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PLANO DE SAÚDE VIGORA NO AVISO PRÉVIOPlano de saúde não pode ser suprimido durante aviso prévio indenizado

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DECISÃO:  * TRT-MG  –  O aviso prévio integra o contrato de trabalho para todos os efeitos legais, inclusive quanto aos benefícios concedidos habitualmente pelo empregador. Portanto, a supressão, durante o aviso prévio indenizado, do plano de saúde do qual o empregado usufruiu por todo o contrato de trabalho constitui alteração lesiva, nos termos do artigo 468 da CLT. A decisão é da 4ª Turma do TRT-MG, com base no voto do juiz convocado, Antônio Carlos Rodrigues Filho, que deu provimento ao recurso do reclamante para determinar a sua reintegração ao plano de saúde empresarial, nos mesmos moldes anteriores à sua dispensa, por um período equivalente a 30 dias. Caso a empresa não comprove no processo essa reintegração, deverá indenizar o reclamante pelos procedimentos médicos que se fizerem necessários nesse período. 

Durante o contrato de trabalho, a empresa ofereceu ao reclamante plano de saúde Unimed, o qual foi cancelado na data da rescisão, sem considerar a projeção do aviso prévio indenizado. Ocorre que, no curso do período de aviso, o reclamante teve problemas respiratórios, sendo-lhe indicada cirurgia para a qual se preparou, comparecendo ao hospital no dia marcado. Só que, ao chegar lá, teve a notícia de que a sua guia de internação tinha sido indeferida porque o plano de saúde estava cancelado. 

Segundo explica o relator do recurso, se o aviso prévio trabalhado traria ao reclamante o direito ao plano de saúde por mais um mês, o mesmo direito deve ser preservado no curso do aviso indenizado: “A atitude da empresa viola os artigos 468 e 489 da CLT, sendo de direito ao reclamante a manutenção do plano de saúde do qual era filiado durante o aviso prévio indenizado, que nos termos da lei, significa contrato de trabalho em vigor” – conclui.  (nº 01294-2007-131-03-00-1)


FONTE:  TRT-MG, 11 de março de 2008.

DANOS MORAISMotorista terá que pagar indenização por insultos racistas

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DECISÃO:  *TJ-RS  – Motorista que após discussão com pedestre proferiu insultos de cunho racista terá que indenizá-la, por dano moral, em R$ 5 mil. No entendimento da 9ª Câmara Cível do TJRS, apesar da ocorrência de ofensas recíprocas, ficou comprovado que as mesmas foram iniciadas pelo réu, bem como seu conteúdo racista.

A autora relatou que chovia no dia 17/04/2004 quando chegava, acompanhada de um colega, ao hipermercado onde trabalha. Nesse momento, foi surpreendida pelo motorista que, realizando uma ultrapassagem forçada rente ao meio-fio da calçada, esguichou água em sua direção.  Ao ingressar no estacionamento do local e ver a situação da demandante e de seu acompanhante, teria passado a rir e debochar.

Questionado se “não tinha educação”, segundo a autora, respondeu que ela não devia “reclamar de um banho de chuva” e que “um banhozinho de chuva não faz mal a ninguém”. Na seqüência da discussão, a demandante teria sido chamada de “murrinha”, “nega suja” e “chinelona”. Diante da intervenção do colega, que veio em defesa da demandante, o réu teria agarrado uma lixeira plástica e arremessado contra ele, que se defendeu. As agressões físicas e morais que ocorreram a partir daí somente tiveram fim após intervenção de duas pessoas que passavam pelo local.

A autora ajuizou ação por danos morais e, em sentença favorável, foi arbitrado o valor de R$ 5 mil. O motorista recorreu da decisão, alegando que não houve comprovação a respeito de quem iniciou as agressões. Defendeu que também foi ofendido, sendo chamado de “velho broxa” e velho cego”, além de ameaçado de agressão pelo acompanhante da demandante.

Voto

Na avaliação do relator, Desembargador Odone Sanguiné, a prova apresentada demonstra claramente que a discussão foi provocada pelo réu. Destacou que, ao ser abordado pela autora e seu colega, o motorista passou a insultá-la de forma desnecessária e desproporcional, dando início a xingamentos recíprocos, fato confirmado por testemunhos.

O magistrado observou que o incidente foi causado pela atitude ríspida assumida pelo réu: “A prova do ânimo alterado do autor é o fato de que este teria erguido uma lixeira, não se sabe se para se defender do guarda-chuva do colega da demandante, ou arremessá-lo contra o colega da autora, como explica a própria e corrobora a testemunha.”

Acompanharam o voto do relator a Desembargadora Iris Helena Medeiros Nogueira e o Desembargador Tasso Caubi Soares Delabary.  Proc. 70021931902


FONTE:  TJ-RS,  11 de março de 2008.

DIREITO PREVIDENCIÁRIOIdade limite para pagamento de pensão fixada a título de indenização é de 70 anos

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DECISÃO:  *STJ  – A idade limite para pagamento de pensão fixada a título de indenização por danos materiais é delimitada com base na expectativa média de vida do brasileiro, que hoje é de aproximadamente 70 anos. Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a decisão que elevou a idade limite de 65 anos estabelecida na sentença para uma expectativa etária de 70 anos.

O caso trata de indenização por danos morais e materiais pleiteada por Clarice e Pedro Martinez contra o Clube dos Jangadeiros, em decorrência do falecimento do marido e pai, respectivamente, em acidente ocorrido nas dependências do clube. Em contestação e devido à existência de seguro contratado, o clube denunciou à ação a Sul América Terrestres, Marítimos e Acidentes Cia. de Seguros S.A.

Na primeira instância, o clube foi condenado ao pagamento de pensão mensal até a data em que a vítima completaria 65 anos, ao ressarcimento dos gastos efetuados com o funeral, à indenização de mãe e filho pelo dano moral sofrido, arbitrado em 500 salários mínimos e à constituição de capital cuja renda assegure o cumprimento da prestação alimentar. A denunciação à ação também foi julgada procedente, para condenar a seguradora a indenizar regressivamente o Clube dos Jangadeiros nos limites da apólice.

Na apelação, o clube e a seguradora tiveram seus pedidos negados. Entretanto a sentença foi reformada quanto ao valor do salário mínimo adotado (R$ 112 para R$ 100) para o cálculo da pensão e da idade limite para o pagamento da pensão (de 65 para 70 anos). No julgamento dos embargos de declaração (tipo de recurso), o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve o valor da pensão mensal conforme fixado na sentença.

Recurso especial

O Clube dos Jangadeiros e os familiares da vítima recorreram ao STJ. O primeiro alegando que a decisão do TJRS, de elevar o limite de idade, divergiu da jurisprudência de outros Tribunais. Os segundos sustentando que o Tribunal não observou as hipóteses autorizadoras (omissão, contradição ou obscuridade) para julgar os embargos.

A relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que, apesar da existência de diversos precedentes do STJ estabelecendo em 65 anos a expectativa de vida para fins de recebimento de pensão, constata-se que muitos desses julgados datam do início da década de 90, ou seja, há mais de 15 anos.

Ressaltou, também, que informações divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em seu site na internet, dão conta de que, entre 1980 e 2006, a expectativa de vida do brasileiro elevou-se em 9,7 anos, atingindo os 72,3 anos e devendo chegar aos 78,3 anos em 2030.

“Na espécie, a vítima completaria 30 anos uma semana após o fatídico acidente, ocorrido em 15/6/1996, de sorte que, com base na tabela da Previdência Social, sua expectativa de vida era de aproximadamente 70 anos, refletindo o acerto da decisão recorrida, que deve ser mantida”, afirmou.

Quanto ao valor fixado a título de pensão, a ministra disse que a decisão do TJRS, no julgamento da apelação, era de fato contraditória, na medida em que, não obstante ficasse evidente que compartilhava do raciocínio desenvolvido na sentença, obteve outro valor de pensão sob a falsa premissa de que o juiz de primeiro grau teria incorrido em erro material.  

FONTE:  STJ,  07 de março de 2008.


A teoria da sistematicidade jurídica

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Bruno José Ricci Boaventura

O sistema jurídico é na teoria axiológica da tridimensionalidade, composta por três subsistemas: o da norma, o de fatos e de valores, sendo a norma um fato valorado. Não são somente estes componentes a serem considerados no diagnóstico dimensional do sistema jurídico. Ainda temos a disposição da norma em um determinado tempo e espaço.

Os elementos considerados até então pela vertente axiológica do direito são eminentemente teóricos, não é só o fato valorado pela norma, não são só o tempo e o espaço auto-definidos, o que na prática se apresenta é o homem projetando um processo de organização, no qual ele mesmo participa como elemento. Uma das ações que o homem deve fazer no seu mister de elemento prático do sistema jurídico é trazer coerência àquilo que ele projetou e produziu, e a definição de critérios claros sobre a resolução das antinomias jurídicas é um dos caminhos para a simplificação do direito, como modo de facilitação ao acesso à justiça. Resolvendo as antinomias jurídicas aparentes, a multitude das normas jurídicas deixam se tornar desconexas para tendencialmente a unidade ser não só um conceito teórico, mas também prático. É o elemento humanidade que visualiza o processo, que impulsiona os demais elementos, forjada na hermenêutica, no duplo processo de interpretação do fato e da norma, como forma de transformação e não contemplação. Desfazendo assim um pouco o mito da linguagem legal como inacessível às pessoas comuns, esvaziando os tantos Hermes, Moises-Aarão, Maomé-Abdula que ainda tenham exclusivamente para si a tarefa transformadora da hermenêutica normativa como propulsora da evolução do sistema jurídico.

A antinomia jurídica é encarada na contemporaneidade como fenômeno inerente ao sistema jurídico, em razão do ordenamento jurídico ser elaborado por diversas pessoas, que atuam em espaços diversos, motivados por interesses também diversos, em tempos diferentes.

A antinomia jurídica não pode ser classificada como antinomia lógico-matemática como requer a o conceito de sistema jurídico atual, pois este tipo de antinomia restringe o produto, ou seja, o resultado invalida automaticamente a norma sobrepujada.

O sistema lógico matemático necessariamente deve existir sem a presença de contradições, pressupondo assim a total coerência. O conceito elementar é puramente lógico, sem influência valorativa como acontece no raciocínio jurídico. Os conceitos numéricos da norma matemática são invariáveis, são sempre exatos, depende desta unicidade perfeita a construção dos conceitos matemáticos em equações e teoremas. A norma mais básica e as subseqüentes criadas em sua referência ao longo do tempo e espaço sempre expressam o mesmo dado fático matemático, independentemente de quem a aplica.

O reconhecimento da possibilidade da existência de antinomia lógico matemática levaria a impossibilidade da suscetibilidade de comprovação prática dos resultados obtidos com as equações. Toda construção, a partir do momento da aceitação da antinomia, comprometeria a perfectabilidade como produto, levando o sistema à falácia.

A antinomia de normas jurídicas não se classifica como uma contradição lógica, pois a sua existência não implica em afirmar que uma norma necessariamente sempre será invalida e outra será sempre válida. O conflito normativo quando é solucionado, não há eliminação da norma, mas sim seguimento por um dos possíveis pressupostos, ou seja, por uma das normas. O pensamento kelsiano a rigor também não caracteriza as antinomias jurídicas como lógicas-matemáticas, reconhece que este conflito não pode ser comparado com uma contradição lógica, mas apenas duas forças atuantes em direção aposta ao mesmo ponto.

A antinomia jurídica seria uma manifestação de um conflito comunicacional, ou seja, um problema da construção de interpretações antagônicas de um mesmo dado lingüístico. A antinomia jurídica colocada no ângulo pragmático, pelo preenchimento do pressuposto que uma instrução que para ser obedecida, deve ser ao mesmo tempo ser desobedecida para ser obedecida, deixando o sujeito em indecibilidade.

As conseqüências da antinomia jurídica não são comunicacionais, são efeitos jurídicos concretos, não podendo assim classificá-las como do tipo semântica e nem pragmática, mas em uma classificação sui generis, que teremos que elucidar pela analise da possibilidade das normas jurídicas serem interesses pessoais ou de grupos institucionalizados pela política em uma racionalidade que encontra limites jurídicos.

O que será considerado nesta reformulação da idéia de sistema é que as próprias contradições são a força motriz do sistema, pois este evolui nutrindo-se desta dialética, não é a certeza ou a precisão que compõem a cientificidade do direito, mas sua própria concepção antinômica. A contraposição de valores normatizados leva o coque de teses, que por sua vez levará, a cada momento, uma superação em algum ponto de uma tese sobre a outra. Não que esta superação não possa ser revista, e assim no embate não se enxerga uma nova tese vencedora, mas sim um blend na qual a tese envelhecida é rejuvenescida pela preponderância da atualidade da maioria, num jogo democrático em que o avanço social não poderá ser o único caminho. Caracterizado em equilíbrio dialético reflexivo baseando-se em premissas verdadeiras e conclusões de ampla aceitação no qual as forças empurram o círculo para traz ou para frente, e não numa linha dialética de criação de antítese sobre tese. As forças, na tensão dialética do direito, ocorrem entre aquilo que já de conquistou e aquilo que se deseja conquistar, entre a realidade e o ideal, na dialética da complementaridade, na funcionalidade entre contrários, entre meios e fins, entre forma e conteúdo, ou entre as partes e o todo.

Esta idéia do conflito normativo como premissa do conceito adotado modernamente surgiu no período de consolidação de idéias políticas e jurídicas da Revolução Francesa, quando foi afirmada a concepção do direito como sistema, tornou imprescindível para a problemática jurídica a conceituação de antinomia em termos de profundidade. A partir do século XIX, com surgimento do constitucionalismo, a idéia de sobreposição de uma norma sobre outra ganha outro aspecto, além da temporalidade, a vinculariedade com a Constituição. Os Estados-membros da Europa reunidos em uma Comunidade ainda estabelecem norma ao nível superior: o comunitário.

Este comprometimento social é feito pelo equilíbrio do meio jurídico pelo equacionamento da segurança jurídica, através da maximização da justiça, seguindo a vertente axiológica da reviravolta do pensamento ocidental aberta por Descartes e concluída por Kant, tendo como preocupação principal a proporcionalidade da individualidade com a coletividade, do naturalismo com o positivismo, do poder com a opressão.

Tendo a preocupação da descrição do relacionamento deste novo elemento considerado, o homem, com a norma, mas não no campo anteriormente elucidado, da aplicação, mas sim o da criação. Esta nova fronteira científica, a legística ou legisprudência, relaciona o processo legislativo e todas as técnicas envoltas na maneira de produzir leis, define alguns parâmetros a serem considerados na atuação do Poder Legislativo para concreção da efetividade da gestão pública, da eficiência administrativa, e da eficácia dos gastos públicos, todos pré-requisitos da responsive law.

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA 

BRUNO J. R. BOAVENTURA: advogado militante em Cuiabá em direito público, sócio-gerente da Boaventura Advogados Associados S/C;  Especialista em Direito do Estado, com ênfase em Constitucional, pela Escola Superior de Direito de Mato Grosso.

E-mail: bboaventura@hotmail.com

 

Bem feito! Quem manda ser mulher?

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*Maria Berenice Dias

A Constituição Federal reconhece a familia como a base  da sociedade, assegurando-lhe especial proteção. Faz expressa referência ao casamento, à união estável e às famílias formadas por só um dos pais e seus filhos. A legislação infraconstitucional, de forma exaustiva, regulamenta o casamento, concede tratamento discriminatório à união estável, mas esqueceu de regulamentar as unidades monoparentais. Esta injustificável omissão, no entanto, não autoriza que se tenham estas famílias como inexistentes. Nem essas e nem outras. Basta dar uma mirada na sociedade dos dias de hoje para concluir que a família é mesmo plural. E, ao final, doutrina teve que se render e acabou reconhecendo que as entidades familiares vão além do rol constitucionalizado. Há toda uma nova construção do conceito de família, dando ênfase à solidariedade familiar e ao co mpromisso ético dos vínculos de afeto.

A visão excessivamente sacralizada da família tenta identificar a monogamia como um princípio, quando se trata de mero elemento estruturante da sociedade ocidental de origem judaico-cristã.  Até bem pouco tempo só era reconhecida a família constituída pelos "sagrados" laços do matrimônio. Daí o repúdio às uniões extramatrimoniais. Rotuladas de "sociedade de fato", eram alijadas do direito das famílias.

A tentativa de perpetuar a família fez o casamento indissolúvel e, mesmo depois do divórcio, ainda o Estado resiste em dissolvê-lo. Impõe prazos e tenta punir culpados. O interesse na preservação da família matrimonializada é tão grande que até 2005 o adultério era crime. A bigamia ainda é. O Estado se imiscui de tal maneira na intimidade do casal que impõe o dever de fidelidade (Cód. Civil, art. 1.566, I). Considera o adultério como justa causa para a separação (Cód. Civil, art. 1.573, I), e o reconhecimento da culpa do infiel faz com que ele perca o nome de casado (Cód. Civil, art. 1.578). Alimentos, só recebe o quanto baste para sobreviver (Cód. Civil, art. 1.704, parágrafo único).

A lei tenta de todas as formas obrigar a manutenção de um único vínculo familiar, mas a sociedade sempre tolerou a infidelidade masculina. Os homens são os grandes privilegiados, pois nunca foram responsabilizados por suas travessuras sexuais. Tanto é assim que durante muito tempo os "filhos adulterinos" não podiam ser reconhecidos. As uniões extramatrimoniais até a pouco não geravam quaisquer ônus ou encargos. E ter "outra" é motivo de orgulho e da inveja dos amigos.

Em contrapartida, as mulheres sempre foram punidas. A infidelidade feminina autorizava o homem a "lavar a honra da família", o que livrou muitos maridos traídos da cadeia. Como os "filhos ilegítimos" não tinham direito à identidade, eram só "filhos da mãe", assumindo ela a responsabilidade exclusiva pela sua criação e manutenção. Também a resistência em abrigar o concubinato no âmbito do direito das famílias gerou legiões de mulheres famintas, pois não lhes era assegurado nem alimentos e nem direitos sucessórios. Como sociedades de fato, dividiam-se lucros e não os frutos de uma sociedade de afeto.

Esta mania de punir a mulher como forma de assegurar ao homem o livre exercício da sexualidade ainda persiste. De maneira simplista os vínculos familiares que se constituem de modo concomitante ao casamento são condenados à invisibilidade. Contam com a conivência do judiciário. Com isso, as uniões paralelas – uma façanha exclusivamente masculina – continuam sendo incentivadas. Os nomes são vários: concubinato adulterino, impuro, impróprio, espúrio, de má-fé, e até concubinagem. Mas a conseqüência é uma só: a punição da mulher. A ela é atribuída a responsabilidade pelo adultério masculino. Tanto que, somente na hipótese de ela alegar que desconhecia a condição de casado do companheiro é que tem chance de receber parte do que conseguir provar que ajudou a amealhar. Caso confesse que sabia que o homem não lhe era fiel, é impiedosamente condenada a nada receber. O fundamento: não infringir o dogma da monoga mia.

Assim, tanto a lei como a justiça continuam cúmplices do homem. Bem feito! Quem manda ser mulher?

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

MARIA BERENICE DIAS:  Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.  www.mariaberenice.com.br

       




 

O magistrado e a efetiva prestação jurisdicional e o acesso à justiça

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*Paulo Roberto Pontes Duarte

Das injustiças, o pior não é sofrê-las. É cometê-las. Pitágoras                                                                                           

Trata-se, o presente artigo uma reflexão sobre o papel do magistrado na atualidade e a efetiva prestação jurisdicional do Estado e, principalmente o acesso do cidadão ao Poder Judiciário. Para tanto, este ensaio utiliza como fundo de tela, a ata da audiência do processo nº PS-01466/2007 da 3º Vara do Trabalho de Cascavel – PR, tendo como Reclamante: Joanir Pereira e Reclamado: Madeireiras J. Bresolin Ltda. Sob a direção do juiz do trabalho Bento Luiz de Azambuja Moreira. 

Ocorre que, no referido processo o magistrado impossibilitou a realização do ato processual, do qual depreende-se: “O Juízo deixa registrado que não irá realizar esta audiência, tendo em vista que o reclamante compareceu em Juízo trajando chinelo de dedos, calçado incompatível com a dignidade do Poder Judiciário.  Protestos do reclamante(grifamos).

Assim, discorremos sobre o tema com o amparo doutrinário sobre a conduta do juiz de forma crítica. Portanto, com o intuíto de enfatizar a importância da formação do profissional do Direito, aqui, em especial, o magistrado, que possui notável função social a luz da Constituição de 88 é que se propõe a sucinta pesquisa.

Preambularmente, cabe destacar, que o acesso à justiça é uma conquista da humanidade, a exemplo, com o surgimento da Magna Charta Libertatum – A Carta de João sem Terra de 1.215, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1.789, e, entre outros a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1.948.

É preciso apontar, em nosso país, se faz necessário ter uma visão piramidal do ordenamento jurídico. Desse modo, possibilitar não só ao aplicador da Lei, mas a todos os profissionais do Direito que tenham como base jurídica a nossa Lei Maior, considerada pelo Presidente da Constituinte Deputado Ulysses Guimarães a Constituição Cidadã, pois foi feita com amor e sem medo.

O professor e desembargador do Estado de Minas Gerais, Kildare Gonçalves Carvalho destaca: 

 Verifica-se que novas matérias foram introduzidas na Constituição, como os princípios fundamentais constantes do Título I; preceitos sobre a seguridade social, compreendendo saúde, previdência social, assistência social, ciência e tecnologia, comunicação, meio ambiente, criança, adolescente, idoso, índio, alargando-se assim o campo constitucional.   

Continuando: 

Os direitos fundamentais foram deslocados para o início da Constituição, deixando de figurar no seu final, como ocorria nos textos anteriores (Carvalho, 2006, pág. 420).

Sobre a importância da Constituição Federal de 1.988 extrai-se de José Afonso da Silva:

A luta pela normalização democrática e  pela conquista do Estado Democrático de Direito começara assim que se instalou o golpe de 1.964 e especialmente após o AI 5, que foi o instrumento mais autoritário da história política do Brasil. (…) Assim se fez. Mas ao convocar os membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, a rigor, o que se fez foi convocar, não uma Assembléia constituinte, mas um Congresso Constituinte. Deve-se, no entanto, reconhecer que a Constituição por ele produzida constitui um texto razoavelmente avançado. É um texto moderno, com inovações de relevante importância para o constitucionalismo brasileiro e até mundial. Bem examinada, a Constituição Federal de 1.988, constitui, hoje, um documento de grande importância para o constitucionalismo em geral (Silva, 1.998, pág. 90-91).

Esclareça-se, ainda, que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1.988 ampliou consideravelmente os direitos e garantias fundamentais elencados no Título II no art. 5º que, por força do art. 60, § 4º, inciso IV são cláusulas pétreas, não podendo ser abolidos, e sim acrescentados.

Com efeito, a dimensão constitucional do acesso à justiça constitui na verdade um dos principais direitos subjetivos do indivíduo. Nesta linha de raciocínio observa-se atentamente que as regras inseridas no art. 5º, que no nosso entendimento devem ter aplicação imediata, consagram o princípio do acesso ao Poder Judiciário inseridos no inciso XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) direito de petição aos poderes públicos em defesa e direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder. Por sua vez,  o inciso XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça ao direito.

Como visto, com o advento da Carta Política de 88 o acesso à justiça deixou de ser um tema superficial e teórico. Na verdade confiou ao Poder Judiciário a missão de pacificar os conflitos sociais, amparado pelo devido processo legal. E mais, alargou o sentido do acesso a justiça, muito em especial aos excluídos, devendo tratar os iguais como os iguais e os diferentes como diferentes.

Reconhecido isto, feitas as noções necessárias sobre a importância da Lei Maior, assim como o acesso à justiça, passamos  agora a  abordar a conduta do juiz  na prestação jurisdicional.

A propósito, sobre os deveres do juiz adverte Sidnei Agostinho Beneti:

Os deveres do Juiz decorrem da normação jurídica. São imposições de conduta constantes das normas legais, avultando nesse campo, como se disse, as prescrições da Constituição Federal, da Lei Orgânica da Magistratura, das normas processuais federais, das Constituições dos Estados, das leis de organização judiciária e das normas administrativas dos Tribunais. (…) Mas o rol legal, longo, de deveres jurídicos do Juiz não esgota o rol de deveres, se considerados os valores exigidos do Juiz pela interação social, os quais desdenham a figura do magistrado ideal, introjetada no senso comum da população, como agente político guardião das mais elevadas virtudes humanas (Beneti, 2002, pág. 151).

Não diverge o eminente desembargador José Renato Nalini sobre a postura ética do magistrado no que tange ao comprometimento da prestação jurisdicional:

Também pode ser considerada postura ética do juiz a preocupar-se com a lentidão dos julgamentos. Certa humildade há de ser especialmente cultivada para reconhecer-se um profissional, não um semideus, do qual se espera uma solução perfeita. Os destinatários da Justiça apenas precisam de uma decisão. Editada com bom senso, com pertinência para a causa mas, naturalmente, imperfeita como ocorre com qualquer tarefa humana. Estará atuando de maneira ética o juiz que procurar contribuir com a aceleração na prestação jurisdicional (Nalini, 2001, pág. 303).   

Ora, no caso que mencionamos no preâmbulo desse artigo, o magistrado, negou a realização da audiência, porque o reclamante estava apenas de chinelos de dedo, o que seria incompatível com dignidade do Poder Judiciário.

Frise-se, por importante, num país com mais de 180 milhões de brasileiros, com apenas 5% de sua população com o nível superior completo, onde a corrupção deixou de ser novidade para torna-se algo comum, como diariamente se veicula nos meios de comunicação; e a exclusão social produzindo  a criminalidade seletiva por falta de oportunidade aos indivíduos, onde constantemente seus direitos são negados por falta de políticas públicas.  Neste prisma, não acreditamos que uma pessoa, nas condições peculiares a caso, tinha intenções de ofender a dignidade do Poder Judiciário por estar calçando chinelos de dedo, a inda mais na justiça do trabalho.

E mais, pensamos que, além do magistrado apenas constar na ata da audiência os protestos do representante legal do reclamante, perdeu a oportunidade de colocar em prática o preceito constitucional inserido no art. 5º, inciso LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Que por sinal, repisamos sua importância, no fato de ser uma garantia fundamental de aplicação imediata. 

Sobre a indispensável reforma de mentalidade dos magistrados, pertinente os ensinamentos de Dalmo de Abreu Dallari: 

Aí está a primeira reforma que se faz necessária, pois, de fato, a adesão ao positivismo jurídico significa a eliminação da ética, como pressuposto do direito ou integrante dele. E a partir daí a assunção da condição do juiz, ascensão na carreira judiciária, a indiferença perante as injustiças sociais, a acomodação no relacionamento com os poderosos de qualquer espécie, o gozo de privilégios, a busca de prestígio social através do aparato, a participação no jogo político-partidário mascarada de respeitável neutralidade social. É por esse caminho que os Tribunais de Justiça se reduzem a Tribunais de Legalidade e a magistratura perde a grandeza que lhe seria inerente se os juízes realmente dedicassem sua vida a promover justiça (Dallari, 1.996, pág. 83).                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     

José Renato Nalini com muita propriedade resume bem a responsabilidade do magistrado em possibilitar a prestação jurisdicional, sobre tudo ao homem simples, senão vejamos:

O juiz não está excluído da responsabilidade de manter o destinatário informado de seus direitos, nem da transparência que a prestação jurisdicional também deve revestir, pois a administração pública submetida aos preceitos do art. 37 da Constituição da República. Deve, portanto, assumir papel protagônico na disseminação de todos os informes que tornem o Judiciário mais conhecido e mais próximo da população. Por conseqüência mais respeitado e amado. E favorecendo a veraz participação do homem, sobretudo o homem simples e anônimo, na administração da justiça (Nalini, 2000, pág. 87).   

Como se nota, aí está a verdadeira função jurisdicional, o direito constitucional de garantir ao cidadão o acesso à justiça, amparado pela árdua conquista universal  de reclamar ao Estado-juiz seus direitos quando são violados. 

Oportuno destacar, a brilhante pesquisa realizada com magistrados do Estado do Rio de Janeiro, que apurou a necessidade da transformação da cultura organizacional do Poder Judiciário, demonstrando que os juízes devem possuir um perfil social, político com uma nova visão do mundo, que extraímos: 

Sem dúvida, a magistratura precisa mudar. (…) Esta conclusão é particularmente importante por três motivos. Em primeiro lugar, porque adia a transformação do Poder Judiciário, agravando a crise decorrente da percepção de distanciamento existente na sociedade brasileira em relação a esta instância. Em segundo lugar, porque os magistrados selecionados neste final do século XX estarão em atuação na primeira metade do próximo século. Ou seja, através do perfil dos novos magistrados se está definido o perfil da magistratura  nas próximas décadas. Por último, como a imagem sobre a justiça e sobre os profissionais do direito transforma-se lentamente, muito tempo será necessário para que as mudanças futuramente introduzidas no Poder Judiciário sejam assimiladas pelo público (Junqueira, 1.997, pág. 165).  

Por tudo o que foi exposto, entendemos que o juiz de direito, com a notável função constitucional  de garantir a pacificação social e, muito em especial  o acesso do jurisdicionado ao Poder Judiciário deverá ter mais do que o conhecimento dogmático do ordenamento jurídico. Deverá sim, ter uma formação humanista, voltado à inclusão das pessoas mais simples, com chinelos de dedos e até mesmo os que não tiverem calçados, o que não são poucos. 

Por fim, aos que almejam a brilhante carreira jurídica, em especial a judicatura, pensem, que aplicar o direito a um caso concreto não é apenas um dever do magistrado e sim possibilitar ao acesso do cidadão a ter reconhecido na prática a dignidade da pessoa humana. 

Bibliografia 

AFONSO, José da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15º ed.  rev. atual. amp. São Paulo: Editora Malheiros.1.998.

BENETI, Sidnei Agostinho, Da conduta do juiz. 2º ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2000.

DALLARII, Dalmo de Abreu. O poder de Juiz. São Paulo: Saraiva, 1.996.

CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional: Teoria do Estado e da Constituição, Direito Constitucional Positivo. 12º ed.  rev. atual. amp. Belo Horizonte: Editora Del Rey.2006.

JUNQUEIRA, Elaine Botelho. Guises: retrato em preto e branco. Rio de Janeiro: Letra Capital, 1.997.

NALINI, José Renato. Ética Geral e profissional. 3º ed. ver. amp. São Paulo: RT, 2001.

_________________.O juiz e o acesso à justiça. 2º ed. ver. atual. Amp. São Paulo: RT, 2000.

 


 

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Paulo Roberto Pontes Duarte: Advogado OAB/SC nº 23.533. Formado na EPAMSC – Escola de Preparação e Aperfeiçoamento do Ministério Público de Santa Catarina. Pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal.

Flores, furto e poesia

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João Baptista Herkenhoff 

Louvo a atitude de perdão da senhora Vera Nancy Borges, que teve orquídeas subtraídas de seu jardim, em Vitória. Ficou feliz de recuperar as flores, que têm para ela um grande valor sentimental, mas declarou que não deseja que se faça nada contra a senhora que colheu as flores, mas, pelo contrário, deseja que essa senhora seja muito feliz. (A Gazeta, 22.02.2008).

Num mundo que fosse feito de sensibilidade e de poesia haveria uma ressalva explícita, ou pelo menos, uma ressalva de interpretação ao artigo 155 do Código Penal, que define o furto. Na linguagem fria da lei considera-se furto “subtrair para si coisa alheia móvel”. A pena para o crime é de um ano a quatro anos de reclusão, além de multa. Flores não se furtam, flores são colhidas. Flores não são “coisa alheia móvel”, flores são aragens de carinho neste mundo insípido. Flores não podem estar contidas no artigo penal citado.

Por coincidência, na mesma semana em que são colhidas as flores do maravilhoso jardim de Dona Vera, celebram-se os centenários de Machado de Assis e Guimarães Rosa.

Machado de Assis escreveu: 

         “Teus olhos são meus livros.

         Que livros há aí melhor,

         Em que melhor se leia

         A página do amor?

         Flores me são teus lábios.

         Onde há mais bela flor,

         Em que melhor se beba

         O bálsamo do amor?”

Guimarães Rosa, além de grande escritor, um dos maiores da Literatura Universal, foi botânico e naturista. Como verdadeiro cientista, viajou pelo sertão observando a natureza e colhendo dados para produzir seus livros, principalmente sua obra prima “Grande Sertão – Veredas”. Em passagens magistrais, antológicas, ele descreve o canto e a plumagem dos pássaros, a cor e o cheiro das flores.

Num poema que lhe dedicou, na semana em que morreu Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade escreveu: 

         “Vegetal ele era ou passarinho

         Sob a robusta ossatura com pinta

         De boi risonho?”

Em cinco de setembro de 1975, quando eu exercia a função de Juiz de Direito em Vitória, ao libertar um jardineiro processado por crime de lesões corporais leves, determinei, como condição para sua soltura, que ele voltasse 

“para os jardins desta cidade, como jardineiro que é, a fim de cuidar das flores e tornar menos agreste a paisagem urbana, contribuindo, com seu trabalho, inclusive para proporcionar jardins mais belos a nossas crianças.” 

Ainda na sentença estabeleci como requisito de liberdade que ele se dedicasse 

“ao seu trabalho, à bela ocupação de jardineiro, velando, com carinho, pela vida vegetal, e compreendendo que se esta é reflexo da divindade, muito mais reflexo da divindade é a vida e a integridade do nosso irmão”. 

Fico a imaginar que esse jardineiro, tempos depois, tenha voltado à casa da vítima e oferecido à família um buquê de rosas.

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

João Baptista Herkenhoff é Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo – professor do Mestrado em Direito e escritor. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br


Condôminos, convivência razoável e responsabilidade.

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*Jaques Bushatsky 

 

Foi recentemente veiculada[1] a decisão da apelação cível n. 464012.4/4-00, alcançada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, relatada pelo Desembargador Francisco Loureiro, jurista de reconhecido saber, cuidando de ofensas feitas por uma criança a um funcionário do condomínio. Na decisão, foi interpretada e afastada a alegação de que o menor não possuiria discernimento suficiente para compreender a ilicitude do ato; foi decidido que era irrelevante a inimputabilidade do menor e foi, por fim, decretada a responsabilidade dos pais a arcarem com a indenização pelos danos morais sofridos pelo empregado. Participaram do julgamento os eminentes Desembargadores Ênio Zuliani (presidente) e J.G. Jacobina Rabello (revisor)

 

Mais uma vez, como se vê, restou ao Judiciário, o balizamento de situações e de comportamentos que, este o esperado, deveriam ter sido resolvidos por nós, a Sociedade, se fossemos razoavelmente educados, ciosos, tivéssemos presente que vivemos em comunidades e que todos têm direitos… e deveres.

 

Realmente, se é verdade que cumpre naturalmente ao Judiciário deslindar os litígios, é igualmente verídico que poderíamos atribuir aos juízes, somente as questões efetivamente graves, difíceis. Impossível deixar de ver com vergonha (para os pais do garoto, é lógico, mas também para nós, cidadãos), essa necessidade de vir, o Tribunal de Justiça (a mais alta corte do Estado, composta por magistrados com enorme experiência), dar um puxão de orelhas nos responsáveis pela conduta de um filho.

 

Não é situação única, lamentavelmente, vista a crescente necessidade de invocação desse Poder para coactar atos terríveis de alguns políticos, más práticas – evidentes e danosas – de algumas empresas e de alguns profissionais, a renitência de alguns contumazes devedores, o despreparo mental e intelectual de alguns, para a vida comunitária. E, com repetição crescente e assustadora, para julgar questões que têm florescido onde moramos, nos condomínios.

 

A punição dos pais da criança mal educada é lição que força algumas ponderações de índole jurídica (sob as óticas comportamental e cultural, as conclusões perturbam pela inerente evidência). E a primeira, é que foi aplicada, muito bem, a lei: pais são responsáveis pela reparação civil, quanto aos filhos sob sua autoridade e em sua companhia, prevê o Código Civil; e este diploma legal dispõe claramente, acerca da obrigação de reparar o dano (material ou moral), prevendo que os bens do responsável estejam sujeitos àquela indenização. Mesmo que ocorra, ante a injúria, a difamação, ou a calúnia, dano exclusivamente moral, haverá fixação de indenização, de resto.

 

De outro lado, vale lembrar que nada impediria a promoção da ação, ante o Condomínio. Diga-se, que empregadores respondam por danos infligidos a seus empregados, não é novidade: por exemplo (até para que se veja que empregadora alguma está imune a condenações) o juiz Denílson Bandeira Coelho, do Distrito Federal, já condenou o Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário e Ministério Público da União no Distrito Federal, ao pagamento de R$ 70.000,00 de indenização a um empregado chamado de “burro” e de “incompetente” pelo chefe (na defesa, o empregador chegou a alegar que seria corriqueiro o uso de palavrões e de xingamentos naquele ambiente de trabalho); n´outro caso, um Condomínio foi condenado a arcar com indenização por dano moral, devida a empregado, diante de péssimo (quiçá histérico) comportamento de um morador: a comunidade condominial, integrada também por aquele autor dos impropérios, pagou pelos xingamentos dirigidos ao empregado (é preciso sublinhar: quem xingou foi um condômino, não o Síndico ou outro membro da hierarquia administrativa do prédio).

 

Todos, empresas ou condomínios têm necessidade de ter funcionários competentes e equilibrados e, se não o tiverem responderão pelos atos que os maus ou desidiosos trabalhadores praticarem, esta certeza é palmar e aconselha, aliás, senão o desejável treinamento, o desligamento do empregado inconveniente. No reverso, o que estes funcionários venham a sofrer na sua condição vinculada ao empregador, igualmente ensejará responsabilidade.

 

Sob outro aspecto essa condenação também merece análise: teria sido melhor (se pouco, para que se preservasse a discrição) a todos os envolvidos no vexatório episódio, se buscassem uma solução não judicial, legalmente aplicável: aí estão competentes cortes de mediação, conciliação, arbitragem. São entidades que têm exibido desempenho muito bom, sendo perfeitamente adequadas para a solução desses casos.

 

E, por que não cuidar de casos desse naipe, no próprio condomínio? Vários têm incentivado a criação de comitês para a solução de desavenças (como ocorre nos clubes e nos conselhos de profissionais, por exemplo), têm contratado especialistas em dinâmica de grupo e têm incentivado debates francos e honestos, trazendo os condôminos para as assembléias, foro privilegiado e específico para o desaguar das insatisfações, a discussão das possibilidades de solução, a oferta de um convívio salutar.

 

Tudo isso, sempre resgatada a simples, porém às vezes esquecida certeza de que os moradores em condomínios, não residem em chácaras longínquas e precisam observar algumas regras comezinhas, presentes tanto em manuais de boas maneiras quanto no direito de vizinhança (novamente, nosso Código Civil): respeito ao sossego, à saúde, à segurança, abstendo-se, diariamente, cada condômino, de constranger os demais, à participação ou ao enfrentamento de episódios ora mesquinhos, ora lamentáveis. Tudo, sob as penas da lei.



[1] (Boletim AASP n. 2561 de 04/02/08)

 


 

FONTE BIOGRÁFICA

 

JAQUES BUSHATSKY: Advogado, titular da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB/SP e diretor da MDDI – Mesa de Debates do Direito Imobiliário.

 

Revogação parcial da Lei de Imprensa simboliza o “apagão” da ditadura militar de 1964

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*Clovis Brasil Pereira

Introdução

A Lei 5.270/67, denominada de “Lei de Imprensa”, foi  sancionada pelo governo militar que se apoderou do poder em 1964, e que se valeu de suas normas repressivas para estabelecer por mais de 20 anos a censura e a supressão das liberdades individuais em nosso país.

A intenção deliberada dos  governos militares que se sucederam até o início da democratização ocorrida a partir de 1984, foi a de calar os meios de comunicações em geral, e as mais diversas expressões culturais, representadas pelos teatrólogos, compositores musicais, cantores, autores, professores, estudantes, políticos  e profissionais liberais em geral, amordaçando-os de forma generalizada, com a implantação da censura prévia, com a violenta  repressão e a prisão de todos os que ousaram pensar e difundir idéias de liberdade que se opunham  aos interesses da ditadura.

Foram tempos obscuros, de perseguição política, de supressão dos direitos individuais e coletivos, que nenhuma recordação positiva trazem aos que prezam a liberdade, e militam a favor da cidadania.

O fim do arbítrio e a plena redemocratização do Brasil

Com a Constituição Federal promulgada em 1988, denominada de “Constituição Cidadã”, tivemos o reencontro com o pleno Estado de Direito, e que na sua essência tem como pressupostos a soberania popular, a independência dos poderes e o respeito às liberdades individuais.

A vigente constituição brasileira, está assentada em dois fundamentos que representam os pilares do estado democrático de Direito, representados pelo respeito à cidadania e à dignidade  humana.  

O processo de transição entre o regime ditatorial que se apoderou do poder durante 20 anos – 1964 a 1984 – e a fase preliminar da democratização, iniciada em 1984, que se estendeu até 1988, não foi capaz de ceifar do nosso ordenamento jurídico, de uma só vez, os entraves e as  amarras entre um passado indesejado, e o futuro de liberdade sonhado pela sociedade brasileira.

Claramente as restrições ao exercício da plena liberdade de expressão contidos na Lei de Imprensa, não mais se ajustavam ao clima de livre expressão e manifestação do pensamento  que passou a ser garantido pela Constituição de 1988.

Porém, embora a nítida incompatibilidade, a Lei de Imprensa não foi expressamente revogada, embora os novos fundamentos constitucionais não a tivessem recepcionado.

Passados mais de 24 anos, do fim do regime ditatorial, somente  em 2008, tivemos uma manifestação eficaz do Supremo Tribunal Federal, através  de liminar concedida pelo Ministro Carlos Ayres Brito, na ADPF 130, ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista, suspendendo a aplicação de 20 dos 77 artigos da Lei de Imprensa.

O que foi suspenso liminarmente pelo STF

Os artigos da lei que tiveram sua aplicação suspensa, até que seja julgada definitivamente a Ação proposta, são os seguintes: 

a)  a parte inicial do § 2º do art. 1º (a expressão “…a espetáculos e diversões públicas, que ficarão sujeitos à censura, na forma da lei, nem …”);

b) o § 2º  do art. 2º;

c) a íntegra dos arts. 3º, 4º, 5º, 6º, 20, 21, 22, 23, 51 e 52;

d) a parte final do art. 56 (o fraseado “… e sob pena de decadência deverá ser proposta dentro de 3 meses da data da publicação ou transmissão que lhe der causa…”);

e) os §§ 3º e 6º do art. 57;

f)  os §§ 1º e 2º do art. 60;

g) a íntegra dos arts. 61, 62, 63, 64 e 65.

Dentre os dispositivos legais suspensos,  destacamos  as principais alterações que assolavam mais de perto a livre manifestação do pensamento: 

1.  O fim da censura, com a garantia aos espetáculos e diversões públicas da livre e plena  manifestação do pensamento; 

2. Os crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria) devem ser analisados à luz do Código Penal, que apresenta penalidades mais brandas que a Lei suspensa.

 3. A responsabilização civil dos jornalistas e das empresas que exploram os meios de informação ou divulgação, que deverá seguir ao disposto no Código Civil.

 4. Suspensão da aplicação de multa para notícias falsas, deturpadas ou que ofendam a dignidade de alguém.

 5. A proibição de apreensão de jornais e revistas que ofendam a moral e os bons costumes.

 6. A impossibilidade do aumento de um terço das penas, no caso de crime contra a honra contra autoridades constituídas (Presidentes da República, da Câmara e do Senado, Ministros do Supremo, chefes de Estado e diplomatas).

Os efeitos da Liminar concedida 

Muitos artigos suspensos já faziam letra morta em nosso ordenamento jurídico, uma vez que a jurisprudência já vinha admitindo sua inaplicabilidade em vários casos, em razão da não recepcionalidade plena da Lei pela Constituição de 1988.

Porém, como efeito direto da liminar concedida pelo Ministro Carlos Ayres Brito, e confirmada pelo Plenário do STF no dia 28 de fevereiro de 2008, estão suspensas todas as ações em curso perante o Poder Judiciário em todo o território nacional, que tenham por base os artigos que foram contemplados na decisão proferida, restando, por conseqüência, suspenso o prazo prescricional de tais ações até o julgamento do mérito da ação, que está previsto para ocorrer dentro de seis meses, conforme foi decidido pelo STF.

Os juizes que tiveram processos sob sua condução, podem julgá-los de conformidade com a legislação ordinária cabível (Código Civil e Código Penal) e ainda de conformidade com a Constituição Federal, o que na prática, já vinha ocorrendo, com as indenizações por danos morais, com fundamento no artigo 5º, da Constituição Federal e artigo 186, do Código Civil, vigente desde 10 de janeiro de 2003, e os crimes contra a honra, conforme as disposições dos artigos 138, 139 e 140, do Código Penal.

Os fundamentos da decisão do STF

Vale ressaltar os argumentos e fundamentos utilizados pelo Advogado e Deputado federal Miro Teixeira, que representou o PDT na ação interposta, do Ministro Carlos Ayres Brito, que concedeu a liminar, e os demais Ministros do STF, na oportunidade da confirmação da liminar pelo Pleno, como expressão da afirmação da cidadania e da livre expressão do pensamento.

Destacamos, a título ilustrativo:

                   a) Advogado e deputado federal Miro Teixeira: 

“É uma lei que não serve para a solução de conflitos. Esta lei serve para intimidar. Esta lei serve para ameaçar”. 

b)  Ministro Carlos Ayres Brito:

“Imprensa e democracia, na vigente ordem constitucional,são irmãs siamesas”.

“A atual Lei de Imprensa (Lei 5.250/67), diploma normativo que se põe na alça de mira desta ADPF, não parece mesmo serviente do padrão de democracia e de imprensa que ressaiu das pranchetas da nossa Assembléia Constituinte de 1987/1988”.

c)  Ministro Cezar Peluso:

 "Nenhuma lei pode garrotear a imprensa”.

d)  Ministro Celso de Mello: 

“O Estado não tem poder algum sobre a palavra, as idéias e as convicções de qualquer cidadão dessa República e de profissionais dos meios de comunicação social”.

Dos onze Ministros do STF, apenas o ministro Marco Aurélio de Mello não referendou a liminar concedida pelo Ministro Ayres Brito, sob a alegação de que o instrumento jurídico utilizado pelo PDT para contestar a lei – uma argüição de descumprimento de preceito fundamental – só pode ser usado quando inexistem outros meios de solucionar determinada controvérsia.

Segundo Marco Aurélio, referendar a liminar impediria os cidadãos em geral de ter livre acesso ao judiciário para litigar sobre causas envolvendo a Lei de Imprensa. Isso causaria, segundo ele, a “paralisação da jurisdição”.

Conclusão

A revogação parcial da Lei de Imprensa, ao nosso ver, tem a sua importância maior, por simbolizar o fim de uma era de truculência e desrespeito às  liberdades individuais e coletivas,  ao livre pensamento e expressão de idéias dentre os vários segmentos da sociedade. 

Quanto as condenações na esfera penal e indenizações cíveis, por eventuais excessos dos órgãos de comunicação social, na verdade, tais ilicitudes já vêm de algum tempo, sendo embasadas  na própria Constituição Federal, que garante “a  inviolabilidade da intimidade, a vida privada, a honra  e a imagem das pessoas” (art. 5º, inciso X); no Código Civil, que em seu artigo 186, imputa a realização de como ato ilícito, para quem, “por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral” ; e no Código Penal, artigos 138, 139 e 140,  que tratam respectivamente dos crimes contra a honra (Calúnia, Difamação e Injúria). 

Portanto, temos em nosso ordenamento jurídico, dispositivos legais que podem  dirimir eventuais conflitos entre pretensos ofensores e pretensos ofendidos, sendo totalmente desnecessária a incômoda  convivência, de uma lei que serviu de anteparo para a proteção do regime ditatorial que se implantou no Brasil de 1964 a 1984, com os tempos atuais, de plena vigência do Estado Democrático de Direito.

Por isso, a liminar concedida pelo STF, e que deverá por certo ser confirmada por expressiva maioria, quando de seu julgamento de mérito, representa  a expressão, de  um símbolo de luz, de liberdade e democracia, que decreta definitivamente  o  “apagão” da ditadura militar, de triste memória,  que se instalou no Brasil em 1964.


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA 

CLOVIS BRASIL PEREIRA:  Advogado, com escritório na cidade de Guarulhos (SP); Especialista em Processo Civil; Licenciado em Estudos Sociais, História e Geografia. É Mestre em Direito,  Professor Universitário, lecionando atualmente as disciplinas Direito Processual Civil e Prática Jurídica Civil nas Faculdades Integradas de Itapetininga (SP) e UNICASTELO, São Paulo (SP);  ministra cursos na ESA- Escola Superior da Advocacia, no Estado de São Paulo,  Cursos Práticos de Atualização Profissional e  Palestras sobre temas atuais; é membro da Comissão do Advogado-Professor da OAB-SP; membro da Comissão de Ensino Jurídico da OAB-Guarulhos; é colaborador com artigos publicados nos vários sites e revistas jurídicas. É coordenador e editor dos sites jurídicos www.prolegis.com.br e www.revistaprolegis.com.br

Contato:   prof.clovis@54.70.182.189

 

 

ACIDENTE DE TRABALHO Dano moral precisa ser comprovado para gerar indenização

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DECISÃO: * TST  –  A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho absolveu a Liquigás Distribuidora S.A. da condenação por danos morais pelo acidente de trabalho sofrido por um ajudante de caminhão da empresa. O ministro Ives Gandra Martins, relator do processo, votou no sentido de reformar o acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR) por entender que não ficou comprovada a culpa da empresa no acidente nem a ocorrência do dano moral.

O ajudante foi admitido em 1987. Em julho de 1991, ao realizar uma entrega de emergência numa residência, escorregou em madeiras úmidas e torceu o joelho direito quando carregava um botijão de gás sobre as costas. O acidente, conforme alegou, ocasionou um trauma de caráter definitivo. Segundo laudo médico, o empregado sofreu lesão no menisco, e necessitou de tratamento cirúrgico. Esse fato redundou na perda de capacidade de trabalho para a função que exercia.

Na reclamação trabalhista, o empregado afirmou que, mesmo após o acidente, por exigência da empresa, continuou a trabalhar até a época da cirurgia (cerca de 45 dias após o acidente), o que agravou a lesão sofrida no joelho. Ainda assim, a empresa o demitiu em outubro de 1991.

Inconformado, principalmente pelo fato de ter sido demitido quando ainda estava licenciado de suas atividades, o empregado ajuizou a reclamação com o objetivo de ter reconhecido o acidente de trabalho e ser indenizado pela demissão injusta, por estar em gozo de estabilidade acidentária.

A Vara do Trabalho de Araucária (PR) julgou improcedentes os pedidos e absolveu a empresa do pagamento de quaisquer verbas, o que levou o empregado a recorrer ao TRT/PR. No Regional, a empresa foi condenada a pagar o equivalente a 25% da última remuneração, até que o trabalhador completasse 65 anos de idade, e indenização de R$ 30 mil pelo acidente de trabalho.

A Liquigás, ao discordar da decisão, recorreu ao TST buscando revertê-la. A Sétima Turma, ao analisar o recurso de revista, entendeu que a empresa não pode ser obrigada a arcar com indenização por dano a que não deu causa, pois não restaram comprovados no processo os elementos evidenciados da responsabilidade civil, ou seja, a existência de culpa (responsabilidade subjetiva) e a ocorrência efetiva do dano moral. “Para o dano moral, seria necessário verificar a repercussão da lesão na imagem, honra, intimidade e vida privada do indivíduo”, observou o ministro Ives Gandra. “As seqüelas de um acidente ocorrido ou de uma doença adquirida no trabalho podem comprometer a imagem da pessoa, dificultar-lhe o desenvolvimento de sua vida privada, infligindo-lhe sofrimento psicológico ligado a bens constitucionalmente protegidos. Nesse caso, e por esse fundamento, a lesão merecerá uma reparação além daquela referente ao dano material sofrido. Do contrário, as indenizações se confundiriam”, concluiu. (RR-99.528/2005-654-09-00.2)

FONTE: TST. 05 de março de 2008.