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OBRIGAÇÃO ALIMENTAR APÓS DEZ ANOS DE SEPARAÇÃOEx-mulher tem direito a pensão alimentícia após 10 anos de separação, decide TJ

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DECISÃO:  TJ-GO*  –  “A dispensa do benefício alimentar, por ocasião da separação judicial, não obstaculariza o exercício posterior desse direito por um dos cônjuges, tendo em vista o caráter irrenunciável que se reveste tal obrigação”. Com este entendimento, a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO) manteve sentença da 9ª Vara de Família, Sucessões e Cível da comarca de Goiânia que mandou um ex-marido (servidor público) pagar pensão alimentícia no valor de 10% de seu salário líquido, descontados o imposto de renda e a previdência social a sua ex-mulher, separados judicialmente há mais de 10 anos.  

A decisão unânime foi relatada pelo desembargador Rogério Arédio Ferreira em apelação cível interposta pelo ex-marido. Ele argumentou que para a configuração do dever de alimentar era preciso que estivessem presentes pressupostos essenciais como o vínculo de parentesco, já desparecido por ocasião da separação judicial, bem como o vínculo matrimonial, também rompido na década de 90, além da necessidade do alimentado e a possibilidade econômica do alimentante.

Segundo os autos, o casal ficou casado de 30 de dezembro de 1982 a 18 de fevereiro de 1998, quando foi homologada a separação consensual judicial, tendo a técnica de enfermagem dispensado a pensão alimentícia por possuir um emprego. Entretanto, em 2004, ela foi acometida pela Síndrome do Túnel Carpiano (caracterizada por dor, alterações da sensibilidade ou formigamento nos punhos, geralmente associada com movimentos manuais inadequados ou repetitivos), o que a impediu de trabalhar desde esta época. Afirmou que tem passado por necessidades financeiras, e que o ex-marido está bem empregado como servidor público no Estado do Tocantins, tendo condições de ajudá-la, “já que sobreveio a incapacidade para o trabalho”.

Ao final, o servidor público sustentou que ex-esposa não comprovou sua incapacidade para o trabalho e que já paga a título de pensão alimentícia quase mil reais aos dois filhos que moram com ela. Afirmou que tem ainda mais quatro dependentes e que não pode arcar com mais esta obrigação.

Para Rogério Arédio, uma vez comprovada que houve alteração das condições econômicas em relação às existentes no tempo da dissolução da sociedade conjugal, “induvidosa é a obrigação de prestar os alimentos para aqueles que os reclamam, pois a dispensa não corresponde à abdicação do direito, mas o seu exercício temporariamente”.

Ementa

A ementa recebeu a seguinte redação: “Apelação Cível. Ação de Alimentas. Dispensa dos Alimentos por Ocasião da Separação Judicial Consensual. Necessidade Posterior. Possibilidade. I – A dispensa do benefício alimentar, por ocasião da separação judicial, não obstaculariza o exercício posterior desse direito por um dos cônjuges, tendo em vista o caráter irrenunciável que se reveste tal obrigação. II – Correta a decisão que julga procedente o pedido de alimentos feito pela ex-cônjuge, mormente se restar devidamente comprovado nos autos a necessidade por tais verbas, bem como a possibilidade do ex-cônjuge em prestá-las. Apelo conhecido e improvido”. Apelação Cível nº 117655-7/188 (200704286020), comarca de de Goiânia, em 22 de janeiro de 2008.


FONTE:  TJGO, 29 de janeiro de 2008.

ATENDIMENTO OBRIGATÓRIO DO PLANO DE SAÚDEPaciente com obesidade mórbida ganha direito à cirurgia

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DECISÃO- TJ-RN*  –  Um paciente que sobre de obesidade mórbida ganhou na Justiça o direito de fazer cirurgia de redução do estômago, negado pelo seu plano de saúde. A decisão foi da 3ª Câmara Cível, em julgamento de Apelação Cível quinta-feira, 17, movido pela Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil – CASSI.  

O cliente do Plano de Saúde já havia ganho o direito de fazer o procedimento cirúrgico denominado Gastroplastia Fobi Capella Vídeo Laparoscópica, bem como todos os procedimentos pré e pós -operatórios a ele inerentes, em Ação Ordinária de Obrigação de Fazer c/c pedido liminar de tutela antecipada, com a decisão do Juiz da 1ª Vara Cível de Natal.

O CASSI alegou que o paciente, apesar do quadro de obesidade mórbida, não se encontrava em risco de vida eminente, ademais, sequer se deu ao trabalho de demonstrar o fato constitutivo de seu direito (art. 333, I, do CPC), omitindo que fora convidado pela CASSI para aderir ao plano que contemplava o procedimento cirúrgico, e negou-se, ao tempo que investe contra o contrato firmado sob inequívoca vontade, feito de acordo com a necessidade do associado na época.

Afirmou, que, as provas juntadas comprovam que o cliente há mais de um ano já vinha se preparando para a cirurgia e contudo, não buscou em nenhum momento se adequar ao plano CASSI Saúde Família III, o que enfatiza a sua total falta de vontade em se adequar ao plano oferecido, afastando portanto a idéia de contrato de adesão, pois a parte tem sim poder de escolher o plano que mais se adeque as suas necessidades. Alega ainda que a cirurgia não seria negada caso o autor tivesse migrado para o Plano CASSI Saúde Família III, incabível que a recusa à autorização para o procedimento lhes acarrete dano imediato eis que aquele teve tempo de se adequar ao plano.

O plano de Saúde sustentou que a decisão favorável ao cliente caracteriza enriquecimento sem causa, em detrimento dele e dos demais segurados. Ainda segundo o Plano, o contrato em questão veda expressamente o tratamento de obesidade afastando-se assim a alegação de arbitrariedade ou negligência por parte da CASSI, que apresentou alternativa de solução com a adaptação contratual. A CASSI pediu revogação de sua condenação, a obrigatoriedade do cliente de restituí-la dos valores pagos indevidamente e que o cliente seja obrigado a migrar para o plano Saúde CASSI Família III.

O relator, juiz convocado Kennedi de Oliveira Braga entendeu que a decisão de primeiro grau não mereceu reforma, pois, na sua visão, há perigo de lesão grave e irreparável para o paciente caso tenha de esperar o final da ação judicial, pois é fato notório que as pessoas que sofrem de obesidade mórbida têm aumentados os riscos de desenvolver doenças diversas como diabetes, pressão alta, etc. De outra parte, entendeu que não há qualquer perigo de dano irreparável à CASSI pela realização da cirurgia, bem como, pela determinação de arcar com o tratamento necessário ao pós-operatório.


FONTE:  TJ-RN, 21 de janeiro de 2008.

ATENTADO À DIGNIDADE DA PESSSOA HUMANANome em lista restritiva resulta em indenização de R$20 mil por dano moral

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DECISÃO:  *TST  –  O nome incluído em “lista negra”, que objetivava dificultar o acesso ao mercado de trabalho das pessoas nela incluídas, fez com que ex-tratorista da Coamo Agroindustrial Cooperativa conseguisse na Justiça do Trabalho o direito a receber R$20 mil por danos morais. A Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho restabeleceu sentença da Vara do Trabalho de Campo Mourão, no Paraná, por considerar que houve ato patronal proibido por lei. O valor da indenização, segundo o relator do recurso, ministro Barros Levenhagen, é um elemento inibidor da prática de ilícitos civis, que agridem a intimidade profissional dos trabalhadores.

A lista era chamada PIS-MEL, porque através do número do PIS a empresa recuperava dados sobre os nomes incluídos no sistema de informática. Quem elaborava a PIS-MEL era a Employer Organização de Recursos Humanos Ltda., com informações fornecidas por empresas clientes dela. Trabalhadores que acionaram a Justiça do Trabalho, serviram como testemunhas ou que por qualquer outro motivo não eram bem vistos pelas empresas eram incluídos na lista negra. Agora, cabe às duas empresas, Coamo e Employer, como responsáveis solidárias, o pagamento ao trabalhador da indenização estipulada.

Empregado da Coamo entre junho de 1986 e junho de 1995, o tratorista, após a demissão, ajuizou reclamação trabalhista. Em janeiro de 2004, soube através de terceiros da existência da lista. Posteriormente, soube que o seu nome estava nela inserido desde 24 de fevereiro de 1997. Alega, na ação de danos morais, ajuizada em maio de 2004, que após ter saído da Coamo teve dificuldade para encontrar emprego. Segundo ele, seu último trabalho registrado foi entre abril e novembro de 2002, na empresa Vesagril, e, depois disso, só conseguiu “bicos”, cavando fossas e poços.

No entanto, em seu voto, o ministro Antônio José de Barros Levenhagen, relator do recurso no TST, considerou que “mesmo não tendo havido divulgação da lista, em razão da qual tivesse o trabalhador sido preterido em nova colocação, essa hipótese só teria relevância para caracterização de dano material, que não foi pleiteado”. Para a concessão de indenização por dano moral, foi suficiente estar caracterizado o ilícito patronal com a ofensa à intimidade profissional do trabalhador.

O inciso X do artigo 5º da Constituição Federal elege como bens invioláveis, sujeitos a indenização reparatória, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. ”Está aí subentendida a preservação da dignidade da pessoa humana”, esclarece o ministro Barros Levenhagen. Para ele, a norma constitucional merece “interpretação mais elástica, incluindo constrangimentos pessoais oriundos de ato ilícito, em razão de eles terem repercussões negativas no âmbito da dignidade do trabalhador, por conta da valorização social do trabalho”. (RR – 328/2004-091-09-00.0)

 


 

 

FONTE:  TST, 21 de janeiro de 2008.

APROPRIAÇÃO INDÉBITACondenada filha que se apropriou do dinheiro da mãe

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DECISÃO:  *TJ-RS  –  A 7ª Câmara Criminal do TJRS confirmou condenação de filha se apropriou de R$ 10 mil da mãe, de 72 anos de idade. Para ter acesso à quantia, a ré efetuou empréstimo com desconto em folha de pagamento utilizando o nome da vítima e ficando com a totalidade do valor. O caso ocorreu na Comarca de Bagé.

No recurso, a defesa da ré alegou que as provas apresentadas eram insuficientes para embasar a condenação. A filha admitiu ter efetuado empréstimo junto à financeira, no entanto, afirmou ter entregado o dinheiro à mãe, que lhe repassou cerca de R$ 2 mil. Alegou não saber o destino que a aposentada deu à quantia restante.

Em depoimento, a vítima narrou que a ré, de posse de procuração, e de seus cartões e senhas, contratou o empréstimo sem sua concordância. Revelou que somente tomou conhecimento porque a pensão recebida diminuiu consideravelmente.

Para o relator do recurso, Desembargador Sylvio Baptista Neto, as provas apresentadas são suficientes para comprovar o delito e sua autoria. O magistrado citou observação da Juíza que proferiu a sentença, de que os documentos apresentados confirmam os descontos sofridos pela aposentada para pagamento do empréstimo realizado pela filha.

Destacou que a vítima não obteve qualquer benefício com o empréstimo, já que a ré apoderou-se dos valores. Apontou ainda que deve ser considerada a preponderância de seu depoimento, que está aliado a outros elementos probatórios, sobre a palavra da ré. A pena foi fixada em 8 meses de reclusão, substituída, e 30 dias-multa.

O julgamento ocorreu em 19/12. Acompanharam o voto do relator a Desembargadora Naele Ochoa Piazzeta e o Desembargador Marcelo Bandeira Pereira.  Proc. 70020981080


FONTE:  TJ-RS, 18 de janeiro de2008.

Abuso do direito e seu reflexo na concessão da tutela antecipatória punitiva

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Tassus Dinamarco*

            Na redação do art. 186 do Código Civil, aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito[1]. O art. 5º, X, da Constituição Federal, preconiza com peso de garantia fundamental a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação[2]. Violados esses valores, surge ao agente o dever de indenizar o prejudicado por força da responsabilidade civil contratual ou extracontratual, fato jurídico que é percucientemente aferido pelo juiz no caso concreto, distribuído o ônus da prova, aberto o contraditório e permitindo-se a ampla defesa às partes mediante o devido processo legal. 

            Sabe-se que o ordenamento jurídico estipula o ônus da prova ao autor do fato constitutivo do direito, restando ao réu provar os fatos impeditivos, modificativos e extintivos daquele alegado direito. Essa é a redação do art. 333 do Código de Processo Civil. Autoriza-se, entretanto, que as partes convencionem a distribuição do ônus da prova traçada objetivamente pela lei, salvo quando a mesma recair sobre direito indisponível ou tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito. Ocorrendo isso, há nulidade absoluta do julgado que abandonar esta restrição à liberdade da regra de distribuição do ônus da prova conforme o parágrafo único do art. 333 citado. Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery lembram que “Os direitos indisponíveis não podem ser objeto de transação (CC 841; CC/1916 1035). Por isso que, a respeito deles, não podem ser considerados verdadeiros os fatos alegados na inicial, mesmo que ocorra revelia (CPC 320 II), e não é válida a confissão de fatos relativos a direitos indisponíveis (CPC 351)”[3]; […] “A doutrina mais moderna e as legislações novas têm compreendido bem a problemática que envolve a produção da prova que deve ser feita pelo autor que, por sua vez, não tem acesso a elementos e informações que são de vital importância para a demonstração dos fatos que sustentam seu direito. Nessa linha de considerações está a inversão do ônus da prova que se admite no CDC, em favor do consumidor”[4]. 

            Malgrado possa o juiz distribuir o ônus da prova no caso concreto aplicando a regra de julgamento e alertando as partes nesse sentido, o que se verá adiante, a própria lei traz hipóteses em que o fato constitutivo do direito do autor é dividido ou mesmo transferido ao réu. Entende-se que sem a inversão o direito alegado na petição inicial dificilmente seria provado à luz do art. 333, I, do CPC. Restringindo, exemplificativamente, a prova da verdade, segundo o conceito criado pela responsabilidade subjetiva[5] na demonstração do fato que viola direito de terceiro, onde se exige em situações ordinárias a prova do dano causado, a ação ou omissão do agente e o nexo de causalidade entre a conduta e o resultado, previu o art. 927, parágrafo único, do Código Civil, a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Afastando a regra da responsabilidade subjetiva, tal como prescrevem os arts. 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor, os arts. 931 e 933 do Código Civil trazem a aplicabilidade da inversão do ônus da prova, ou, melhor ainda, o critério de apuração da responsabilidade civil aferida mediante uma causa objetiva, onde o agente que causa o dano tem que demonstrar ao juiz sua irresponsabilidade perante o caso concreto. Essa é a afamada responsabilidade objetiva, de difícil aceitação por aqueles que exercem profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços: os empresários[6]. 

            Sem mais delongas, vamos analisar o art. 187 do Código Civil, onde o abuso do direito[7] reflete a possibilidade de concessão da tutela antecipatória punitiva, atividade processual onde o juiz distribui o ônus da prova, por verossimilhança, e, assim, dá a tutela provisória ao autor em detrimento do réu incumbido de demonstrar fato impeditivo, modificativo e extintivo do alegado direito, cujo fato constitutivo é parcialmente afastado pela responsabilidade objetiva daquele titular de um direito que comete ato ilícito ao exercê-lo com excesso manifesto dos limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. 

            Com efeito, dispõe o art. 187 que comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. 

            Na capital federal Brasília, entre 11 a 13 de setembro de 2002, sob a coordenação científica do gaúcho e ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça Ruy Rosado de Aguiar Júnior, na presidência de Humberto Theodoro Júnior e João Baptista Villela, tendo como relatores Nelson Nery Junior e Renan Lotufo, a I Jornada de Direito Civil do STJ interpretou o art. 187 do Código Civil. O item I, da Parte Geral, número 37, fixou que “A responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa, e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico”. Na IV Jornada, iniciada em 25 de outubro de 2006, não houve alteração do texto aprovado na I Jornada relativamente ao art. 187. Já sobre o art. 927, parágrafo único, do Código Civil, a I Jornada estabeleceu no item III, afeto à responsabilidade civil e cuja Comissão teve como presidentes Roberto Rosas, Irineu Antonio Pedrotti e Iran Velasco Nascimento, tendo, ainda, como relator Adalberto Pasqualotto, número 38, que “A responsabilidade fundada no risco da atividade, como prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do novo Código Civil, configura-se quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar a pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da coletividade”. Na IV Jornada, em adendo ao texto original advindo com a I Jornada, foi aprovado o enunciado 377, que dispôs: “O art. 7º, inc. XXVIII, da Constituição Federal não é impedimento para a aplicação do disposto no art. 927, parágrafo único, do Código Civil quando se tratar de atividade de risco”. 

            Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery dão exemplos de abuso do direito do art. 187 do Código Civil: “a) proprietário que abre poço em seu terreno com o fim de prejudicar uma nascente existente em prédio vizinho; b) proprietário de estreita faixa de terreno, apenas cultivável manualmente, onde não é possível fazer qualquer construção e que provavelmente virá a ser incorporada na estrada com que confina, se opõe a que o dono de uma casa vizinha abra sobre ele janelas a menos de metro e meio de distância; c) assembléia geral de sociedade toma, por maioria, deliberação que visa, não o interesse comum dos associados, mas antes interesses extra-sociais dos sócios majoritários; d) devedor que obsta, com sua conduta, ao exercício tempestivo do direito do credor e invoca depois a prescrição desse direito”[8]. 

            O Superior Tribunal de Justiça se pronunciou a respeito, in verbis: “Age com abuso de direito e viola a boa-fé o banco que se cobra, invocando cláusula contratual constante do contrato de financiamento, lançando mão do numerário depositado pelo correntista em conta destinada ao pagamento dos salários de seus empregados, cujo numerário teria sido obtido junto ao BNDS. A cláusula que permite esse procedimento é mais abusiva do que a cláusula mandato, pois, enquanto esta autoriza apenas a constituição do título, aquela permite a cobrança pelos próprios meios do credor, nos valores e no momento por ele escolhidos”[9]. 

            Constatado pelo juiz da lide o abuso do direito trazido pelo art. 187 abre-se a possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela pretendida no todo ou em parte. Apesar do entendimento majoritário que exige requerimento da parte à concessão da antecipatória, a robustez da prova no processo civil brasileiro autoriza eventual concessão ex officio nestas hipóteses excepcionais. A rigidez da norma que fixa os critérios de distribuição do ônus da prova, instituto de ordem pública, chancela este entendimento, flexibilizando, destarte, o art. 273 do Código de Processo Civil como norma dispositiva da parte. O parágrafo único do art. 333 do código processual reforça a limitação da liberdade na distribuição do ônus da prova. Por isso que a inversão do ônus da prova, que na verdade se trata de regra de julgamento ou de juízo, só pode ser excepcionada pelo magistrado fundamentadamente no caso concreto, na hora em que sanear o feito para que se evitem surpresas aos sujeitos processuais, principalmente àquele que é responsável pela demonstração dos fundamentos de fato e de direito contrários à pretensão do autor. Evidentemente, se não houver discussão de direito indisponível ou se a inversão não se tornar excessivamente difícil a uma parte para que exerça seu direito, há possibilidade de convenção na regra de distribuição do ônus da prova nos termos do art. 333[10]. 

            Segundo o art. 273 do CPC[11], o juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e […] II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. Este inciso é interpretado pela doutrina como hipótese de antecipatória que necessariamente não requer para sua concessão a urgência no julgamento da lide. Não nos parece, entretanto, que seja assim. O tempo do processo é matéria constitucional, não só pela redação constituinte do art. 5º, XXXV, como também pela recente inclusão do inciso LXXVIII no mesmo dispositivo magno, instituído pela emenda constitucional 45/2004. Fora o princípio democrático-republicano que proíbe a exclusão pela lei, decisão judicial ou ato administrativo da apreciação do Poder Judiciário a lesão ou ameaça a direito, exige-se que a todos, no âmbito judicial e administrativo sejam assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Destarte, é preciso ver com ressalvas a clássica menção da doutrina de que a concessão da tutela antecipada do art. 273, II, do CPC, a “antecipação-punitiva”, não se relaciona com a urgência do caso concreto e sim como sanção à parte que retarda injustificadamente o procedimento. A lentidão do processo, sentida principalmente nas regiões mais populosas, expele alegação nesse sentido. Todo processo é urgente e toda concessão de antecipação dos efeitos da tutela pretendida, segundo a estrutura vigente pelo art. 273 do CPC, deve se basear na urgência dos julgados, obviamente com mais intensidade em alguns casos. E negar urgência ao processo, judicial ou administrativo, permitindo-se o odioso retardamento na distribuição da justiça, já é suficiente causa de inconstitucionalidade material por ofensa aos cânones que lutam pela efetividade da jurisdição[12] 

            Aplicando-se a concessão da antecipatória ex officio, justificada pela natureza jurídica de norma de ordem pública do art. 333, temos que é permitido ao magistrado efetivar a tutela provisória ao autor que se depara com réu titular de um direito e que faz de seu exercício um ato ilícito, excedendo manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes nos termos do art. 187 do Código Civil. Em casos tais pode ser deferida a tutela antecipatória punitiva prevista no art. 273, II, do Código de Processo Civil, se constatado o abuso de direito na espécie. 

Citando Salvatore Patti, o paranaense Luiz Guilherme Marinoni afirma que “A necessidade de distribuir o ônus da prova decorre do princípio de que o juiz, mesmo em caso de dúvida resultante de carência de prova, não pode deixar de dar solução à causa. Se o juiz tem o dever de sentenciar, solucionando o mérito, alguém tem que pagar pela carência da prova que o impede de ter um juízo perfeito sobre o conflito de interesses. Nesse sentido a regra do art. 333 é apenas um indicativo para o juiz se livrar do estado de dúvida e, assim, poder definir o mérito”[13]; […] “O art. 273, II, ao admitir a tutela antecipatória lastreada em abuso de direito de defesa, abre oportunidade para a tutela antecipatória – no procedimento comum – baseada em prova do fato constitutivo e defesa indireta infundada”[14]. 

            De acordo com este entendimento, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery[15]. 

            A regra de distribuição do ônus da prova, conforme disposições do direito material e processual mencionados há pouco, pode sofrer inversão de acordo com o caso concreto. O art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, sem sombra de dúvidas aguçou a doutrina e os tribunais sobre a distribuição das provas no processo civil. Não podemos, mesmo assim, restringir a aplicabilidade da distribuição do ônus probatório somente nas relações de consumo, pois além de violarmos disposições expressas a respeito da inversão, estaremos cerceando a regra de julgamento dada ao magistrado. Ademais, quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, diz o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil. Distribuir o ônus da prova de acordo com o caso concreto, de fato, é aplicar um princípio geral de direito processual constitucionalmente destinado ao juiz, que deverá analisar os fundamentos jurídicos da demanda e aplicar o princípio da igualdade se baseando nas circunstâncias de fato e de direito invocadas pelas partes no processo. Ora, soa injusto que o magistrado segregue o art. 333 do CPC da racionalidade do próprio sistema constitucional, devendo, portanto, tratar os iguais na medida de suas igualdades e os desiguais na medida de suas desigualdades conforme o art. 5º, caput, da Constituição Federal[16]. 

            Na aplicação da lei o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum, dispõe o art. 5º da já citada Lei de Introdução ao Código Civil. De acordo com essa norma, aliada à interpretação sistemática da regra de distribuição do ônus da prova, tida como inversão nos casos em que é afastado o comando do art. 333 do CPC, deve o magistrado distribuir o peso da prova da verdade se valendo das premissas processuais que regulamentam seus poderes, seus deveres e sua responsabilidade. O art. 125 do Código de Processo Civil diz que o juiz dirigirá o processo e a ele competirá: I – assegurar às partes igualdade de tratamento; II – velar pela rápida solução do litígio; III – prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça; e IV – tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes. 

            Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias, reza o art. 130 do Código de Processo Civil[17]. Através dessa norma, de cunho geral, pode o magistrado fundamentar a regra de distribuição do ônus da prova às partes, mesmo que se afaste, fundamentadamente, do art. 333 do mesmo código. Corroboradamente, o art. 131 do CPC diz que o juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento. Trata-se do livre convencimento motivado autorizado pelo ordenamento jurídico, vetor do processo judicial constitucional que harmoniza a independência dos poderes do Estado, principalmente do Poder Judiciário, que antes era relegado a aplicar a lei ex officio do mesmo modo que o administrador público. Ao contrário, nos dias que correm o juiz deve interpretar – sem arbítrio – a lei, verticalmente da Constituição para baixo, fundamentadamente, com o objetivo de dar, em tempo útil e adequadamente, tutela à parte que procura a justiça.  

            Ocorre que a regra de distribuição do ônus da prova, ou sua inversão segundo acentua boa parte da doutrina, não pode ocorrer senão quando haja previsão legal a respeito. É a posição do juiz paulista Carlos Fonseca Monnerat, extraída de sua tese de doutorado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, onde foi defendida a inversão do ônus da prova no processo penal brasileiro depois de lauta discussão sobre a teoria geral da prova, nestes termos: “O princípio isonômico da inversão do ônus da prova só é aplicável quando expressamente autorizado, como no microssistema jurídico brasileiro de proteção do consumidor. Celso Antonio Fiorillo, Marcelo Abelha Rodrigues e Rosa Maria Andrade Nery afirmam ser possível o uso da inversão do ônus da prova em qualquer ação civil pública. Baseiam essa afirmação no sentido de que se trata de regra de índole processual e, mesmo fora do Título III do Código de Defesa do Consumidor, que é aplicável às ações civis públicas e poderia ser aplicado por extensão. O Título III do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, denominado Da defesa do consumidor em juízo, trata do regramento processual aplicável. Tais regras são também aplicáveis à ação civil pública, por disposição legal. Ada Pellegrini Grinover pensa de forma diversa. Para ela a inversão do ônus da prova nas lides ambientais não é possível, pois a regra está fora das disposições processuais do Código de Defesa do Consumidor. Essa dúvida sobre a possibilidade de incidência da inversão do ônus da prova nas demandas coletivas ambientais é a explicação, segundo Hamilton Alonso Júnior, para sua não aplicação no dia-a-dia forense. Defende este autor a aplicação do instituto nas ações civis públicas ambientais, firmando posição pelo in dubio pro ambiente. Não concordamos com o posicionamento analógico, extensivo ou de primazia do interesse público. Fosse assim, despicienda a menção da possibilidade de inversão do ônus da prova feita no inciso VIII do artigo 6º do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Regras de exceção não podem ser aplicadas por analogia ou extensão. Apenas quando expressamente autorizadas podem ser aplicadas”[18]. Fiel ao entendimento do magistrado, ou seja, de se permitir a regra de distribuição do ônus da prova somente quando autorizado por lei, temos que o art. 927, parágrafo único, do Código Civil, ainda que em termos genéricos, se compatibiliza com a aplicação do instituto concessório da inversão do ônus de provar na exceção do cotidiano art. 333 do CPC: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. A autorização da regra de distribuição, entretanto, pode ser retirada, também, de outros dispositivos legais, como, por exemplo, os já citados arts. 130 e 131 do Código de Processo Civil ao conferirem disposições gerais sobre regra de julgamento.  

            Mais liberais quanto à autorização ao juiz em conceder a inversão do ônus da prova, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart argumentam: “Há um grande equívoco em supor que o juiz apenas pode inverter o ônus da prova quando pode aplicar o CDC. O fato de o art. 6.º, VIII, do CDC, afirmar expressamente que o consumidor tem direito à inversão do ônus da prova não significa que o juiz não possa assim proceder diante de outras situações de direito material. Caso contrário, teríamos que raciocinar com uma das seguintes premissas: i) ou admitiríamos que apenas as relações de consumo podem abrir margem à inversão do ônus da prova; ii) ou teríamos que aceitar que, ainda que outras situações de direito substancial exijam a possibilidade de inversão do ônus da prova, essas não admitiriam a inversão pelo fato de o juiz não estar autorizado a tanto em lei[19], dando os seguintes exemplos e citando Leo Rosemberg: “Basta pensar nas chamadas atividades perigosas, ou na responsabilidade pelo perigo, bem como nos casos em que a responsabilidade se relaciona com a violação de deveres legais, quando o juiz não pode aplicar a regra do ônus da prova como se estivesse frente a um caso ‘comum’, exigindo que o autor prove a causalidade entre a atividade e o dano e entre a violação do dever e o dano sofrido. Ou seja, não há razão para forçar uma interpretação capaz de concluir que o art. 6.º, VIII, do CDC pode ser aplicado, por exemplo, nos casos de dano ambiental, quando se tem a consciência de que a inversão do ônus da prova ou a redução das exigências de prova têm a ver com as necessidades do direito material e não com uma única situação específica ou com uma lei determinada. Além disso, não existe motivo para supor que a inversão do ônus da prova somente é viável quando prevista em lei. Aliás, a própria norma contida no art. 333 não precisaria estar expressamente prevista, pois decorre do bom senso ou do interesse na aplicação da norma de direito material, que requer a presença de certos pressupostos de fato, alguns de interesse daquele que postula a sua atuação e outros daquele que não deseja vê-la efetivada. Recorde-se que o ordenamento alemão não contém norma similar à do art. 333, e por isso a doutrina alemã construiu a Normentheorie. Da mesma forma que a regra do ônus da prova decorre do direito material, algumas específicas exigem o seu tratamento diferenciado. Isso pela simples razão de que as situações de direito material não são uniformes. A suposição de que a inversão do ônus da prova deveria estar expressa na lei está presa à idéia de que esta, ao limitar o poder do juiz, garantiria a liberdade das partes”[20]. 

            Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira, discorrendo sobre a Teoria da Distribuição Dinâmica do Ônus da Prova, citando Wilson Alves Souza, Antonio Janyr Dall´Agnol Junior, Alexandre Freitas Câmera e um julgado proferido pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em recurso especial, afirmam que o “[…] CPC acolheu a teoria estática do ônus da prova (teoria clássica), distribuindo prévia e abstratamente o encargo probatório, nos seguintes termos: ao autor incumbe provar os fatos constitutivos do seu direito e ao réu provar os fatos impeditivos, modificativos e extintivos (art. 333, CPC). Sucede que nem sempre autor e réu têm condições de atender a esse ônus probatório que lhes foi rigidamente atribuído – em muitos casos, por exemplo, vêem-se diante de prova diabólica. E, não havendo provas suficientes nos autos para evidenciar os fatos, os juiz terminará por proferir decisão desfavorável àquele que não se desincumbiu do seu encargo de provar (regra de julgamento). É por isso que se diz que essa distribuição rígida do ônus da prova atrofia nosso sistema, e sua aplicação inflexível pode conduzir a julgamentos injustos. ‘Não se nega a validade da teoria clássica como regra geral, mas não se pode é admitir tal regra como inflexível e em condições de solucionar todos os casos práticos que a vida apresenta’”. Segundo os diletos processualistas as principais teorias sobre o ônus da prova são as seguintes: “[…] 1) Teoria de Jeremy Bentham; 2) Teoria de Bethmann-Hollweg; 3) Teoria de Gianturco; 4) Teoria de Betti, Carnelutti e Chiovenda; e a 5) Teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova (e a similar teoria do princípio da solidariedade e cooperação de Jorge W. Peyrano e Augusto M. Morello (na verdade, seus principais mentores) […]”[21]. Em síntese, concluem Didier Jr., Sarno Braga e Rafael Oliveira que “[…] a concepção mais acertada sobre a distribuição do ônus da prova é essa última: a distribuição dinâmica do ônus da prova, segundo a qual a prova incumbe a quem tem melhores condições de produzi-la, à luz das circunstâncias do caso concreto. Em outras palavras: prova quem pode. Esse posicionamento justifica-se nos princípios da adaptabilidade do procedimento às peculiaridades do caso concreto, da cooperação e da igualdade […]. Enfim, de acordo com essa teoria: i) o encargo não deve ser repartido prévia e abstratamente, mas, sim, casuisticamente; ii) sua distribuição não pode ser estática e inflexível, mas, sim, dinâmica; iii) pouco importa, na sua subdivisão, a posição assumida pela parte na causa (se autor ou réu); iv) não é relevante a natureza do fato probando -, mas, sim, quem tem mais possibilidades de prová-lo”[22] 

            Vistos os aspectos gerais da regra de distribuição do ônus da prova no processo civil brasileiro, cabível no espaço de nossa apertada síntese, vamos analisar o momento em que o instituto incide no procedimento, antes de concluirmos, com o apoio da doutrina e nossa posição, ao final. 

            Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, com eminência, ensinam que “O juiz é o destinatário mediato da prova, de sorte que a regra sobre o ônus da prova a ele é dirigida, por ser regra de julgamento. Nada obstante, essa regra é fator indicativo para as partes, de que deverão se desincumbir do ônus sob pena de ficarem em desvantagem processual. O juiz, ao receber os autos para proferir sentença, verificando que seria o caso de inverter o ônus da prova em favor do consumidor, não poderá baixar os autos em diligência e determinar que o fornecedor faça a prova, pois o momento processual para a produção dessa prova já terá sido ultrapassado. Caberá ao fornecedor agir, durante a fase instrutória, no sentido de procurar demonstrar a inexistência do alegado direito do consumidor, bem como a existência de circunstâncias extintivas, impeditivas ou modificativas do direito do consumidor, caso pretenda vencer a demanda. Nada impede que o juiz, na oportunidade de preparação para a fase instrutória (saneamento do processo), verificando a possibilidade de inversão do ônus da prova em favor do consumidor, alvitre a possibilidade de assim agir, de sorte a alertar o fornecedor de que deve desincumbir-se do referido ônus, sob pena de ficar em situação de desvantagem processual quando do julgamento da causa”[23]. 

            Muito embora se referindo às relações de consumo, o posicionamento de Nery Jr. e Rosa Nery se aplica, também, nas relações de direito material alheias ao regime jurídico instituído pela Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990.  

            Fábio Guidi Tabosa Pessoa tem o seguinte entendimento: “Aspecto de especial relevância diz respeito, outrossim, ao momento apropriado à inversão do ônus da prova, se desde logo, no início do processo, se por ocasião do saneamento ou se, por fim, ao ensejo da própria sentença; em torno dessas possibilidades, a primeira é a que suscita menores dificuldades. Não que, juridicamente, seja vedado ao juiz, em face de requerimento trazido pelo consumidor já na petição inicial, apreciar de imediato o tema, estabelecendo antes mesmo da citação que o ônus se transfira ao fornecedor. Decisão em tal sentido se afigurará, entretanto, normalmente prematura, em primeiro lugar porque perfeitamente possível (e mais do que isso, recomendável) ao juiz que aguarde as razões da defesa para que melhor possa aquilatar, do contexto das alegações de ambas as partes, a presença ou não dos requisitos autorizadores da inversão; a par disso, não trará na prática benefício algum ao consumidor, já que a real utilidade da inversão se fará sentir a partir da fase probatória, nenhum inconveniente havendo pois em que se enfrente a matéria apenas nesse momento. No que se refere ao saneamento, outrossim, convém ressaltar que a alusão se faz em função da percepção de que esse o momento a rigor apropriado para a delimitação pelo juiz dos fatos controvertidos e para o deferimento das provas que em torno deles hão de se produzir. Tecnicamente, todavia, não há diferença em ser a inversão deliberada no próprio saneador ou antes dele, e mesmo depois, mas antes de encerrada a instrução, de modo que a dicotomia se põe acima de tudo entre dois pontos fundamentais: deve o juiz decidir a respeito no curso do processo ou apenas na decisão da causa? A primeira solução nos parece, indiscutivelmente, a única aceitável. Com efeito, embora respeitável doutrina sustente tese oposta (v., por todos, Grinover e Watanabe, Código de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, p. 494), o raciocínio vem centrado, pelos defensores dessa corrente, na idéia já antes referida da mera regra de julgamento, em si mesma acertada, mas não exauriente do conteúdo do ônus da prova. Insista-se que antes de ser dirigido ao juiz é ele endereçado às partes, e somente nesse sentido se autoriza o uso da expressão ônus; por outro lado, de se ter presente que a inversão judicial, tal qual prevista, implica o estabelecimento pelo próprio magistrado de regra procedimental nova, válida para o caso concreto, que necessariamente há de se pautar pelo respeito a cânones constitucionais como o do devido processo legal e o da ampla defesa (cuja acepção é sabidamente mais ampla do que a de simples admissão de defesa técnica do réu). Assim sendo, é fundamental que os preceitos objetivos atinentes ao caso sejam estabelecidos em termos úteis, acompanhados de mecanismos que possibilitem aos litigantes a efetiva possibilidade: I) de se desincumbirem em termos práticos dos encargos a eles impostos; e II) de participação no desenrolar do processo. Nessa linha de pensamento, falar em ônus a quem nada mais pode, dado o momento processual, provar, é mera ilusão, de modo que a inversão na sentença, não bastasse a surpresa acarretada ao novo ‘contemplado’ – pois retira dele toda e qualquer possibilidade de atuação em face da nova definição adotada -, traz também ínsita a perspectiva, a nosso ver inconstitucional, de estabelecimento de uma regra com força retroativa, abrindo espaço à apreciação pelo juiz, na decisão final, e em função de norma processual nova criada apenas nesse momento, de situação passada, visto que em última análise se prestará aquela à apreciação dos efeitos da anterior atividade probatória das partes (ou, mais propriamente, à aplicação das conseqüências relativas à insuficiência dessa atividade); no extremo, o enfoque exclusivo sobre o ônus da prova como critério de julgamento permitiria, por hipótese, tomar por aplicáveis de imediato novas regras legais sobre sua distribuição promulgadas depois de remetidos os autos ao juiz para sentença, perspectiva que certamente foge ao razoável. A questão fica solucionada, é bem de ver, pelo mero fato de a lei já prever a hipótese de inversão, ou por eventual advertência que o juiz faça às partes em torno dessa possibilidade (ou mesmo iminência), pois em qualquer caso se voltará ao ponto inicial. Primeiro, a inversão não é efeito automático da lei (se fosse, deixaria de ser inversão, ou mesmo ato judicial, e passaria a ser regra originária de ônus), de modo que indiferente a mera remissão ao texto legal. Por outro lado, em torno da suposta advertência, revela-se inócua: ou, coerentemente com ela (e inclusive a esvaziá-la), o juiz, desde logo, de fato inverte o ônus da prova no curso do processo, eliminando o problema, ou não o faz, e nesta última hipótese, por ausente decisão específica, terá se limitado a inutilmente repetir, sem qualquer efeito palpável, o texto legal (sempre restando a possibilidade, caso depois venha a inversão na sentença, de o prejudicado alegar que não provou porque assim não foi estabelecido, pela lei ou pelo juiz, em tempo hábil). A advertência, enfim, seria nesse contexto um nada jurídico. Acertada, assim, nos parece a posição adotada por Carlos Roberto Barbosa Moreira, no sentido de que deva a inversão anteceder o início da instrução (Notas sobre a Inversão do Ônus da Prova em Benefício do Consumidor, pp. 135-139), embora, insista-se, excepcionalmente também se possa cogitar da inversão já no curso da instrução (ou mesmo depois de encerrada, mas com a respectiva reabertura), como também entende o ilustre processualista”[24] 

            Ainda que admitamos se tratar de regra de julgamento ou de juízo, a inversão do ônus da prova deve ser lembrada às partes antes de aberta a instrução dos autos. Sem isso, inegavelmente há indigesta surpresa àquele que, pelas circunstâncias do caso concreto, se incumbe a demonstrar os fatos alegados ou resistidos à revelia da literalidade do art. 333 do Código de Processo Civil. Ao sanear o feito, portanto, deve o juiz alertar as partes sobre a peculiar exceção à aplicabilidade irrestrita da norma geral do art. 333, seja ou não perante as relações de consumo conforme se viu com o lastro da doutrina e a cláusula geral encontrada no parágrafo único do art. 927 do Código Civil.  

            Se o direito em litígio não admitir transação, ou se as circunstâncias da causa evidenciarem ser improvável sua obtenção, o juiz poderá, desde logo, sanear o processo e ordenar a produção da prova, nos termos do § 2º do art. 331 do Código de Processo Civil, define o § 3º do mesmo dispositivo acrescido pela Lei 10.444, de 7 de maio de 2002.  

            Relevando-se a discussão que recai em face do ato processual de saneamento, se é despacho ou decisão interlocutória, passível de ser agravada neste último caso, é no saneamento do processo[25] que o juiz indica às partes a subjetividade do julgamento que será instruído com a inversão do ônus da prova ou distribuição de ônus através do ato processual que singulariza determinada regra de julgamento, aferível casuisticamente, estribado na lei e sob o regime constitucional vigente apto a reconhecer as vicissitudes da vida humana apreciadas pelo Poder Judiciário[26]. 

            Em conclusão, salvo nas hipóteses em que cabível a concessão da antecipatória liminarmente, sem audiência de justificação do requerente e sem ouvir a parte contrária, ao sanear o processo e determinar a distribuição do ônus da prova, inclusive com a possibilidade de inversão da regra prevista no art. 333 do Código de Processo Civil, abrindo-se a oportunidade à parte demonstrar os fundamentos de fato e de direito de suas alegações, nada obsta que o magistrado defira a tutela provisória com fulcro no inciso II, primeira parte, do art. 273 do mesmo Código em razão do abuso no direito de defesa processual provocado pelo abuso de direito material do art. 187 do Código Civil.

 


 

NOTAS

[1] Dispunha o art. 159 do revogado Código Civil de 1916: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto neste Código, arts. 1.518 a 1.532 e 1.537 a 1.533”;

[2] Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo I, Dos Direitos e Garantias Individuais e Coletivos. 

[3] Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 7ª ed., RT, SP, 2003, p. 724, nota 11;

[4] Idem, nota 12.

[5] Sobre a responsabilidade subjetiva, v. Rui Stoco, in Tratado de Responsabilidade Civil, Responsabilidade Civil e sua Interpretação Doutrinária e Jurisprudencial, RT, SP;

[6] Art. 966 do Código Civil.

[7] A “ilicitude” do ato praticado com abuso de direito possui natureza objetiva, aferível, independentemente de culpa e dolo (RJTJRS, 28:373, 43:374, 47:345; RSTJ, 120:370, 140:396, 145:446; Súmula n. 409 do STF), aponta Maria Helena Diniz, in Código Civil Anotado, 11ª ed., Saraiva, SP, 2005, p. 219.

[8] Código Civil Anotado e Legislação Extravagante, 2ª ed., RT, SP, 2003, p. 256, nota 11;

[9] STJ, 4ª T., REsp 250523-SP, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, v.u., j. 19.10.2000, DJU 18.12.2000, RSTJ 145/446.

[10] Sobre o estudo sistemático das provas, v. Cândido Rangel Dinamarco, in Instituições de Direito Processual Civil, III, 4ª ed., Malheiros, SP, 2004, p. 527 e ss.; 

[11] Tramita no Senado Federal o Projeto de Lei 186/2005, cuja pretensão é dar novas disposições ao art. 273 do Código de Processo Civil na tentativa de conciliar a fungibilidade entre a antecipação da tutela e a medida cautelar.

[12] Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo I, Dos Direitos e Garantias Individuais e Coletivos.

[13] Abuso de Defesa e Parte Incontroversa da Demanda, RT, SP, 2007, p. 52;

[14] Idem, pp. 98/99;

[15] Código Civil Anotado e Legislação Extravagante, 2ª ed., RT, SP, 2003, p. 256, nota 14.

[16] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade […].

[17] No sentido de que, em qualquer caso, cabe ao juiz determinar de ofício a realização de provas que julgue necessárias (art. 130), José Carlos Barbosa Moreira, in O Novo Processo Civil Brasileiro (Exposição sistemática do procedimento), 25ª ed., Forense, RJ, 2007, p. 56.

[18] Inversão do Ônus da Prova no Processo Penal Brasileiro, Comunnicar, SP, 2006, pp. 127/128.

[19] Curso de Processo Civil, v. 2, Processo de Conhecimento, 6ª edição revista, atualizada e ampliada da obra Manual do Processo de Conhecimento, RT, SP, 2007, pp. 267/268.

[20] Curso de Processo Civil, v. 2, Processo de Conhecimento, 6ª edição revista, atualizada e ampliada da obra Manual do Processo de Conhecimento, RT, SP, 2007, p. 268. 

[21] Curso de Direito Processual Civil, Direito probatório, decisão judicial, cumprimento e liquidação da sentença e coisa julgada, editora JusPODIVM, v. 2, Salvador/Bahia, 2007, pp. 61/62;

[22] Idem, p. 62.

[23] Código Civil Anotado e Legislação Extravagante, 2ª ed., RT, SP, 2003, p. 915, nota 19.

[24] Código de Processo Civil Interpretado, coordenador Antonio Carlos Marcato, Atlas, SP, 2004, pp. 1006/1008.

[25] “Considerando que as partes não podem ser surpreendidas, ao final, com um provimento desfavorável acerca da inexistência ou da insuficiência da prova que, por força da inversão determinada na sentença estaria a seu cargo, parece mais justa e condizente com as garantias do devido processo legal a orientação segundo a qual o juiz deva, ao avaliar a necessidade de provas e deferir a realização daquelas que entenda pertinentes, explicar quais serão objeto de inversão” (TJSP, AI nº 121.979-4, 6ª C. Dir. Priv., rel. Des. Antonio Carlos Marcato, j. 7/10/99);

[26] Poder da república que diz, ao final, o direito.

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

TASSUS DINAMARCO: Advogado, pós-graduando em Processo Civil pela Universidade Católica de Santos/SP.

Multa de 10% do art. 475-J e os Juizados Especiais

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Des. Moacir Leopoldo Haeser* 

A olhos vistos o legislador processual caminha no sentido da simplificação dos procedimentos, muitas vezes atingindo frontalmente alguns cânones cartorialistas, gerando naturais resistências. 

Nunca fui contra os processualistas, que se dedicam a elucidar tão misterioso mister, dissecando os princípios científicos que norteiam o direito processual.

Sempre me preocupou, no entanto, em minha longa carreira de Juiz, houvesse necessidade de tantos compêndios sobre direito processual para explicar o que para mim deveria ser simples: o processo, mero instrumento para realização da justiça, deveria ser tão simples que prescindisse de tão complexas explicações, pois deve vencer a causa quem tem o melhor direito, não quem tem o melhor advogado.

Não deve o direito perder-se entre filigranas jurídicas, estratagemas processuais ou maior ou menor acuidade e conhecimento do advogado sobre os meandros processuais.

Muitas e muitas vezes lamentei ao ver a garimpagem de nulidades, o formalismo sepultando o direito e o soçobrar da justiça frente a uma mera nominação de ação proposta, quando, exaustivamente discutida a causa e identificado o direito, bastaria “dar a cada um o que é seu”.

No rumo dessas auspiciosas alterações, abreviando demorada execução da sentença e dando maior efetividade às decisões jurisdicionais,o art.475-J do Código de Processo Civil, introduzido pela Lei n° 11.232[1], prevê MULTA para o caso do devedor, condenado ao pagamento de valor já definido, não o efetuar no prazo de 15 dias. Trata-se de incentivo ao cumprimento espontâneo da condenação, evitando-se a sobrecarga do Poder Judiciário e a postergação do direito do credor, punição pela recalcitrância e efeito da sentença condenatória, ope legis.

O termo da contagem do prazo tem gerado alguma controvérsia na doutrina, porém aos poucos vai se assentando o melhor entendimento de que o prazo decorre automaticamente do trânsito em julgado.

Alguns tem defendido que corre da sentença ou do acórdão (Apelação Cível Nº 70017661646, 17ª Câmara Cível, TJRS) – o réu pode recorrer ou cumprir o julgado – se assumiu o risco de recorrer e o recurso foi improvido, incorre na multa – solução que não me parece a mais adequada.

Outros, que a multa exigiria o retorno dos autos ao Juízo de origem e a intimação pessoal do devedor (Agravo Interno, art. 557, CPC Nº 70018256347, Décima Segunda Câmara Cível, TJRS), não só do seu advogado, invocando-se as dificuldades práticas de emissão da guia de pagamento, a impossibilidade de impor-se ao procurador o ônus de cientificar o outorgante e a finalidade coercitiva da multa.

Penso, no entanto, que o legislador buscou dar efetividade à sentença, exigindo jurisdicionalmente o pagamento tão logo cesse a possibilidade de modificação do julgado, pelo trânsito em julgado ou estabelecido o valor a ser pago, se necessária liquidação. O cumprimento da condenação não é um interesse meramente privado do credor, mas uma exigência da jurisdição, uma decorrência da prestação jurisdicional, onde se incluem os princípios da dignidade, seriedade e efetividade da Jurisdição prestada, estas reafirmadas na possibilidade de advertência do Juiz ao devedor (art.599, 600 e 601, do CPC)[2].

Assim, a multa de 10% sobre o valor do débito, estabelecida no art.475-J do Código de Processo Civil, incide automaticamente se o débito não for pago no prazo de quinze dias do trânsito em julgado da condenação, se líquida, dependente apenas de cálculo aritmético[3], ou fixada em liquidação, tese sufragada pelo STJ no Resp n° 954859, primeira manifestação do Tribunal sobre a questão, onde diz:

“O termo inicial dos quinze dias previstos no Art. 475-J do CPC, deve ser o trânsito em julgado da sentença. Passado o prazo da lei, independente de nova intimação do advogado ou da parte para cumprir a obrigação, incide a multa de 10% sobre o valor da condenação. Se o credor precisar pedir ao juízo o cumprimento da sentença, já apresentará o cálculo, acrescido da multa. Esse o procedimento estabelecido na Lei, em coerência com o escopo de tornar as decisões judiciais mais eficazes e confiáveis. Complicá-lo com filigranas é reduzir à inutilidade a reforma processual.

“O bom patrono deve adiantar-se à intimação formal, prevenindo seu constituinte para que se prepare e fique em condições de cumprir a condenação”, afirmou o relator,  ministro Gomes de Barros em seu voto. E segue: “se, por desleixo, o advogado omite-se em informar seu constituinte e o expõe à multa, ele (o advogado) deve responder por tal prejuízo”(Resp 954859, Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS). 

A multa incide sobre o total do débito ou do saldo, quando houver pagamento parcial, e decorre do inadimplemento. Não tem cunho de direito material, mas legal. Sua incidência é ope legis e não depende de ato ou da vontade do juiz. Incide “de forma automática caso o devedor não efetue o pagamento no prazo concedido em lei” como manifesta o ex-Ministro Athos Gusmão Carneiro, em artigo na REVISTA AJURIS Nº 102, p.63, junho/2006. 

Assim, na sentença condenatória por quantia líquida (ou na decisão de liquidação de sentença), a lei alerta para o ‘tempus iudicati’ de quinze dias, concedido para que o devedor cumpra voluntariamente sua obrigação. Tal prazo passa automaticamente a fluir, independente de qualquer intimação, da data em que a sentença (ou o acórdão, CPC art. 512) se torne exeqüível, quer por haver transitado em julgado, quer porque interposto recurso sem efeito suspensivo.”

 

“A multa de dez por cento, prevista no texto legal, incide de modo automático caso o devedor não efetue o pagamento no prazo concedido em lei. Visa, evidentemente, compeli-lo ao pronto adimplemento de suas obrigações no plano do direito material, desestimulando as usuais demoras ‘para ganhar tempo’. Assim, o tardio cumprimento da sentença, ou eventuais posteriores cauções, não livram o devedor da multa já incidente.“ (REVISTA AJURIS Nº 102, P.63, junho/2006).

 “O descumprimento da obrigação reconhecida na sentença condenatória enseja, independente de pedido da parte credora, a incidência da penalidade prevista em lei. A medida não tem sua aplicação sujeita ao arbítrio do juiz, visto que a norma é taxativa ao impor a incidência da multa no caso de não pagamento, não sendo faculdade do magistrado aplicá-la, ou mesmo deliberar acerca do percentual a ser imposto”, como já afirmou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul  (Agravo nº 70016938706,18ª câmara Cível, Relator Des. André Luiz Planella Villarinho).

 Não há que aguardar o retorno dos autos, a intimação do advogado de que os autos retornaram ou a intimação pessoal do devedor para efetuar o pagamento, pois se exige deste que, espontaneamente, cumpra a condenação imposta pela Jurisdição à qual deve submeter-se.

 Caso não tenha ocorrido o pagamento, a intimação do devedor ocorrerá, já com a multa, da penhora e avaliação, efetuadas por indicação do credor, na pessoa de seu advogado, ou pessoalmente, quando poderá impugnar o valor executado, seguindo-se a alienação.

 Os problemas práticos de implantação de um novo sistema são normais e as dificuldades de pagamento devem ser solucionadas administrativamente, não devendo servir para desvirtuar a efetividade que o legislador buscou implantar.

 Nesse sentido já agiu prontamente a Corregedoria-Geral da Justiça, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que baixou o Provimento n° 20/2006[4] disciplinando a questão e instruindo sobre a forma de realização do depósito.

 Dessa forma, não deve servir de empeço ao pagamento espontâneo o fato de encontrarem-se os autos ainda no Tribunal, nem se exige a intimação pessoal do devedor para fluência do prazo, uma vez que a efetividade jurisdicional, como efeito da sentença, impõe o cumprimento da obrigação tão-logo se torne certo o valor da condenação.

 Os mesmos princípios tem plena aplicação no Juizado especial Cível, pois as regras de Processo Civil aplicam-se supletivamente à Lei n° 9.099. Basta a leitura atenta dos seus arts.52 e 53, verbis: 

Art. 52. A execução da sentença processar-se-á no próprio Juizado, aplicando-se, no que couber, o disposto no Código de Processo Civil, com as seguintes alterações:

III – a intimação da sentença será feita, sempre que possível, na própria audiência em que for proferida. Nessa intimação, o vencido será instado a cumprir a sentença tão logo ocorra seu trânsito em julgado, e advertido dos efeitos do seu descumprimento (inciso V);

Art. 53. A execução de título executivo extrajudicial, no valor de até quarenta salários mínimos, obedecerá ao disposto no Código de Processo Civil, com as modificações introduzidas por esta Lei.

O Código de Processo Civil, portanto, aplica-se supletivamente em tudo que não estiver expressamente excepcionado na regra especial, podendo ser facilmente notado que a Lei n° 9.099 andou à frente do Código de Processo e inovou em muitas matérias que agora estão definitivamente incorporadas ao caderno processual. Note-se que o espírito da lei é o mesmo do Código: agilizar a execução, evitar a repetição de atos, proporcionar o espontâneo e rápido cumprimento da sentença, dando efetividade à prestação jurisdicional, inclusive com a dispensa de nova citação, agilização da penhora e intimações na pessoa do procurador. 

Observe-se, ainda, que a Lei Especial prevê expressamente a MULTA para as obrigações de natureza diversa (fazer,não fazer) e impõe, na de pagar, a obrigação de que seja efetuado imediatamente após o trânsito em julgado, referindo que “o vencido será instado a cumprir a sentença tão logo ocorra seu trânsito em julgado”. 

Ora, o Código de Processo estabelece o prazo – 15 dias – e a conseqüência do não pagamento: MULTA DE 10%. A incidência é ope legis, independendo da vontade, de ato ou manifestação do julgador, tendo plena aplicação aos Juizados Especiais. 

Essa questão já foi examinada e aprovada no Fórum Nacional de Juizados Especiais (FONAJE), que estudando as recentes alterações sofridas pelo Código de Processo Civil e os reflexos que têm apresentado no âmbito da Lei 9.099/95, editou vários enunciados, entre os quais se destaca: 

Enunciado 97.

 

O artigo 475-J do CPC – Lei 11.232/05 – aplica-se aos Juizados Especiais, ainda que o valor da multa somado ao da execução ultrapasse o valor de 40 salários mínimos.

 

Este enunciado deve ser lido conjuntamente com o enunciado 105.

Ambos tratam da multa moratória estabelecida no art. 475-J do Código de Processo Civil, com a redação que lhe deu a Lei 11.232/05, disciplinando seus reflexos no sistema dos Juizados Especiais.

Preceitua o referido artigo: "Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento (…)".

Agora, juntamente com a multa cominatória do art. 52, inciso V, da Lei 9.099/95, temos a multa moratória do art. 475-J do Código de Processo Civil. As duas incidem nas execuções e podem ultrapassar o valor de alçada dos Juizados Especiais.

Essa orientação já havia sido preconizada no enunciado 25, e se repete para pontuar que a multa moratória do art. 475-J do CPC também não se submete ao teto legal do art. 3°, inciso I, da Lei 9.099/95.

 

Enunciado 105.

 

Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa, não o efetue no prazo de quinze dias, contados do trânsito em julgado, independentemente de nova intimação, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de 10% (dez por cento).

O enunciado, com sua redação claramente inspirada no art. 475-J do CPC – com a redação que lhe deu a Lei 11.232/2005 –, suscita algumas observações.

Primeiro, a contagem do prazo para incidência da multa se inicia do trânsito em julgado, ou seja, pressupõe execução definitiva – o que não está expresso no art. 475-J do CPC.

Pretende-se, assim, que nos Juizados Especiais a multa não recaia em execução provisória ou seja utilizada com finalidade inibidora de recurso.

Segundo, quando o enunciado menciona pagamento para não incidência da multa, permite duas interpretações.

A literal pressupõe que o devedor pague e não apenas garanta o juízo. Esta exegese deve ser evitada, pois onera o simples oferecimento de embargos.

A interpretação teleológica, por sua vez, apregoa que se o devedor garantir o juízo, afastará provisoriamente a incidência da multa, ainda que tecnicamente não se tenha efetuado o pagamento.

Em qualquer dos casos, resta claro que se acolhidos os embargos, a multa não subsistirá. Também não remanesce dúvida de que, se liminarmente rejeitados, incidirá a multa. Mas se forem julgados improcedentes, o que acontecerá?

O enunciado e tampouco o art. 475-J do Código de Processo Civil respondem a esta indagação. Alguns sustentam que a falta de menção expressa não pode agravar a situação do devedor.  Porém, essa interpretação ofende o espírito do enunciado.  A intenção tanto do art. 475-J como deste enunciado é evitar procrastinação, incentivando-se o pagamento espontâneo do débito. Se este não ocorreu – qualquer que seja o motivo (ainda que pela improcedência de embargos) – o devedor sofrerá imposição da multa moratória de 10% (dez por cento).  Corrobora essa conclusão o inciso II do parágrafo único do art. 55 da Lei 9.099/95, que manda condenar o embargante sucumbente ao pagamento de custas. Estas custas, tal qual a multa moratória deste enunciado e do art. 475-J, são instrumentos de desestímulo aos embargos, penalizando o embargante vencido. Outro ponto importante deste enunciado foi a desnecessidade de prévia intimação do devedor para pagar o débito, como condição de incidência da multa do art. 475-J do CPC. Com efeito, nesse tema, o FONAJE apenas reiterou o entendimento que já havia firmando em seu enunciado 38, no sentido de que a execução se inicia com atos de constrição, independentemente de citação ou prévia intimação do devedor, nos termos do art. 52, inciso IV, da Lei 9.099/95.

Por fim, a crítica que se pode fazer a este enunciado é a mesma que se apresenta ao art. 475-J, pois limitou o percentual da multa em 10%. Ideal seria a adoção de percentual ilimitado, a critério do juiz, como ocorre com o art. 461 do CPC e com o art. 52, V, da Lei 9.099/95.Fonte: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9040. 

O intérprete deve ler as modificações com novos olhos, pois há uma natural resistência às inovações, levando muitas vezes conceituados processualistas a esvaziar promissoras mudanças legislativas, com sua leitura viciada à luz de práticas superadas e que nada acrescentam ao objetivo agilizador adotado pelo legislador ou à efetividade da justiça tão arduamente buscada pelo prejudicado. 

A multa de 10%, ora introduzida, deve ser tornada efetiva em todos os casos, acabando-se com o vício da postergação do cumprimento das decisões judiciais e com a condenável prática de utilizar-se do Poder Judiciário como meio de descumprir ou retardar o cumprimento de obrigações, no que é useiro e vezeiro o Poder Público e suas entidades.

Àquele que buscou o Poder Judiciário para socorrer-se da violação de seu direito não se oferece uma bela sentença para emoldurar num quadro, pois espera que o seu Juiz lhe alcance efetivamente o bem da vida que,com o processo judicial, busca alcançar.

 


 

NOTAS

[1] Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação

[2] Art. 599. O juiz pode, em qualquer momento do processo: I – ordenar o comparecimento das partes; II – advertir ao devedor que o seu procedimento constitui ato atentatório à dignidade da justiça. 

Art. 600.  Considera-se atentatório à dignidade da Justiça o ato do executado que: I – frauda a execução; II – se opõe maliciosamente à execução, empregando ardis e meios artificiosos; III – resiste injustificadamente às ordens judiciais;  IV – intimado, não indica ao juiz, em 5 (cinco) dias, quais são e onde se encontram os bens sujeitos à penhora e seus respectivos valores. 

Art. 601. Nos casos previstos no artigo anterior, o devedor incidirá em multa fixada pelo juiz, em montante não superior a 20% (vinte por cento) do valor atualizado do débito em execução, sem prejuízo de outras sanções de natureza processual ou material, multa essa que reverterá em proveito do credor, exigível na própria execução. Parágrafo único. O juiz relevará a pena, se o devedor se comprometer a não mais praticar qualquer dos atos definidos no artigo antecedente e der fiador idôneo, que responda ao credor pela dívida principal, juros, despesas e honorários advocatícios.

[3] Art. 475-B. Quando a determinação do valor da condenação depender apenas de cálculo aritmético, o credor requererá o cumprimento da sentença, na forma do art. 475-J desta Lei, instruindo o pedido com a memória discriminada e atualizada do cálculo

[4] – Considerando o advento da lei federal nº 11.232/05, que acrescentou o artigo 475-J ao Código de Processo Civil, impondo multa de dez por cento àquele que, condenado ao pagamento de quantia certa ou já estabelecida em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias;

– Considerando a possibilidade de interpretação no sentido de que a fluência desse prazo se dê a partir do trânsito em julgado e quando os autos ainda se encontrem no Tribunal. considerando a competência do juízo de 1º grau para os atos de cumprimento da sentença, salvo quando o processo se origine no Tribunal, 

 considerando, por fim, que a falta de regulamentação pode acarretar o direcionamento de petições ao 2º grau, gerando atos desnecessários e que possam retardar a celeridade processual pretendida a partir da alteração legislativa, artigo 475-P, Incisos I e II, DO Código de Processo Civil

– Resolve prover:

  Art. 1º – a parte que pretenda promover, por sua conta e risco, depósito em conta judicial, para não responder pela multa a que alude o artigo 475-J, CAPUT, do código de processo civil, deverá fazê-lo no juízo de 1º grau, ainda que os autos se encontrem no Tribunal, salvo nas hipóteses em que o processo seja da competência originária do Tribunal de Justiça, caso em que o depósito será feito diretamente no 2º Grau.

– Parágrafo único – a expedição de guia para depósito pela serventia judicial será feita à vista dos elementos de cálculo fornecidos pelo devedor. ART. 2º – A realização do depósito será imediatamente comunicada, por petição, ao juízo de 1º grau ou ao relator do processo, conforme se trate das hipóteses do caput do artigo anterior.

 PARÁGRAFO ÚNICO – REALIZADO O DEPÓSITO E RECEBIDA A PETIÇÃO INSTRUÍDA DA GUIA, APÓS intimação do credor proceder-se-á à autuação destes documentos, como expediente avulsos com o mesmo número do processo de conhecimento (numeradas as folhas no canto inferior direito), procedendo-se a respectiva anotação no sistema informatizado (até liberação do sistema Themis informar no campo ‘observações’ e ‘local dos autos’ que o processo de conhecimento está em 2º grau). Havendo pedido de liberação do valor depositado pelo credor, será este juntado ao expediente e submetido à apreciação judicial. cópia do alvará expedido também deverá permanecer entranhada ao expediente até retorno do processo de conhecimento, quando serão, as peças, a este juntadas e numeradas da forma usual, descartando-se a capa.

Art. 3º – a pretensão liberatória e a ordem de levantamento em favor do credor sujeitam-se a exclusivo critério jurisdicional, inclusive quanto à apresentação de cópias para tanto necessárias, quando feito o depósito origem e os autos do processo não estiverem na serventia. PROVIMENTO Nº 20/06-CGJ/ RS” (Provimento Nº 20/06-CGJ DESEMBARGADOR JORGE LUÍS DALL’AGNOL CORREGEDOR-GERAL DA JUSTIÇA – publicado no “dj” nº 3.399, fl. 02, de 24-07-2006.

 

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

MOACIR LEOPOLDO HAESER:  *Desembargador Aposentado do TJRS e Advogado em Santa Cruz do Sul, RS.

E-mail: moacirhaeser@viavale.com.br

Delícias de não ser jovem

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*João Baptista Herkenhoff

 

As pessoas idosas não têm o direito de guardar para si a experiência que a vida proporcionou. Está certo o filósofo inglês Alfred Whitehead quando ensina que a experiência não é para ser guardada. Alguma coisa temos de fazer com ela.

Quando eu estava na magistratura ativa, proferi palestras fora do Estado, porém com muita parcimônia porque o ofício de juiz me prendia à comarca. Aposentado como juiz, mas continuando ativo na Universidade Federal do Espírito Santo, ainda aí a liberdade de viajar era restrita em face dos compromissos do magistério regular.

Só depois de aposentado na Justiça e na Universidade, é que pude voar amplamente.

Falando aqui e ali, ia sorvendo e continuo a sorver minha aposentadoria. Dos Estados brasileiros só não fui a Tocantins e Amapá.

Falei para advogados, a convite da OAB federal e de Conselhos Seccionais.

Disse a palavra solicitada em Universidades, a chamado de estudantes ou de professores.

Levei meu modesto verbo, em diversas cidades, a colegas da magistratura ativa.

Falei para membros do Ministério Público, inclusive na Escola Superior do Ministério Público, sediada em Brasília.

Falei para serventuários da Justiça num congresso da categoria.

Falei a profissionais alheios ao mundo do Direito: servidores da Fazenda Pública, jornalistas, educadores populares, engenheiros, arquitetos, enfermeiros, professores de primeiro e segundo grau.

De eventos de Igreja participei, no Brasil e no Exterior, não apenas daqueles promovidos pela Igreja a que pertenço, mas também de encontros ecumênicos, comungando sonhos de um mundo fraterno com cristãos de diversas denominações, muçulmanos e judeus.

Com minha família fui à Europa, com passagens que ganhamos da Varig, em circunstâncias muito interessantes. Marquei o lançamento de um livro meu, em Vitória, na abertura de um encontro nacional de Faculdades de Direito. No dia do evento, autor presente, convidados presentes, coquetel à disposição dos convivas, falta o ator principal: o livro que seria lançado. O pacote de livros, que se destinava a Vitória, foi parar em Belém. Fico envergonhado diante de tanta gente que compareceu à solenidade. Escrevo uma carta ao presidente da Varig, sem nada pedir.

Apenas relatando minha decepção. O presidente sensibiliza-se:

“Meu prezado escritor,

Não há indenização compatível com o dano emocional que lhe foi causado. A Varig quer lhe proporcionar uma alegria. Escolha qualquer cidade do mundo, onde pousam aviões da Varig, e daremos passagens de cortesia, para o senhor e sua família”.

Conto a história a minha mulher e lhe pergunto: qual o destino? Ela não pestaneja: Paris, capital do mundo. E de Paris, um pulo na Grécia, berço da Antigüidade.

A aposentadoria não tem de assinalar o encerramento de atividades úteis. Novas experiências podem ser descortinadas. Que cada um encontre seu caminho. Que a sociedade não cometa o desatino de desprezar a sabedoria dos mais velhos.


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

João Baptista Herkenhoff é Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo – professor do Mestrado em Direito, e escritor. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br

Família normal?

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* Maria Berenice Dias  

Será que hoje em dia alguém consegue dizer o que é uma família normal? Depois que a Constituição trouxe o conceito de entidade familiar, reconhecendo não só a família constituída pelo casamento, mas também a união estável e a chamada família monoparental – formada por um dos pais com seus filhos -, não dá mais para falar em família, mas em famílias.

Casamento, sexo e procriação deixaram de ser os elementos identificadores da família. Na união estável não há casamento, mas há família. O exercício da sexualidade não está restrito ao casamento – nem mesmo para as mulheres -, pois caiu o tabu da virgindade. Diante da evolução da engenharia genética e dos modernos métodos de reprodução assistida, é dispensável a prática sexual para qualquer pessoa realizar o sonho de ter um filho.

Assim, onde buscar o conceito de família? Esta preocupação é que ensejou o surgimento do IBDFAM – Instituto Brasileiro do Direito de Família, que há 10 anos vem demonstrando a necessidade de o direito aproximar-se da realidade da vida. Com certeza se está diante um novo momento em que a valorização da dignidade humana impõe a reconstrução de um sistema jurídico muito mais atento aos aspectos pessoais do que a antigas estruturas sociais que buscavam engessar o agir a padrões pré-estabelecidos de comportamento. A lei precisa abandonar o viés punitivo e adquirir feição mais voltada a assegurar o exercício da cidadania preservando o direito à liberdade.

Todas estas mudanças impõem uma nova visão dos vínculos familiares, emprestando mais significado ao comprometimento de seus partícipes do que à forma de constituição, à identidade sexual ou à capacidade procriativa de seus integrantes. O atual conceito de família prioriza o laço de afetividade que une seus membros, o que ensejou também a reformulação do conceito de filiação que se desprendeu da verdade biológica e passou a valorar muito mais a realidade afetiva.

Apesar da omissão do legislador o Judiciário vem se mostrando sensível a essas mudanças. O compromisso de fazer justiça tem levado a uma percepção mais atenta das relações de família. As uniões de pessoas do mesmo sexo vêm sendo reconhecidas como uniões estáveis. Passou-se a prestigiar a paternidade afetiva como elemento identificador da filiação e a adoção por famílias homoafetivas se multiplicam.

 Frente a esses avanços soa mal ver o preconceito falar mais alto do que o comando constitucional que assegura prioridade absoluta e proteção integral a crianças e adolescentes. O Ministério Público, entidade que tem o dever institucional de zelar por eles, carece de legitimidade para propor demanda com o fim de retirar uma criança de 11 meses de idade da família que foi considerada apta à adoção. Não se encontrando o menor em situação de risco falece interesse de agir ao agente ministerial para representá-lo em juízo. Sem trazer provas de que a convivência familiar estava lhe acarretando prejuízo, não serve de fundamento para a busca de tutela jurídica a mera alegação de os adotantes serem um "casal anormal, sem condições morais, sociais e psicológicas para adotar uma criança". A guarda provisória foi deferida após a devida habilitação e sem qualquer subsídio probatório, sem a realização de um estudo social ou avaliação psicológica, o recurso interposto sequer poderia ter sido admitido.

Se família é um vínculo de afeto, se a paternidade se identifica com a posse de estado, encontrando-se há 8 meses o filho no âmbito de sua família, arrancá-lo dos braços de sua mãe, com quem residia desde quando tinha 3 meses, pelo fato de ser ela transexual e colocá-lo em um abrigo, não é só ato de desumanidade. Escancara flagrante discriminação de natureza homofóbica. A Justiça não pode olvidar que seu compromisso maior é fazer cumprir a Constituição que impõe respeito à dignidade da pessoa humana, concede especial proteção à família como base da sociedade e garante a crianças e adolescentes o direito à convivência familiar.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

MARIA BERENICE DIAS:  Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito das Famílias-IBDFAM

www.mariaberenice.com.br

 

 

O dies a quo na multa do art. 475-J, caput, do CPC

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* Tassus Dinamarco

É acirrado o debate na doutrina e nos tribunais acerca do termo inicial da multa prevista no caput do art. 475-J do Código de Processo Civil na redação da Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 20051.

Antes de tudo, vejamos o teor do dispositivo emendado ao código processual: “Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação”2.

Para o carioca José Carlos Barbosa Moreira “A cominação tem o intuitivo escopo de incentivar o executado a pagar desde logo. Se isso acontecer, haverá ainda a vantagem de poupar ao órgão judicial o trabalho de fazer prosseguir a execução, e ao exeqüente as despesas necessárias a esse prosseguimento. O pagamento pode ser feito direta e pessoalmente ao credor, ou a quem tenha poderes para receber em seu nome. Se a oferta parecer insuficiente ao credor, este ficará livre de recusá-la (art. 581), restando ao executado a possibilidade de depositar a quantia no juízo da execução. É concebível, no entanto, que o credor opte por aceitar o pagamento parcial. Caso o executado o efetue, no prazo fixado, ou proceda ao respectivo depósito, a multa só incidirá sobre o valor remanescente (art. 475-J, § 4º). Ponto de grande importância, mas a cujo respeito guarda silêncio a lei, é o do termo inicial para a incidência da multa. À primeira vista, parece lógico o entendimento de que esse termo inicial se localiza no próprio dia em que a sentença se torna exeqüível. Permitimo-nos aqui, todavia, uma ponderação. Em mais de um caso, pode surgir dúvida sobre o momento em que se configura a exeqüibilidade. Pense-se, por exemplo, na hipótese de coincidir esse momento com o do trânsito em julgado (execução definitiva). Se do último recurso interposto não conheceu o órgão ad quem, v.g., por intempestivo, no rigor da técnica a decisão impugnada terá passado em julgado quando o recurso se tornou inadmissível: no exemplo, o termo final do prazo de interposição vencido in albis (cf., supra, § 17, III, 1). Semelhante entendimento, porém, não é pacífico: há quem só admita o trânsito em julgado a partir do instante em que não penda qualquer recurso, admissível ou não. Outra hipótese controvertida é a de sentença objetivamente complexa, cujos capítulos se tornem irrecorríveis em diferentes momentos: ao nosso ver, o trânsito em julgado para cada qual ocorrerá em separado, mas boa parte da jurisprudência adota a tese de que aquele só se dá quando cesse a recorribilidade para todos os capítulos. Existem ainda hipóteses em que não há unanimidade acerca da produção de efeito suspensivo pela apelação e, portanto, acerca da possibilidade de promover-se desde logo a execução (provisória) da sentença. A interpretação acima exposta suscita, destarte, uma justificável incerteza acerca do começo da incidência da multa e, por conseguinte, do respectivo valor. Afigura-se preferível situar o dies a quo da incidência em momento inequívoco. Daí optarmos pela necessidade de intimar-se o executado – o que se harmoniza, por sinal, com o disposto no art. 240, caput, a cuja luz, ‘salvo disposição em contrário, os prazos para as partes (…) contar-se-ão da intimação’”3.

Ainda no Rio de Janeiro, se posicionando no sentido de que o termo a quo do prazo quinzenal do art. 475-J, caput, do CPC, conta-se da intimação pessoal do devedor para cumprir a sentença, cujo fundamento, dentre outros, é o art. 240 do mesmo código, Alexandre Freitas Câmara4.

Defendendo também a necessidade de se intimar o devedor para que a multa prevista no art. 475-J tenha incidência, estabelecendo seu termo a quo, mas admitindo, entretanto, que tal ato de comunicação processual se dê através do advogado, pela imprensa oficial5, Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira6. 

Em sentido contrário, o mineiro Humberto Theodoro Júnior entende que o prazo do art. 475-J corre independentemente de citação ou intimação do devedor: “Há, porém, um prazo legal para cumprimento voluntário pelo devedor, que corre independentemente de citação ou intimação do devedor. A sentença condenatória líquida, ou a decisão de liquidação da condenação genérica, abrem, por si só, o prazo de 15 dias para o pagamento do valor da prestação devida”7. 

Em 28 de novembro de 2007, no julgamento do agravo de instrumento n° 7.186.774-2, da Comarca de Lençóis Paulista, a 11ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cujo relator foi o Desembargador Gilberto dos Santos, em voto condutor acompanhado pelos Desembargadores Moura Ribeiro e Soares Levada, entendeu que o prazo previsto no art. 475-J, caput, do CPC, flui automaticamente e independente de qualquer intimação da data em que a sentença (ou o acórdão) se torne exeqüível. 

Pedimos licença ao douto relator para reproduzir seu voto no referido julgado: 

“VOTO N.° 10.261

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. Valor determinado. Trânsito em julgado da sentença. Decurso do prazo de 15 dias do art. 475-J do CPC sem pagamento. Multa. Cabimento. Recurso provido. 

A própria lei passa a alertar para o tempus judicati de quinze dias, concedido para que o devedor cumpra voluntariamente sua obrigação. Tal prazo passa destarte automaticamente a fluir, independente de qualquer intimação, da data em que a sentença (ou o acórdão, CPC art. 512) se torne exeqüível.

Trata-se de agravo de instrumento interposto contra r. decisão (fls. 23) que, em ação de cobrança de diferença de rendimentos de caderneta de poupança, ora em fase de cumprimento de sentença, determinou a intimação do devedor na pessoa do seu advogado para cumprimento voluntário da execução, sob pena de incidir a multa de 10% prevista no artigo 475-J do CPC.  

Sustentam os agravantes que, conforme entendimento do STJ, a contagem do prazo de 15 dias prevista no artigo 475-J do CPC independe de intimação pessoal, de modo que o termo inicial do prazo deve ser o trânsito em julgado da sentença. Entendem que decorrido o prazo a multa de 10% incide automaticamente sobre o valor da condenação. Por fim, pleiteia a concessão de efeito suspensivo ao presente recurso, com o seu final provimento para manter nos cálculos apresentados a multa de 10% prevista no artigo 475-J do CPC. 

Contraminuta (fls. 34/36), batendo-se pela manutenção da decisão hostilizada. 

É o relatório.

Respeitada a convicção da ilustre magistrada o recurso comporta provimento, data venia.  

A r. sentença de fls. 12/19 julgou procedente a ação de cobrança de diferença de rendimentos de caderneta de poupança, condenando o banco réu ao pagamento de R$ 43.381,46, acrescidos dos devidos consectários, além das custas processuais e honorários de advogado fixados em 10% sobre o valor da condenação.  

Segundo consta dos autos, a sentença transitara em julgado em 02.08.2007 (fl. 20), logo, daí o termo inicial do prazo de 15 dias para dar cumprimento espontâneo à decisão sem incidir na multa imposta pelo art. 475-J do CPC.

Ao contrário das alegações do banco, a fluência do aludido prazo nem sequer depende de intimação alguma para ocorrer.  

É que ‘a própria lei passa a alertar para o tempus judicati de quinze dias, concedido para que o devedor cumpra voluntariamente sua obrigação. Tal prazo passa destarte automaticamente a fluir, independente de qualquer intimação, da data em que a sentença (ou o acórdão, CPC art. 512) se torne exeqüível’ (ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, Cumprimento da Sentença Civil – Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 53).  

No caso, com o não pagamento da quantia determinada pela sentença, a mora ocorreu independentemente de interpelação (dies interpellat pro homine).  

Mesma linha de raciocínio não é estranha à Corte Superior do país como deixa transparecer o aresto:  

LEI 11.232/2005. ARTIGO 475-J, CPC. CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. MULTA.

TERMO INICIAL. INTIMAÇÃO DA PARTE VENCIDA. DESNECESSIDADE.

1. A intimação da sentença que condena ao pagamento de quantia certa consuma-se mediante publicação, pelos meios ordinários, a fim de que tenha início o prazo recursal. Desnecessária a intimação pessoal do devedor.  

2. Transitada em julgado a sentença condenatória, não é necessário que a parte vencida, pessoalmente ou por seu advogado, seja intimada para cumpri-la.  

3. Cabe ao vencido cumprir espontaneamente a obrigação, em quinze dias, sob pena de ver sua dívida automaticamente acrescida de 10%. (REsp 954.859/RS, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 16.08.2007, DJ 27.08.2007 p. 252).  

Em verdade, a mens legis da Lei n° 11.232/2005 foi justamente evitar a dicotomia entre o processo de conhecimento e o processo de execução, tornando-os unos e complementares um do outro, tanto que em nenhum momento fala em ‘citação’ (ou mesmo ‘intimação’) do devedor para ‘cumprir’ a obrigação insculpida no título exeqüendo. Há uma presunção juris et de jure de que ninguém melhor do que o devedor sabe o que deve e quando deve satisfazer seu débito. Por isso, nem caberia falar na espécie sobre a previsão de intimação do advogado na hipótese de cientificação do devedor sobre a penhora, prevista no § 1° do art. 475-J do CPC.  

No caso dos autos, com mais razão merece ser acolhido o pleito dos recorrentes. Ainda que fosse admitida a intimação do devedor antes da incidência da multa prevista no artigo 475-J, ao que tudo indica o banco não cumpriu a sentença no prazo concedido na decisão agravada, visto que na contraminuta apenas informou que ‘não foi intimado para pagamento’ (fl. 36). Ora, se o despacho de fl. 23 foi publicado no dia 21.09.2007 e a contraminuta protocolada em 24.10.2007 (mais de um mês depois!), por óbvio que nem mesmo naquele prazo a instituição financeira quitou seu débito, de modo que é inquestionável a aplicação da multa de 10% sobre o valor da condenação.  

Posicionamento diverso não poderia ser adotado, sob pena de esbarrar em princípios de celeridade processual que têm sido clamados em homenagem a primados da efetividade processual, bem como pela necessidade de pacificação social. É dever ontológico do julgador ‘velar pela rápida solução do litígio’ (CPC, art. 125, II), principio este alçado atualmente à condição de garantia constitucional (CF, art. 5º, LXXVIII, com redação dada pela EC n° 45/2004).  

Enfim, nem se diga sobre eventual superposição do princípio do devido processo legal, também insculpido como garantia da Lei Maior (CF, art. 5°, LIV). Além de não ser necessária a ultimação do devedor ‘para pagar’, também é correto afirmar que ao causídico não se estará a impor qualquer obrigação não prevista em lei, podendo ele em seu juízo de discricionariedade, adotar ou não a postura de cientificar seu constituinte sobre os acontecimentos processuais.  

Ante o exposto, e pelo mais que dos autos consta, dou provimento ao recurso para que seja acrescido sobre o montante da condenação a multa de 10% prevista no artigo 475-J do Código de Processo Civil”8. 

Após o judicioso voto, temos que a intimação – seja pessoal ou através do advogado constituído nos autos – corroborada pelo art. 240 do CPC, como norma subsidiária na aplicação do art. 475-J, talvez encontre obstáculo no próprio espírito da reforma trazida pela Lei nº 11.232/2005, que primou pela celeridade processual constitucionalizada pelo inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal de 19889. 

Mesmo assim, não se pode, em absoluto, abandonar as razões apontadas por Barbosa Moreira10, um dos maiores processualistas contemporâneos do Brasil. Nos casos em que a peculiaridade da demanda exigir, a necessidade de intimação do devedor – ou de seu advogado – para que cumpra a respeitável decisão coberta pela coisa julgada se impõe.

O rigor em determinado posicionamento, enfim, deve ser visto com ressalvas. Nos processos subjetivos, onde se julga principalmente fatos da vida humana, o intérprete deve atentar para o caso concreto, fazendo a subsunção com cautela sob ofensa ao aforismo de que “justiça é dar a cada um o que é seu”; e “o que é de cada um” só pode ser julgado com olhos de subjetividade, sem privilégios, certamente. Por isso que em situações excepcionais, aferidas motivadamente pelo magistrado, não haja violação ao art. 475-J do CPC se for decidido pela necessidade de prévia intimação ao advogado da parte condenada com trânsito em julgado para que cumpra o direito reconhecido pelo Poder Judiciário mediante o devido processo legal. Da mesma forma, a intimação pessoal à parte, justificada no caso concreto, não se despreza, muito embora o art. 475-J deva ter aplicação objetiva em situações ordinárias, contando-se o dies a quo automaticamente e independentemente de intimação à parte (ou ao seu advogado) como se posicionou a colenda 11ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no AGrInst nº 7.186.774-2.

Vivendo em uma época que prima pela efetividade11 da jurisdição civil, importante se torna, neste aspecto, a leitura feita por Cândido Rangel Dinamarco12 sobre o art. 475-J, caput, correlatamente com outros dispositivos do Código de Processo Civil de 1973, derrogado ao longo de sua vigência pelas reformas pontuais que vem sofrendo e que não pode mais ser interpretado sem o apego à Constituição: “Entende-se, portanto, que atenta contra o exercício da jurisdição (a) o devedor que, tendo dinheiro ou fundos depositados ou aplicados em banco, não paga desde logo quando intimado ou quando citado no processo executivo por título extrajudicial (CPC, arts. 475-J, caput, e 652); b) aquele que, tendo bens responsáveis (penhoráveis), não os nomeia à penhora (arts. 652, 655 etc.); c) com mais fortes razões ainda, aquele que oculta bens para que não sejam penhorados ou mesmo (d) simplesmente deixa de indicar onde se encontram (atitude de resistência passiva). Essas duas últimas condutas, que são também incluídas entre os atos atentatórios à dignidade da justiça com especial referência à execução forçada e ao cumprimento da sentença (art. 600, incs. II e IV), legitimam a imposição cumulativa de uma multa em favor do exeqüente (art. 601) e de outra, a ser recolhida aos cofres públicos (o par. do art. 14 deixa clara essa cumulatividade)”13.

Há não muito tempo tínhamos posicionamento fechado sobre o art. 475-J. Defendíamos a necessidade de intimação do executado (pessoalmente) para que só após isso fosse iniciada a contagem do prazo quinzenal, e, conseqüentemente, ocorre-se a aplicação da multa no percentual de dez por cento sobre o montante da condenação14. O certo, agora, é que flexibilizamos nossas idéias para pugnar a aplicação imediata da norma no intuito de dar maior eficácia às decisões judiciais, atendendo-se, além do mais, a moderna visão constitucionalizada do processo civil15 brasileiro ao valorizarmos o princípio da celeridade processual16. A exceção quanto à sua aplicabilidade, exigindo-se a intimação da parte através de seu advogado ou mesmo pessoalmente, destarte, fica restrita em alguns casos e pode ser observada pelo magistrado desde que (bem) fundamentada em seu livre convencimento motivado17 nos termos do art. 131 do CPC.

Eros Roberto Grau18, ao defender o jurista Português José Joaquim Gomes Canotilho depois que este último recebeu críticas da doutrina constitucional por ter dito que “a Constituição dirigente está morta…”, revendo seus próprios conceitos, portanto, se posicionou frente ao novo pensamento do luso dizendo que “(…) o verdadeiro intelectual é aquele que se renova saturnianamente, devorando suas próprias idéias, para reconstruí-las incessante e permanentemente. A pausa na reflexão, ela, sim, é a morte absoluta do que se julga sábio”19. Longe de “intelectual”, acompanhamos o Ministro com a seguinte adaptação: “o verdadeiro advogado é aquele que se renova saturnianamente, devorando suas próprias idéias, para reconstruí-las incessante…”.

Concluindo, a parte constituída de defesa técnica no processo, ciente de sua derrota em última instância, não pode, contudo, contar com o injustificável sobrestamento do feito decorrente do lapso de sua intimação para que cumpra a decisão na qual não caiba mais nenhum recurso. Condutas contrárias à dignidade da Justiça podem resultar em violação ao exercício da jurisdição segundo a theory of the contempt of court20 como expôs Cândido Rangel Dinamarco21. Não é impossível diante da atual técnica processual à tutela dos direitos22, deste modo, a imposição cumulativa de multa em favor do exeqüente e de outra a ser recolhida aos cofres públicos23 em face do devedor-executado que não cumpre decisão transitada em julgado nos termos do que foi exposto.

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Notas de rodapé

1 Esta Lei alterou a Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, para estabelecer a fase de cumprimento das sentenças no processo de conhecimento e revogar dispositivos relativos à execução fundada em título judicial, dando, igualmente, outras providências.

2 Ao afirmar que “(…) o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento (…)” a norma indica que a regra geral em sua aplicação é a de que o respectivo prazo para o pagamento da multa não necessite, para ter início sua contagem, de prévia intimação da parte ou de seu advogado.

3 O novo processo civil brasileiro, Exposição sistemática do procedimento, 25ª ed., Forense, RJ, 2007, pp. 196/197.

4 A Nova Execução de Sentença, 3ª ed., Lumen Juris, RJ, 2007, pp. 113/119.

5 Depois da edição da Lei nº 11.419, de 19 de dezembro de 2006, que dispôs sobre a informatização do processo judicial, alterou a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil; e deu outras providências, leia-se “Diário da Justiça Eletrônico” (D.J.E.).

6 Curso de Direito Processual Civil, Direito probatório, decisão judicial, cumprimento e liquidação da sentença e coisa julgada, v. 2, JusPODIVM, Salvador-BA, 2007, pp. 449/455.

7 As Novas Reformas do Código de Processo Civil, Leis nºs 11.187, de 19.10.2005; 11.232, de 22.12.2005; 11.276 e 11.277, de 07.02.2006; e 11.280, de 16.02.2006, Forense, RJ, 2006, pp. 143/147.

8 Acórdão disponível no site oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: tj.sp.gov.br/.

9 Vide Luís Roberto Barroso, in Interpretação e Aplicação da Constituição, 6ª ed., 4ª tiragem, Saraiva, SP, 2008, Carlos Ayres Britto, in Teoria da Constituição, 1ª ed., 3ª tiragem, Forense, RJ, 2006, e Paulo Bonavides, in Curso de Direito Constitucional, 18ª ed., Malheiros, SP, 2006, obras de reconhecível penetração no estudo sistemático da Constituição Federal republicana de 1988.

10 O novo processo civil brasileiro, ob. cit.

11 Citando José Rogério Cruz e Tucci, Marcelo Lima Guerra, Kazuo Watanabe, Luiz Guilherme Marinoni e Cândido Rangel Dinamarco, v. Fredie Didier Jr. sobre o Direito Fundamental à efetividade (à tutela executiva) ou máxima da maior coincidência possível, in Curso de Direito Processual Civil, Teoria geral do processo e processo de conhecimento, v. 1, JusPODIVM, Salvador-BA, 2007, pp. 37/39.

12 Também um dos maiores processualistas contemporâneos do Brasil.

13 Nova era do processo civil, 2ª ed., Malheiros, SP, 2007, p. 299.

14 Vide nosso ensaio “Alguns apontamentos sobre o cumprimento de sentença”, disponível in Jornal Jurid Digital, dentre outros periódicos eletrônicos especializados.

15 Dando nova interpretação à teoria geral do processo no atual Estado Constitucional, v. Luiz Guilherme Marinoni, in Curso de Processo Civil, v. 1, Teoria Geral do Processo, RT, SP, 2006.

16 Na melhor interpretação do art. 5º, XXXV e LXXVIII, da Constituição Federal de 1988.

17 Vide José Roberto dos Santos Bedaque, in Código de Processo Civil interpretado, coordenador Antonio Carlos Marcato, Atlas, SP, 2004, pp. 365/368.

18 Ministro do Supremo Tribunal Federal.

19 A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 11ª ed., Malheiros, SP, 2006, pp. 371/372.

20 Vide Fredie Didier Jr. in Apontamentos, Críticas, Elogios e Sugestões ao Anteprojeto de Lei 14, de Reforma da Legislação Processual – Alterações no Livro I do Código de Processo Civil, texto integrante da obra “a segunda etapa da REFORMA PROCESSUAL CIVIL”, Luiz Guilherme Marinoni e Fredie Didier Jr. (coordenadores), Malheiros, SP, 2001, pp. 459/496; Cândido Rangel Dinamarco in PRECEITOS ÉTICOS E SANÇÕES, em sua monografia A REFORMA DA REFORMA, 6ª ed., Malheiros, SP, 2003, pp. 56/72; Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, in Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante, 7ª ed., RT, SP, 2003, pp. 364/368; e José Roberto dos Santos Bedaque, in Código de Processo Civil interpretado, coordenador Antonio Carlos Marcato, Atlas, SP, 2004, pp. 83/88.

21 Nova era do processo civil, ob. cit., p. 299.

22 Vide Luiz Guilherme Marinoni, in Técnica Processual e Tutela dos Direitos, RT, SP, 2004.

23 Idem, ibidem.

 


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA 

TASSUS DINAMARCO: Advogado, pós-graduando em Processo Civil pela Universidade Católica de Santos/SP.

 

A ilegalidade e a inconstitucionalidade na obrigatoriedade da desistência de ações judiciais e processos administrativos para a inclusão no parcelamento especial do Simples Nacional

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* Fernando Carlomagno

O Sistema Tributário Nacional é de uma complexidade notória, tendo sido editadas, nos últimos 19 anos, aproximadamente 236 mil normas tributárias.

Com o objetivo de suavizar esta complexidade, bem como tentar incentivar os micro e pequenos empresários, foi publicada, em 14 de dezembro de 2006, a Lei Complementar nº. 123/06, que instituiu o Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, também conhecido como Simples Nacional ou Super Simples, substituindo a Lei nº. 9.317/96.

Essa nova lei consiste no tratamento tributário diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte, que implica no recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, os seguintes tributos: PIS/Pasep, COFINS, IRPJ, CSLL, e dependendo da atividade do contribuinte que optar pelo sistema diferenciado, pode englobar o INSS patronal, o ISS, o IPI e o ICMS.

Além da precitada vantagem, deve-se ressaltar também que as empresas ficam dispensadas do pagamento das demais contribuições instituídas pela União, inclusive as contribuições para as entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical, de que trata o art. 240 da Constituição Federal, e demais entidades de serviço social autônomo, não excluindo, entretanto, a incidência dos tributos dispostos no art. 13, §1º, da Lei Complementar nº. 123/06.

Outra vantagem estabelecida pela referida lei é o parcelamento especial de débitos existentes para o ingresso da empresa no sistema diferenciado, nos termos de seu art. 79, verbis: 

Art. 79. Será concedido, para ingresso no regime diferenciado e favorecido previsto nesta Lei Complementar, parcelamento, em até 120 (cento e vinte) parcelas mensais e sucessivas, dos débitos relativos aos impostos e contribuições referidos nos incisos I a VIII do caput do art. 13 desta Lei Complementar, de responsabilidade da microempresa ou empresa de pequeno porte e de seu titular ou sócio, (…). 

Esse parcelamento especial, no que tange o IRPJ, IPI, CSLL, COFINS, PIS/Pasep, Contribuição para a Seguridade Social e os débitos referentes ao regime de apuração segundo o sistema integrado de pagamento de tributos instituídos pelo Simples Federal (Lei nº. 9.317/96), é regulamentado genericamente pela Resolução CGSM nº. 4, de 30 de maio de 2007 e, especificamente, pelo Ato Normativo nº. 750/07, ambos da Receita Federal. Todavia, para a inclusão nesse parcelamento de débitos que estejam com a exigibilidade suspensa, esse ato normativo obriga o contribuinte a desistir expressamente e de forma irrevogável das impugnações ou dos recursos administrativos, dos embargos opostos em execuções fiscais ou de outros tipos de ações judiciais, bem como, cumulativamente, renunciar a quaisquer alegações de direito sobre as quais se fundam os referidos processos administrativos e ações judiciais, nos termos do art. 20, §1º, da Resolução nº. 4 e do art. 2º, caput, do ato normativo verbis: 

Art. 20. (…) 

§ 1º Os débitos objeto de litígio judicial ou administrativo somente serão alcançados pelo parcelamento de que trata o caput, no caso de o sujeito passivo desistir de forma irretratável da impugnação ou do recurso interposto, ou da ação judicial proposta, e cumulativamente renunciar a quaisquer alegações de direito sobre as quais se fundam os referidos processos administrativos e ações judiciais; 

Art. 2º Para a inclusão, nos parcelamentos de que trata esta Instrução Normativa, de débitos com exigibilidade suspensa nas hipóteses previstas nos incisos III a V do art. 151 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional (CTN), objeto de outras ações judiciais ou ainda em curso de embargos, quando administrados pela PGF, o sujeito passivo deverá desistir expressamente e de forma irrevogável, total ou parcialmente, (…), da impugnação, do recurso interposto, do embargo ou da ação judicial proposta e, cumulativamente, renunciar a quaisquer alegações de direito sobre as quais se fundamentam os referidos processos administrativos e ações judiciais. 

Essa desistência é claramente ilegal e inconstitucional. Vejamos. 

Pois bem, o principal efeito da suspensão do crédito tributário é o fato de impedir o início ou a continuação de sua cobrança por parte do Fisco. Essas causas estão estabelecidas no art. 151, do Código Tributário Nacional, sendo: a) moratória; b) depósito do montante integral; c) as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo; d) a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial e; e) o parcelamento.

Quando a causa de suspensão se efetiva antes do lançamento do crédito, o Fisco o executa com o fim específico de evitar a decadência, ficando impedido, porém, todos os atos decorrentes do lançamento. Porém, quando sobrevém a causa suspensiva do crédito após seu lançamento, impede-se que seja levado a efeito o ato de inscrição em dívida ativa. Por fim, se a dívida já se encontra inscrita, a suspensão do crédito tributário impede a propositura da execução fiscal.

Ora, se os débitos cuja exigibilidade esteja suspensa não podem ser cobrados pela Fazenda, obrigar os contribuintes a desistir, de forma irrevogável, das impugnações, recursos administrativos, embargos opostos em execuções fiscais ou de outros tipos de ações, bem como a revogar os direitos que as fundam, são meios ardilosos utilizados pelo Fisco para obter o pagamento integral da dívida, caracterizando, assim, o ato de cobrança, violando o art. 151, do Código Tributário Nacional, demonstrando a primeira ilegalidade das normas supra.

Outro ponto da ilegalidade encontra-se no fato de não haver qualquer dispositivo na Lei Complementar n.º 123/06 que obrigue os contribuintes a desistirem de suas impugnações administrativas e judiciais, bem como aniquila o direito em que se fundam para aderirem ao parcelamento.

Sendo assim, é nítida a ilegalidade da obrigação de desistir de qualquer impugnação para aderir ao parcelamento.

A inconstitucionalidade reside na violação dos incisos XXXV e LV, ambos do art. 5º, da Constituição Federal, verbis: 

Art. 5º. (…) 

XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

 (…) 

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Logo, de modo universal, é inconstitucional todas as determinações que impliquem a renúncia ao direito de demandar em juízo ou ao direito a processo administrativo.

O primeiro princípio constitucional agredido é o do livre acesso ao Judiciário. Isto porque, com a obrigatoriedade imposta pelo ato normativo ao contribuinte de desistir, de forma irrevogável, de embargos opostos em execuções fiscais ou de outros tipos de ações, lesa o direito pretendido pelo contribuinte.

Por exemplo, em 30 de novembro de 1989, foi publicada a Lei nº. 6.374/89, que majorou a alíquota do ICMS de 17% para 18% nas operações ou prestações internas ou naquelas que se tiverem iniciadas no exterior, com o fim específico de destinação da receita ao financiamento de programas habitacionais. A partir de então, esse dispositivo foi reiteradamente prorrogado por diversos diplomas legais, que sempre determinaram fim específico a sua receita, até o advento da Lei nº. 9.903/97, que apesar de manter a alíquota do ICMS em 18%, não a vinculou à qualquer destinação específica.

Devido a essa inconstitucionalidade latente, inúmeras empresas ingressaram com ações declaratórias, recolhendo o imposto com base nos 17%, discutindo-se o 1% restante. A Fazenda Estadual, porém, lançou a diferença de crédito, o inscreveu na dívida ativa e ingressou com a devida execução fiscal e, frise-se, devido a lentidão do sistema judiciário, muitas delas ainda encontram-se em trâmite.

Pois bem, para ingressar no parcelamento especial da Lei Complementar nº. 123/06, o contribuinte deve desistir dessas ações declaratórias que, reiteradamente, os Tribunais do Brasil têm declarado a inconstitucionalidade, obrigando o arquivamento das execuções fiscais. Sendo assim, o contribuinte tem seu direito lesado sem a devida apreciação do Poder Judiciário.

São violados, também, os princípios do contraditório, da ampla defesa e do direito ao processo administrativo, tendo em vista que os meios e recursos inerentes a esses princípios são suprimidos.

Caracterizados estão, portanto, os aspectos ilegais e inconstitucionais na obrigatoriedade da desistência de ações judiciais e processos administrativos para a inclusão do parcelamento especial do Simples Nacional.

O que acontece é que, mais uma vez, a Receita Federal criou obrigações que só podem ser instituídas mediante lei, agindo de forma ilegal, pois, as instruções normativas não podem instituir novas obrigações além das legalmente previstas, têm por função, única e tão somente, pormenorizar as obrigações previstas em lei, permitindo sua fiel execução.

É condenável a atitude da Receita Federal, pois viola a lei maior, devendo seus agentes lembrar que a melhor forma de se viver em democracia é respeitar os cidadãos e as normas legais, não podendo o Poder Público instituir, ilegalmente, normas ditatoriais que desonrem o Estado Democrático de Direito.

 


 

 

Fernando Carlomagno: Acadêmico da Faculdade de Direito Damásio de Jesus (SP).

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA