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PENHORA INDEVIDANão comprovada fraude, deve ser respeitada a meação do cônjuge

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DECISÃO:  * TRT-Campinas (SP)  – Não comprovada a ocorrência de fraude, deve ser respeitada a meação prevista na sentença homologatória da dissolução da sociedade conjugal. Assim decidiu a 1ª Câmara do TRT da 15ª ao negar provimento a Agravo de Petição, tentando modificar sentença da Vara do Trabalho de Lorena, no Vale do Paraíba. O agravante é o espólio do cônjuge varão. A primeira instância havia julgado procedente em parte Embargos de Terceiro, liberando a penhora, correspondente a favor da agravada. O agravante insistia na penhora total do crédito, relativo à venda do imóvel. Segundo ele, não deveria prevalecer a meação da separação conjugal, objeto de acordo judicial, em face da invalidade dos documentos oferecidos como prova, pois não estariam revestidos das formalidades legais. Alegava, ainda, que a dívida trabalhista inseria-se na cláusula do acordo para dissolução da sociedade conjugal que recai sobre o imóvel, a ser suportado pelo cônjuge varão, tendo a agravada se beneficiado dos serviços prestados pelo Agravante.  

Segundo a decisão agravada, não existe nenhuma prova de que os documentos sejam falsos, ainda que não se encontram autenticados como deveriam. Diz também que a embargante jamais se beneficiou diretamente dos serviços do falecido, admitido pelo executado em 10.10.1988, pois a inicial de separação litigiosa comprova que a embargante é separada de fato do executado desde 1967. Em Juízo, foi homologada por sentença no dia 12.08.02 em separação consensual, onde se pactuou a meação do valor do imóvel, cuja venda originou o crédito objeto do debate.  

Em seu voto, o relator do Agravo, desembargador federal do trabalho Luiz Antonio Lazarim, justifica que “na ausência de prova em contrário e levando-se em conta que o produto obtido com a venda do imóvel deve ser partilhado igualmente entre o executado e a embargante, conforme o acordo, bem como o adiantamento de R$ 3.000,00 ao executado, declaro que dos R$ 17.000,00 penhorados apenas R$ 7.000,00 cabem ao executado. A diferença-R$10.000,00 – pertence à embargante, e por isso de rigor a liberação da penhora correspondente a seu favor.”  

Para ele, o quadro retratado pela decisão agravada, não desconstituído pelo Agravante, não revela qualquer indício de fraude à execução. “A meação da cônjuge virago é de ser respeitada, na medida em que nada se verifica ou resta comprovado de fraude e, encontra respaldo legal no artigo 1575 do Código Civil Brasileiro em face do regime de comunhão de bens contraído antes da Lei 6.615/77. As dívidas, incidentes sobre o imóvel, previstas no ajuste de separação homologado, não podem ser abatidas da parte do cônjuge virago, na medida que devidas pelo cônjuge varão. Admitir interpretação ampliativa como pretende o Agravante significa avançar no patrimônio da cônjuge virago, desrespeitando o seu direito de meação.” ( 00320-2007-088-AP).


FONTE:  TRT-Campinas (SP), 06 de fevereiro de 2008.

DANOS MORAIS E ESTÉTICOS Doença profissional gera indenização

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DECISÃO:  *TJ-MG  –  Comprovado que as doenças adquiridas pelo trabalhador agravaram-se com elevado grau de causalidade em razão do trabalho desenvolvido na empregadora, cujas condições oferecidas eram antiergonômicas, está configurado o dever de indenizar.

Com esse entendimento, a 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais condenou uma empresa montadora de automóveis a indenizar um ex-funcionário, por danos morais e estéticos. O valor da indenização foi fixado em R$ 15 mil, por maioria de votos. A empresa deverá pagar ainda uma pensão mensal até que o ex-funcionário complete 65 anos, em valor que deverá ser fixado quando da liquidação da sentença.

O funcionário trabalhava na montadora, exercendo a função de almoxarife. No dia 5 de outubro de 1998, teve sua carteira baixada e já no dia seguinte foi contratado por uma empresa de logística para continuar prestando seus serviços no mesmo setor da montadora, até ser demitido por justa causa em 5 de setembro do ano 2000.

Após a demissão, um médico confirmou sua incapacidade para o trabalho e ele foi afastado pelo INSS, pois já vinha sofrendo fortes dores de coluna desde 1992. Na ação ajuizada contra a montadora e a empresa de logística, ele afirmou que trabalhava em posição desfavorável e que por isso adquiriu uma doença denominada Radiculopatia Cervical e Lombar.

A montadora e a empresa de logística tentaram se eximir da responsabilidade: a primeira alegando que o funcionário saiu apto para o trabalho; a segunda, que a doença foi adquirida antes da admissão. Afirmaram ainda que nos autos não havia provas de que o INSS pagasse a ele benefícios por invalidez.

A empresa de logística destacou que o próprio aposentado confessou ter adquirido a doença enquanto trabalhava na primeira empresa. A montadora, por sua vez, afirmou que sempre foi cuidadosa com a qualidade das condições de trabalho de seus empregados.

A sentença de Primeira Instância condenou apenas a montadora ao pagamento de indenização, no valor de R$ 5.200, além da pensão mensal. Inconformada, ela recorreu pedindo a reforma. O aposentado também interpôs recurso, pedindo a majoração da indenização. Os desembargadores Afrânio Vilela (relator) e Marcelo Rodrigues acataram apenas o pedido do aposentado, aumentando a indenização para R$ 15 mil, ficando parcialmente vencido o desembargador Duarte de Paula, que a havia elevado para R$ 30 mil.

Os magistrados entenderam que foi comprovada a culpa da empresa, porque as patologias adquiridas pelo aposentado foram agravadas pela conduta da empresa montadora e que a doença que impõe limitações ao trabalhador causa mais sofrimento que uma deformidade física.
Processo: 2.0000.00.518220-7/000


FONTE:  TJ-MG, 07 de fevereiro de 2008.

 

 

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAISAtrasos de vôos e extravios ou perdas de bagagem são indenizáveis

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DECISÃO:  *STJ  –  Muito antes dos transtornos com o chamado “apagão aéreo”, as pessoas que viajam de avião já conviviam com outros problemas do setor como os atrasos de vôos e extravios ou perdas de bagagem. É possível medir a responsabilidade civil do transportador quando esses incidentes acontecem? Qual é o dever da empresa de aviação nesses casos? O Código de Defesa do Consumidor pode ser aplicado?

As respostas para essas questões estão em diversas decisões do Superior Tribunal de Justiça. Os pedidos de indenização por danos materiais e morais contra as empresas de aviação estão sempre na pauta de julgamentos das Terceira e Quarta Turmas. Os ministros aplicam a chamada Convenção de Varsóvia e atualmente o Código de Defesa do Consumidor para punir possíveis abusos cometidos na prestação dos serviços de transporte aéreo.

Convenção de Varsóvia: mas o que é isso? Se você viaja de avião e já leu o contrato de transporte aéreo da companhia escolhida, ela vai estar lá: a Convenção de Varsóvia, documento que ganhou esse nome por ter sido assinado na capital da Polônia, Varsóvia, em 1929.

Essa convenção unificou as regras relativas à aviação civil internacional e estabelece, entre outros deveres, a responsabilidade da empresa transportadora em caso de danos ao passageiro, bagagem e carga ocorridos durante a execução do transporte entre dois ou mais países: “A reparação dos danos no transporte internacional obedece aos limites estipulados nas Convenções Internacionais (Convenção de Varsóvia e legislação posterior) de que o Brasil faça parte. Os valores estabelecidos nesses atos internacionais serão convertidos em moeda nacional, na forma da regulamentação em vigor.”

Por isso, os processos envolvendo pedidos de indenização por danos morais e materiais ocorridos em viagens de avião internacionais geralmente são decididos com base nos valores estipulados pela Convenção de Varsóvia. Assim aconteceu no caso de uma médica (Resp 241005) que tinha um vôo marcado para Berlim, onde daria uma palestra sobre o tratamento da Aids no Brasil. Após participar de congressos no Peru e na Colômbia, a médica seguiu para Miami, parte da escala de viagem. Lá, descobriu que o vôo da American Airlines havia sido cancelado.

Via crucis

Depois de passar várias horas trancada numa sala, a profissional embarcou, não para a Alemanha, mas para Chicago. De lá, enfim, a médica conseguiu chegar ao seu destino final, mas com um atraso de mais de cinco horas e sem as suas malas. A American Airlines extraviou a bagagem da passageira contendo documentos e remédios que seriam apresentados no congresso, além de objetos pessoais. A médica entrou com ação na Justiça paulista contra a empresa, exigindo a indenização estabelecida pela Convenção de Varsóvia. A legislação determina que a multa para atraso de vôo seja de até 4.150 DESs (Direito Especial de Saque) e para extravio da bagagem é de até 1.000 DES. Nos dias de hoje, a DES vale cerca de R$3,50.

A empresa área recorreu ao STJ para não pagar a indenização, alegando que o atraso do vôo aconteceu por causa de condições climáticas adversas. Entretanto a Quarta Turma garantiu o direito da passageira ao ressarcimento do dano, nos valores estipulados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

Transtorno semelhante viveu o passageiro Paulo Roberto Bonavita (REsp 575486). Ele tentava voltar da África do Sul para o Brasil e o vôo atrasou cerca de 36 horas. A viagem estava marcada para 2 de outubro e foi cancelada por problemas mecânicos na aeronave da South African Airways. Os passageiros tiveram que aguardar por 12 horas até serem alojados em um hotel da capital sul-africana. No dia seguinte, o passageiro aceitou voar por outra companhia, mas, durante a escala nos Estados Unidos, ele foi mantido sob vigilância da polícia norte-americana por mais 12 horas.

A ação de indenização movida pelo passageiro foi aceita pela primeira instância do Rio de Janeiro. A empresa aérea foi condenada a reparar os danos morais em 50 salários mínimos. Ao julgar a apelação, o Tribunal fluminense acabou elevando o valor para 100 salários mínimos, além de incluir indenização por danos materiais. O Tribunal de Justiça do Rio estipulou o valor dos danos morais conforme as normas do Código de Defesa do Consumidor. E dos prejuízos materiais, com base na indenização tarifada na Convenção de Varsóvia.

A companhia área recorreu ao STJ e os ministros entenderam que o passageiro realmente tinha direito à indenização. No entanto a Quarta Turma considerou a condenação por danos morais desproporcional ao fato e fixaram em R$ 5 mil o valor indenizatório a ser pago pela South African Airways.

O cliente tem sempre razão

Como podemos perceber, os processos sobre problemas na prestação dos serviços de transporte aéreo também já estão sendo julgados sob a perspectiva do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Cabe, então, a pergunta: qual norma prevalece? A Convenção de Varsóvia ou o próprio CDC?

Dentre as regras definidas na Convenção de Varsóvia, está a que limita o valor da indenização em caso de dano no transporte de pessoas em 250 mil francos poincaré. (moeda usada nos atos internacionais que tratam dos limites indenizatórios da responsabilidade civil de transportador aéreo internacional e que tem como parâmetro a cotação do ouro). Em Entretanto o Código de Defesa do Consumidor, em vigor desde setembro de 1990, e a nossa Constituição garantem a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais, morais, individuais e coletivos sem limitação de valores. Em 1975, a convenção foi revista e o valor limite de indenização subiu para U$ 100 mil dólares.

Para o CDC e a Carta Magna, o consumidor é livre para pedir indenização no valor que achar compatível com o dano sofrido. Ambas as legislações proíbem expressamente cláusulas que atenuem a responsabilidade do fornecedor de serviços de transporte aéreo.

É por isso que os ministros do STJ precisam analisar processo a processo, uma vez que a Convenção de Varsóvia, o Código de Defesa do Consumidor e o Código Brasileiro de Aeronáutica podem ser aplicados nos julgamentos envolvendo indenizações contra companhias aéreas. O importante é utilizar a lei que melhor beneficie o cidadão em cada caso, uma vez que as hipóteses de reparação de dano por atraso de vôo agora estão garantidas nas três normas legais.

Um bom exemplo da aplicação do Código de Defesa do Consumidor em prol do cidadão foi o que aconteceu no recurso de um passageiro contra a empresa Tower Air Incorporation. José Roberto Pernomian (Resp 235678) entrou com uma ação indenizatória por danos morais porque sua viagem de Miami para São Paulo atrasou mais de 24 horas. Além disso, a companhia teria prestado informações equivocadas sobre o atraso e também cometido erros na liberação da bagagem no Brasil.

O Tribunal paulista reconheceu o dano moral no limite da Convenção de Varsóvia e condenou a empresa ao pagamento de 15 mil francos-poincaré. Mas o passageiro recorreu ao STJ para modificar a decisão. Ele pediu o afastamento da limitação de valores estabelecida na Convenção.

Ao decidir em favor de José Roberto, os ministros do STJ enfatizaram que o limite estipulado nas convenções internacionais sobre transporte aéreo estaria em desacordo com o CDC, que tem regra expressa para proteger o passageiro do mau serviço prestado pelas empresas de aviação. Desse modo, a Quarta Turma estabeleceu uma indenização de 50 salários mínimos ao passageiro, baseando a decisão no CDC brasileiro.

Outra decisão em que o mesmo código foi utilizado envolveu um pedido de indenização feito pela Bradesco Seguros S/A (REsp 243972). A seguradora sofreu prejuízos decorrentes do extravio de peças de uma central telefônica adquiridas nos Estados Unidos. A carga foi entregue no aeroporto da cidade de San Francisco, mas não chegou ao seu destino, o aeroporto de Guarulhos, em São Paulo.

A Terceira Turma do STJ condenou a American Airlines e a Circle Fretes Internacionais do Brasil a ressarcir a Bradesco Seguros, mas não aplicaram a Convenção de Varsóvia. Os ministros entenderam que a convenção só deve ser utilizada em casos decorrentes do chamado risco do ar, como queda da aeronave, por exemplo. Para as situações de extravio de carga e bagagem o Código de Defesa do Consumidor é mais adequado. Desse modo, a Turma, por unanimidade, determinou o pagamento de indenização no valor integral da apólice paga pela seguradora.

Voar como os pássaros é um sonho antigo do homem. A invenção do avião por Santos Dummont nos deu asas para cruzar o mundo, encurtando distâncias. Mas o sonho pode se transformar em pesadelo quando nossa viagem atrasa, a bagagem não chega e as encomendas desaparecem entre um vôo e outro. Para compensar a dor-de-cabeça e os prejuízos, o cidadão pode recorrer à Justiça. Com essa atitude, as companhias aéreas estão sendo impelidas a ter mais responsabilidade com os passageiros e bens que elas transportam.


FONTE:

 

  STJ, 01 de fevereiro de 2008.

Não apedrejem a moça nua

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*João Baptista Herkenhoff 

A hipocrisia da sociedade é, às vezes, revoltante.

Não vejo nenhuma reação social à exibição de atrizes nuas, rodopiando sensualmente em canais abertos de televisão, em horários franqueados a todas as idades.

Interesses comerciais altíssimos estão em jogo nesses casos. O lucro é franquia para qualquer comportamento, mesmo aqueles que agridem nossos filhos, nossas filhas, nossos netos, nossas netas.

Os artigos da Constituição Federal que determinam tenha a televisão finalidade educativa, com a criação de um Conselho Nacional de Comunicação Social, formado por representantes da sociedade civil, ainda dependem de regulamentação, não obstante a Constituição já vá completar vinte anos de existência. A regulamentação desses artigos reduz o lucro e ai de quem queira mexer com o “deus lucro”.

Não se vê qualquer relação (ou se vê, mas se finge não ver) entre a cena da atriz nua que rodopia com luxúria diante de milhões de pessoas e a cena da pobre Leidiane, que também rodopia, igualmente nua, diante de um público de, quando muito, duas centenas de pessoas.

O fato, que aconteceu em Vitória, teve repercussão nacional.

Leidiane rodopiou para ganhar setecentos reais. Viúva, com três filhos, tendo ainda sob responsabilidade a Mãe, foi tentada pela promessa de recompensa.

Quem são os responsáveis por esses bailes que propiciam clima para essas coisas? Quais os interesses econômicos que estão atrás de tudo?

A sociedade está preocupada em exaltar valores positivos, em formar a juventude, em assegurar escola pública de ótima qualidade para todos? A sociedade está engajada no esforço de formar cidadãos e cidadãs que encontrem seu lugar no mundo? A sociedade está abrindo canais de esperança e de futuro para os milhões de pessoas que suplicam por uma oportunidade de trabalho honesto? Ou a sociedade só sabe levantar o braço pedindo que Madalena seja apedrejada?

Não apedrejem Leidiane.

Eu me solidarizo com essa moça e com sua família. Eu me solidarizo com a Mãe de Leidiane, que teve uma crise nervosa na Delegacia, vendo a filha ser fotografada e filmada.

Não pode um gesto impensado destruir a vida de uma jovem, comprometendo inclusive o sossego de seus filhos, ainda pequenos.

Tenha complacência com Leidiane dos Santos Muniz, minha prezada delegada Tânia Zanoli. E se o inquérito chegar à Justiça, tenha complacência com Leidiane, juiz ou juíza a quem couber o caso,

Temos de defender valores morais, sim. Temos de velar para que o sexo, um dom de Deus, não seja banalizado. Mas temos de ter misericórdia também.

A lei não existe para ser interpretada friamente. Em alguns momentos é preciso que o intérprete pouse sobre a lei um olhar de ternura.

Como seria bonito decidir assim: “saia livre, Leidiane, e não faça mais isso”.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

João Baptista Herkenhoff é Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo – professor do Mestrado em Direito, e escritor. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br

 

Possibilidade de oferecimento de títulos de obrigações ao portador como garantia em Execuções Fiscais

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*Fernando Carlomagno 

                                         As Obrigações ao Portador foram instituídas pelo art. 15 da Lei n° 2.004/53, de 03 de outubro de 1953, e decorreram da contribuição compulsória anual a que estavam sujeitos os proprietários de veículos de 1954 até 1957. São, portanto, uma espécie de debênture. 

                                         A debênture é um titulo executivo extrajudicial (conforme dispõe o art. 585, I, do Código de Processo Civil) emitida por sociedades por ações, sendo titulo representativo de fração de mútuo tomado pela companhia emitente. A debênture confere a seus titulares um direito de credito (art. 52, da Lei nº 6.404/76), ao que se agrega garantia real sobre determinado bem e/ou garantia flutuante, assegurando privilégio geral sobre todo o ativo da devedora (art. 58, da lei supra). É, igualmente, título mobiliário apto a ser negociado em Bolsa de Valores ou no mercado de balcão, nos termos da legislação especifica (art. 2º, Lei nº. 6.385/76).

 

                                         É possível sua penhora, bem como seu oferecimento como garantia, em execução fiscal, conforme dispõe o posicionamento atual do Superior Tribunal de Justiça:

TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA DE DEBÊNTURES EMITIDAS PELA ELETROBRÁS. TÍTULOS DE CRÉDITO SEM COTAÇÃO EM BOLSA. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 11, VIII, DA LEI  6.830/80.

(…)

2. Dada a sua natureza de título de crédito, as debêntures são bens penhoráveis. Tendo cotação em bolsa, a penhora se dá na gradação do art. 655, IV ("títulos de crédito, que tenham cotação em bolsa"), que corresponde à do art. 11, II, da Lei 6.830/80; do contrário, são penhoráveis como créditos, na gradação do inciso X de mesmo artigo ("direitos e ações"), que corresponde à do inciso VIII do art. 11 da referida Lei, promovendo-se o ato executivo nos termos do art. 672 do CPC.

(REsp 834.885/RS – 1ª Turma, Rel. Min. Teori Zavascki, DJ 30.6.2006).

 

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PENHORA DE DEBÊNTURE DA ELETROBRÁS COM A FINALIDADE DE GARANTIA DE EXECUÇÃO FISCAL ( LEI 6.830/80). POSSIBILIDADE. MUDANÇA DE ENTENDIMENTO. APLICAÇÃO DO ART. 11, VIII, DA LEI Nº 6.830/80. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. Cuida-se de recurso especial fundado nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, interposto Fratelli Zococoli Comércio e Distribuição Ltda – Microempresa, em sede de agravo de instrumento (originado em ação de execução fiscal movida pela União), com o objetivo de desconstituir acórdão que declarou a impossibilidade de que debêntures emitidas pela Eletrobrás, por não possuírem cotação em bolsa e liquidez, sejam penhoradas como garantia de execução fiscal. Em recurso especial alega-se, além de divergência jurisprudencial, violação dos artigos 4º da Lei nº 4.156/62, 2º da Lei nº 5.073/66, 52 da Lei nº 6.404/76, 11, II, da Lei nº 6.830/80 e 620 do Código de Processo Civil, defendendo que as debêntures da Eletrobrás não são títulos da dívida pública, mas sim títulos ao portador com cotação em bolsa.

(…)

3. Recurso especial provido para o fim de que, desconstituído o acórdão recorrido, possam as debêntures emitidas pela Eletrobrás ser utilizadas como garantia de execução fiscal, nos termos da Lei 8.630/80. (REsp 911.153/RS – 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ 10.5.2007).

 

EXECUÇÃO FISCAL – PENHORA – DEBÊNTURES DA ELETROBRÁS – TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL – POSSIBILIDADE – DIVERGÊNCIA CONFIGURADA.

1. Esta Corte tem decidido em diversas oportunidades acerca da possibilidade de penhora de debêntures da Eletrobrás, ao entendimento de que se trata de título de crédito passível de garantia de execução fiscal.

(…)

(EREsp, 836.143/RS – Rel. Min. Humberto Martins, DJ 6.8.2007)

 

                                         O Tribunal Regional Federal da Terceira Região, por sua vez, ainda não adota este posicionamento, conforme demonstra decisões abaixo: 

EXECUÇÃO FISCAL. AGRAVO LEGAL. PENHORA. NOMEAÇÃO DE BENS. DEBÊNTURES DA ELETROBRÁS. AUSÊNCIA DE LIQUIDEZ E CERTEZA.

1. As debêntures são valores mobiliários emitidos pelas S/A, representativos de empréstimos, sendo que cada título proporciona ao debenturista idênticos direitos de crédito contra a emissora, direitos esses fixados na escritura da emissão.

2. Como o seu valor de mercado decorre de livre negociação, não há falar-se em "plena liquidez", típica dos títulos cotáveis em bolsa. Dessa forma, ausente o requisito de "caução idônea" na obrigação ao portador apresentada, não resta atendido o disposto no art. 11, inciso II, da Lei nº 6.830/80.

(…)

(AI 300.079 – 1ª Turma, Rel. Juiz Luis Stefanini, DJ 22.11.2007)

 

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. OBRIGAÇÃO AO PORTADOR DA ELETROBRAS.

1.     As obrigações ao portador da Eletrobrás não contêm liquidez nem cotação em bolsa, revelando-se impróprios à garantia do processo de execução.

2.     O preceito contido no artigo 620 do CPC não pode desfalcar a garantia da execução de modo a prejudicar a própria eficácia da prestação jurisdicional.

(…)

(AI 275.160 – 3ª Turma, Rel. Juiz Márcio Moraes, DJ 6.6.2007)

 

 

Recomenda-se, portanto, o oferecimento de obrigações ao portador para garantir execução fiscal, tendo em vista o atual posicionamento da instância superior.

Entretanto, deve-se ter cautela. Isso porque como grande parte dessas obrigações ao portador estão sendo consideradas prescritas pela jurisprudência atual, o que faz necessário analisar previamente o título que será dado como garantia.

Frise-se que o prazo prescricional é de Direito Privado: 20 anos (art. 177, do Código Civil de 1916) da data prevista para o resgate dos títulos, com alteração para 10 anos a partir do Novo Código Civil de 2003 (art. 206, do Código Civil atual), garantindo-se os direitos constitucionais adquiridos (art. 2028, do Código Civil atual), conforme jurisprudência abaixo: 

 

AÇÃO ORDINÁRIA DE COBRANÇA. OBRIGAÇÕES EMITIDAS PELA PETROBRAS COM   FULCRO NO ART. 15 DA LEI 2.004/53. AÇÃO PROPOSTA APÓS O TRANSCURSO  DO PRAZO VINTENÁRIO.

A presente ação foi proposta após transcorrido o prazo de vinte  anos da data  prevista para o resgate dos títulos, portanto,  caracterizada a prescrição. A empresa estatal não tinha o dever de procurar os pretensos  credores,  mesmo porque os títulos foram emitidos ao portador. Aos  credores é que  tocava o ônus de procurar fazer valer seus direitos  no prazo do vencimento  ou, quando menos, antes de escoado o prazo  prescricional.

(TRF 4ª Região. AC 2003.72.04.008884-0/SC – 4ª Turma, Rel. Des. EDGARD ANTÔNIO LIPPMANN JÚNIOR, DJ 9.4.2007)

 

Para interromper a contagem de prazo de prescrição o contribuinte deverá ingressar, juntamente com os pedidos de indicação dos títulos à penhora, com ações de cobrança das obrigações ao portador contra a Petrobrás. Caso o processo de cobrança seja bem sucedido, os contribuintes receberão ações ou dinheiro com valores corrigidos e poderão pagar os débitos fiscais. Do contrário, ao fim da execução fiscal, as debêntures penhoradas poderão ir a leilão ou para sub-rogação (já que a União é garantidora subsidiária), permitindo a compensação dos débitos pelos contribuintes.

Em resumo: é possível o oferecimento das obrigações ao portador como garantia em execução fiscal, segundo o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça, porém deve ser feita uma análise prévia sobre a prescrição do título que será dado como garantia.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

FERNANDO CARLOMAGNO: Acadêmico da Faculdade de Direito Damásio de Jesus (SP).

 

 

Carnaval e cidadania

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*João Baptista Herkenhoff

Na presença entusiasmada da gente mais simples do povo brasileiro , em escolas de samba e blocos de Carnaval , vejo, dentre outros aspectos , a profunda busca de identidade , tão forte na alma humana .   Quem pertence a uma escola de samba tem endereço , raiz , deixa de ser alguém sem lenço e sem documento .  Vibro com as escolas sim , mas vibro ainda mais com o rosto feliz dos sambistas .   Esses rostos me enternecem.

A sede humana de identidade e reconhecimento me relembra antigas andanças pelo interior , como juiz .  Surpreendi centenas de casos de pessoas sem nome civil . Numa situação de completa marginalização econômica e social – inacreditável para quem não foi testemunha – brasileiros , irmãos nossos , nem nome civil possuíam.

O primeiro “ movimento pela cidadania ampla ”, que tive a honra de inspirar , como juiz , ocorreu, a partir de 1967, em São José do Calçado , cidade localizada no sul do Estado do Espírito Santo .

A comunidade e o Juiz de Direito – juntos promovemos milhares de registros civis, casamentos civis, correção de prenomes grafados erroneamente, emissão de carteira de trabalho em favor de pessoas que trabalhavam sem carteira , matrícula compulsória de crianças na escola , resgate da história local através de pesquisa e documentação etc.

Houve uma intensa participação de estudantes no “ movimento pela cidadania ampla ”.  Foi um período de profícua vida cidadã dentro dos muros da pequenina , mas pujante comunidade interiorana , contrastando com uma época de obscurecimento da cidadania na vida nacional .

Encontrar a possibilidade de “ ser pessoa ” numa escola de samba , tornar-se juridicamente “ pessoa ” pelo registro civil , – leva-me a uma outra reflexão , qual seja, a busca de “ ser pessoa ”, de ser feliz , na multidão , nas praias apinhadas de gente , no balanço das ondas , no burburinho das vozes , no murmúrio do mar .

“ Ser pessoa ”, neste caso , é soltar-se, relaxar , aliviar tensões .   Todos os entraves que obstaculem a vivência dessa dimensão do “ ser pessoa”, como privatizar praias , merecem nosso repúdio .

Ninguém tem o direito de utilizar expedientes espertos para restringir o uso de praias a certas pessoas , ou para cobrar entrada em praias . A praia ainda é um dos poucos bens acessíveis a todos sem exceção . A freqüência à praia não apenas constitui agradável descanso , como é um benefício para a saúde , especialmente das crianças . A sociedade civil deve resistir à privatização das praias , através de pressão política e também por meio da “ ação popular ”.    

As praias devem ser bem cuidadas e limpas , com apetrechos próprios à coleta de lixo .   Não se deve permitir o convívio pouco higiênico entre pessoas e animais . A prática de certos esportes que incomodam os banhistas deve ser restrita a horários determinados , ou a espaços claramente fixados. Todas as praias devem dispor de serviços de salvamento e de prestação de socorros urgentes .  Devem contar com discreto policiamento, de índole sobretudo pedagógica , para que todos possam usufruir fraternalmente desta riqueza brasileira , que são nossas praias .  A imensa costa , quase toda constituída de praias , faz do nosso país uma nação privilegiada.

Bela saga do povo brasileiro , nesta luta para “ ser pessoa ”: o sambista , que se torna pessoa sambando; a comunidade que “faz pessoas ” através de uma chamada geral para a cidadania num momento de escuridão (“Faz escuro , mas eu canto ”); o povo que trabalha e que sua , que tenta na praia “ ser pessoa ”, que divisa com esperança o horizonte infinito , esse horizonte que não tem dono – a todos pertence.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

João Baptista Herkenhoff é Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo e escritor. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br

Interpretação jurídica e subjetividade: somos todos uma idiossincrasia com patas

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*Atahualpa Fernandez                                                                    

O Direito é, sob qualquer ponto de vista, um fenômeno essencialmente humano, cujo problema relativo a sua interpretação e aplicação levanta a iniludível questão da dimensão subjetivo-individual do jurista-intérprete. De fato, não resulta difícil inferir que a subjetividade do intérprete joga um papel de fundamental importância no processo de realização do direito, uma vez que se o fator último de individualização da resposta ou conclusão do raciocínio jurídico não procede exclusivamente do sistema jurídico (ainda que deva resultar compatível com ele), parece óbvio que deve proceder também das convicções pessoais do operador do direito. Tal circunstância  implica, entre outras coisas, que se deve tomar com a devida atenção e seriedade o problema das funções mentais que se põe em marcha nas operações efetivas levadas a cabo na tarefa de interpretar e aplicar o Direito ( Troper, 2003).  

Pois bem, nesse particular sentido, temos todas as razões para crer que o fenômeno da interpretação surge da atividade eletroquímica de redes-neuronais no cérebro. A experiência de escolher a solução satisfatória não é uma ficção, mas uma conseqüência causada pela atividade fisiológica de um cérebro moldado geneticamente ao longo da história evolutiva de nossa espécie e aparelhado para pensar de certa maneira.

Isto significa dizer que, para poder ler e interpretar uma informação, o cérebro tem que chegar a uma coalisão de grandes conjuntos de neuronas cuja ativação e interação representa a melhor interpretação de um determinado fenômeno, com fequência em competição com outras interpretações possíveis mas menos prováveis. Depois, não parece definitivamente razoável supor que a tarefa interpretativa seja concebida como extracraneal, enquanto a cognição e a emoção (produtoras da subjetividade) não o são. São produtos de nossa maquinária cerebral, tanto como são produtos de nosso entorno cultural. Dito de modo mais simples e citando a advertência de Philip Tobias (1997) relativa a linguagem, se interpreta com o cérebro.

Assim que as interpretações jurídicas, tal como as conhecemos, são produtos de cérebros humanos, de seres humanos com suas próprias necessidades, crenças, visões do mundo, opiniões, amores, ódios, desejos, preferências, circunstâncias, problemas…, que, de uma forma ou outra, incidem e condicionam  o resultado de suas interpretações, destinadas a transmitir suas mensagens a um público  específico em uma época e um lugar determinados. Cada um dos intérpretes do Direito é um ser humano, cada um deles tem algo diferente a comunicar, cada um intenta transmitir a sua visão de mundo (que há herdado ou adquirido) em suas próprias palavras. Cada um deles, de certo modo, muda, altera ou tranforma os textos que interpreta.

Quem, por alguma razão, não entenda desse modo o processo de interpretação e aplicação do Direito acaba por não permitir que cada intérprete diga o que quer dizer; quem faz isso não lê o que cada autor escreve com o propósito de entender sua mensagem. De fato, quem faz isso não somente se nega a admitir que cada um dos intérpretes é diferente senão que também se recusa  a entender que não é adequado pensar que todos pretendem dizer o mesmo. Pensar tal coisa é tão injusto como supor que o que eu quero dizer neste artigo sobre a interpretação jurídica há de ser o mesmo que diz qualquer outro autor que se ocupa deste tema, pois é muito provável que nossa intenção seja dizer coisas distintas.E isso pela simples razão de que ninguém pode viver sua realidade (nem, por certo, interpretá-la) sem o concurso irrenunciável de sua atividade mental: detrás de dois cérebros distintos podem esconder-se mundos e formas de conceber e de sentir a realidade abismalmente diferentes.

Dito de outro modo : porque não há dois cérebros que sejam  iguais (nem sequer os de gêmeos idênticos), porque cada cérebro contrói o mundo de maneira ligeiramente distinta dos demais cérebros, não há uma interpretação definitiva acerca do que expressa uma norma, senão simplesmente uma interpretação dentro de nossas cabeças (uma construção pessoal), interpretação que se desencadeia através dos elementos externos que melhor estamos preparados para registrar.  O problema que tem que afrontar o cérebro aqui é que os sinais procedentes do mundo (em nosso caso, da norma) não costumam representar uma mensagem codificada, senão que são potencialmente ambiguos, são dependentes do contexto e não vem necessariamente acompanhados de juízos prévios sobre seu significado (Edelman, 1987).

Assim que parece razoável admitir que ler um texto necessariamente implica interpretá-lo. Sem embargo, supomos que muitos ainda fomentem uma concepção muito pouco elaborada acerca do processo de realização do direito, a saber, que o objetivo de interpretar um texto é, simplesmente, deixar que  este “fale por si mesmo” para descobrir o significado inerente a suas palavras. A verdade, contudo, é que o significado não é inerente e que os textos não falam por si mesmos. As normas jurídicas não possuem  representação de valor. As normas possuem somente palavras. Quais os valores e significados que devem ser  ligados a estas palavras são problemas vinculados à tarefa dos intérpretes. E ele estabelecerá sempre aquilo em que ele mesmo crê ( Dieter Simon, 2006). Se os textos pudessem falar por si mesmos, todos os que lessem e interpretassem com honestidade e abertura um determinado texto estariam de acordo sobre o que “diz”.

Mas as interpretações diferentes de um mesmo texto jurídico abundam, e as pessoas em realidade não  estão  sempre de acordo sobre o que os textos “dizem”. Aplicado aos textos normativos ou legais, esta é uma verdade óbvia: basta com passar uma vista às inúmeras formas diferentes com que se há interpretado ( e se interpreta), por exemplo, o problema da justiça. Em todas encontramos gente inteligente e bem intencionada que fundamenta nas mais diversas fontes suas opiniões  sobre como há de funcionar e organizar uma sociedade ética, sendo que a leitura dessas fontes há levado a conclusões radicalmente diferentes das dos demais ( pensemos , a título meramente ilustrativo, a extravagante quantidade de teorias já elaboradas sobre a justiça).

Recorde a última vez que se encontrou envolvido em um acalorado debate em que se invocou a justiça e alguém ofereceu uma interpretação de uma passagem das Escrituras, de Kelsen ou de Rawls que lhe deixou desconcertado, perguntando-se  como ele (ou ela) havia chegado a semelhante conclusão. Isto é algo que ocorre com demasiada frequência  quando se discute sobre a homossexualidade,  o aborto, as células-tronco, o divórcio e, inclusive, os direitos humanos, com ambos os bandos citando as mesmas obras, e em ocasiões inclusive as mesmas  passagens de determinadas obras, para respaldar seus argumentos.

Se deve isso simplesmente a que certas pessoas são mais obstinadas ou menos inteligentes que outras e, portanto, incapazes de compreender o que um texto diz  “com tanta claridade”? Seguro que não. A razão de que ocorra isto é que os textos utilizados não são somente coleções de palavras cujo significado resulta óbvio para qualquer leitor. Não há dúvida de que para compreender um texto é necessário interpretá-lo  e não simplesmente lê-lo. E isto, é evidente, não somente é certo no caso de obras doutrinárias, senão que também de textos jurídico-normativos em geral. De outro modo, como se explica que haja interpretações tão diferentes da Constituição, do Código Civil, do Código Penal, etc. ? Não podemos pensar que os textos simplesmente revelam seu significado ao leitor honesto. Os textos se interpretam e quem os interpretam (assim como quem os escrevem) são seres humanos de carne e osso, que somente podem compreendê-los à luz de outros conhecimentos, que é o que fazem ao intentar desentranhar seus significados colocando suas palavras “em outras palavras”. Como recorda Rose (2006), nossas mentes  funcionam com – e reagem aos – significados , e não somente com informações.

E toda vez que o intérprete-leitor põe o texto em outras palavras, altera as palavras originais que o configuravam. Isto não é algo opcional no processo de leitura/ interpretação; não é algo que possamos eleger não fazer quando examinamos séria e cuidadosamente um texto. O único modo de entender um texto é lendo-o, e o único modo de lê-lo é interpretando-o, a saber, pondo suas palavras em outras palavras, e o único modo em que é possível fazer tal coisa é tendo outras palavras que colocar em lugar da originais, e único modo de ter essas outras palavras é havendo vivido, quer dizer, tendo desejos, necessidades, aspirações, crenças, perspectivas, visões do mundo, opiniões, preferências, aversões e todos os demais traços que fazem seres humanos aos seres humanos. E temos, assim, que ler e interpretar um texto é, necessariamente, alterá-lo: sempre buscamos entender o que seus autores dizem ao mesmo tempo que nos esforçamos por conhecer o significado que esses textos tem para nós, como podem ajudar-nos a compreender nossa própria situação e dar sentido aos próprios ideais e valores que conformam nossas vidas.

Por conseguinte,  todo intento de separar, nomeadamente nas ciências compreensivas, a racionalidade da personalidade que compreende está fatal e tragicamente condenada ao fracasso: a imagem do intérprete inteiramente neutral, imparcial, por completo objetivo, despersonalizado, passa por alto da realidade; todas as interpretações e decisões sobre o Direito se inspiram no ponto de vista de alguém, na perspectiva de um ser humano único cuja recompilação de experiências passadas lhe serve como contexto, lente e trajetória para valorar sua experiência presente e, dessa forma, alterar o texto interpretado. Pese a muito que se possa desejar, não existe um ponto de vista “neutral”, e a mera possibilidade de que se possa “recuperar” (ou “institucionalizar”) a neutralidade é tão remota que resulta deprimente e tremendamente contrária a nossa marcada disposição para projetar a própria subjetividade no mundo: somos, definitivamente, uma idiossincrasia com patas.

 Essa, em realidade, parece ser a razão pela qual Häberle afirma que não existe norma jurídica, senão norma jurídica interpretada e que interpretar um ato normativo nada mais é do que colocá-lo no tempo e contextualizá-lo no espaço, enfim, de integrá-lo no mundo da vida vivida. Enfim, de que concebido o Direito como prática social de tipo interpretativo e argumentativo, é o operador jurídico que produz a realidade do direito e a edifica enunciando o que este mesmo é. Há Direito onde sujeitos diferentes discutem, modificam e desenvolvem , submergindo-se na práxis,  proposições  e enunciados  normativos pertencentes a essa prática  interpretativa que , sobre a base  de sua unidade de sentido , chamamos de fenômeno jurídico.

Depois, não somente os textos jurídicos são alterados no decurso de toda interpretação como os intérpretes , no processo de realização do direito, não deixam de ser homens imbuídos de toda a preocupação ética, de certos valores, preferências e intuições morais , o que faz com que  não  pareça legítimo nem  razoável interpor, na aplicação do direito, uma barreira insuperável entre  a  desejada objetividade e a subjetividade do intérprete . O processo de realização do direito por parte do intérprete implica , em última intância , uma tarefa que pode considerar-se propriamente construtiva e emocional, pessoal e criativa  em certo sentido, embora não como absolutamente livre ou desprovida de vínculos para o operador do direito (portanto, tendencialmente racional).

E é essa constatação a que faz com que não somente a noção de racionalidade habitual  em ciência jurídica esteja sendo objeto de revisões drásticas, senão que a idéia mesma de que  a ciência jurídica está fundada na objetividade , neutralidade e  racionalidade do operador do direito venha sendo assaltada e posta em dúvida nos últimos lustros desde as mais variadas direções . Desde logo, a partir de algumas tendências da filosofia e da filosofia do direito mesmo, mas também, e acaso mais incisiva e contundente, por parte dos  cientistas cognitivos, dos filósofos da mente e dos avanços provenientes da  neurociência cognitiva. E com o resultado de que, embora quando alguma noção de racionalidade no processo de realização do direito parece iniludível (tratar de prescindir da idéia de agentes intencionais é tarefa condenada de antemão ao fracasso),  o processo de derivação de valores não é de natureza estritamente neutra, objetiva , racional e cujo significado é inerente às palavras do texto.

Se é certo que a interpretação jurídica não pode existir sem a razão ( preferências individuais e razão instrumental), não menos certo é a “intuição” de que é a gama caracteristicamente humana de emoções que produz os propósitos, metas e objetivos buscados pelo intérprete. Formulamos juizos de valor sobre o justo e injusto não somente por sermos capazes de razão ( como expressam a teoria dos jogos e a teoria da interpretação jurídica ) mas, ademais,  por estarmos dotados de certas intuições morais  e  de determinados estímulos emocionais que caracterizam a sensibilidade humana e que  permitem que nos  conectemos potencialmente com todos os outros seres humanos.

Nossos desejos e nossas emoções intervêm sempre em maior ou menor medida em todo o processo de interpretação e de tomada de decisão em concreto, ou, para ser mais preciso, a articulação co-constitutiva da afetividade e da razão intervêm em toda a interpretação (compreensão), justificação e aplicação de uma vontade alheia, sobretudo naqueles domínios  em que o “caso concreto”, o  “caso da vida real”, surge ao intérprete com uma variedade e uma multiplicidade desconcertantes.

 Nesses domínios  em que o acento recai na peculiaridade, na especificidade do caso concreto, deve o operador do direito convencer-se de quanto seria nefasta a eventual pretensão do legislador de regular ele próprio tudo, prendendo o intérprete de pés e mãos, fazendo dele uma pura máquina subsuntiva ou “descobridor de significados inerentes”, ao cabo de cujo funcionamento se estaria em face de uma interpretação ou solução que a todas as luzes mal quadraria ao caso considerado – isso apenas para dizer o mínimo. A assunção responsável de que o intérprete goza de de certa margem de autonomia é, pois, no nosso caso (no caso da interpretação/aplicação jurídica), uma atitude necessária e uma solução por demais fecunda. Em verdade, é no autônomo processo de interpretação dos códigos morais e jurídicos da sociedade que a conduta do intérprete, sempre produtiva e constitutiva, garantirá a condição de cidadania plena, ou seja, a sua devida prioridade frente a qualquer outro fenômeno sócio-cultural e existencial.

Assim que  a interpretação não pode prescindir da insubstituível atividade e iniciativa do sujeito. A interpretaçao é, em efeito, um espaço de jogo entre vínculo e liberdade, entre rigidez e flexibilidade, entre lógica do provável e do razoável por um lado, e lógica do necessário e do constritivo por outro, quer dizer, um espaço dentro do qual é certamente possível uma pluralidade de soluções alternativas, ainda que isso não signifique em absoluto que todas as interpretações sejam igualmente legítimas: e dado que não existe certezas demonstrativas nem verdades empíricas, somente a argumentação, entre as distintas hipóteses interpretativas possíveis, pode orientar no sentido de uma interpretação satisfatória e razoável, no sentido de eleições prudentes e responsáveis, guiadas por  “boas razões”, que sirvam às nossas intuições e emoções morais e à justiça e não as traicionem.

Depois, um intérprete que crê que recebe seus critérios de interpretação somente do texto, do significado inerente às palavras da norma, sucumbe a um equívoco fatal, pois (inconscientemente) permanece dependente de sua própria irracionalidade. Dito de outro modo, um intérprete que crê que a relação direito/norma é tudo esquece que a medida do direito, a própria idéia e essência do direito, é o humano, cuja natureza resulta não somente de uma mescla complicadíssima de genes e de neurônios senão também de experiências, valores, aprendizagens, e influências procedentes de nossa igualmente embaraçada vida sócio-cultural.

Em todo caso, contudo – e posto que  a empresa do direito deve certamente ser uma empresa racional –, o problema com que tem que enfrentar-se o operador do direito de qualquer condição é, em termos gerais, sempre o mesmo: como utilizar um instrumento cada vez mais complexo – o Direito – para alcançar certos propósitos que, por se considerarem valiosos ( isto é , justos), vão mais além do próprio direito: uma certa paz, uma certa segurança, uma certa liberdade, uma certa igualdade, uma certa fraternidade. Como, em última análise, trabalhar, sob a perspectiva da racionalidade, processos ( interpretativos e de tomada de decisão) que não são racionais ou não o são exclusivamente.

Dizendo de outro modo: como haveremos de responder à pergunta central da metodologia normativa da interpretação jurídica, a de como deve proceder o intérprete para que os frutos de sua interpretação, embora não se possam dizer rigorosa e objetivamente corretos, sejam não obstantes razoáveis, satisfatórios e que gozem de uma certa aceitabilidade racional,  ou, ao menos, para que não possam reputar-se de perfeitamente subjetivos e caprichosos, o qual, em direito, não o olvidemos, se assemelha a uma perigosíssima arbitrariedade que põe em questão nossa segurança enquanto cidadãos sob o império da lei.

Será que então se deve prescindir por inteiro da formulação de  cânones, regras e princípios interpretativos? Será que então – na matéria que estamos considerando – da só idéia de que ao intérprete cabe forçosamente muito, se deve concluir que lhe há de, mesmo, caber tudo? Será, enfim, que tudo o que nesta matéria é possível fazer é apelar para o sentimento e convicção do intérprete para que ele, alterando inexoravelmente o texto normativo, solucione da forma mais ajustada às hipóteses consideradas?

De toda a evidência que não. Contra o que os juristas alemães denominaram de interpretação ilimitada da norma têm-se produzido sérias e decisivas objeções. Logo no puro plano do valor justiça – certamente não o único, mas porventura o que hoje em dia sobreleva a todos os demais –, logo nesse plano não se pode dizer que a via mais capaz de realizá-lo seja conferir ao operador do direito uma latitude de poderes que  faça entrar a sua discricionariedade naquele  “reino confuso do arbítrio, do palpite, do sentimento anárquico e da intuição irrefletida” (Manuel de Andrade,1987).

E pelo que respeita ao valor segurança, é então patente a todas as luzes que a denominada “interpretação ilimitada da norma” o compromete numa medida incomportável. Se a isto juntarmos que o construtivismo social, reduzindo a interpretação, a justificação e a aplicação da norma a puras operações subjetivas e relativistas, mais ou menos irrefletidas e arbitrárias, faz de todo o modo perder ao direito o caráter de ciência (ou até mesmo de arte) que pelo menos comumente lhe é atribuído; e se a tudo isto juntarmos esta última consideração, parece termos alinhado razões suficientes para que seja repudiada a tese que levamos em referência.

 E não se trata, depois de tudo, de um intento ilícito ou desafortunado, porquanto parece intuitiva a necessidade de que os discursos jurídicos (com validade intersubjetiva e potencial capacidade de consenso) estejam racionalmente justificados e coerentes com o sistema jurídico global, quer dizer, que em favor dos mesmos se aportem argumentos que façam com que, sendo produto de uma (limitada) racionalidade plasmada no diálogo de reconhecimento e compreensão recíproca, possam ser discutidos e controlados, e, em igual medida, tratem de impedir um perfil de operador jurídico (nomeadamente do juiz) proclive a um desvairado  e  irracional subjetivismo.

Assim que uma interpretação que não se submeta a regras e não se preocupe por estabelecer uma coerência respeito a modelos de decisão estabilizados e já argumentativamente ponderados corre sempre o risco, precisamente por ser infundada, de precipitar-se em uma violência e em um arbítrio visceralmente insensatos. A tal ponto que a atividade do jurista-intérprete acabaria despojada de toda objetividade e assumiria sorrateira e definitivamente a iniludível irracionalidade do jogo interpretativo.

Sem embargo, se se pondera atentamente sobre as condições do ato do compreender, não resulta difícil descobrir que – se bem valiosos os fins da racionalidade do proceder interpretativo – os vínculos constituídos pelas regras, os métodos de interpretação dos textos normativos, a dogmática jurídica, a comunidade dos intérpretes e dos juristas, e a própria dimensão da comunidade ética e da textualidade, são sempre limites de natureza relativa: quer dizer, não podem jamais eliminar totalmente a natureza do jogo interpretativo (isto é, de discricionaridade e dos espaços de liberdade do intérprete), senão que somente contribuem, com sua função normativo-prescritiva, a estruturá-los e a contê-los. Em todo caso, se o objetivo é a racionalidade do interpretar, são sempre preferíveis vínculos e limites parciais e imperfeitos, expressão de culturas jurídicas e sociedades históricas específicas, antes que nenhum vínculo oi limite. Dito de modo mais simples, a insuficiência do vínculo não implica, em definitivo, a supressão dos limites por ele desenhados.

Depois, talvez seja útil  recordar  que no processo de realização do direito se apresenta ainda ao operador do direito um importante problema de responsabilidade ao garantir ou, melhor dito, ao estabelecer, a coerência intrínseca do sistema jurídico. Ao jurista-intérprete se lhe confia a tarefa específica de combater ou ao menos minimizar a contraditoriedade intrínsica  do sistema jurídico, particularmente a de reconstruir e contextualizar a hierarquia dos valores e princípios constitucionais, que não se pode considerar como dada e adquirida de uma vez por todas. O sentido de uma norma jurídica se converte, por meio do sujeito-intérprete – e ainda que a modifique no percurso do processo interpretativo- , em expressão de relações mantidas  com a prática, de uma capacidade de relação com os dados extralinguísticos e com o contexto de experiência, que em cada novo caso tem que ser renovada e dinâmicamente reconstruída , mas sempre com o fim de compor em um todo coerente normas, princípios e valores diferentes e, portanto, de detectar, de forma prudente e responsável, na pluralidade de hipóteses interpretativas e soluções alternativas possíveis, a solução legítima, mais satisfatória e com  maior capacidade de consenso.

Afinal, uma vez que o operador do direito é, antes de tudo e em sua tarefa sócio-institucional, responsável perante o meio social e frente ao que há de assegurar-se acerca da plausibilidade de suas interpretações, ele deve procurar que suas valorações cambiantes do texto normativo estejam sempre em consonância com nossas intuições e emoções morais, com a coerência do sistema jurídico e com os valores historicamente aceitos e compartidos por uma determinada comunidade ética.

 


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

ATAHUALPA FERNANDEZ: Pós-doutor  em Teoría Social, Ética y Economia /Universidade Pompeu Fabra; Doutor em Filosofía Jurídica, Moral y Política / Universidade de Barcelona; Mestre em Ciências Jurídico-civilísticas/Universidade de Coimbra; Pós-doutorado e Research Scholar do Center for Evolutionary Psychology da University of California,Santa Barbara; Research Scholar da Faculty of Law/CAU- Christian-Albrechts-Universität zu Kiel-Alemanha; Especialista em Direito Público /UFPa.; Professor Titular da  Unama/PA e Cesupa/PA;Professor Colaborador (Livre Docente) e Investigador da Universitat de les Illes Balears/Espanha (Etologia, Cognición y Evolución Humana/ Laboratório de Sistemática Humana); Membro do MPU (aposentado

Interrupção da prescrição pelo protesto cambiário

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*Tassus Dinamarco

Enuncia a súmula 153 do Supremo Tribunal Federal que “simples protesto cambiário não interrompe a prescrição”. A afirmação da Corte foi aprovada em sessão plenária aprovada em 13 de dezembro de 1963 e significou na época a súmula da jurisprudência predominante do tribunal, sendo anexada ao seu regimento interno segundo a edição na imprensa nacional de 1964, p. 85. Teve como referência legislativa o art. 166, V, combinado com o art. 720, ambos do Código de Processo Civil de 1939, e, também, o art. 27 do Decreto 2.044, de 31 de dezembro de 1908, tendo como precedente o julgado proferido pela 2ª Turma do Supremo Tribunal no recurso extraordinário 45378/SP, relator o Ministro Ribeiro da Costa (DJ de 18.05.1961 e RTJ 17/248)[1]. 

Nos dias atuais, contudo, prevê o art. 202, III, do Código Civil uma nova causa de interrupção da prescrição: o protesto cambial.  

Silvio Rodrigues anota que “O art. 202 do Código Civil enumera seis diferentes atos pelos quais se interrompe a prescrição. Os cinco primeiros dependem da iniciativa do credor e o derradeiro a dispensa, por supérflua, em virtude do reconhecimento induvidável da relação jurídica pelo devedor. Vimos que, entre os pressupostos da prescrição, figura a inércia do credor. De modo que, se, pelo contrário, ele se revela solerte e atento na preservação de seu direito, a prescrição não se consuma, pois carece daquele pressuposto fundamental. Entretanto, tal solércia precisa manifestar-se através de uma das maneiras enumeradas nos primeiros incisos do art. 202. Se isso ocorrer, a prescrição se interrompe, para reencetar seu curso no minuto seguinte ao da interrupção (CC, art. 202, parágrafo único). Vejamos as várias formas de interrupção da prescrição: […] b) A prescrição se interrompe pelo protesto (CC, art. 202, II). Como a lei acrescenta a locução nas condições do número anterior, entende a doutrina que o legislador se refere ao protesto judicial, na forma do art. 867 do Código de Processo Civil, e não ao protesto comum de título cambial, disciplinado pelo Decreto n. 2.044, de 31 de dezembro de 1908. Tal solução, de início duvidosa na jurisprudência, parecia consolidar-se com o tempo, para não admitir mais dúvida, quando, em acórdão subseqüente, foi contestada em julgado unânime da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal. Com efeito, em decisão relatada por Nélson Hungria, de 11 de maio de 1953, proclamou o Excelso Pretório: ‘… o protesto cambial do título equivale a protesto judicial e é interruptivo da prescrição qüinqüenal’ (RT, 256/616). Esse problema foi superado, pois o Código de 2001, em seu art. 202, arrolou, entre as hipóteses em que a prescrição se interrompe, o protesto cambial”[2]. 

Apesar da antiga jurisprudência do STF formada no sentido de que o protesto cambial não causava interrupção da prescrição como bem lembrou o civilista Silvio Rodrigues[3], sendo aquela contestada, porém, pela 1ª Turma da Corte em julgado relatado por Hungria, cujo voto foi seguido unanimemente pelos demais Ministros[4], a atual previsão expressa do art. 202, III, do Código Civil, reconhecendo a interrupção da prescrição pelo protesto cambial, afasta a dúvida do intérprete e torna as relações jurídicas mais seguras nos termos do art. 5.º, caput, da Constituição Federal[5].

E a Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que instituiu o Código Civil, foi clara ao prever em seu art. 202, III, a seguinte redação: “A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á: […] III – por protesto cambial”[6].

Anote-se que a IV Jornada de Direito Civil[7], ocorrida em Brasília-DF em outubro de 2006, não se deu ao trabalho de interpretar o dispositivo que trata do protesto cambial[8] como causa interruptiva da prescrição (art. 202, III, cit.), certamente pela eficiência de como foi redigido o dispositivo pelo legislador do Código Civil vigente. Fica revogada[9], assim, a súmula 153 do Supremo Tribunal Federal[10], respeitado o direito intertemporal[11] entre o antigo e o novo direito.


NOTAS

[1] Os dados foram coletados no site do Supremo Tribunal Federal.

[2] Direito Civil, Parte Geral, De acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002), volume 1, Saraiva, SP, 34ª ed., 5ª tiragem, 2007, pp. 339-341/342.

[3] Direito Civil…, ob. cit., p. 342.

[4] RT 256/616, cit.

[5] O termo “segurança”, previsto no dispositivo constitucional, é considerado pela doutrina e jurisprudência como polissêmico, e, por isso, a segurança jurídica do Estado em suas relações com seus governados se impõe e tem status de garantia fundamental, possuindo as seguintes características: imprescritibilidade, inalienabilidade, irrenunciabilidade, inviolabilidade, universalidade, efetividade, interdependência e complementariedade; cf. Alexandre de Moraes, in Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, Atlas, SP, 2002, pp. 162/164.

[6] Parte Geral, Livro III, Título IV, Capítulo I, Seção III.

[7] Fonte de interpretação do direito posto de inegável caráter científico e que estabelece um elo entre a doutrina e a jurisprudência.

[8] O Decreto 2.044 definiu o que vem a ser Letra de Câmbio e Nota Promissória, regulando, ainda, as Operações Cambiais.

[9] Revogação tácita, por força do art. 2.º, § 1.º, da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei 4.657, de 4 de setembro de 1942), e art. 1.º, parágrafo único, da Lei Complementar 95, de 26 de fevereiro de 1998 – que dispôs sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, estabelecendo normas para a consolidação dos atos normativos que menciona -, se admitirmos que súmula do Supremo Tribunal Federal é considerada, hodiernamente, como fonte primária na interpretação da norma, do direito posto, e não como fonte secundária tal como se entendia em tempos não tão remotos.

[10] Considerada como “súmula”, sem o adjetivo “vinculante”, e sem a força dada às súmulas do Supremo Tribunal Federal editadas segundo a Lei 11.417, de 19 de dezembro de 2006; cf. André Ramos Tavares, Nova Lei da Súmula Vinculante, Estudos e Comentários à Lei 11.417, de 19.12.2006, 2ª ed., Método, SP, 2007. Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery apelidaram, com intuito didático, de “súmulas vinculantes” as editadas com a força da Lei 11.417 – batismo legislativo conforme a própria ementa da citada Lei -, e “súmulas simples” aquelas sem tal característica, in Código Civil Comentado, 5ª ed., RT, SP, 2007, p. 1245, e Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 10ª ed., RT, SP, 2007, p. 1606, respectivamente.

[11] Ato jurídico perfeito que recebe proteção do ordenamento estatal no art. 5.º, XXXVI, segunda parte, da Constituição Federal, e pode ser objeto de controle abstrato da constitucionalidade, encontrando respaldo na legislação ordinária por força do § 1.º do art. 6.º da Lei de Introdução ao Código Civil, cit., podendo ser objeto de controle da legalidade pelo juiz no caso concreto, ou seja, difusamente. 

 


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Tassus Dinamarco: Advogado, Pós-graduado em Direito Processual Civil e pós-graduando em Direito Processual Constitucional pela Universidade Católica de Santos/SP.

 

EXECUÇÃO TRABALHISTACabe citação por edital para ciência da penhora na Justiça Trabalhista

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DECISÃO:  TRT-Campinas*  –  O artigo 687 do Código de Processo Civil (CPC) não se aplica na Justiça Trabalhista, uma vez que se prescinde de aplicação de lei subsidiária quando existe regra própria na Consolidação das leis do Trabalho (CLT). Sob esse princípio, a 6ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região deu provimento a agravo de petição interposto pela União, credora em execução movida contra uma clínica de repouso de Garça, município do Centro-Oeste paulista, a 327 quilômetros de Campinas. Proferida a partir de voto da desembargadora federal do trabalho Ana Maria de Vasconcellos, a decisão foi unânime.

Com fundamento no artigo 687 do CPC, despacho da Vara do Trabalho de Garça indeferiu pedido da União, no sentido de que fosse dada ciência por meio de edital, à executada, da penhora efetuada no processo. Entretanto, a relatora observou que, no Processo do Trabalho, não há exigência de citação pessoal, diante das disposições contidas no parágrafo 1º do artigo 840 da CLT, que autoriza a citação por via postal. Por sua vez, o artigo 888 da CLT, lecionou a desembargadora Ana Maria, permite expressamente a notificação por edital da própria realização de praça. (Processo 1702-1994-098-15-00-4 AP)


 

FONTE:  TRT-15ª Regiçao (Campinas-SP), 28 de janeiro de 2008.

FORNECIMENTO DE REMÉDIO É OBRIGATÓRIOPaciente deve receber medicamento

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DECISÃO:  TJ-MG*  –  A Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) reformou parcialmente a sentença de Primeira Instância que condenava o Estado de Minas Gerais a fornecer seis tipos de medicamentos para o consumo mensal da paciente F.J.S. Pelo acórdão, o Estado pode deixar de fornecer apenas um deles.  

Segundos os autos, a paciente é portadora de hipertensão arterial, insuficiência coronariana e sofreu um acidente vascular cerebral, que deixou seqüelas no seu lado esquerdo. De acordo com a sentença de Primeira Instância, para o tratamento dessas doenças era necessário que ela fizesse o uso contínuo dos medicamentos Carvedilol 25mg, Sinvastatina 10mg, Atacand 16mg, Adalat 20mg, Clopidogrel 75mg e Sustrate ou seus genéricos.  

Em contrapartida, o Estado de Minas Gerais afirma que é de responsabilidade dele apenas o fornecimento dos medicamentos considerados excepcionais. E que o remédio Sinvastatina já é fornecido gratuitamente. Os demais são fornecidos pelo SUS.  

De acordo com o relator, desembargador Armando Freire, o Estado não precisa fornecer apenas o medicamento “Sinvastatina” pelo fato de ele já ser fornecido gratuitamente, mas deverá conceder à paciente os outros medicamentos solicitados.  

Votaram de acordo com o relator os desembargadores Eduardo Andrade e Geraldo Augusto. Processo: 1.0223.07.218731-1/001(1)


FONTE:

  TJMG, 29 de janeiro de 2008.