhadamente pensado, como também possui infra-estrutura tais como restaurantes, cinema e estacionamento, faz ou não diferença?  

Neste trabalho, tentaremos fazer um inter-relacionamento entre o contrato de franquia, que possui como um de seus pilares a cláusula de raio, com a recente decisão do CADE. Ou seja, até onde esta decisão vinculará os contratos de franquia? De antemão, estabeleça-se que a cláusula de raio é extremamente importante como forma de salvaguardar investimentos e, nos casos da franquia, impedir o canibalismo entre empresas irmãs.

I. O processo administrativo no CADE envolvendo o Shopping Iguatemi.

O processo administrativo foi instaurado com base nos artigo 21, incisos III, IV, e V[1] e no artigo 20, inciso I[2], todos da Lei nº 8.884/94, pela Procuradoria do CADE, que considerou ilegal a utilização da cláusula de raio pelo Iguatemi[3] em seus contratos com os locatários.

Desta forma, seguindo o procedimento administrativo da Lei de Concorrência, foram ouvidos, nesta ordem, a Secretária de Defesa Econômica[4] e o Ministério Público Federal.  Ambos os órgãos, ao contrário do CADE, sugeriram o arquivamento do processo administrativo.

A Secretária de Defesa Econômica (SDE) optou pelo arquivamento do processo ao analisar o “mercado relevante” do Iguatemi e seus principais concorrentes, quais sejam: Eldorado, Morumbi, Jardim Sul, Villa Lobos e Higienópolis. Ao analisar o mercado relevante[5], aferiu que somente o Shopping Eldorado era prejudicado pela cláusula de raio imposta pelo Iguatemi. Observou, também, que tanto o shopping center Villa Lobos, quanto o Shopping Higienópolis nasceram e elaboraram seu Tenant Mix[6] após anos de validade da cláusula imposta pelo Iguatemi[7] aos seus locatários.

Para finalizar a SDE expôs: “Outro ponto que deve ser observado com o devido critério é o fato de que a parte representada já foi condenada anteriormente por inserir cláusula de exclusividade, pela qual os lojistas ficariam impedidos de instalar-se em determinados shopping centers da cidade de São Paulo, o que, comprovadamente , afetava o mercado de shopping centers de alto padrão desta cidade, até porque não se restringia a um único agente e era objetiva no sentido de indicar sobre que agente econômico recairia a restrição”….e concluiu mais a diante: “a restrição aqui imposta não produz efeitos no mercado delimitado”.

Já o representante do MPF, dando aval ao parecer emitido pelo SDE, manifestou – se pelo arquivamento porque: “ Opta-se, pois, por proceder à análise da denominada cláusula de raio nos shopping centers sob a luz da regra da razão, considerando que esta disposição contratual, apesar de restritiva, pode não necessariamente representar infração a ordem econômica. Cabe à autoridade antitruste aferir se o grau de restrição efetivamente decorrente da cláusula se mantém no limite razoável, bastante para, por um lado, garantir a viabilidade do empreendimento shopping center, e, por outro, não sobrestar o desenvolvimento das atividades comerciais dos lojistas ali instalados”.

O CADE, em 04.09.2007, não obstante os pareceres supra citados, concluiu pela punição do Iguatemi, entre outros motivos porque: (i)  a cláusula de raio[8] deve ser analisada à luz da razão e da realidade, e o Iguatemi usa não só a citada cláusula, bem como outras que restringem a concorrência, tal como a cláusula de exclusividade; (ii) as cláusulas de raio não obedecem a um padrão, pelo contrário, são de livre arbítrio do Iguatemi e, muitas vezes, possuem contornos de cláusula de exclusividade; (iii)  a estratégia de copiar o tenant mix do concorrente é visto pela literatura econômica como uma forma de atuação do comércio; (iv) as cláusulas de raio não podem servir para restringir os concorrentes, dando assim, às cláusulas restritivas, o papel que caberia à eficiência  e eficácia das ações comerciais; e, por fim (v) a cláusula de raio eleva o poder de mercado do Iguatemi, bem como os preços cobrados por ele.

E concluiu com o seguinte acórdão: “O Plenário, por unanimidade, conheceu do presente Recurso de Ofício no presente Processo Administrativo, dando-lhe provimento, considerando, por maioria, a Representada, como incursa no art. 20, inciso I c.c. o art. 21, inciso IV e V, da Lei nº 8.884/94, condenando-a ao pagamento de multa no valor equivalente a 2% (dois por cento) do seu faturamento bruto anual, determinando, ainda, a imediata cessação da prática, além de outras determinações, tudo nos termos do voto do Relator, o qual acolheu requerimento do MPF, no sentido de que seja oficiada a SDE, a fim de que seja promovida investigação sobre a prática de cláusula de raio pelos demais Shoppings Centers que integram o mesmo mercado relevante do Iguatemi (Eldorado, Morumbi, Jardim Sul, Villa-Lobos e Higienópolis).Vencido o Conselheiro Sicsú”.

Desta forma, devemos agora não só acompanhar a investigação nos outros shoppings, bem como aguardar provável recurso ao judiciário do Iguatemi, contestando a decisão da autarquia.

II. A Franquia e a cláusula de territorialidade.

A palavra segurança resume a ânsia do investidor em franquias. Ele está atrás da segurança econômica que investir em determinado negócio já consolidado no mercado pode lhe dar.

Nesse passo, a melhor doutrina, na pena de Jorge Pereira Andrade[9], define franquia da seguinte forma: “é um conceito pelo qual uma empresa industrial, comercial ou de serviços, detentora de uma atividade mercadológica vitoriosa, com marca notória ou nome comercial idem (franqueadora), permite a uma pessoa física ou jurídica (franqueada), por tempo e área geográfica exclusivos e determinados, seu uso, para venda ou fabricação de seus produtos e/ou serviços mediante uma taxa inicial e porcentagem mensal sobre movimento de vendas oferecendo para isto todo o seu know-how administrativo, de marketing e publicidade, exigindo em contrapartida um absoluto atendimento a suas regras e normas, permitindo ou não a subfranquia”. (grifo nosso)

A franquia, como todo o negócio, possui pontos positivos e negativos que valem ser destacados para estudo da cláusula de territorialidade, para entender, principalmente, o que esta cláusula visa a proteger. São pontos positivos para o franqueado: associa-se a uma marca consolidada, desenvolve um conceito de sucesso, corre menos risco, tem acesso à profissionalização do negócio, pertence a um todo coletivo, obtém melhor relação investimento/retorno, conta com a cobertura de uma corporação consolidada. Por outro lado: menor grau de liberdade, empreendimento ligado a um parceiro remoto, necessidade de assimilar um conceito estabelecido de negócio, risco associado ao desempenho do franqueador.

Neste sentido, óbvio é que a escolha da marca a que o empreendedor será associado/franqueado, bem como a localização no novo empreendimento depende de uma análise conjunta de franqueado e franqueador, pelo menos na última assertiva.

É corrente que no contrato de franquia, o franqueador seja remunerado, como nos shoppings centers, com porcentagem do faturamento da loja, embora distintas as contrapartidas. Parece óbvio, então, que dois franqueados, um do lado do outro, não é do interesse do franqueador que terá nessas duas lojas a diminuição do faturamento e a concorrência desnecessária entre dois franqueados[10].

Nesta linha de raciocínio, Frans Martins[11] coloca que são cláusulas essenciais aos contratos de franquia o prazo de contrato, delimitação do território e da localização, as taxas de franquia, as quotas de venda, o direito de o franqueado vender a franquia e cancelamento ou extinção do contrato[12].

Ora, nada mais lógico. O investidor ao se interessar por ramo comercial novo precisa conhecer alguns requisitos tais como quanto ele deverá aplicar, onde será seu estabelecimento e suas probabilidade de êxito.

Que nenhum negócio tenha sucesso garantido, não é novidade. Mas, ao se investir em uma franquia, como já dito, os riscos são menores e o poder da marca combinado com o know-how do franqueador devem refletir uma boa entrada no mundo dos negócios.

A partir destas pequenas considerações, trataremos agora de uma das bases do contrato de franquia: a cláusula de territorialidade. A que distância um franqueado deve ficar do outro?

A exclusividade em determinadas regiões tem seu fundamento, segundo Adalberto Simão Filho[13]: “a exclusividade territorial é de profundo interesse do franqueado porque delimitará o campo de sua ação e limitará o acesso de outros integrantes da rede à zona concedida. Protege-se, desta forma, a possibilidade de uma concorrência danosa sobre o franqueado e racionaliza o processo distributivo, evitando-se a saturação de pontos de mercado, quando bem aplicada”.

Conforme se observa, a cláusula de raio[14] ou de exclusividade visa garantir uma interdependência entre as franquias, preservando a capacidade de atrair o público consumidor ao seu estabelecimento.

Não é segredo que a localização do estabelecimento comercial influi no fluxo de público do empreendimento e é por isto que ter como seu vizinho e, pior, sua concorrente, franqueada de mesma cadeia, não fará nada bem para o sucesso do negócio.

É por isto que a cláusula de exclusividade deve respeitar o estudo geográfico de mercado relevante e seu poder[15], ou seja, qual é o público alvo do negócio e qual a possibilidade real de estes visitarem e usarem o negócio.

No caso do Iguatemi, por exemplo, a SDE em seu parecer observou os seguintes tópicos para a definição do mercado relevante geográfico: “Nesse sentido, para a definição do mercado relevante geográfico deste processo, é necessário delimitar a área máxima em que os consumidores (lojistas/compradores) do Shopping Center Iguatemi estariam dispostos a se locomover na hipótese de um abuso da posição dominante. Isso permitiria conhecer todos os shopping centers (de alto padrão) que concorrem com o Iguatemi”. E concluiu que: “dessa forma, define-se, como o mercado relevante deste processo, os shopping centers de alto padrão estabelecidos na zona oeste, norte da zona sul e oeste da zona central da cidade de São Paulo, os quais apresentam um nível de diferenciação correspondente ao do shopping Iguatemi: Eldorado, Morumbi, Jardim Sul, Villa Lobos e Higienópolis (além obviamente do próprio Iguatemi)”.

Nessa linha de raciocínio é que devem ser entendidos o mercado relevante e a cláusula de exclusividade em contratos de franquia[16]. Necessariamente, deve ser feito pelo franqueador (sim, é dele a responsabilidade pelo modelo de negócio e como ele vai se expandir) um estudo econômico do ponto de vista do franqueado, analisando-se os benefícios de serem instalados dois ou mais estabelecimentos em locais não muito distantes, sob pena de canibalismo.

Assim, somente poderá ser permitida cláusula de raio[17] que respeite seu fim essencial: proteger o franqueado contra a predação de um “amigo concorrente”.

III. A cláusula de exclusividade nas franquias na visão da jurisprudência

Como já dito a cláusula de raio é importante instituto para preservar a franquia e vem sendo debatida e aceita nos tribunais brasileiros. Neste sentido, analisaremos duas decisões no presente artigo.

A primeira, extraída do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, demonstra a necessidade de a cláusula em questão ser expressa no Contrato de Franquia, ou seja, ela não pode ser tácita ou implícita, porém, existindo, deve ser cumprida:  

Em primeiro lugar, a alegada exclusividade territorial não restou provada nos autos. O contrato firmado pelas partes não estabeleceu esse direito à fraqueada e, especificamente em relação aos dealers, bem de ver que o contrato em tela foi firmado em 31/05/1999 (f.111/130), e o dos dealers foi em 20/04/1999 (conforme laudo pericial à f. 412).

Assim, não vislumbro a alegada concorrência desleal nem qualquer omissão lesiva aos negócios da apelante, haja vista que a apelada não se colocou impedida de encetar outros negócios em razão do contrato de dealers, ainda que a atuação destes se desse na mesma região.” (Grifo nosso) (Relator Luciano Pinto; Apelação Civil nº. 1.0024.01.586811-0/001; TJMG; data do julgamento: 23/03/2006; data da publicação: 20/04/2006). 

 Já o segundo julgado relata e demonstra a necessidade do franqueador cumprir a cláusula de territorialidade e, em caso de descumprimento, o dever de indenizar a franqueada:

“O primeiro e principal ponto de se reconhecer, à evidência, a violação contratual por parte da Ré é quanto a indispensável necessidade da franqueadora ter preservado a territorialidade e exclusivamente das Autoras mormente quando vários gastos e investimentos ocorreram pelas Suplicantes para fins de execução do contrato, padronização  de pontos de vendas e o mais conexo, como apontado na vestibular.

 Restou incontroverso, tanto que nem a Ré nega tais fatos, que, mesmo havendo contrato com as autoras ultimou por concretizar vendas porta-a-porta, além de autorizar a negociação de seus produtos pelas cadeias de loja Sloper. 

Em momento algum ficou comprovado nos autos, que havia para tanto uma autorização expressa das franqueadoras e/ou eventual mudança no sistema contratual e, cediço que tais procedimentos são incompatíveis com o contrato sub exame, como se fez registrar, pelas considerações doutrinárias acima transcritas.

Bem elucida a R. Sentença, à fl. 1858, segundo parágrafo, in litteris: 

Do inadimplemento contratual surgiram conseqüências danosas para as autoras, que confiaram na segurança apresentada pela ré, quando da contratação, crédulas que teriam o respaldo do grupo de Eike Batista,bem como a divulgação da marca por Luma de Oliveira, conhecida atriz e modelo. Cônscias dos riscos do negócio nunca imaginariam que a franqueadora poderia agir em desconformidade com as cláusulas contratuais, o que foi preponderante para encerramento das atividades da autora 

Aplicável, assim o art.1092 Parágrafo único do CC, que autoriza a condenação nas perdas e danos e, “per viam cosequentiae”, não há como se admitir a reconvenção com cobrança de multa contratual quando a inadimplência e da Ré Reconvinde. 

Reconhecido, pois, o direito indenizatório das autoras, resta estabelecer sua quantificação”(grifo nosso) (Relator: Reinaldo Pinto Alberto Filho; Apelação nº. 22477/02; 4ª Câmara Civil; julgamento em 11/03/2003). 

Resta, portanto, comprovada a validade da cláusula de raio, bem como a necessidade de se respeitá-la, sob pena de qualquer dos contratantes ingressar com ação indenizatória no judiciário. 

Por fim, importante comentário deve ser feito: não há nos tribunais brasileiros muitas decisões sobre a cláusula de raio ou outro litígio decorrente dos contratos de franquia. Disto, de duas uma: ou a cláusula de territorialidade poucas vezes é desrespeitada pelo franqueador ou pela franqueado; ou há, nos contratos de franquia, a inserção de cláusula arbitral para a solução dos litígios decorrentes do contrato. 

A prática vem demonstrando que a segunda hipótese é a mais plausível. Cada vez mais, em diferentes tipos contratuais, observa-se a inclusão do pacto arbitral ou outro meio alternativo de solução de conflitos para, via de regra, agilizar a solução da pendência e entregar a ela a especialidade do(s) árbitro(s) no assunto discutido, com decisões mais justas e técnicas. 

Igualmente, o procedimento arbitral, em geral, é sigiloso, impossibilitando o acesso aos autos e, conseqüentemente, ao objeto discutido, e quais vêm sendo as decisões sobre a cláusula de raio.   

IV. Conclusão 

De todo o exposto, percebemos que a cláusula de territorialidade não vai de encontro à lei nº. 8.884/94, principalmente seus artigos 20 e 21, nos contratos de franquia. 

Ela, ao contrário, objetiva preservar o franqueado e garante, conseqüentemente, lucros a ambos os lados da relação contratual.

É também necessário frisar que tanto a SDE quanto a procuradoria do CADE concordaram, no caso do Iguatemi, que não havia qualquer restrição à concorrência ou a livre iniciativa já que, no caso dos shoppings, deve ser preservado o tenant mix e o investimento feito pelos empreendedores no sentido de atraírem público e lojas. 

Analogamente, o mesmo pode ser dito para as franquias. O franqueado não deve ser prejudicado pela abertura de mais franquias, após determinada a sua região de atuação, sob pena de se aniquilar um dos princípios básicos da franquia, qual seja: a segurança do negócio. 

Observe-se que o CADE não seguiu a decisão dos órgãos acima, pois englobou em sua análise do caso a questão da cláusula de exclusividade posta pelo Iguatemi, que não só se confundia com a cláusula de raio, bem como à luz da razão depredava o princípio da eficiência e eficácia da firma comercial. 

Nessa linha de raciocínio, o parecer do CADE: 

A restrição à liberdade de concorrência dentro do espaço horizontal atingido pelo raio poderia ser mitigada pela competição fora do raio, caso essa última não fosse alvo das cláusulas de exclusividade 

Porém, fácil perceber que nos casos de franquia estamos diante somente da cláusula de raio/territorial que é, conforme exposto, imprescindível para o sucesso econômico do negócio e não da cláusula de exclusividade. 

Não haverá, portanto, infração à ordem econômica ou à livre iniciativa a estipulação de cláusula de raio nos contratos de franquia, garantindo o mercado relevante e segurança nos investimento feito pelo franqueado.  



 

NOTAS

[1] Art. 21. As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no art. 20 e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica; III – dividir os mercados de serviços ou produtos, acabados ou semi-acabados, ou as fontes de abastecimento de matérias-primas ou produtos intermediários;   IV – limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado;  V – criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços;

[2] Art. 20. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;

[3] As normas gerais das locações do Iguatemi dispõem que: “ 5.9 – Os locatários não poderão ter outro estabelecimento (sede ou filial) dedicado ao mesmo ramo de atividade por ele exercida nos respectivos SUC dentro de um raio de 2.500m (dois mil e quinhentos metros), contados do centro do terreno do Shopping Center, salvo autorização da administração 

[4] A Procuradoria do CADE e a Secretária de Acompanhamento Econômico abstiveram-se de emitir pareceres. Aquela por ser a representante do procedimento em estudo, e esta, alegando, com razão, que o processo versa sobre questões jurídicas e não econômicas. 

[5] Na definição de Paula Forgioni: “ o mercado relevante geográfico é a área onde se trava a concorrência relacionada à prática que está sendo considerada como restritiva”, in “Os fundamentos do Anti Truste”, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1998.

[6] Interessante notar que a moderna doutrina e jurisprudência reconhecem o investimento feito pelo shopping para criar seu tenant mix e sua, conseqüente, atratividade perante o público. Porém, observe-se decisão do TJDF, em 20.04.1983, com respaldo no Decreto nº. 24.150/34 (Lei de Luvas): “Dir-se-á que isto representa investimentos e reclama apurada técnica de captação de clientela. Na verdade, ao invés de prestação de serviços altamente especializados, o empreendimento em tela (construir um shopping center) não passa de mero emprego de capital na construção civil projetada para fins comerciais. Se, de certa forma, o sistema cria o chamado “ponto” pelo atrativo de convergência de consumidores não se pode negar, também, que o é comerciante que, com a sua organização e seu esforço operativo, o consolida, captando a freguesia e a tornando habitual. A experiência tem demonstrado que a simples localização do estabelecimento comercial nem sempre é decisiva para a formação da clientela. Esta dependerá, principalmente, da habilidade do próprio comerciante na seleção e apresentação de produtos, e, ainda no ensejar condições favoráveis à sua aquisição. De nada adiantará o “ponto” se o comerciante não souber fazer oferta ao público em condições de competição de mercado traduzidas na qualidade das mercadorias e na acessibilidade de seus preços”. (Relator Valtênio Mendes Cardoso; 2ª Turma Cível do TJDF; Apelação Cível nº. 8.835; julgado em 20.04.1983). 

[7] No parecer da SDE, às fls. 1057: “é incontestável que existem agentes econômicos que potencialmente podem diferenciar o produto (tenant mix) e ingressar no referido mercado. E, para tanto, podem se citar os casos do Shopping Center Higienópolis e do Shopping Villa Lobos, que entraram no mercado recentemente, mesmo com a vigência da cláusula de raio estipulada pela parte representada (Iguatemi), o que somente vem a corroborar o entendimento de que esta restrição não limita a livre concorrência no mercado relevante aqui definido”.

[8] Segue ementa de outro caso no qual o CADE foi contra a cláusula de raio: “Ementa: Processo Administrativo – Conduta: imposição de cláusula de exclusividade territorial (Cláusula de Raio) nos contratos de locação do Shopping Center Norte – Conteúdo da cláusula: proibição dos lojistas de explorar o mesmo ramo de comércio por eles exercidos em um raio de mil metros do shopping, excepcionando-se as lojas pré-existentes à data de assinatura do contrato e as lojas expressamente autorizadas pela representada – Fixação de mercado relevante em Processos Administrativos para apuração de infração contra a ordem econômica: necessidade de se levar em consideração os efeitos da conduta – Mercado relevante fixado: shopping centers de médio padrão nas regiões norte e centro da cidade de São Paulo – Poder de mercado: constatado a partir de sua elevada participação no mercado relevante definido, pela capacidade de restringir concorrentes reais e potenciais e pela existência de barreiras à entrada, que exige altos custos iniciais e, em se tratando do mercado relevante em questão, com alto grau de saturação locacional, além da capacidade de cobrar aluguel substancialmente superior à media de mercado – Cláusula de Raio: não é ilícita per se – Validade da Cláusula do ponto de vista concorrencial: quando adstrita a razoavelmente prevenir comportamentos oportunistas e garantir o retorno do investimento sem impor limites não razoáveis à concorrência no mercado relevante – Razoabilidade da cláusula a ser analisada em cada caso concreto – Inexistência de justificativas econômicas para o presente caso – Efeitos anticoncorrenciais da cláusula de exclusividade territorial caracterizados pela aplicação por tempo indeterminado, pelo modo de implementação e abrangência da cláusula, pelo fechamento de mercado e pela sua utilização para bloquear a diferenciação do concorrente – Infração tipificada pelo artigo 20, incisos I e IV c/c o artigo 21, inciso IV e V, da Lei nº 8.884/94 – Aplicação de multa equivalente a 1% do faturamento bruto da Representada no ano anterior à prática da conduta – Determinação da imediata cessação da conduta infrativa, retirando-se a cláusula de raio dos contratos que a contenha para os lojistas estabelecidos no Center Norte – Outras determinações.

[9] Andrade, Jorge Pereira; “Contratos de Franquia e Leasing”; Editora : atlas; 3ª Edição; fls. 21.

[10] Outra questão que pode gerar problema entre os franqueados, caso não seja ajustada cláusula de territorialidade (raio) estudada diz respeito ao seguinte exemplo: Imagine-se que um franqueado resolva e faça a distribuição de folhetos promocionais. Um estará fazendo a promoção, mas ambos estarão se beneficiando.

[11] Andrade, Jorge Pereira; in “Contratos de Franquia e Leasing”; Editora : Atlas; 3ª Edição; fls. 29.

[12] Outra questão que vale destacar é que o franqueador é quem determina inúmeras particularidades da franquia por meio da entrega de uma “bíblia” com as normas de funcionamento do negócio, tais como: assistir o franqueado na escolha do local e dos equipamentos, fornecer projetos para instalação, já que os padrões são os seus, ou prestar assessoria para sua viabilização, na área de recursos humanos, cooperar na seleção e treinamento do pessoal dentro seus padrões, etc. 

[13] Simão, Adalberto Filho; in “Franchising – aspectos jurídicos e contratuais; Editora : Atlas; fls. 71.

[14] Segundo Pedro Paulo Salles Cristofaro, a cláusula de raio nos shoppings centers prestam-se como: “forma de preservar o potencial que cada lojista tem de atrair público para o shopping, o que tem impacto na própria formação do tenant mix”.  (artigo localizado em http://www.loboeibeas.com.br/artigos_17.htm) 

[15] Às páginas 89 de seu “Direito Concorrencial – as estruturas”, Calixto Salomão Filho explica que: “uma correta definição de poder de mercado deve levar em conta três dimensões: a dimensão substancial (ou dos produtos), a dimensão geográfica e a temporal. Às tradicionais dimensões geográfica e do produto acrescenta-se, portanto, a dimensão temporal.Na verdade , a análise neoclássica tradicional leva em conta na definição do mercado relevante o elemento temporal. Sua discussão é incluída nos mercados geográficos e de produto, permitindo restringir ambas definições (e, portanto, potencilamente indicar no sentido de um maior poder de mercado) em caso de existência de poder na perspectiva de poder temporal, ou seja, em presença de barreiras à entrada”. (Editora: Malheiros; Ano 1998).

[16] A cláusula de territorialidade/exclusividade não é característica somente dos contratos de franquia ou em contratos de aluguel em shopping centers, pelo contrário, ela é de uso comum em inúmeros tipos contratuais e possui papel importante na celebração de negócios. Nesta linha de raciocínio, comentário da lavra de Silvio de Salvo Venosa: “Por seu lado, o distribuidor ou qualquer nome ou natureza jurídica que se lhe dê, não importando qual a modalidade de contrato que lhe permite comercializar bens de terceiros (distribuição, representação, agência, franquia), obtém uma posição vantajosa no mercado, pois em principio, terá exclusividade sobre determinada região ou goza de benefícios e vantagens para adquirir bens da empresa produtora. Geralmente, o nome do produtor já outorga aos intermediários um patamar de ganho superior,. Sob esse prima, a moderna empresa cria uma rede de distribuição, nem sempre juridicamente homogênea, cuja finalidade é cobrir uma cidade, região,  um Estado ou Província, um pais ou o exterior. Essa distribuição mais ou menos ampla seria muito custosa e difícil para que o produtor a encetasse com recursos próprios, além de esbarrar em leis de proteção econômica, que proíbem a cartelização  ou o truste. (Venosa, Sívio de Salvo; in “Direito Civil – Contratos em Espécie” -;Editara Atlas; Quinta edição; p. 330).  

[17] A validade da cláusula de raio é defendida nas apelações n° 477.739-0 – 10ª Câmara do 2° Tribunal de Alçada Cível de São Paulo e na apelação n° 465.935-0/SP – 5ª Câmara do 2° Tribunal de Alçada Cível de São Paulo.

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

DANIEL BUSHATSKY:  articulista

Notas sobre Direito e arbítrio

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*Paulo Queiroz 

Casos:  

1. Arábia Saudita: uma mulher é estuprada por sete homens; submetidos a julgamento, são absolvidos e a mulher condenada, pois, de acordo com os costumes sauditas, uma mulher não pode se encontrar com um homem em lugar público;

2. Inglaterra (Londres): brasileiro, confundido com terrorista, é perseguido e morto por policiais ingleses; os policiais são absolvidos;

3. Brasil: sob proteção da Funai, tribos indígenas praticam infanticídio de gêmeos ou criança com deficiência física.

Todos esses exemplos parecem demonstrar que qualquer conduta, comissiva ou omissiva, dolosa ou culposa, violenta ou não, pode ser considerada conforme o direito (e também contrária, claro), a depender dos interesses, das relações e interpretações em jogo. Dizer simplesmente que nada isso é direito não seria a forma mais adequada de tratar tais questões.

É que o conceito de direito, como de resto todos os demais conceitos a que remete explícita ou implicitamente (v.g., justiça, liberdade, pessoa humana, bem jurídico) são conceitos históricos e, pois, não existem para além do tempo e do espaço; mais: não podemos afirmar se algo é justo ou injusto, lícito ou ilícito, desprezando, sem mais, a religião, os costumes e valores que estão co-implicados nesse processo social de produção de sentidos. Ademais, nossos juízos de valor são juízos analógicos, que remetem, conscientemente ou não, a experiências, sempre novas, de justiça, moral etc.

Exatamente por isso, o que é justo hoje ou o foi ontem não será necessariamente amanhã. Pode ocorrer inclusive de se ter por justo e legal num determinado momento algo que se tornará injusto e ilegal – e eventualmente criminoso – em momento posterior (v.g., a discriminação de homossexuais ou de filhos havidos fora do casamento, danos ao meio ambiente), podendo-se imaginar que no futuro, tal como já ocorre nalguns países, muito do que atualmente é ilegal se tornará legal (e vice-versa), como a eutanásia, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a adoção por tais casais, a mudança de sexo etc.

Apesar disso, haverá quem diga que existem coisas que sempre foram e serão proibidas e permanecerão assim; e o melhor exemplo disso é a proibição de matar, pois sempre existiu e existirá o mandamento “não matarás”.

Mas isso não é verdade, porque historicamente nem todas as pessoas foram consideradas como sujeitos de direito (v.g., estrangeiros, prisioneiros de guerra, mulheres, escravos), os quais podiam ser licitamente mortos em determinadas circunstâncias.

Dir-se-ia que isso é coisa do passado; mas também isso não é correto, porque alguns países (v.g., Holanda) já admitem a eutanásia; muitos adotam a pena de morte (formais e informais); vários permitem o aborto no caso de gravidez que ponha em perigo a vida da gestante ou que resulte de estupro (embora o feto não tenha culpa alguma quanto à violência que o gerou); no Brasil lei há que autoriza a destruição de aeronaves e, portanto, a morte de seus passageiros (ainda que nem todos sejam culpáveis), suspeitas de tráfico de droga, desde que respeitado o procedimento no sentido de fazer o avião pousar conforme determinação do órgão competente.

Dir-se-á que são situações diferentes, mas ainda assim uma coisa é certa: todos esses casos dizem respeito à legitimação da morte de pessoas, inocentes inclusive, sob diferentes pretextos: políticos, jurídicos, morais, religiosos.

Dos casos inicialmente citados, pode-se também concluir que o que é conforme ou contrário ao direito depende dos interesses (especialmente políticos), das leis, dos costumes e da moral que estão em causa. Também por isso, não é exato criticar a justiça ou injustiça de um ato ou instituição (v.g., a escravidão) desconsiderando o contexto em que surgiram. Não é de admirar, por isso, que no futuro, tal como já ocorre nalguns países, se for abolida a repressão ao tráfico ilícito, drogas passem a ser vendidas livremente em drogarias e a história da sua repressão seja vista como selvageria ou algo similar.

Os exemplos citados deixam claro também que absolutamente qualquer ação pode ser considerada conforme ou contrária ao direito. Dito de outro modo: em nome do direito é possível matar, estuprar etc., ainda que eventualmente as leis digam o contrário, mesmo porque todo texto pressupõe um determinado contexto. Quanto ao estupro, bastaria lembrar que em passado recente diversos autores entendiam que mulher casada não podia ser vítima de crime praticado pelo marido em virtude dos deveres do casamento; ainda hoje a doutrina penal entende, em geral, que mulher casada pode, sim, ser vítima de estupro, “desde que tenha justa causa para se opor ao ato”. De acordo com semelhante perspectiva, muitos atos de violência contra a mulher serão considerados como não-violência, como lícitos, e, pois, conforme a lei e o direito.

Ademais, tanto os atos que a lei e o direito pretendem reprimir, como a forma como reagem a isso, são igualmente constitutivas de violência, afinal o direito, especialmente o penal, é lesão de bens jurídicos para proteção de bens jurídicos1, ou seja, é combate de violência por meio de violência. Pode ocorrer inclusive de a resposta do direito implicar violência maior do que aquela que pretende prevenir. Além disso, a pena de morte, as prisões e internação de loucos em hospitais-prisões não são outra coisa senão homicídios e seqüestros patrocinados pelo Estado. Mudam os nomes e a justificação, mas os constrangimentos são os mesmos.

Parece certo assim que qualquer conteúdo pode em tese ser direito2, mesmo porque, a rigor, o direito não está nos fatos, nem nas leis, mas na cabeça das pessoas, afinal o direito é interpretação.

Finalmente, o caráter arbitrário ou não das decisões e instituições jurídicas só pode ser corretamente avaliado tendo em conta a tradição moral, religiosa, política, histórica, econômica etc., na qual estão inseridas, porque, se a ignorarmos sem mais, a arbitrariedade residirá justamente nos nossos julgamentos.

Tudo isso parece demonstrar ainda que o direito é de fato um capítulo da anatomia política3, logo, não é a paz, mas a guerra por outros meios, motivo pelo qual não existe neutralidade quando nos posicionamos juridicamente, porque decisões jurídicas são decisões políticas, inevitavelmente.

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Notas

1 A expressão é de Franz von Liszt.

2 Tal como reconhecera Kelsen, quando, de uma perspectiva distinta, afirmava que “todo e qualquer conteúdo pode ser Direito. Não há qualquer conduta humana que, como tal, por força do seu conteúdo, esteja excluída de ser conteúdo de uma norma jurídica”. Teoria Pura do Direito. S. Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 221.

3 A expressão é de Foucault, que escreve textualmente: “a lei nasce das batalhas reais, das vitórias, dos massacres, das conquistas que têm sua data e seus heróis de horror; a lei nasce das cidades incendiadas, das terras devastadas; ela nasce com os famosos inocentes que agonizam no dia que está amanhecendo. Mas isto não quer dizer que a sociedade, a lei e o Estado sejam como que o armistício nessas guerras, ou a sanção definitiva das vitórias. A lei não é pacificação, pois, sob a lei, a guerra continua a fazer estragos no interior de todos os mecanismos de poder, mesmo os mais regulares. A guerra é que é o motor das instituições e da ordem: a paz, na menor de suas engrenagens, faz surdamente a guerra. Em outras palavras, cumpre decifrar a guerra sob a paz: a guerra é a cifra mesma da paz. Portanto, estamos em guerra uns contra os outros; uma frente de batalha perpassa a sociedade inteira, contínua e permanentemente, e é essa frente de batalha que coloca cada um de nós num campo ou no outro. Não há sujeito neutro. Somos forçosamente adversários de alguém”.

Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1999. pp. 58-59.

 

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

PAULO QUEIROZ:  Doutor em Direito (PUC/SP), é Procurador Regional da República, Professor do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) e autor do livro Direito Penal, parte geral, S. Paulo, Saraiva, 3ª edição, 2006.

Website: www.pauloqueiroz.net


Os consumidores e os produtos adulterados

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*Arthur Rollo  

Não é de hoje que ficamos sabendo de casos de produtos adulterados disponibilizados no mercado de consumo. Tivemos dois casos bem recentes, o do leite longa vida e do frango congelado. 

No caso do leite longa vida, as informações repassadas pela imprensa deram conta de que alguns fornecedores misturaram soda cáustica, para aumentar o prazo de validade,e água e soro, para que o leite rendesse mais. Vimos diversas entrevistas dando conta de que, dada a quantidade de soda cáustica adicionada, não haveria risco para a saúde dos consumidores.

 Mais recentemente, soube-se que o frango congelado, que deveria ter até 6% de água,estava sendo comercializado fora desses padrões por alguns fornecedores. A fiscalização do Ministério da Agricultura comprovou que, em algumas marcas, havia mais de 12% de água.

 Ainda que o produto não ofereça risco à saúde dos consumidores, o simples fato de estar fora das especificações do Ministério da Agricultura já configura o crime previsto no art. 2º, III da Lei n° 1.521/51, que trata dos crimes contra a economia popular. O crime definido na lei é “expor à venda ou vender mercadoria ou produto alimentício, cujo fabrico haja desatendido a determinações oficiais, quanto ao peso e composição.”.

 A mesma lei,no art. 2º, V, define como crime a conduta de “ministrar gêneros e mercadorias de espécies diferentes, expô-los à venda ou vendê-los como puros; misturar gêneros e mercadorias de qualidade desiguais para expô-los à venda ou vendê-los por preço marcado para os de mais alto custo.”.

 Isso significa que, tanto aquele que fabrica quanto aquele que vende, comete crime contra a economia popular, estando sujeito à pena de detenção de seis meses a dois anos e multa.

 Além disso,o consumidor está sendo prejudicado por estar comprando um produto pensando que tem uma propriedade que, em verdade, ele não tem. Essa circunstância já enseja o direito de indenização que será maior caso o problema venha a afetar sua saúde.

 A falta de fiscalização adequada leva a coisas desse tipo. Os maus fornecedores têm que passar a respeitar os consumidores por bem ou por mal. Se não têm consciência do papel que possuem na sociedade e da sua responsabilidade perante os consumidores, devem sofrer as conseqüências de suas más atitudes no pior lugar, que é o seu bolso.

 Além do prejuízo aos consumidores e da insegurança que descobertas de irregularidades como essas causam, acabam sendo prejudicados fornecedores honestos, em decorrência da desconfiança instalada, que se estende aos seus produtos.

 Esperamos que condutas como essas sejam exemplarmente punidas.

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA 

ARTHUR ROLLO:  advogado especialista em Direito do Consumidor.  Mestre e doutorando pela PUC/SP em direitos difusos e coletivos e Professor Titular da mesma disciplina na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo.

 


 

A Ética e o jejum do Bispo

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* João Baptista Herkenhoff 

Não vou examinar neste artigo as questões técnicas relacionadas com a transposição das águas do Rio São Francisco.

Limito-me a refletir sobre aspectos éticos do jejum e oração a que se entregou o Bispo Dom Luiz Flávio Cappio, em protesto contra o projeto de transposição.

É ético jejuar, colocando a própria vida em perigo, em nome de uma causa? O jejum de Dom Cappio é um ato religioso ou um ato político? Se é um ato político, não estará o Bispo usando a força simbólica do solidéu para invadir esfera que não lhe compete, atitude que o colocaria em desacordo com a Ética?

Vamos tentar colocar pistas para o exame destas questões.

Expor a vida a perigo, na defesa de uma causa, não afronta a Ética. Mártires de todos os tempos ofereceram o próprio sangue em holocausto, por fidelidade à Fé. E não apenas nos arraiais do Cristianismo aceitou-se a idéia de que a causa pode sobrepujar a vida. Lembremo-nos do Mahatma Gandhi, apóstolo da resistência civil, que jejuou muitas vezes e ameaçou jejuar até a morte para conquistar a liberdade para seu povo.

O jejum de Dom Cappio é um ato religioso com repercussão na política. É um gesto extremo de dedicação, zelo, amor, compaixão por sua gente.

Os motivos que justificam a atitude do Bispo são motivos éticos. Segundo suas palavras, o projeto de transposição das águas do São Francisco é socialmente injusto. A água a ser transposta é destinada aos grandes empresários, vai passar muito distante das comunidades que realmente necessitam dela. É um projeto ecologicamente insustentável porque vai sacrificar um rio que precisa ser urgentemente revitalizado. Atenta contra a Ética porque transformará a água em objeto de compra e venda quando, na verdade, a água é um bem essencial que não se pode transformar em barganha de mercado.

Dom Cappio não está praticando um ato solitário. Caravanas e mais caravanas de nordestinos estão indo ao seu encontro para emprestar apoio a sua luta.

Como escreveu Gey Espinheira, professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal da Bahia,

“a fome do bispo é a nossa fome de sinceridade, de liberdade, de justiça; a fome do bispo é a sede que todas as águas do São Francisco não saciarão”.

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil está convidando as comunidades cristãs e pessoas de boa vontade a se unirem em jejum e oração a dom Luiz Cappio, em solidariedade à causa por ele defendida.

É contra a Ética que se faça a transposição sem ouvir as comunidades atingidas. Ajusta-se ao caso a consulta plebiscitária que a Constituição Federal prevê no seu artigo 14. As populações envolvidas é que devem dizer se querem a transposição, é que devem discutir as melhores alternativas de abastecimento hídrico para o Nordeste.

Fora disso é o primado do autoritarismo que o povo sepultou com a Constituição cidadã de 1988 e que não pode voltar por caminhos transversos e por razões nada éticas.

 


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA 

João Baptista Herkenhoff é Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo – professor do Mestrado em Direito e escritor.

E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br

 

PENSANDO ALTO
Feliz Sonho Novo!

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*Ari Lima

De que serviria a vida se não fosse para corrigir erros, vencer nossos preconceito e, a cada dia, alargar nosso coração e nosso pensamento?”       Romain Rolland – Jean Christophe

A passagem de ano é uma época de reflexão e de renovação de expectativas. Esta ocasião gera uma motivação especial em nossas vidas. É comum fazermos balanços sentimentais, financeiros, profissionais e de outras naturezas. Arrependemos-nos de coisas que fizemos e de outras que deixamos de fazer, assim como nos conformamos com determinadas situações e nos parabenizamos por realizações alcançadas. Portanto a pergunta é a seguinte: será que podemos utilizar este momento para promover um crescimento pessoal?

Como bem disse Albert Einstein, “A maioria de nós prefere olhar para fora e não para dentro de si próprio”.

Neste final de ano, refletindo, me dei conta de ter escrito perto de cem artigos, que foram publicados em revistas, jornais, portais, sites, blogs e comunidades da internet. Tratamos de assuntos que vão da gestão de carreira e marketing pessoal, ao comportamento humano, passando pelas relações interpessoais, e a influência da inteligência emocional para o sucesso pessoal e profissional. Por isto, e para não cair na tentação de me aventurar na distribuição gratuita de conselhos às pessoas nesta época festiva, pensei em embutir algumas dicas abordadas em meus artigos dentro de uma mensagem de ano novo que gostaria de dedicar àqueles que acompanharam nosso trabalho. Aqui vão elas:

  • Começo destacando que é fundamental em nossa vida termos objetivos bem claros, portanto a primeira dica é: “Tenha sonhos”. Seja passar num concurso, comprar um carro, casar, divorciar, conquistar alguém, acertar na loteria, mudar de vida, viajar, se apaixonar. Não importa, construa um ou mais sonhos importantes o suficiente para dar sentido à sua vida e para se motivar. A vida sem um sonho é um navio à deriva.
  • Respeite a si mesmo, pois só assim as pessoas irão respeitá-lo também. Se prometer, cumpra e se não puder cumprir, avise. Não permita que ninguém brinque com seus sentimentos e com seu destino e não brinque com os sentimentos e com o destino das pessoas. Aqui vai a segunda sugestão: “Tenha princípios e valores, e lute por eles respeitando o direito das pessoas”.
  • Não leve as vida tão a sério a ponto de se tornar carrancudo. O bom humor é um santo remédio, e faz bem à saúde, aos relacionamentos, ao trabalho e à vida. Portanto: “Sorria, e procure incluir o bom humor no seu dia a dia” 
  • A felicidade é muito mais do que um sonho e também é mais do que a ausência do pesadelo, é um direito divino de todos os seres humanos. É preciso buscá-la no trabalho e na vida pessoal, nos relacionamentos afetivos e nas relações familiares. Assim: “Busque a felicidade a todo custo, e em cada dia de sua vida, pois você tem direito a ela”.
  • O medo e a culpa são sentimentos inevitáveis, por isto temos de aprender a conviver com eles. Assim como a dor, eles são uma forma que a natureza tem para nos proteger contra nossa tendência a nos colocar em risco, portanto não se deixe abater por estas sensações e utilize estes sentimentos a seu favor. Por isto: “Aprenda a conviver com o medo e o sentimento de culpa descobrindo o lado positivo destas sensações”. 
  • Cuide de sua mente. Acredite nos seus instintos, confie no seu inconsciente e tenha fé. A parte menos esperta e mais sem graça de uma pessoa é seu lado consciente e racional, ele serve para fazer contas e ganhar dinheiro, mas não nos realiza. É por isto que as crianças são tão espirituosas, alegres e felizes, elas são intuitivas. Minha sexta dica é:Cuide de sua mente, ela é a única passagem que existe para a felicidade”. 
  • Cuide do seu corpo, ele é mais útil a você do que seu carro novo, seu notebook, seu celular de ultima geração e do que sua TV de plasma. Então, porque investimos tão pouco nele? Por esta razão: “Cuide de seu corpo, trate-o com zelo, invista nele todo o tempo e recursos disponíveis”.
  • Aumente sua percepção do mundo, assim você se comunicará melhor com as pessoas e com a natureza. Talvez seja hora de olhar mais cuidadosamente para as pessoas com quem convive, ouvi-las atenciosamente, tocá-las com mais cuidado e carinho, sentir de verdade o aroma da natureza, o gosto dos alimentos e das bebidas que ingerimos. Minha sugestão é: Desenvolva seus cinco sentidos”.
  • Aprenda a tomar decisões baseadas em critérios e valores. Família, dinheiro, profissão, amor, relacionamentos e prazer são alguns dos motivos que nos levam a fazer escolhas. Precisamos ter uma hierarquia de valores e critérios que nos ajudem a tomar as decisões de maneira segura e sem arrependimentos. Portanto: “Tenha critérios para tomar decisões baseadas em seus valores segundo a ordem de importância dos mesmos”.
  • Concluo este conjunto de dicas falando sobre a importância das crenças. É preciso, sobretudo, acreditar em nós mesmos e em nossa capacidade de realização. As crenças são como profecias auto realizáveis, pois quando acreditamos realmente que podemos conquistar alguma coisa, esta fé inabalável exerce um grande impacto sobre nosso comportamento e influencia o resultado final de nossas conquistas. Minha dica numero dez é: “Desenvolva sua fé. Quando tiver objetivos e sonhos creia firmemente que poderá alcançá-los”.

Provavelmente algumas destas sugestões farão muito sentido para você neste momento de sua vida, outras não, por isto sugiro que analise aquelas que podem lhe ser úteis agora, e utilize-as para melhorar sua vida. Em troca, como retribuição, faça uma boa ação nesta passagem de ano. As outras, guarde-as com carinho, pois talvez possam lhe inspirar no futuro.

Feliz ano novo!


 

ARI LIMA:  Empresário, engenheiro, consultor e especialista em marketing e vendas. Desenvolve treinamento em marketing pessoal para profissionais liberais, empresas, escritórios e estudantes universitários. Ministra cursos, seminários e palestras realçando o lado prático e funcional do marketing. Escreve artigos diariamente para diversos sites. Além de uma sólida formação teórica, possui 25 anos de experiência prática em gerenciamento e treinamento de vendedores e de gerentes de vendas, bem como atendimento a clientes.    Fone: 031 3413 9484 / 9187-7121.
Site: www.arilima.com

FONTE BIOGRÁFICA

PENSANDO ALTODefender os pobres… Trocar liberdade por segurança…

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*Elias Mattar Assad

Em junho de 2004, a OABPR realizou um encontro brasileiro para tratar das prerrogativas profissionais. O presidente Manoel Antonio de Oliveira Franco nos incumbiu da coordenação. Os maiores nomes da advocacia brasileira se fizeram presentes. O manifesto final, obra de muitas mãos, destacou: "… A persecução criminal e a execução das penas vêm exibindo, no Brasil, aspectos extremamente preocupantes, especialmente no que concerne aos direitos e garantias fundamentais do indivíduo. De um lado, a banalização da prisão provisória, que encarcera primeiro para investigar depois, tem constituído, com o beneplácito de parcela do Judiciário, aplauso da mídia e omissão de muitas instituições, regra geral. Além disso, tal vulgarização constitui importante fator de esmaecimento do caráter de excepcionalidade que deve marcar a prisão processual; o passo coercitivo subseqüente à prisão temporária é sempre a decretação da prisão preventiva, constrição esta que suprime a liberdade do imputado durante o curso do processo e que colide com o princípio universal da não-culpabilidade ou presunção de inocência. De outra parte, potencializa-se sensivelmente a investigação secreta, realizada, como método de ação, pela Polícia e, não raro, pelo Ministério Público, entregando-se os dois segmentos a perquirições que alcançam, seguidamente, parâmetros constitucionalmente inaceitáveis (chegam informações da existência de células oficiosas de escuta telefônica, devassamento e captação de dados, como estratégia de prospecção geral de delitos, tudo ao largo do controle jurisdicional). Tais procedimentos ofendem o ordenamento jurídico brasileiro, violentando o direito constitucional de intimidade e privacidade. Em suma, constituem hipóteses concretas de infrações penais.

No desenvolvimento de atividades investigatórias, alguns setores das referidas instituições munidos de autorizações judiciais, concedidas sem maior critério, cuidado e prudência, têm invadido escritórios de advogados, violando-lhes os arquivos e o sigilo profissional, e realizando interceptações epistolares, telefônicas, de dados e telemáticas, na busca de possíveis indícios ou provas de atos de terceiros, transformando o exercício da defesa técnica da liberdade humana em atividade de alto risco. Desnecessário pontuar que tais ações, anômalas, sempre cercadas de grande estrépito junto a opinião pública , levam ao desmerecimento os profissionais visados, aviltando-os perante a comunidade profissional e o meio social.

Por último, a maior parte dos meios de comunicação social vem fazendo desmedido alarde desses reprováveis métodos de investigação subterrânea e autoritária, apresentando-os como valor social que se sobrepõe, pelo utilitarismo, à própria garantia das liberdades pessoais, da privacidade, do contraditório e do devido processo legal. Trasmite-se ao público a sensação de que vale a pena se trocarem liberdades e garantias individuais por falsa promessa de segurança e de punição.Também por isso muitos juízes se inclinam ao proferir decisões que , autorizando tais diligências domiciliares, contornam direitos fundamentais, de índole constitucional . Há notícias de que a emissora de televisão aberta contaria com o privilégio da exclusividade na divulgação desses espetáculos policiais em primeira mão, como contrapartida da subliminar mensagem suasória, ao público, de que "punição, a qualquer preço, é preciso, respeito aos direitos constitucionais não é preciso…".

Um grande alerta pois registra a história que aqueles povos que trocaram liberdades individuais por "segurança coletiva" acabaram ficando sem os dois!

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Elias Mattar Assad (eliasmattarassad@yahoo.com.br) é presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas

OBRIGAÇÃO ALIMENTAR DE EX-COMPANHEIRO TJ-GO mantém pensão a ex-companheira

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DECISÃO:  *TJ-GO – Embora tenha reduzido de 25% para 15%, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO) manteve sentença que mandou um ex-companheiro pagar pensão alimentícia correspondente ao seu vencimento à ex-companheira com quem teve seis filhos e cuja relação perdurou por mais de 30 anos. A decisão, unânime, foi relatada pelo desembargador Leobino Valente Chaves e tomada em apelação cível interposta pelo ex-companheiro, ao argumento de que “ficou atestado que a apelada não possui rendimentos que lhe garantam o sustento, sendo que o apelado era o provedor das despesas domésticas até o momento em que deixou o lar”. 

Segundo os autos, o primeiro dos seis filhos desta união estável nasceu em 1970 e, embora até 1981 o apelante fosse legalmente casado, por mais de 20 anos viveu em união estável com a recorrida, como se casados, até a ruptura em 2005. Para Leobino, o dever de alimentar não está condicionado ao reconhecimento judicial prévio da união estável e que a fixação da verba alimentar, provisória ou definitiva, de ser sempre orientada pela aplicação do parâmetro da necessidade do alimentando e da possibilidade do alimentado. Neste sentido, observou que os proventos brutos do apelante em maio de 2006 alcançavam R$ 3.157,30 e que já existe desconto de tal valor da pensão relativa à ex-esposa, expressa em 30%.  

Ao final, o relator disse que “assume contornos de relevância, ainda, a idade avançada do recorrente e seu estado de saúde a requererem cuidados especias” e que diante de tais peculiaridades a redução da pensão alimentícia para o equivalente a 15% dos rendimentos percebidos por ele “é a medida que se impõe”. 

A ementa recebeu a seguinte redação: “Apelação Cível. Ação de Alimentos. Companheira. Equação Necessidade e Possibilidade. Redução. I – A companheira, cuja união perdurou por mais de trinta anos, advindo, inclusive, seis filhos, possui o direito aos alimentos dos quais necessite, não sendo carecedora do direito de ação por ilegitimidade. II – O pensionamento alimentício ancora-se na equação entre as necessidades do alimentado e na possibilidade de prestação do alimentante. Demonstrado que o valor arbitrado quanto aos alimentos está além da capacidade, deve sê-lo reduzido conforme os anteparos mencionados. Apelação conhecida e parcialmente provida”. Apelação Cível nº 114706-0/188 – 200703204992, em 4 de dezembro de 2007. 


FONTE:  TJ-GO,  14 de dezembro de 2007.

HÓSPEDE RECEBE INDENIZAÇÃO DE HOTELHotel deverá indenizar hóspede que fraturou perna durante futebol

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DECISÃO:  *TJ-MTO Hotel Sesc Porto Cercado, localizado no Pantanal mato-grossense, foi condenado a pagar R$ 10 mil de indenização por danos morais a um hóspede que sofreu uma fratura na perna direita devido aos buracos existentes no campo de futebol da empresa. O hotel também não possuía profissional de saúde para prestar os primeiros atendimentos ao hóspede (processo nº. 789/2007). A sentença foi proferida pela juíza Serly Marcondes Alves, titular do Primeiro Juizado Especial Cível do Centro, em Cuiabá.  

Para a magistrada, é inegável a presença dos danos morais amargados pelo reclamante. Além disso, conforme informações contidas nos autos, a empresa não efetuou o translado do hóspede para Cuiabá com as acomodações necessárias ao tipo de trauma sofrido. Na inicial, o cliente alegou que a empresa ainda cobrou-lhe por uma diária que ele sequer usufruiu, juntamente com as entradas de seus sobrinhos, que haviam apenas ido buscar a esposa e filhos dele no local.

"É cediço que o atleta, ao praticar esportes, sofre riscos de acidentes, como toda atividade humana. O esporte do qual o reclamante estava praticando não foge à regra: é por demais conhecido que vários atletas sofrem contusões, trombadas e até paradas cardíacas em jogos de futebol. Entretanto, mesmo com os riscos inerentes a esta prática esportiva, a reclamada, sendo uma prestadora de serviços, deveria manter o campo de futebol em boas condições, porquanto lá são realizados momentos de lazer de seus hóspedes, clientes, que prezam no mínimo pela boa conservação do campo de futebol, ainda mais quando se paga elevadas quantias para passar momentos de lazer", ressaltou a magistrada.

Fotografias anexadas aos autos mostram claramente a existência de buracos no campo, que, segundo a juíza, podem causar aos usuários diversas possibilidades de acidentes, contusões e traumas, como ocorreu com o reclamante. "Tem-se, por este fato, o defeito na prestação de serviço, previsto no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, porquanto não ofereceu a segurança esperada", frisou. Segundo depoimento de um funcionário do hotel, o hóspede se machucou sozinho, pois não houve contato físico com outro jogador.

Conforme a juíza Serly Alves, o ilícito cometido pela empresa se agravou ainda mais pelo fato de o hotel não ter deixado em sua sede qualquer atendimento médico especializado, ou mesmo um enfermeiro para prestar os primeiros socorros. "Caem por terra, portanto, as alegações da reclamada de que possui um enfermeiro qualificado em sua sede, uma vez que não havia na hora do ocorrido qualquer profissional da área da saúde. Tal fato é de suma importância, uma vez que o hotel da reclamada situa-se em local distante de centros médicos, sendo certo que deveria ter uma equipe médica ou de enfermeiros em horário integral para eventuais ferimentos/traumas de seus hóspedes".

O valor da indenização deverá ser corrigido monetariamente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), mais juros de 1% ao mês desde a data da citação.

 

FONTE:  TJ-MT, 14 de dezembro de 2007.