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O Ministério Público e a Ação Civil Pública como instrumento de preservação do meio ambiente.

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*Paulo Roberto Pontes Duarte   

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2.Direito Ambiental. 2.1 Princípios do Direito Ambiental 2.1.1 Princípio da Precaução. 2.1.2 Princípio do Poluidor-pagador 2.1.3 Princípio do Desenvolvimento Sustentável 2.2 Meio Ambiente e Ecologia 2.2.1 Conceito de Meio Ambiente 2.2.2 Conceito de Ecologia 2.3 Classificação de Meio Ambiente 2.3.1 Meio Ambiente Natural 2.3.2 Meio Ambiente Artificial 2.3.3 Meio Ambiente Cultural 2.3.4 Meio Ambiente do Trabalho 3. Direitos ou Interesses Transindividuais 3.1 Interesses Difusos 3.2 Interesses Coletivos 3.3 Interesses Individuais Homogêneos 4. O Ordenamento Ambiental 4.1 O Direito Ambiental na Constituição Federal de 1.988 4.2 O Direito Ambiental na Legislação Infraconstitucional 5. Ação Civil Pública Lei nº 7.347/85 5.1 Natureza Jurídica 5.2 Objeto da Ação 5.3 Legitimidade para Propositura da Ação 5.4 Foro da Ação 5.5 Tutela Preventiva 5.6 Coisa Julgada na Ação Civil Pública 6. O Ministério Público e Ação Civil Pública 6.1 Interesse e Legitimação 6.2 Obrigatoriedade 6.3 Indisponibilidade 6.4 Inquérito Civil 6.4.1 Conceito e Características 6.4.2 Procedimento do Inquérito Civil. 7. TAC – Termo de Ajustamento de Conduta. 8.Considerações Finais.  

1. INTRODUÇÃO 

Se revela de suma a reflexão sobre instrumentos que possibilitam a preservação do meio ambiente, pois, a qualidade de vida está relacionada aos próprios atos do ser humano, e, conforme sua conduta poderá causar danos ao meio ambiente irreversíveis.

Diante disso, é que buscamos demonstrar a importância da preservação ambiental, do próprio direito e substancialmente a relevância de solucionar os conflitos sociais sem ter que mover a esfera jurisdicional. A atuação  extrajudicial, antecipa possíveis soluções, a exemplo do  TAC –Termo de Ajustamento de Conduta, que é um dos tópicos desta breve  pesquisa.

Desta forma, o tema a ser tratado no presente artigo é a Ação Civil Pública, regulada na Lei nº 7.347/85, que é um instrumento da defesa dos direitos transindividuais.

Neste contexto, o método aplicado para a devida pesquisa será o dedutivo, utilizando como fonte de pesquisa a doutrina jurídica, ou seja,  diversas obras que discorrem sobre o direito ambiental e Lei da Ação Civil Pública.

Como se observará, este trabalho visa refletir sobre um instituto jurídico de aplicação a defesa dos direitos da coletividade, considerado como direitos de terceira geração, estes direitos transindividuais garantidos pela Constituição Federal de 1.988 que  possibilitam a todos os cidadãos um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Sua importância é tão significativa que torna possível  por um lado, um direito,e por outro, um dever, seja ele do cidadão, da sociedade ou do próprio Estado.

Na verdade, é um fenômeno ao mesmo tempo preocupante, em razão da questão ambiental ser muito complexa, pois  muitas vezes envolve o poder econômico e político. Entretanto, é dinâmico e transformador haja vista proporcionar uma reflexão a preservação não só para a geração atual, mas também, às gerações futuras.

Assim, levando-se em consideração a importância de se preservar o meio ambiente, seja ele natural, ou, aquele que o homem interveio, propõe-se a análise do instituto, cuja a dimensão se revela inequívoca, na medida que, o crescimento desordenado, a inoperância dos órgãos públicos, com carência de recursos  humanos, ou, a falta de equipamentos para fiscalização, como também, a falta de consciência ecológica agregado a um desenvolvimento perverso, ainda, sem um planejamento fundamentado no desenvolvimento sustentável; entre outras questões sociais, é que, refletir sobre um notável instrumento jurídico se faz necessário.

Tal é a necessidade de pesquisar sobre meios jurídicos que possibilitem a tutela ambiental, é que o trabalho proposto deverá ser analisado, pois, o direito ambiental é um dos ramos mais recente no arcabouço jurídico, muito embora, sua legislação está bastante atualizada, ainda, sua aplicação se encontra ineficaz   face os inúmeros casos de lesão ao meio ambiente, principalmente ao natural que por muitas vezes a dano é irreversível.

Contudo, o trabalho está estruturado da seguinte forma: no primeiro momento tratará sobre a conceituação do direito ambiental, os princípios específicos  que norteiam esse ramo do direito, salientando categoricamente sobre o que vêm a ser direitos transindividuais, como também, o tratamento dado a meio ambiente na Constituição Federal de 1.988, entre outras leis esparsas, relacionadas  a tutela ambiental.

No segundo momento, por sua vez,  tratará sobre o instituto jurídico, objeto da devida pesquisa, trazendo para reflexão algumas características processuais, tais como: a legitimidade para a propositura da Ação Civil pública, natureza jurídica, discorrerá ainda, sobre  a conceituação do meio ambiente,  sua classificação,  o que vem a ser ecologia.   

Por fim, o último momento da referida pesquisa  discorrerá sobre a importância do Ministério Público, procurando enfatizar a legislação vigente, com sua autonomia e independência funcional, um órgão público com diversas atribuições com incumbência constitucional na tutela dos direitos transindividuais. Logo, trataremos da importância da atuação do órgão ministerial na fase extrajudicial, enfatizando o Inquérito Civil e o Termo de Ajustamento de Conduta.

Finalizando, com presente artigo  busca-se uma  análise objetiva não só da ação civil pública, mas também, da Carta Fundamental e a legislação infraconstitucional, que é exemplo de um ordenamento jurídico consistente para garantir a preservação ambiental, não deixando de fazer algumas críticas a eficácia da legislação pertinente ao o tema proposto.       

2. DIREITO AMBIENTAL 

Existem vários conceitos, com designações variadas para o Direito do ambiente.[i] Independentemente da sua conceituação, sua finalidade primordial é proporcionar proteção em face da própria conduta do homem, num certo ambiente.  

Os autores que inicialmente versaram sobre a proteção jurídica do meio ambiente iniciaram-se pela denominação Direito Ecológico, que foi utilizada pelos dois primeiros jus-ambientalistas nacionais, conforme se pode constatar: 

Sérgio Ferraz: Direito Ecológico – O conjunto de técnicas, regras e instrumentos jurídicos organicamente estruturados para assegurar um comportamento que não atente contra a sanidade mínima do meio ambiente.

Diogo de Figueiredo Moreira Neto – Direito Ecológico é o conjunto de técnicas, regras e instrumentos jurídicos sistematizados e informados por princípios apropriados que tenham por fim a disciplina do comportamento relacionado ao meio ambiente. ( BESSA, 2000, p. 5 ) 

Doravante, o direito ambiental dever ser compreendido no âmbito privado, como também no público, refleti-lo no plano interno, não esquecendo também na esfera internacional, e por último, vislumbrá-lo amplamente, ultrapassando a visão  individualista, e sim, um bem de toda a coletividade.

Assim, nos parece profícuo analisar o direito ambiental inicialmente através dos princípios[ii], considerados como pilares de uma estrutura normativa,  muito mais importantes que a própria norma.[iii] 

2.1 Princípios do Direito Ambiental 

O direito ao meio ambiente equilibrado, basicamente foi reconhecido como um novo direito fundamental pela Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano de 1.972 na cidade de Estocolmo na Suécia, reafirmado pela Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1.992, sediado no Brasil, entre outras conferências e declarações que tratam do tema.

Como em qualquer ramo do direito, o direito ambiental possui seus princípios, buscando diretrizes jurídicas para fundamentar a necessidade de se preservar.

Podemos citar: o princípio do ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental da pessoa humana, como mandamento básico, positivado no caput do art. 225 da Constituição Federal da República; o princípio da natureza pública da proteção ambiental, que visa  a proteção ambiental em face a coletividade, entre outros. 

2.1.1 Princípio da Precaução 

Princípio da precaução é um principio basilar do direito ambiental, sua aplicação imediata evita os danos e atentados ao meio ambiente, reduzindo consideravelmente a degradação. 

À compreensão deste princípio, parte-se do pressuposto de que há um conjunto de danos ambientais que são irreversíveis ou de difícil reparação, tais como a extinção de uma espécie, os efeitos radioativos, a destruição de florestas (e, por conseguinte, de seus ecossistemas e diversidades biológicas milenares), a desertificação de áreas produtivas, entre outros. Ademais, por vezes, quando possíveis às reparações de danos análogos, os custos necessários para isto, em regra, mostram-se maiores do que os galhos das atividades que os causaram (GOMES, 1999, p. 45). 

Na mesma linha de raciocínio:  

Como se observa, esse princípio consagrou a necessidade de uma atuação cuidadosa no trato dos recursos naturais com o objetivo de afastar o perigo de seu desaparecimento diante da degradação irreversível, ou de reparação incerta e dificultosa. Com isso ficou superada a prática até então difundida, orientada no sentido de que as atividades potencialmente poluidoras somente poderiam ser proibidas caso se demonstrasse, mediante certeza cientifica absoluta, a induvidosa existência de perigo ou nocividade para a saúde do homem e para o meio ambiente (CORRÊA, 2002, p. 39-40). 

Seja como precaução, prevenção, prudência ou cautela, este princípio, tratando-se de meio ambiente natural, é fundamental sua aplicação, e um dos meios mais seguros, é a realização do EIA (Estudo de Impacto Ambiental) ou RIMA – Relatório de Impacto Ambiental.[iv] Sendo um procedimento público, possibilita uma maior fiscalização, não só dos órgãos competentes, mas  também da sociedade como um todo, inclusive com audiências públicas.[v]   

2.1.2 Princípio do Poluidor-pagador 

O princípio do poluidor pagador – PPP, é de extrema relevância para o direito ambiental, sendo ele, de ordem econômica, pois,  na medida em que busca evitar a ocorrência danosa, atua como um estimulante negativo àquele que potencialmente é ou será um  agente causador de danos ambientais. 

O reconhecimento de que o mercado não atua tão livre como está teoricamente estruturado, principalmente pela ampla utilização de subsídios ambientais, a saber, por práticas econômicas que são utilizadas em detrimento da qualidade ambiental e que, em função disto, diminuem artificialmente preços de produtos e serviços, fez com que se estabelecesse o chamado princípio do poluidor pagador(…) ( BESSA, 2001, p. 32 ). 

O desenvolvimento econômico é algo inerente ao ser humano, principalmente, na atualidade, utilizando todos os recursos que possibilita a ciência. Mas, o desenvolvimento deve ser equilibrado. Nada mais justo que, o poluidor pague pela poluição causada. 

2.1.3 Princípio do Desenvolvimento Sustentável 

O desenvolvimento sustentável[vi] é um meio eficaz de continuar com o progresso, mas, de forma equilibrada, econômica, social e ambiental, com objetivos de atender os anseios da população, em qualquer meio ambiente, principalmente os mais sensíveis à ação do homem. 

O conceito de desenvolvimento econômico sustentado é uma construção interdisciplinar que, ademais de constituir-se em princípio jurídico, retira da ciência econômica a expressão “desenvolvimento econômico”, à qual é agregada a noção ecológica de sustentabilidade ambiental, para ao final significar o desenvolvimento econômico que seja sustentado a partir da preservação do meio ambiente como um direito de todos, essencial à sadia qualidade de vida, portanto, a ser preservado para as gerações presentes e futuras( art. 225 caput da CF).( GOMES, 1.999 p. 42)     

        Por isso, o princípio do desenvolvimento de sustentabilidade do novo paradigma é elemento-chave para todas as versões do pensamento ambientalista (e não apenas no campo econômico) ( MONTIBELLER, 2001, p.18 ).

        O conceito de princípio do desenvolvimento sustentável é uma construção interdisciplinar do “desenvolvimento econômico” agregado a uma noção ecológica do meio ambiente equilibrado.  

2.2 Meio Ambiente e Ecologia

2.2.1 Conceito de Meio Ambiente 

Existe uma redundância nesta palavra, pois, “ambiente” indica a esfera, o círculo, lugar onde vivemos, num certo sentido, já  encontra a expressão na palavra “ meio”. 

“Meio ambiente” é o universo natural que, efetiva ou potencialmente, exerce influência sobre os seres vivos. Não havendo como impor uma definição sustentada em critérios científicos, os autores divergem sobre o conceito e conteúdo do que se formou denominar “ambiente” ( FREIRE, 2000, p. 17 ).                                  

Não obstante, não se poderia deixar de mencionar o conceito normativo que dispõe  a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que define a Política Nacional do Meio Ambiente. 

Art.3º Para fins previstos nesta lei, entende-se por: 

I- meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas          

Ao comentar o supracitado dispositivo, Édis Milaré, afirma: 

Sem embargo, o  saber jurídico pode e deve ser iluminado pela luz de outros saberes que contribuem para a consolidação do respeito ao mundo natural e para a limitação das atitudes antropocêntricas, sabidamente danosas ao equilíbrio ecológico.

É assim que deve se encarada a definição de meio  ambiente na Lei 6.938/81, que acentua os escopos específicos daquele instrumento legal, sem ocupar-se de outras finalidades e de outras possíveis formulações filosóficas ou cientificas (2004, p. 17).                                

Antes de enfatizar a garantia da tutela do meio ambiente pela Constituição Federal de 1.988, afirma-se que o conceito de meio ambiente foi amplamente  recepcionado, por uma gestão ambiental inovadora, proporcionando efetivamente garantias para uma qualidade de vida a todas as gerações, atuais e futuras.            

No entanto, o  meio ambiente integra diversos aspectos, sendo eles: o meio ambiente natural, o meio ambiente artificial, o meio cultural e o meio ambiente do trabalho. 

2.2.2 Conceito de Ecologia 

Ecologia pode ser considerada uma das ciências que estuda os seres vivos, sua relação com o ambiente, onde, encontram os diversos organismos que compõem a biota.[vii] 

Segundo ODUM, a palavra ecologia deriva da palavra grega oikos, que significa ‘casa’ ou ‘lugar onde se vive’. Em sentido literal, a ecologia é o estudo das relações dos organismos ou grupos de organismos com o seu ambiente, ou a ciência das inter-relações que ligam os organismos vivos ao seu ambiente (FREITAS, 2000, p. 15 ).

Já, para o Professor José Renato Nalini a ecologia é uma ciência recíproca, interligada, como podemos observar:

A ecologia é uma ciência solidária. Não apenas no sentido de se servir de um leque abrangente de múltiplos conhecimentos, mas ainda porque não prescinde de um sentimento de vínculo entre todos os interessados na manutenção da vida (2003, p. XXXII). 

O assunto  do meio ambiente passa necessariamente pelo estudo da ecologia, pois ela é um dos pilares do conhecimento ambiental. Relaciona-se com a responsabilidade de ser cidadão, ou seja, ter ações ecologicamente corretas. Uma pessoa que, se considera contra o progresso, não pode ser considerado como um ambientalista.[viii]  Uma pessoa que, é considerada ambientalista é aquela que participa conscientemente com o desenvolvimento social e humano. 

2.3  Classificação de Meio Ambiente 

2.3.1 Meio Ambiente Natural 

Considera-se meio  ambiente natural,  aquele que, pré-existe ao ser humano, se não considerarmos a poluição[ix] causada de todas as formas possíveis. 

O meio ambiente natural ou físico é constituído por solo, água, ar atmosférico, flora e fauna. Concentra o fenômeno da homeostase, consistente no equilíbrio dinâmico entre os seres vivos e meio em que vivem  ( FIORILLO, 2001, p. 19).  

Em síntese, podemos sustentar que, o meio ambiente natural é  o resultado de uma interação de componentes naturais  que permitem o equilíbrio dinâmico, entre os seres vivos e o meio em que vivem.  

2.3.2 Meio Ambiente Artificial 

O meio ambiente artificial é constituído por diversas obras desenvolvidas pelo ser humano, como: as rodovias, as casas, os hospitais e demais obras que formam o espaço urbano. Este seguimento do meio ambiente não está só regulamentado no artigo 225 da Constituição Federal de 1.988, está também positivado nos artigos 182 e 183, referentes à política urbana, a função social da propriedade, dentre  outros. 

2.3.3 Meio Ambiente Cultural 

Meio ambiente cultural é um patrimônio de inestimável valor a um povo, pois neste bem está parte da sua identidade, sendo um bem de natureza material e imaterial.

Meio ambiente cultural, integrado pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, que, embora, artificial, em regra, como a obra do Homem, difere do anterior ( que também é cultural ) pelo sentido de valor especial que adquiriu  ou de que se impregnou. ( SILVA, 2000, p. 21) 

Neste conceito jurídico de meio ambiente cultural, destacamos a participação do homem, que integram o universo cultural com suas práticas sociais, garantidos pela Constituição Federal da República de 1.988 nos arts. 215 e 216.          

2.3.4 Meio Ambiente do Trabalho 

O meio ambiente do trabalho é o local onde as pessoas desempenham suas funções laborais. Este seguimento do meio ambiente é muito importante ao ser humano na questão da saúde, pois os riscos à vida, ou  doenças causadas pelos locais insalubres são diversos. Também, é um meio ambiente artificial, está positivado na Constituição Federal de 1.988 no artigo 200, inciso VIII, estabelecendo atribuições do Sistema único de Saúde.  

A correlação entre trabalho e enfermidade já era conhecida no Direito romano. Sabia-se que determinadas patologias eram comuns a certas ocupações. Com a evolução das técnicas as doenças dos trabalhadores foram se agravando. Meio Ambiente do Trabalho faz relação entre a ocupação do indivíduo e suas doenças (…) ( SÈGUIN, 2000, p. 19-20) 

Pela importância do meio ambiente do trabalho, existe previsão legal para  instalar dentro das empresas a Comissão de Prevenção de Acidente de Trabalho – (CIPA). Devido à falta de conscientização e investimentos na prevenção à saúde, higiene e segurança do trabalhador, lamentavelmente,  poucas empresas adotam os Programas de Prevenção de Riscos Ambientais – (PRPAs).  

3. Direitos ou interesses transindividuais 

Vivemos hoje uma  nova realidade socioeconômica, com a transição de um Estado de Direito para um Estado Democrático de Direito, com uma considerável participação popular diante a administração pública e, principalmente, a necessidade de novos institutos processuais em face as novas questões envolvendo direitos da coletividade.

O legislador buscou maior efetividade do processo,[x] proporcionando uma inovadora mudança no direito processual.[xi]

Os direitos transindividuais, também conhecidos como: direitos ou interesse metaindividuais, supra-individuais, pluri-individuais, são aqueles que ultrapassam da esfera de um indivíduo particularmente considerado, desta forma, dizendo respeito a um número maior de pessoas.

Cabe salientar,  interesses dos  supraindividuais dividem-se em: difusos, coletivos e homogêneos.   

Em suma, os direitos difusos são de natureza indivisível, tendo como titulares pessoas indeterminadas, relacionado-se por uma situação de fato, a exemplo: um dano causado ao meio ambiente numa determinada região.

Por sua vez, os direitos coletivos , também como os interesses são de natureza indivisível, mas abrange um determinada categoria ou classe de pessoas, reunidas por uma relação jurídica básica, como a lesão do direito a integrantes de uma classe de trabalhadores.

Finalmente, o último direito transindividual, é o individual homogêneo, introduzido no nosso ordenamento jurídico pela primeira vez, pelo Código de Defesa do Consumidor, que são aqueles que envolvem interesses de pessoas determinadas, mas divisíveis com uma origem comum, exemplifiquemos com a relação de consumo, onde é possível a anulação de uma clausula abusiva, num contrato de adesão, onde um grupo de consumidores foram lesados.    

A necessidade da construção de uma teoria geral para os instrumentos destinados à tutela dos denominados “novos” direitos está estreitamente ligada aos temas da efetividade dos direitos  e do acesso à justiça, que são temas, igualmente, co-relacionados entre si. ( BRANDÃO, 2001 p. 182) 

Houve de fato uma superação do processo civil[xii] clássico, pois levar ao judiciário demandas que versam sobre a defesa coletiva do consumidor, da criança e do adolescente, da improbidade ou do meio ambiente, possibilitam e ampliam a importância da instrumentalidade[xiii]do processo. 

3.1 Interesses Difusos 

São direitos difusos, aqueles que estão positivados no art. 81, parágrafo único, I do Código de Defesa do Consumidor, são: “ interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos desde Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas por circunstâncias de fato.”                         

Os interesses difusos compreendem grupos menos determinados de pessoas (melhor do que pessoas indeterminadas  são antes pessoas indetermináveis), entre as quais inexiste vínculo jurídico ou fático preciso. São como um feixe ou conjunto de interesses individuais, de objeto indivisível, compartilhados por pessoas indetermináveis, que se encontram unidas por circunstâncias de fato conexas.( MAZZILLI, 2004 p. 50 )  

Desta forma, direitos difusos são aqueles que abrangem um grupo de pessoas indetermináveis, tendo como objeto indivisível e o vínculo que une os titulares desse direito é uma situação de fato, entre eles estão o  direito  do meio ambiente equilibrado. 

3.2 Interesses Coletivos 

De maneira mais abrangente, a expressão interesses coletivos refere-se a interesses transindividuais, de grupos, classes ou de categorias de pessoas.

Entretanto, o Código de Defesa do Consumidor, no art. 81, inciso II,  introduziu um conceito mais restrito de interesses coletivos: “ interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos desde código, os transindividuais de natureza indivisível  de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.”  

No entanto, o Prof. Hugo Nigro Mazzilli, faz uma ressalva: 

Cabe, Também aqui, uma advertência. Embora o CDC se refira a ser uma relação jurídica básica o elo comum entre os lesados que comunguem o mesmo interesse coletivo (tomado em seu sentido estrito), ainda aqui é preciso admitir que essa relação jurídica disciplinará inevitavelmente uma hipótese fática concreta; entretanto, no caso de interesses coletivos, a lesão ao grupo não decorrerá propriamente da relação fática subjacente, e sim,  da própria relação jurídica viciada que une todo o grupo. ( 2004, p. 52 ) 

Portanto, os direitos coletivos, são aqueles que envolvem direitos de um determinado grupo ou classe de pessoas , com um objeto indivisível, tendo como origem uma determinada relação jurídica, tais como os que existem no direito do trabalho.   

3.3 Interesses individuais homogêneos 

O conceito de interesses individuais homogêneos foi inserido em nosso ordenamento jurídico pela primeira vez, através do código de Defesa do Consumidor, no artigo 81, parágrafo único, inciso III.[xiv] 

Os interesses individuais homogêneos são divisíveis, passíveis de ser atribuídos individual e proporcionalmente a cada um dos indivíduos interessados (que são identificáveis), sendo essa sua grande diferença com os interesses difusos ou coletivos (estes sim indivisíveis). Como já dito, essa indivisibilidade é do objeto do pedido e não da causa de pedir. (DINAMARCO, 2001, p. 60 )  

Hugo Nigro Mazzilli (2004, P. 55), desenvolvendo o conceito de direitos transindividuais homogêneos, examina, através de um quadro sinótico, para evidenciar as principais distinções entre os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos:

Interesses

Grupo

Objeto

Origem

Difusos

Indeterminável

Indivisível

Situação de fato

Coletivos

Determinável

Indivisível

Relação jurídica

Ind. Homog.

Determinável

Divisível

Origem comum

O  citado autor assim comentando o quadro a cima: 

O exame desse quadro não deve, porém, levar à equivocada impressão de que, nos interesses difusos ou nos interesses individuais  homogêneos, não exista uma relação jurídica subjacente, ou ainda à de que, nos interesses coletivos, não haja uma situação de fato anterior, ou, enfim, a de que, nos interesses individuais homogêneos, prescinda-se de uma situação de fato comum, ou de uma relação jurídica básica, que uma todo o grupo lesado. (2004, p. 55) 

Conforme o exposto, ressaltado a importância dos direitos transindividuais, que são compartilhados por determinados grupos, classes ou categorias de pessoas.

Observa-se que, são interesses que ultrapassam o direito individual. Sob o aspecto processual, caracteriza-se  pela possibilidade do acesso à justiça através de  um processo coletivo, buscando a solução mais eficiente da lide, de uma só fez, em benefício de todos que foram lesados.       

4. O Ordenamento Ambiental 

O ordenamento ambiental, embora, possa ser considerado relativamente novo, é um ramo do direito que, merece tratamento especial, por ser dinâmico e fundamental a sobrevivência de todas as espécies de vida, seja na flora[xv] ou fauna.[xvi]

O cipoal normativo é bem mais intricado do que a floresta.[xvii] Esta tem sido destruída, enquanto a proliferação normativa cresce e sobrevive.

Não é por falta de leis que o ambiente brasileiro não resta protegido (NALINI, 2003, p. 38 ).

Mesmo antes da Constituição da República de 1.988, já existia vários instrumentos jurídicos para proteger direta e indiretamente o meio ambiente, entre eles: decretos-lei, decretos legislativos, atos internacionais, resoluções do CONAMA.[xviii]

Desta forma, cabe salientar, no âmbito internacional,a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano com a participação de diversos países, organizações não-governamentais e organismos da ONU .

Segundo o Prof. Edis Milaré: 

Também conhecida como Declaração de Estocolmo, contém 26 princípios de comportamento e responsabilidades, que se destinam a nortear os processo decisórios de relevância para a questão ambiental. A partir desse documento foram fixadas metas específicas, como a moratória de dez anos para a caça comercial de baleias e preservação de derramamentos deliberados de petróleo no mar. Com isso, eram dados os primeiros passos para a formação de uma “ legislação branda” focalizando questões internacionais relativas ao meio ambiente 

Sobre o dano ambiental, continua o professor: 

Já a questão do dano ambiental transfronteiriço está expressa no Princípio 21: “ Os Estados têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos, de acordo com a sua política ambiental, desde que essas atividades não prejudiquem o meio ambiente de outros Estados ou de Zonas fora da jurisdição nacional”. Há, porém, um risco de falácia neste enunciado; não basta que um Estado-nação evite danos ambientais para seus vizinhos; é mister que a sua política ambiental seja cientificamente correta e técnica e economicamente adequada. (  2004, p. 914-915) 

No direito pátrio, relevante  citar, a própria lei nº 6.938/81, que dispõe sobre  a Política Nacional do Meio Ambiente.

Art. 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:

(…)                                                                             

Cabe observar, os objetivos desta importantíssima lei foram nortear os princípios da política nacional sobre o meio ambiente, proporcionando a preservação com um desenvolvimento equilibrado. 

4.1 O Direito Ambiental na Constituição Federal de 1.988 

A Constituição Federal de 1.988 é um marco histórico para o nosso país, nela está a estrutura política, conquista que solidificou um Estado Democrático de Direito[xix], após 25 anos de ditadura. Com referências implícitas ou explicitas, tratando da questão ambiental, é a maior referência de tutela em nosso ordenamento jurídico. 

A Constituição de 1.988 foi, portanto, a primeira a tratar deliberadamente da questão ambiental. Pode-se dizer que ela é uma Constituição eminentemente ambientalista. Assumiu o tratamento da matéria em termos amplos e modernos. Traz um capítulo específico sobre o meio ambiente, inserido no título da “Ordem Social” (Capítulo VI do Título VIII). ( AFONSO, 2000 p. 46 )  

Neste sentido, Valdir Sebastião Gomes salienta:

Deste modo, pois, o Direito Ambiental Brasileiro foi dotado e um instrumental institucional e de uma estrutura normativa, fortalecida a partir da Constituição Federal, a qual, além disso, atribuiu ao Estado um conjunto de responsabilidade, que redefine o seu papel, como um marco substancial no âmbito dos deveres do Poder Público. (1.999, p. 41) 

Tanto é verdade, que a  Constituição Federal de 1.988 fortaleceu princípios já contidos na Lei nº 6.938 de 31 de agosto de 1.981, deste modo, inovou profundamente o ordenamento jurídico nacional na matéria ambiental, possibilitando efetivamente a tutela ambiental.

Tratando-se direito constitucional ambiental, não poderíamos nos furtar de abordar a questão de competência em legislar sobre a matéria ambiental. 

Com precisão, observa Edis Milaré: 

A Constituição Federal da República, em seu art. 23, estabelece entre as competências comuns da União, dos Estados, do Distrito Federal, e dos Municípios, itens precisos de proteção ambiental. Assim, por exemplo: o zelo pelo patrimônio público (I); obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos (III e IV); a proteção ao meio ambiente e o combate à poluição em qualquer das suas formas (VI); a preservação das florestas, compreendendo a fauna e aflora (VII); programas de moradia e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico (IX).

Já o artigo 24, entre seus incisos, ao tratar da competência concorrente para legislar, considera como objeto dessa competência: florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição (VI); proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico(VII); responsabilidade por dano ao meio ambiente e aos bens acima citados (VIII). O  § 1º deixa claro que, no âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais, respeitada a competência suplementar dos Estados e, dentro dos limites próprios, definidos pelo art. 30, também competência dos Municípios. ( 2004, p. 732 ) 

Em face disto, pode-se observar que o legislador ao adotar a competência concorrente em matéria ambiental possibilitou uma maior inclusão aos Municípios, fortalecendo o conceito de uma nação que preconiza um Estado Democrático de Direito, demonstrado a devida importância atribuída aos Municípios como parte integrante e inseparável  da Federação brasileira. 

 4.2 O Direito Ambiental na Legislação Infraconstitucional 

A evolução normativa jurídica do meio ambiente foi uma notável  conquista do próprio homem na necessidade de regulamentar o Direito ambiental, na busca de melhor qualidade de vida, principalmente na questão de proteção ambiental. 

A consciência ambientalista propiciou o surgimento e o desenvolvimento de uma legislação ambiental em todos os países, “ variada, dispersa e freqüentemente confusa” – consoante observa Ramon Martín Mateo, que acrescenta: “Em realidade, podemos detectar três tipos de normas: umas que constituem simples prolongamento ou  adaptação das circunstâncias atuais da legislação sanitária ou higienista do século passado e da que, também em épocas anteriores, protegia a paisagem, a fauna, a flora; outras de cunho moderno e de base ecológica, ainda que de dimensão setorial, para o ar, a água, o ruído etc.; e outras, por fim, recolhendo numa normatividade única todas as regras relativas ao ambiente” (SILVA, 2000 p. 34 ).   

O direito como mecanismo jurídico para contribuir na  organização social, possui diversas leis. Não difere no ramo ambiental, dentre elas:

O Estatuto da Cidade, Lei federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001, que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelecendo diretrizes gerais da política urbana, nos municípios, tratando de temas como: o estudo do impacto da vizinhança, o parcelamento do solo, plano diretor, gestão democrática da cidade, entre outros. 

Além de regulamentar os arts. 182 e 183 da Lei Maior, o Estatuto da Cidade tem por objetivo estabelecer diretrizes gerais da política urbana, que, por sua vez, vista ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade. São funções sociais da cidade as ligadas à habitação, ao trabalho, à circulação e à recreação, enquanto são funções sociais da propriedade as relacionadas ao uso e à ocupação do solo urbano. (GASPARINI, 2002, p. 5 ). 

O Estatuto da Cidade, sem sombra de dúvida é uma lei progressista, estabelecendo normas de ordem pública e interesse social regulando a propriedade urbana em prol a coletividade, atendendo ao equilíbrio ambiental. 

Outra lei infraconstitucional, que pode ser invocada para a defesa do meio  ambiente,  especificamente, na tutela do patrimônio florestal, é a Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1.965, o descumprido  Código Florestal. 

Como bem ambiental, integrante dos recurso naturais previstos na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, as florestas, que atualmente ocupam um terço da superfície da terra, são os mais diferenciados e complexos de todos os biomas, exatamente porque a sua função transcende o próprio meio ambiente florestal. (FIORILLO, RODRIGUES, 1999, p. 349) 

José Renato Nalini atenta-nos para: 

A distância entre a práxis e o discurso é nítida também nesta esfera. Evitar a destruição da floresta, assim como prevenir qualquer dano ambiental, vincula-se a dois instrumentos: dinheiro e direito. O Brasil, na condição de país periférico, não têm suficiência de nenhum deles. Não que a inflação normativa supra a falta de dinheiro. É que a capacidade de fazer cumprir o ordenamento é falha ( 2003, p. 76). 

As florestas, com os recursos naturais  que possibilitam ao homem, são valores inestimáveis, sendo que, não se limitam a proporcionar somente madeira, seu papel ecológico é muito mais amplo. Possui várias funções ambientais, entre elas: o papel climático, o papel hidrológico, o papel ecológico, e no papel econômico, a própria produção de madeira.

Com o desmatamento desenfreado, o Código Florestal é um instrumento jurídico que  necessita de maiores atenções para ser aplicado, pois é obrigação do Poder Público defender o meio ambiente. 

Outro bem que merece considerável respeito e proteção é à água, o mais valioso recurso natural da humanidade que, na atualidade, o homem paulatinamente está reconhecendo, como um bem esgotável. 

Em matéria infraconstitucional, cumpre mencionar o Código de Águas, instituído pelo Dec. 24.643, de 10.07.1.934, mantido e modificado pelo Dec.- lei 852, de 11.11.1.938. Ele disciplinava a classificação e utilização da água, sob enfoque econômico e dominical. No tocante a esta matéria, alguns de seus dispositivos não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1.988; outros continuam em vigor, como p.ex., o art, que proíbe as construções capazes de poluir ou inutilizar a água dos poços e nascentes, e os arts. 109 a 116, que tratam da poluição das águas e da responsabilidade dos poluidores, notadamente dos agricultores e industrias (MILARÉ, 2004, p. 178 ).           

Ressaltando a importância da água, discorre Nalini:  

A questão da água e de tamanha importância, que ninguém pode permanecer impassível. Todas as pessoas lúcidas precisam converter em arautos da nova realidade, para tentar impedir que o Brasil continue a dilapidar esse patrimônio imenso formado por suas reservas aqüíferas.

Paises como o Benin, na África, já pagam de 3 a 5 dólares por garrafa d’água potável. Seria incrível e trágico se o Brasil chegasse a tal situação, considerada a sua provisão generosa, por única e exclusiva vontade da Providência (2003, p. 56). 

Considerado como bem finito e vulnerável, os recursos hídricos estão constantemente ameaçados pela  ação humana. Apesar da criação da Agência Nacional da Água – ANA, em 1.999, pelo Poder Público, à ameaça  da falta d’água não é descartável, um dos caminhos a se labutar, é pela conscientização da população.

É de destacar, também, a tutela do meio ambiente, sob o âmbito do direito penal. Com o advento da Lei nº 9.605/98, o legislador buscou através  desta norma a proteção ambiental, tentando reduzir os crimes [xx] contra o meio ambiente.

Na verdade, a lei não é apenas penal, pois tem dispositivos de ordem administrativa elaborados por outra comissão cuja aprovação foi de todo oportuna, porque possibilitou ao Ibama[xxi] atuar com maior eficácia (FREITAS, 2000, p. 208). 

Neste sentido, acrescenta o Prof. Celso Antônio Fiorrillo Pacheco: 

 As disposições gerais da Lei Federal nº 9.605/98 procuraram atender só  os regramentos que fundamentam o direito criminal e penal constitucional, como as especificidades criadas pelo direito criminal ambiental constitucional e pelo direito penal ambiental constitucional (2004, p. 400).       

Com efeito, ponderando sobre a referida lei, Milaré discorre:  

Nada obstante, entendemos que o referido diploma, embora não seja o melhor possível, apresentando ao contrário, defeitos perfeitamente evitáveis, ainda assim representa um avanço político na proteção do meio ambiente, por inaugurar uma sistematização da punição administrativa com severas sanções e por tipificar organicamente os crimes ecológicos, inclusive na modalidade culposa.

Não se pode esquecer jamais que a lei é farol que ilumina e aponta os horizontes; não é barreira para apenas impedir a caminhada. Toda lei tem defeitos, que se tornam mais evidentes quando passa ela a ser aplicada. Cumpre aos tribunais aparar-lhe as arestas, criando jurisprudência[xxii] que consolide as interpretações mais razoáveis (2004, p. 793). 

Destarte, o direito ambiental penal deve ser educativo, com um contexto pedagógico, diferente do direito penal tradicional. Deve adotar mecanismos que tenham efeitos na formação do cidadão, ou seja, deve ter como objetivo a educação ambiental. 

5. A AÇÃO CIVIL PÚBLICA LEI Nº 7.347/85

5.1 Natureza Jurídica 

A  Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1.985,  dispõe sobre a ação civil pública, uma lei infraconstitucional,  que visa à prevenção ou composição de danos morais e patrimoniais causados ao meio ambiente, aos consumidores, a bens e direitos de valor artístico, histórico, turístico e paisagístico e a qualquer outro interesse difuso ou coletivo. Possibilitou uma inovação no tradicional processo civil, por suas características instrumentais, contribuindo consideravelmente ao ordenamento jurídico pátrio.   

Como bem observa José dos Santos Carvalho Filho: 

Quando a ação civil pública é voltada para a obtenção de providência jurisdicional em que se determina ao réu uma obrigação de fazer ou não fazer, a tutela perseguida terá nítido caráter preventivo. Na verdade, esta é a tutela que maior efetividade protetiva traz aos interesses difusos e coletivos resguardados, podendo-se mesmo afirmar, com José Carlos Barbosa Moreira, que esta é que deve ser a tutela primária, ao passo que a indenizatória há de ter cunho subsidiário, só necessária quando não houver mais qualquer meio de evitar o dano aos protegidos (1.995, p. 48). 

Por sua vez, Rodolfo Camargo Mancuso: 

Também nos parece que a lei em questão é de índole predominantemente processual, visto que, basicamente, objetiva oferecer os instrumentos processuais hábeis à efetivação, em juízo, da tutela aos interesses difusos reconhecidos nos textos substantivos. Ainda que nos dois aspectos antes ressalvados ( arts. 10 e 13 ) a Lei 7.347/85 apresente coloração de direito material, estamos em que, no mais, trata-se de lei de natureza processual. Há interesse nessa qualificação, a mais de um título: é que os textos legais de natureza processual são tratados com certas peculiaridades no que concerte à sua eficácia no tempo e no espaço, na sua interpretação, na forma de sua integração (1.999, p. 27).  

Desta forma, observa-se que a Lei da ação civil pública é unicamente de caráter processual.   

5.2 Objeto da Ação Civil Pública

Conforme analisado sua natureza jurídica, a Lei da ação civil pública, é um instituto jurídico de caráter processual, com a finalidade de dirimir conflitos que envolvam direitos difusos ou interesses coletivos. Cuida de normas instrumentais do processo, para proteger bens ou direitos que foram violados, por um membro da sociedade, seja pessoa física, pessoa jurídica, ou até mesmo um órgão estatal.

O art. 3º[xxiii] da lei da Ação civil pública,  delimitou o objeto da ação, admitindo dois tipos de tutela,  repressiva e preventiva. A primeira, seria quando uma sentença condena o réu a indenizar em dinheiro, pelo dano causado. A segunda, seria a condenação que obriga o réu a fazer ou não fazer determinada conduta, prevenindo a ocorrência de um dano, se ele ainda não foi cometido. Característica esta de destaque, principalmente no que tange a tutela ambiental, em razão do princípio da precaução.  

Na classificação das formas de objeto, temos o que constitui objeto imediato da ação civil pública a condenação do réu a indenizar, ou a cominação a que faça ou se abstenha de fazer alguma coisa. O objeto mediato será, conforme a hipótese, a importância em que consiste a indenização, ou bem jurídico consistente na proteção ao interesse coletivo ou difuso. (CARVALHO FILHO, 1.995, p. 47). 

Paulo Afonso Leme Machado, enfatiza sua importância: 

A ação civil pública pode realmente trazer a melhoria e a restauração dos bens e interesses defendidos, dependendo, contudo, sua eficácia, além da sensibilidade dos juizes e do dinamismo dos promotores e das associações, do espectro das ações propostas. Se a ação ficar como uma operação “apaga incêndios” muito pouco se terá feito, pois não terá peso para mudar a política industrial e agrícola, nem influenciará o planejamento nacional. Ao contrário, se as ações forem propostas de modo amplo e coordenado, poderemos encontrar uma das mais notáveis afirmações de presença social do Poder Judiciário  (1.995, p. 251-252).  

Em reforço, convém salientar Edis Milaré: 

A regra, portanto, consiste em buscar-se, por todos os meios razoáveis, ir além da ressarcibilidade  em seqüência ao dano, garantido-se, ao contrário, afruição do bem ambiental. Assim, se a ação visar à condenação em obrigação de fazer ( por exemplo, plantar árvores nas áreas de preservação permanente; realizar reformas necessárias à conservação do bem tombado) ou de não fazer ( por exemplo, parar a exploração de recursos naturais em unidades de conservação; estancar o lançamento de efluentes industriais em um rio ), o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva (2004,  p. 850). 

Não obstante, poderá o juiz discricionariamente substitui a condenação especifica  por uma multa diária, mesmo que não seja pedida pelo autor. Esta é uma forma de fazer com que o causador do dano cumpra a determinação judicial reparando a lesão causada ao meio ambiente.

Em face dos objetivos da presente monografia, trataremos a seguir do meio ambiente, enquanto objeto da Ação Civil Pública. 

5.3 Legitimidade para Causa 

O processo judicial é um mecanismo complexo formado pelas partes, o objeto da demanda, com seus pressupostos e finalidades próprias, na busca da aplicação do direito a um caso concreto, tendo ainda, o magistrado desempenhando a prestação da jurisdição. 

Contudo, há determinadas condições para existência de uma ação, sendo elas: 1) a possibilidade jurídica do pedido, ou seja, que a providência alvitrada pelo autor seja regulamenta pelo ordenamento jurídico vigente; 2) interesse  de agir, à vontade do autor exercitar seu direito subjetivo para aplicação do direito objetivo; 3) a legitimidade para causa( legitimatio ad causan),  o autor deverá ser o titular da causa ou ser autorizado por lei a representar no pólo ativo ou passivo.  

Desta forma, o autor da ação para pleitear determinado direito ao Estado o exercício de sua função jurisdicional  deverá ter legitimidade  para causa, aquele que a norma lhe confere o poder de agir. 

Para exemplificar, tomemos a atuação do parquet: enquanto órgão que atua como fiscal da lei, portanto sujeito do processo, o MP não é parte processual legítima para argüir a exceção de incompetência relativa, que é medida exclusiva do réu e de interesse privado, embora seja parte processual legítima para suscitar o conflito de competência, incidente motivado pelo interesse público.

O que se vê neste exemplo é que a legitimidade é variável, ou seja, depende da posição jurídica assumida pelo sujeito processual em um determinado momento do desenvolvimento do processo (ABELHA, 2003,  p. 57). 

Profícuo salientar, uma comparação com outra lei de grande expressão no arcabouço jurídico, a Lei da Ação Popular  ( Lei nº 4.717/65 ), onde a própria Constituição Federal proclamou que, qualquer  cidadão possui  legitimidade para propor. Já, a Lei nº 7.347/85, sem prejuízo da ação popular, garantiu a legitimidade ad causam para a União, os Estados, os Municípios, as autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de economia mista e ao Ministério Público, e, a característica mais destacável, entre os que podem configurar no pólo ativo, estão as associações de moradores, que possuam nos seus estatutos, entre suas finalidades, a proteção de bens coletivos, entre eles, o meio-ambiente; sendo que, estejam constituídas há pelo menos um ano, sendo este pré-requisito dispensado pelo juiz, quando existir manifesto interesse social. 

5.4 Foro  da Ação 

Para propositura de uma ação civil pública, em face um dano ambiental, a lei estabelece como foro[xxiv] o local onde ocorreu o dano. Desta forma o legislador optou pela competência territorial.       

A opção do legislador fundou-se em que o juízo local é o que tem maior facilidade de coletar os elementos de prova necessários ao julgamento do litígio. Estando próximo ao local onde ocorrer o dano, poderá o juiz melhor apreciar as causas, a autoria, os elementos de intencionalidade e as conseqüências dos atos ou fatos, danosos, possuindo adequadas condições para decidir sobre a res deducta. (CARVALHO FILHO, 1.995, p.35-36). 

Rodolfo Camargo Mancuso acrescenta: 

É preciso ter presente que nesse campo se está lidando com a jurisdição  coletiva, de sorte que os critérios e parâmetros provindos do processo civil clássico – vocacionado à tutela individuais, no plano da jurisdição singular – devem aí ser recepcionados com a devida cautela e mediante as necessárias adaptações. As diretrizes da instrumentalidade e da efetividade do processo devem aí ser particularmente implementadas, de sorte a se priorizar o foro do local do dano, seja pela proximidade física com os fatos ocorridos ou temidos, seja pela facilitação na colheita da prova, seja pela imediação entre o juízo e os sujeitos concernentes ao interesse metaindividual de que se trata (1.999,  p. 69).  

Com a regra de competência territorial do art. 2º da Lei da Ação Civil Pública,[xxv] assemelhou-se com à do art. 100, “a”, do Código de Processo Civil.[xxvi] 

Tendo como circunscrição judiciária exclusiva, o local do dano, evitou-se que as partes envolvidas na lide, criassem alguma controvérsia sobre esta matéria.

5.5 Tutela preventiva 

A prestação jurisdicional efetiva-se através de três tipos fundamentais de processos, que são: o de conhecimento, o de execução, e cautelar, este último funcionando como garantia do objeto da ação, até a sentença definitiva. 

A lesão grave e de difícil reparação é aquela que decorreria da demora na prestação jurisdicional a ser exercida na lide principal. Por outro lado, o termo fundado colocado junto a receio demonstra não somente que a ameaça deve ser concreta e dotada de seriedade, como também que o direito material invocado é de tal modo plausível que a demora na solução da lide pode acarretar maior risco de provocar o dano grave e de difícil reparação  (CARVALHO FILHO, 1.995, p.66). 

Humberto Theodoro Jr. enfatiza a importância da tutela cautelar: 

A tutela cautelar é parte integrante da jurisdição, já que sem ela fracassaria em grande parte a missão de pacificar, adequadamente, os litígios.Logo, se existe um processo cautelar, como forma de exercício, no sentido processual da expressão, ou seja, no sentido de direito subjetivo à tutela jurisdicional lato sensu; só que a cautela cautelar, diversamente da tutela de mérito, não é definitiva, mas provisória e subsidiária ( 1.992, p. 358). 

A Lei nº 7.374/85 possui um  dispositivo  sobre a tutela cautelar dos interesses metaindividuais, no art 4º.[xxvii]

Em tempo hábil, numa situação de urgência, onde os riscos ambientais são irreversíveis, o autor da ação valer-se-á da ação cautelar, requerendo ao magistrado. 

5.6 Coisa julgada na Ação Civil Pública 

A finalidade da prestação jurisdicional através, de um processo, é que o Estado-juiz diga o direito através da sentença. São atos do juiz: despachos com a finalidade de dar andamento ao processo, decisões interlocutórias que são proferidas no decorrer do processo, e as sentenças, atos pelo qual o magistrado põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa. No sistema processual brasileiro existe três tipos de sentenças: sentenças declaratórias, condenatórias e constitutivas.

Com sua  publicação, a sentença se torna irretratável, não podendo ser modificada ou revogada pelo mesmo órgão jurisdicional que a proferiu. Mas poderá ser impugnada, através de recurso, desta forma, consagrando o princípio do duplo grau de jurisdição.

Tendo como principal efeito da sentença a formação da coisa julgada.[xxviii] Poderá ser material ou formal. Sendo julgada formal  que resulta a imutabilidade da sentença, no mesmo processo em foi proferida, tornando-se impugnável.

A fórmula utilizada pelo legislador  para caracterizar a coisa julgada na Lei da Ação Civil Pública, artigo 16,[xxix]  foi, praticamente idêntica redação adotada na  Lei nº 4.717/65 da Ação Popular, artigo 18.[xxx] 

Não é difícil perceber que a ação civil pública, propiciando o aporte à Justiça de um tal espectro de conflitos metaindividuais, não pode ter mitigada a eficácia erga omnes da coisa julgada que aí se produza, porque do contrário, ao invés de se pacificar o conflito, se acabará por prolongá-lo ou acirrá-lo, ante a previsível prolação de comandos judiciais diversos, senão já contraditórios. Se na jurisdição singular é compreensível que a coisa julgada haja que se liminar aos que foram partes na lide; que os legítimos contraditores sejam citados (pessoal ou fictamente), a fim de que se sujeitem ao que afinal venha a ser julgado, podendo defender individualmente seus interesses nos processo, tal contexto é difuso e o autor da ação não é titular do interesse objetivado, mas sim um seu representante institucional ( uma associação ambientalista; o Ministério Público; um órgão estatal) (MANCUSO, 1.999,  p. 245). 

Por sua vez, destaca Carvalho Filho: 

O que se tem que realçar é o caráter especial das ações coletivas e dos interesses metaindividuais nelas protegidos. Exatamente por isso, enfatizamos que a visão jurídica e social desse tipo de interesse não pode considerar o indivíduo per se, mas, ao contrário, o grupo, tomado globalmente, cujos direitos estão a merecer tutela. É preciso, desse modo, descartar os postulados clássicos dos conflitos intersubjetivos, nem sempre aplicáveis aos interesses coletivos e difusos, e amoldá-los a tais realidades sociais, definitivamente reconhecidas pelo direito processual contemporâneo (1.995, p. 339). 

Ocorrendo a coisa julgada erga omnes, ou seja ultrapassado os limites inter partes, passa a ter qualidade especial, tendo eficácia em relação a todas as pessoas, incidindo o que dispõe o art. 471[xxxi] do Código de Processo Civil, vedando que o juiz, como regra decida novamente as questões já decididas, relativamente à mesma lide. 

Marcelo Abelha, frente a questão relata: 

Também não nos parece correto falar em coisa julgada contra todos uma vez que, em feliz observação de Gidi, “ não atinge todos os seres humanos existentes no planeta, mas tão-só e exclusivamente a comunidade lesada.” Como já foi dito, o alcance se dará pela delimitação da titularidade do objeto é supra-individual e por isso, às vezes, até indeterminável, não significa em hipótese alguma afirmar que seja indefinida. Será um grupo, ou categoria ou classe ou comunidade de pessoas protegida pela norma abstrata que incidiu no caso (2003, p. 265). 

Assim, as limitações do efeito “ erga omnes “ são no âmbito da competência territorial do órgãos jurisdicional que proferiu a decisão.

6. O MINISTÉRIO PÚBLICO E AÇÃO CIVIL PÚBLICA 

O Ministério Público é, ainda, uma instituição pouco conhecida, tanto por  bacharéis em Direito, como também pela sociedade em geral. Muitas pessoas pensAM que, o Promotor de Justiça só atua na área criminal,  condenando pessoas acusadas de terem cometido algum crime. Esta é um a visão bastante limitada.   Primeiramente, porque um Promotor de Justiça só deve acusar se houver provas robustas em face o acusado. Mais do que ser, um acusador, o representante ministerial têm a obrigação  de atuar como fiscal da lei ( custos legis ). E, a segunda questão, a atuação do Ministério Público é mais ampla, a própria Constituição Federal de 1.988 legitimou como instituição permanente, na defesa dos direitos indisponíveis, sejam ele, individuais, coletivos e difusos.

 Entretanto, na atualidade, o órgão ministerial possui uma considerável autonomia, graças ao envolvimento com diversos temas sociais. Participando em ações de defesa ao consumidor, contra a improbidade administrativa, a sonegação fiscal, ou na defesa do meio ambiente entre outros direitos coletivos. Desta forma, contribuindo para a democracia, o Estado de Democrático de Direito e principalmente o acesso ao judiciário, envolvendo interesses da coletividade. 

Com propriedade, destaca Marcelo Abelha: 

O Ministério Público teve suas funções completamente revistadas e modificadas com o advento do texto constitucional. A Constituição explicita que o parquet tem legitimidade para propositura de demandas que visem à tutela do patrimônio público, meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos  (2003 p. 63). 

Carvalho Filho, salienta: 

São bastante variadas as formas de atuação do Ministério Público. Podemos afirmar, porém, que a atuação se divide em dois segmentos básicos: a judicial, e a extrajudicial. A primeira refere-se, como é natural, à intervenção nos diversos processos que tramitam no Poder Judiciário. A atuação extrajudicial, a seu turno, envolve operações atribuídas à instituição fora do âmbito dos processos judiciais, inclusive aquelas que  se  destinam à deflagração de ações (1.995, p. 91). 

O Ministério Público é um órgão que está parcialmente ligado à estrutura do poder estatal, pois possui princípios constitucionais, sendo assegurada a autonomia funcional e administrativa, como também,  a independência funcional,ou seja, não está vinculado aos três poderes, o que lhe garante uma certa autonomia e legitimidade investigatória, consolidando como, uma instituição essencial à justiça e o regime democrático.

Essencial à  função jurisdicional do Estado, incumbindo na defesa da ordem jurídica, com princípios institucionais próprios[xxxii] e, com uma abrangência[xxxiii] considerável nos interesses sociais e indisponíveis da sociedade.

Na atualidade, podemos enfatizar, a importância funcional do Ministério Público, possuindo vários instrumentos judiciais e extrajudiciais. Tendo como destaque, na atuação processual: a exclusividade da ação penal, entre outros,  promover ação de inconstitucionalidade, impetrar hábeas corpus, mandado de segurança, requerer correição, ou interpor reclamação, inclusive nos tribunais superiores, promover inquérito civil e também, a ação civil pública, na defesa do meio ambiente ou qualquer outro direito metaindividual violado.

Ainda, conforme a Lei nº 8.625/93, que instituiu a Lei Orgânica do Ministério Público dispondo sobre normas gerais para a organização do Ministério dos Estados. 

Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incube, ainda, ao Ministério Publico:

(….)

 IV – promover o inquérito civil e ação civil pública, na forma da lei; 

Também, podemos encontrar este dispositivo na Lei nº 75/93 que dispõe sobre a organização,  as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, no art. 6º, inciso IV,  consoante, na Lei nº 197/00, que institui a Lei Orgânica do Ministério Público no Estado da Santa Catarina, no art. 82, inciso VI, não diferente nas atribuições do Ministério Público Federal. 

6.1 Interesse e legitimação 

A propositura de uma ação civil pública não é exclusiva do Ministério Público, a Lei nº 7.347/85, recepcionada pela Constituição Federal de 1.988, conferiu legitimidade a outros atores processuais. 

A partir da década de 80 teve início no Brasil uma explícita preocupação com os direitos difusos e coletivos, inicialmente com o advento da Lei Complementar nº 40/81, que legitimou o Ministério Público para protegê-los e, em seguida, em 1.985, a conhecida Lei da Ação Civil Pública ( nº 7.347), que legitimou diversas associações, autarquias, Ministério Público, etc. a defenderem direitos metaindividuais ( BRÜNING, 2001, p. 210 ). 

Mas, ao parquet incumbe, dentre outras funções, a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Pode-se dizer, por força  da própria presunção constitucional, o Ministério Público deverá propor uma ação civil pública, quando houver elementos suficientes caracterizando um dano ao meio ambiente. 

O Ministério Público teve suas funções completamente revisadas e modificadas com o advento do texto constitucional. A constituição explicita que o parquet tem legitimidade para a propositura de demandas que visem à tutela do patrimônio público, meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (ABELHA, 2003, p. 63).

 Neste sentido, Carvalho Filho: 

Segundo o texto constitucional, tem como uma de suas funções primordiais, a de defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis ( art. 127, CF). Desse modo, quando ajuíza ação civil pública atua em nome próprio pela específica legitimação que a ordem jurídica lhe conferiu, mas os interesses cuja proteção persegue por meio da ação pertencem a terceiros, sejam estes determinados, determináveis ou indetermináveis, mas sempre terceiros. É a estes que cabe a titularidade dos interesses sob tutela. Por essa razão, a legitimação do Ministério Público na ação civil pública é extraordinária (1.995, p, 78).  

O exame de todo o conjunto normativo,[xxxiv] que dispõem o Ministério Público concernente ao instituto processual da ação civil pública, parece-nos apontar como sendo à parte legitimada mais compatível com os objetivos que visa à ação.

Observar-se que, com suas garantias constitucionais, suas leis orgânicas, e sua estrutura física, proporcionam condições de desempenhar um bom trabalho de fiscalização e atuação não só da defesa do meio ambiente, mas em relação ao a este tema, é importante mencionar que, o próprio órgão possui um Centro de Apoio as Promotorias, inclusive a do meio ambiente, possibilitando elementos para uma atuação consistente.

6.2 Obrigatoriedade 

A atuação judicial do Ministério Público, por sua vez, comporta mais de uma forma de intervenção. Pode ser, parte numa situação jurídica que admite sua posição em um dos pólos. Ou, pode ser, como interveniente, desta forma, assume freqüentemente a posição de fiscal da lei[xxxv] ( custos legis).

Também, a própria lei da ação civil pública determina que, em caso de desistência ou abandono da ação, o Ministério Público assumirá a titularidade ativa da ação.[xxxvi]    

Estabelece o art. 5º § 1º, da lei que o Ministério Público, não intervindo como parte no processo, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei.  Como parte autora, a atuação do Ministério Público está, como vimos, no art. 5º, caput, da lei. Se não atuar como parte, deverá intervir obrigatoriamente na ação civil pública como custos legis. Desse modo, a conseqüência da não intervenção acarretará, sem dúvida, a anulação do feito para que se propicie a regularização da relação processual. Nesse sentido, já se têm manifestado os tribunais, destacando o caráter da obrigatoriedade prevista em lei (CARVALHO FILHO, 1995, p. 92). 

A atuação ministerial é amparada  pelo princípio  da obrigatoriedade, salvo em casos excepcionais, após apreciar os elementos de convicção, verificar a falta de objeto ao caso concreto, podendo desistir de propor a ação civil pública. Seja, quando atuar como parte, ou, quando assumir a titularidade em caso de desistência infundada de um co-legitimado.

Não obstante, através do próprio princípio da obrigatoriedade não poderá desistir arbitrariamente. Esgotadas todas as diligências, convencendo-se da inexistência de fundamentos jurídicos, promoverá o arquivamento fundamentando. 

6.3 Indisponibilidade 

Empregando um poder normativo constitucional, que compete ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais, estabelecendo desta forma, um sentido de indisponibilidade. 

Foi exatamente essa a qualificação jurídica que o legislador conferiu aos interesses difusos e coletivos. Além da matriz constitucional, contida no art. 129, III da CF, o legislador qualificou tais interesses como indisponíveis, porque a eles não podem renunciar os seus titulares, nem os órgãos incumbidos de sua proteção. Ainda que se possa, em tese, vislumbrar certo grau de disponibilidade em um outro desses interesses, o certo é que serão eles esgotados da presunção de indisponibilidade, fato que os torna  suscetíveis da tutela a ser exercida pelos vários segmentos da administração pública e da organização social (CARVALHO FILHO, 1995, p. 95). 

Frisa-se por derradeiro, o princípio da indisponibilidade possui intrínseca relação como o princípio da obrigatoriedade. Em virtude da particularidade dos direitos transindividuais, de seus titulares não disporem da proteção jurídica, quando lesados, é que, serão alvo da atuação do Ministério Público, pois não poderá omitir-se a proteção, caracterizando um poder-dever. 

6.4 Inquérito Civil

6.4.1 Conceito e Características  

Inquérito civil é uma investigação administrativa prévia, que compete ao Ministério Público, com a finalidade de colher provas, desta forma, consolidando a convicção do próprio órgão ministerial, para a propositura de uma ação civil pública. 

Primeiramente, é de se destacar, como fez Hugo Nigro Mazzilli, o fato de ser o inquérito civil um procedimento administrativo do âmbito do Ministério Público. Consoante se nota nos textos legais acima transcritos, todos vinculam este instrumento investigatório a esta instituição, concedendo-lhe a sua presidência, em caráter de exclusividade. Evidentemente, qualquer dos co-legitimados para ajuizamento de ações civis públicas (ou ações coletivas) podem proceder ao levantamento de informações e coleta de documentação, com a finalidade de instruir medidas judiciais. Entretanto, reservou a legislação o uso do inquérito civil ao Ministério Público para o levantamento destes elementos, podendo, assim lançar mão de todos os meios investigatórios inerentes a este instrumento (PROENÇA, 2001,p. 34).   

Inquérito civil é um procedimento de natureza administrativa, pré-processual, um mecanismo preparatório para levantar elementos de convicção jurídica. Possui como características: 1) a exclusividade da titularidade ou seja, é exclusivo do órgão ministerial; 2) facultatividade – neste aspecto, o Ministério Público possui a liberdade de instaurar ou não o inquérito civil, visto lhe a lhe não obrigatório para propor uma ação civil pública ou coletiva; 3) formalidade restrita – as normas que o disciplina possuem caráter apenas administrativo, pois, sua instauração e a própria forma de conduzi-lo, será realizada pela própria Instituição do Ministério Público; 4 – inquisitividade – sua natureza de investigação é inquisitória, não permitindo a aplicação dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, pois, não impõe qualquer tipo de sanção ao investigado, sendo ele um procedimento administrativo; 5 – publicidade mitigada – embora possuir carcacterísticas inquisitórias, não é um procedimento secreto, via de regra, poderá o investigado der acesso ao inquérito instaurado.  

No entanto, sobre a característica de inquisitividade, a constituição Federal de 1.988, determina no seu art. 5, inciso LV, a ampla defesa e o contraditório, não só no processo judicial mas no administrativo também.     

Trata-se, pois, de procedimento administrativo investigatório a cargo do Ministério Público. Inicialmente, nos termos da Lei n. 7.347/85, seu objeto circunscrevia-se de base à propositura de uma ação civil pública pelo Ministério Público em defesa dos interesses mataindividuais nela taxativamente discriminados (meio ambiente, consumidor e patrimônio cultural); entretanto, com o alargamento do objeto da ação civil pública, trazido por força da própria Constituição e de leis subseqüentes, hoje o inquérito civil presta-se à investigação de lesão a quaisquer interesses que justifiquem a propositura de qualquer ação civil pública pelo Ministério Público (MAZZILLI, 1.999, p. 46-47). 

Segundo Marcelo Abelha:

O inquérito civil, tal como é compreendido hoje, nasceu, legislativamente, com a Lei nº 7.347/85, tendo por finalidade a investigação e apuração pelo parquet e elementos de convicção que permitam fornecer-lhe suporte para a propositura de demanda coletiva (supra-individual). Sua criação foi tão festejada que o próprio legislador constituinte, em 1.988, curvou-se à inovação, resolvendo ratificar a sua utilização em sede constitucional e inserido tal instituto no art. 129, III, portanto, dentro das funções institucionais e instrumentos do Ministério Público (2003, p. 91). 

O Inquérito Civil é um instrumento que possibilita a triagem de informações propostas exclusivamente ao Ministério Público. Sua principal finalidade é evitar que o órgão ministerial ingresse com uma demanda judicial, ou até mesmo uma medida extrajudicial que não tenha relevância jurídica. Através desta medida administrativa investigatória, elimina-se a possibilidade de uma ação ou denúncia sem elementos suficientes para comprovar a devida acusação. 

6.2.2 Procedimento do Inquérito Civil 

Alei não estabeleceu nenhum rito especial para instauração do Inquérito Civil, sendo que, será instaurado por portaria ou despacho do membro do Ministério Público. Após sua instauração será registrado num livro próprio da Promotoria de Justiça, bem como autuado. 

Nenhum procedimento especial para sua tramitação foi traçado na Lei nº 7.347/85; esta apenas previu como instrumento de apuração de fatos. Dimana desse silêncio lega, portanto, que o órgão do Ministério Público responsável por sua presidência pode ir coletando os elementos necessários à sua convicção, sem ter que seguir rigidamente qualquer ordem cronológica ou material nessa coleta. Conclui-se, por conseguinte, que nessa hipótese, estará incidindo, no aspecto concernente ao modo e a forma de desenvolvimento de atos e atividades, o princípio do informalismo (CARVALHO FILHO, 1995, p.177). 

Contudo, apesar da lei não determinar algum tipo procedimento especial para sua instauração, existem várias fases para ser instaurado. 

No inquérito civil, é possível distinguir a fase  da instauração ( de regra, por portaria ou despacho ministerial a colher requerimento ou representação), a fase da instrução ( coleta de provas: oitiva de testemunhas, juntada de documentos, realização de vistorias, exames e perícias) e a fase de conclusão ( relatório final,  com promoção que propenda pelo arquivamento, ou, em caso contrário, a própria propositura da ação, embasada no inquérito). ( MAZZILLI, 1.999, p. 60 )  

Também, a própria lei da ação civil pública, determina que um servidor público deva  provocar o Ministério Público, e, a  faculdade a qualquer pessoa, proporcionado-lhe informações sobre fatos que sejam objeto para uma ação. Assim, proporciona o direito de petição[xxxvii] e o direito de representação como condição de procedimentalidade ou uma condição para atuação do órgão ministerial. 

7. TAC – Termo de Ajustamento de Conduta  

O Termo de Ajustamento de conduta foi introduzido no nosso ordenamento jurídico através do dispositivo legal pelo art. 211[xxxviii] da Lei nº 8.069/90 – O Estatuto da Criança e do Adolescente, logo após, com a Lei nº 8.078/90 – o Código de Defesa do Consumidor, promovendo uma alteração no art. 5º[xxxix] da Lei 7.347/85 ( Lei da Ação Civil Pública).

Inovando em nosso direito, podendo ser considerado uma das principais características da Ação Civil Pública, pois, antes de ajuizar alguma ação, será possível uma solução consensual. Sendo uma forma de transigir. 

Antes da eventual propositura da ação civil pública, pode surgir a possibilidade de o causador da lesão a um dos interesses difusos propor-se a reparar o dano, ou evitar que este ocorra ou persista; pode ainda o investigado aceitar a fixação de um prazo de implantação das providências necessárias à correção das irregularidades. Essa possibilidade não raro ocorrerá  enquanto esteja em pleno curso do inquérito civil. ( MAZZILLI, 1.999, p. 293 )  

Sob os aspectos práticos, a utilidade de recurso extrajudicial é bastante eficaz, tratando-se de preservação ambiental. 

Ainda mais recente, em caso de dano ao meio ambiente, a legislação penal especial também passou a estimular a solução transacional do próprio ilícito civil, pois é condição para a proposta de transação penal a prévia composição do dano, salvo em caso de comprovada impossibilidade. Segundo se dispôs, a composição cível do dano ambiental há de ser celebrada entre o causador da lesão e um dos órgãos públicos de que cuida o § 6º do art. 5º da Lei. N. 7.347/85. Sendo o Ministério Público um dos legitimados que pode transigir a respeito, é natural que a composição do dano, por ele acordada com o causador da lesão, poderá levar ao arquivamento do inquérito civil ou as peças de investigação, e, nesse caso, a revisão do arquivamento pelo Conselho Superior do Ministério Público será sempre obrigatória. Desta forma, sob o aspecto cível, o Ministério Público e alguns dos outros co-legitimados ( órgãos públicos à ação civil pública ou coletiva) poderão previamente ajustar a composição do dano com o causador da lesão ambiental, mas só deverão fazê-lo nos casos em que disponham de critérios técnicos e objetivos para tanto. ( MAZZILLI, 1.999, p. 295 ) 

Entretanto, é de destacar que, o Compromisso de Ajustamento de Conduta realizado por um órgão não impede que, outro co-legitimado ingresse com uma ação. Se fosse possível, seria inconstitucional, ferindo o princípio da indisponibilidade do direito material. 

A pactuação do compromisso de ajustamento não acarreta qualquer efeito no tocante à possibilidade dos co-legitimados ajuizarem ação civil pública com fundamento exatamente nos fatos objeto do ajuste, requerendo a realização de outras prestações, que não aquelas pactuadas, consideradas insuficientes ou incorretas. ( PROENÇA, 2001, p. 138 ) 

Como bem acentua o Prof. Mazzilli: 

 

O compromisso de ajustamento, que deverá ser tomado por termo, não poderá versar, portanto: a) interesses indisponíveis nem importar em renúncia ao direito material controvertido; b) disposição do patrimônio público.

Além disso, mesmo que o órgão ministerial ou outro órgão público legitimado aceite a proposta do causador  do dano no sentido de reparar a lesão, ou concorde, por exemplo , com sua proposta de cessar a atividade poluidora  nos prazos  e condições determinadas, ainda assim a transação ou o compromisso de ajustamento de conduta não obstarão o acesso á jurisdição pelos legitimamente interessados. Entender o contrário será admitir que lesões a interesses mataindividuais pudessem ser subtraídas do controle jurisdicional, por mero ato de aquiescência administrativa de qualquer órgão público legitimado, o que nosso sistema constitucional não permite. Em suma qualquer co-legitimado poderá discordar do compromisso e propor a ação judicial cabível (1.999, p. 313). 

Com estas breves considerações sobre o Termo de Ajustamento de Conduta, pode-se concluir que, com sua pactuação, se obterá um titulo executivo extrajudicial, e também a possibilidade do causador do dano adequar-se as normas legais, evitando uma disputa judicial. 

8. Considerações Finais

Em síntese, podemos observar que, a noção do meio ambiente é bastante ampla, não limitando-se apenas ao meio ambiente natural, com suas paisagens, e  belezas que a mãe natureza disponibiliza ao ser humano.

Desta forma, não se pode ignorar a necessidade de se estudar, refletir e colocar em prática os recursos que o direito possibilita na aplicação da defesa do meio ambiente.

Com efeito, destacamos a importância da Constituição Federal da República de 1.988, e as diversas leis infraconstitucionais que existem para a defesa de um meio ambiente equilibrado.

A propósito, cabe salientar a importância dos direitos supraindividuais, dos quais todos estão inseridos, direta ou indiretamente, possibilitando direitos e deveres aos cidadãos.

Já, sobre a ação civil pública, inquestionável é sua importância na efetivação dos direitos metaindividuais, surpreendentemente inovando o direito processual, um instituto progressista e objetivo.

Neste contexto, relevante a autonomia possibilitada ao Ministério Público, possibilitada pela nossa Carta Política de 1.988, tornando-se imprescindível sua atuação na defesa do direito da sociedade.

Da mesma forma, assinala-se a importância do Inquérito Civil, destinado a fornecer provas e demais elementos de convicção que fundamentam a ação do Ministério Público.

Contudo, como já se afirmou, a importância do TAC – Termo de Ajustamento de Conduta, que possibilita uma solução extra-judicial, quando existem situações concretas de dano iminente ou consumado, em que o responsável do dano causado assume a adequar-se a lei ou reparar a lesão causada ao meio ambiente.

Como se vê, antes de invocar a inércia do Poder Judiciário, busca-se a solução para o conflito ambiental.

Entretanto, as questões ambientais são muito complexas, não dependem somente de uma legislação eficiente, necessitamos de uma série de ações que possibilitem uma melhor qualidade de vida, que possibilite efetivamente um meio ambiente equilibrado ao ser humano.

A própria Lei Maior determinada a preservação não só a geração atual, mas também possibilitou um comando que garantisse as futuras gerações o direito de viver num ambiente ecologicamente equilibrado.

Nessa linha de raciocínio, observamos a importância de se preservar, de preconizar o direito ambiental, de se labutar pela conscientização ecológica, estender a toda a sociedade a educação ambiental, sendo uma necessidade básica, a sobrevivência de todas as espécies, a fauna a flora, e naturalmente o próprio ser humano.

Sem dúvida alguma a Lei da Ação Civil Pública, assim como o TAC – Termo de Ajustamento de Conduta proporcionaram uma “revolução” no ordenamento jurídico brasileiro, fazendo com que, o processo judicial deixasse de ser visto apenas com o enfoque de interesses individuais, para servir de instrumento efetivo na defesa dos direitos transindividuais e principalmente a defesa do meio ambiente.

Em outras palavras, qual o direito que nós temos de privar a gerações futuras de viverem num ambiente sadio, de poderem viver com dignidade humana; e o direito deve e pode contribuir para controlar a degradação ambiental. 


 

REFÊRENCIAS 

[i] Direito Ecológico, Direito de Proteção da Natureza, Direito do Meio Ambiente, Direito Ambiental e Direito do Meio Ambiente são as locuções mais encontradiças para designar a novel disciplina jurídica. (MILARÉ, 2004 p.132)

[ii] Os princípios, à semelhança das leis, não são imunes às motivações ideológicas dos atores jurídicos. A qualidade, tanto da aplicação da norma como os princípios, depende da fundamentação de quem interpreta. A vantagem dos princípios é possibilitar melhor desvendamento da ideologia do intérprete. Para tanto, é importante que o conteúdo do princípio seja amplo e aberto.( PORTANOVA, 2001, p. 285 )

[iii] A norma funciona como esquema de interpretação. Por outras palavras: o juízo em que um ato de conduta humana constitui um ato jurídico ( ou antijurídico ) é o resultado de uma interpretação específica, a saber, de uma interpretação normativa. ( KELSEN; tradução João Baptista Machado, 1.998,  p. 4 )

[iv] O Estudo de Impacto Ambiental(EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) apresentam algumas diferenças. O estudo é de maior abrangência que o relatório e o engloba em si mesmo. O Estudo de Impacto Ambiental compreende o levantamento da literatura científica e legal pertinente, trabalhos de campo, análises de laboratório e apropria redação do relatório. ( MACHADO, 1.995, p.141 )

[v] Nos termos da Resolução nº 9, editada em 3.12.87 e publicada somente em 7.7.90, do CONAMA, será realizada audiência pública para expor aos interessados e aos cidadãos em geral, o resultado do estudo de impacto ambiental, dirimindo-se dúvidas e recolhendo-se críticas e sugestões da comunidade sobre o trabalho, a qual será designada de ofício, pela autoridade ambiental, ou por citação do Ministério Público, por entidade civil ou a requerimento de pelo menos cinqüenta cidadãos. ( GOMES, 1.999, p. 62-63 )

[vi] O desenvolvimento sustentável (DS) é um conceito amplo e, devido a esta característica, permite apropriações diferenciadas e ideologizadas por segmentos sociais de interesse. Sua proposição básica de eficiência econômica, associada à eficácia social e ambiental, que significa melhoria da qualidade de vida das populações atuais sem comprometer as possibilidades das próximas gerações, constitui padrão normativo almejado pela maioria das sociedades humanas, hoje.( MONTIBELLER, 2001, p. 17 )

[vii] A flora e a fauna de uma região ou período específicos ou reunião total de organismos na biosfera. ( NALINI, 2003, p. 286 )

[viii] O importante é ter presente que o ambientalista não pode se arrogar suficiência e completude para desprezar a contribuição de qualquer ciência, sapiência ou experiência. Tudo quanto possa servir para a compreensão do habitat e para garantir a preservação da vida no planeta estará a merecer apreciação. O ambientalista ético há de ser alguém profundamente humilde ao reconhecer os limites próprios, diante da indefinição de fronteiras do conhecimento até agora disponibilizado à humanidade. ( NALINI, 2003, p. XXXII )

[ix] É a adição ou lançamento de qualquer substância, matéria ou forma de energia ( luz, calor, som) ao meio ambiente e quantidades que resultem em concentrações maiores que naturalmente encontradas. Os tipos de poluição são, em geral, classificados em relação ao componente ambiental afetado ( poluição do ar, da água, do solo), pela natureza do poluente lançado ( poluição química, térmica, sonora, radioativa etc.) ou pelo tipo de atividade poluidora ( poluição industrial, agrícola etc.) ( MILARÉ, 2004, p. 999 )

[x] Para exercer a função jurisdicional, o Estado cria órgãos especializados. Mas estes órgãos encarregados da jurisdição não podem atuar discricionária ou livremente, dada a própria natureza da atividade que lhes compete. Subordinam-se, por isso mesmo, a um método ou sistema de atuação, que vem a ser o processo. Entre o pedido da parte e o provimento jurisdicional se impõe a prática de uma série de atos que formam o procedimento judicial (isto é, a forma de agir em juízo), e cujo conteúdo é o processo. (THEODORO JÚNIOR, 1.995, p. 42 )

[xi] Direito processual é a regulamentação do exercício da função jurisdicional, que é função soberana do Estado  e consiste em administrar a justiça. ( SANTOS, 1.999, p. 14 )

[xii] O direito processual civil consiste no sistema de princípios e leis que regulam o exercício da jurisdição quanto às lides de natureza civil como tais entendidas todas as lides que não são de natureza penal e as que não entram na órbita das jurisdições especiais. ( SANTOS, 1.999, p. 15 )

[xiii] É instrumentalidade o núcleo e a síntese dos movimentos pelo aprimoramento do sistema processual, sendo consistente ou inconsciente tomada como premissa pelos que defendem o alargamento da via de acesso ao judiciário e eliminação das diferenças de oportunidades em função da situação econômica dos sujeitos, (…) A visão instrumental que está no espírito do processualista moderno transparece também, de modo bastante visível, nas preocupações do legislador brasileiro da atualidade, como se vê na Lei do Juizados Especiais, na Lei da Ação Civil Pública, no Código de Defesa do Consumidor e no código de Defesa da Criança e do Adolescente( medidas destinadas à efetividade do processo). ( DINAMARCO, 2002. p. 25 )

[xiv] Interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

[xv] O vocábulo flora é o coletivo que engloba o conjunto de espécies vegetais de uma determinada região. (FIORILLO, RODRIGUES, 1.999, p. 345 )

[xvi] A fauna pode ser conceituada como um conjunto de espécies animais de um determinado país ou região. (LEME MACHADO, 1.995, p. 507 )

[xvii] Art. 1º – as florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem. ( Lei. Nº 4.771/65 )

[xviii] Conselho Nacional do Meio Ambiente

[xix] Essa característica definidora de um Estado Democrático foi tornada ainda mais explícita na Constituição de 1988, que inovou com expressão “Estado Democrático de Direito”. O Estado brasileiro não é apenas especificado pela regência através de normas jurídicas elaboradas e executadas pelos representantes do povo, mas, fundamentalmente, pela necessidade de que tais mandamentos obedeçam ao conceito de democracia e sejam passíveis de controle. O sistema jurídico pátrio e sua hermenêutica são instrumentos de satisfação de vontade popular. Este deve ser o norte a atividades dos entes públicos. O prestígio à idéia de Estado Democrático de Direito não emana de singela preocupação concernente à forma, nem tampouco de cuidados com a aparência no exercício do poder estatal. A existência do Estado com tais característicos não deriva unicamente de expressões terminológicas, mas de indispensável obediência ao espírito do Texto Maior. (MOREIRA, 2003, p.70 )    

[xx] O conceito de crime estabelece-se através de um processo de abstração cientifica, a partir do Direito Penal vigente. Através dele determinam-se às características gerais de toda conduta delituosa descrita nas leis penais e por isso mesmo constitui ele a noção básica e fundamental do direito punitivo. Crime é ação (omissão) típica, antijurídica e culpável. Isso significa dizer que não há crime sem que o fato constitua ação ou omissão: sem que tal ação ou omissão correspondam à descrição legal (tipo) e sejam contrárias ao direito, por não ocorrer causa de justificação  ou exclusão da antijuridicidade. ( FRAGOSO,1.992, p.142 ) 

[xxi] O IBAMA foi criado pela Lei 7.735, de 22.2.89. A Lei 8.028/90 deu nova redação ao art. 2º da Lei 7.735. O IBAMA é autarquia federal de regime especial, dotada de personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal, com a finalidade de assessorá-lo na formulação e coordenação da política nacional do meio ambiente e da preservação, conservação e uso racional dos recurso naturais. ( MACHADO, 1.995, p. 87 )

[xxii] Penal – Ação penal – Crime contra a fauna – abatimento de tatu galinha – “ A intervenção punitiva do Estado só se justifica quando está em causa um bem ou valor  social importante. As lesões a bens jurídicos só podem ser submetidas à pena, quando isso seja indispensável para ordenada vida em comum ( Heleno Cláudio Fragoso). Recurso criminal improvido” ( TRF 1º Reg. – 4º T. – Rec. 96.01.28684-5/MG – Rel. Mario César ribeiro – DJU 14.05.1999, p . 260 )

Direito penal – Crime contra a fauna – Insignificância – Abate de ratões de banhado em quantidade insignificante e sem a intenção predatória, com finalidade, apenas, de obter alimento – Réus analfabetos e desempregados – Aplicação do princípio da insignificância devido à escassa nocividade à tutela jurisdicional (TRF 4º Reg. – 1º T. ap. 1.999.04.01.082424-4-RS – Rel. Eloy Bernst Justo – DJU 18.04.2001, s. 2, p. 243 )  

[xxiii] Art. 3º – a ação civil pública poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou na fazer

[xxiv] Foro é a circunscrição territorial dentro da qual o juiz exerce as atividades jurisdicionais. É a jurisdição territorial de um órgão(…) Falar-se em competência territorial, portanto, é o mesmo que falar-se em foro. (SANTOS, p. 225, 1.999 ).

[xxv] Art. 2º – As ações previstas nesta lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa”.

[xxvi] Art. 100. É competente o foro:

v- do lugar do ato ou fato:

a) para ação de reparação do dano; 

[xxvii] Art. 4º Poderá ser ajuizada ação cautelar para os fins desta lei, objetivando, inclusive, evitar o dano ao meio-ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística ou aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico e paisagístico ( VETADO) 

[xxviii] Art. 6º, § 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso. (Decreto-lei nº 4.657/42 -Lei de Introdução ao Código Civil )

[xxix] Art. 16 – a sentença civil fará coisa julgada “ erga omnes”,nos limites da competência territorial do órgão prolator exceto se a ação for julgada improcedente por deficiência de provas, hipóteses em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova. ( Lei – 7.347/85 )

[xxx] Art. 18 – a sentença terá eficácia de coisa julgada oponível erga omnes, exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova; neste caso, qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.  ( Lei 4.717/65 )

[xxxi] Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide,salvo:

I – se, tratando-se de relação jurídica continuativa, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito; caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença;

II – nos demais casos previstos em lei.

[xxxii] Art. 127. § 1º São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.

[xxxiii] Art. 128. O Ministério Público abrange:

I – O Ministério Público da União, que compreende:

a)       o Ministério Público Federal;

b)       o Ministério Público do trabalho;

c)       o Ministério Público Militar;

d)       o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios;

II – os Ministérios Públicos dos Estados.

[xxxiv] Art. 5º A ação principal e a cautelar poderão ser propostas pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios. Poderão também ser propostas por autarquia, empresa pública, fundação, sociedade de economia mista ou por associação que: (…) ( Lei. 7.347/85 )

Art. 201. V- promover o inquérito civil e ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidas no art,. 220, § 3º inciso II, da Constituição Federal; ( Lei nº 8.069/90 )

Art. 82. Para fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente : I – o Ministério Público, ( Lei nº 8.078/90 )

Art. 6º, VII – promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei, ( Lei nº 75/93 )

Art. 82. XII – promover, além da ação civil pública outras ações necessárias ao exercício de suas funções institucionais, em defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e indisponíveis , interesses individuais homogêneos, especialmente quanto à ordem social, ao patrimônio cultural, à probidade administrativa e ao meio ambiente. ( Lei complementar nº 197/2000 );

Art. 25. IV – promover o inquérito civil e a ação civil pública; ( Lei nº 8.625/93 );

Art. 74. Compete ao Ministério Público:

I – instaurar o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos direitos e interesses difusos ou coletivos, individuais indisponíveis e individuais homogêneos do idoso ( Lei nº 10.471/03 );

Art. 6º. O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, não inferior a 10 (dez) dias úteis. ( Lei nº 7.853/89 );

 

[xxxv] Art. 84. Quando a lei considerar obrigatória a intervenção do Ministério Público , à parte promover-lhe-á a intimação sob pena de nulidade do processo. ( Lei nº 5.869/73 – Código do Processo Civil )

[xxxvi] Art. 5, § 3º Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa. ( Lei nº 7347/85 )

[xxxvii] Art. 5º, XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;

 

[xxxviii] Art. 211 –os órgãos públicos poderão tomar dos interessados  compromissos de ajustamento de conduta às exigências legais, o qual terá eficácia de título executivo extrajudicial.

[xxxix] Art. 5º, § 6º – os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.

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THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil.Vol. I, 14. Ed., Rio de Janeiro: Forense,1995.

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

PAULO ROBERTO PONTES  DUARTE:   Advogado OAB/SC 23.533. Formado na Epampsc – Escola de Preparação e Aperfeiçoamento do Ministério Público de Santa Catarina;  Pós graduado em Direito Penal e Direito Processual Penal –  EPAMPSC/UNIVALI. Membro da Comissão de Assuntos Prisionais da OAB de Santa Catarina. Pesquisador do NEPI – Núcleo de Pesquisa Sobre Preconceito e Intolerância.

e-mail: paulo-diver@bol.com.br      diver_paulo@bol.com.br

A Dinâmica em Espiral na Carta de 1988: estudos com base nos direitos individuais e coletivos

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* Ricardo Régis Oliveira Veras 

“E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.   Jesus Cristo 

Resumo: O presente artigo tem por objeto a aplicação dos preceitos da Dinâmica em Espiral a institutos afetos à Constituição Federal de 1988. 

Palavras-chave: Memética, Dinâmica em Espiral, Constituição Federal, direitos individuais e coletivos. 

Notas preliminares:

Um problema ancestral do Direito foi o de acompanhar os destinos da sociedade. As leis flutuavam (e flutuam) conforme as aspirações de um povo, e mais detidamente, a cultura. Na antiga Alemanha, a cultura era concebida como uma sabedoria popular, propagada por meio de rituais e costumes. Lendas, mitos e contos faziam parte da tradição popular que, em alguns casos, atravessaram milênios. A cultura pode ser entendida como o ato destinado a cultivar algo. Acerca da acepção cultura, sintetiza o AURÉLIO[1]: 

“O complexo dos padrões de comportamento, das crenças, das instituições e de outros valores espirituais e materiais transmitidos coletivamente e característicos de uma sociedade; civilização”.

Por igual sorte, entende-se por cultura como uma colação de manifestações artísticas, comportamentais, espirituais, musicais, éticas, por dentre outras.

O que distingue a cultura humana da cultura animal reside no fato daquela primeira ser modificada ao longo dos tempos, ao imprimir novos valores e ao ponderar novas formas de conduta ou de expressão popular. Essa possibilidade de mudança, e possível progressão, estão pautadas na ação de memes.

A noção de meme foi introduzida e desenvolvida por Richard Dawkins[2] sua obra “O Gene Egoísta”, publicada em 1976. Desde então foram incrementados estudos sobre as ações dos memes na civilização humana.

A ciência responsável pelo estudo dos memes e a sua propagação é a Memética. Apesar de seus sólidos postulados, a Memética ainda é considerada uma proto-ciência, ao depender de conceitos e institutos afetos à Sociologia e à Biologia.

A Memética tangencia assuntos controvertidos, tais como a liberdade de consciência, a religião e a política. Há inclusive o embate se, por acaso, há liberdade de ação e de produção de pensamento autônomo, sem uma interferência absoluta do meio (cultural). É que a resistência à influência cultural produz a idiossincrasia.

São considerados memes, desde jingles de propagandas, músicas, idéias, a lições de moral. O modus operandi, os valores e o jargão de determinado ramo científico pode sinalizar uma emanação da Memética. Os memes não têm existência física, mas conceptual. São dessa forma, idéias, imagens, conceitos ou pré-conceitos ou qualquer outro elemento que possa ser captado pela intelecção[3]. Pelas lições de MACHADO[4], podemos sintetizar os memes como “unidades de informação auto-replicantes, análogas aos genes”.

Em termos rudes e superficiais, não existe superioridade de um meme sobre os demais. O que há, em verdade, é uma abordagem cada vez mais complexa e refinada da percepção do homem acerca dos fenômenos da natureza. A resistência de um meme não é medida em termos de complexidade, mas pela facilidade com que é reproduzido e assimilado por uma dada coletividade.

Assim como os genes, há uma preocupação de os memes resistirem às forças do tempo, impondo medidas diversas tais como a evolução, a conservação, por dentre outros mecanismos de sobrevivência. Um meme pode ser modificado ou substituído ao longo dos tempos. O ambiente seleciona aqueles memes adaptados ao convívio social, da mesma sorte que percebemos com a evolução do material genético. Acerca dessa acepção conclui MACHADO[5]: 

“Muitas interações deste ciclo de variações são copiadas pela população sobrevivente, adquirindo, progressivamente, novas propriedades que fazem delas mais adequadas na luta pela sobrevivência e que são transmitidas às suas progênies. Apesar destes ciclos serem inconscientes, traçaram o rumo para fora do caos”. 

O presente artigo objetivará a identificação de alguns institutos constitucionais ao longo dos tempos e relacioná-los com base na Dinâmica em Espiral. Não prescreverão as linhas seguintes, idéias acerca da formação da sociedade, se, por acaso, contratuais ou naturais. Adiantamos, no entanto, que a temática abordada no presente trabalho aproximará institutos jurídicos ao surgimento natural, não condicionado e espontâneo da sociedade. 

Fenomenologia jurídica e Memética: 

Sabe-se que as leis são emanações da cultura por meio da qual o Estado impõe regras que entenda ser necessárias ao convívio em sociedade. Essas regras são frutos da democracia (por meio de representantes eleitos) ou de uma imposição ilegítima de poder. As leis que atendam realmente à dinâmica social, são aquelas que tendem a resistir às intempéries do tempo e por isso são mais adaptadas ao meio: há uma tendência natural a serem replicadas. Por outro contraponto, leis que não atendam as verdadeiras aspirações de uma determinada sociedade tendem naturalmente ao descarte e por isso não são legitimadas nem ratificadas no decurso do tempo. Dessa forma, existem essas leis apenas como uma realidade formal.

O Estado enquanto uma emanação de poder supra-societário subsiste como um organismo vivo e a imposição de suas regras não podem ir de contra a cultura de seus súditos, por completo. Não restam dúvidas que a imposição de regras possa diferir dos reclamos da sociedade, mas há necessidade em determinados momentos de tangenciar a verdadeira natureza de determinado povo. Como a cultura é um fenômeno dinâmico e não estático, novos valores podem ser incorporados à sociedade de forma lenta e gradual, tais como podemos exemplificar o respeito à natureza e a preocupação com as gerações vindouras.

Para a fenomenologia não prospera uma distinção entre sujeito e objeto, ao se opor diretamente ao pensamento positivista de Augusto Comte. A captação do conteúdo a ser abordado é feita através da intuição. A fenomenologia, no entanto, é um pensamento reducionista ao fragmentar o objeto em sua essência constitutiva. No âmbito das ciências sociais, a fenomenologia tem por objeto a descrição das variáveis sociais em sua dinâmica. Cóssio classificou o Direito como uma ciência cultural. Seguindo a linha de cognição de Cóssio, ANDRADE[6] descreve como objeto cultural, aquele dotado de uma existência temporal e espacial sendo que, portanto, está no campo do sensível e são valorados positiva ou negativamente. Dessa forma, a cultura seria um estado de não indiferença ante uma dada realidade. 

Os direitos e garantias individuais são atitudes de preservação do indivíduo contra as ingerências da sociedade e mais detidamente do Estado. Nesse particular o indivíduo exerce suas faculdades e potencialidades sem malferir preceitos de ordem pública. A doutrina liberalizante deposita confiança sobre uma eventual responsabilização do indivíduo pelos excessos praticados. Atualmente, o Estado, em sua forma diminuta, apenas interfere na esfera individual naquilo que for essencial à condução de seus negócios jurídicos relevantes.

Direito como uma propagação da Memética:

Com uma carga de informação específica, a norma jurídica funciona como um instrumento de propagação de memes. O Direito é concebido no campo ideográfico e, portanto, propício para a propagação de memes no seio coletivo. Em sua forma diminuta, as idéias são concebidas como bits (unidades) de informação, podendo conter prescrições, comandos ou permissões legais. Nesse ambiente de idéias, confrontam-se memes por vezes contraditórios, por sorte que não há domínio científico por parte da atividade legislativa, mas político. Muitos desses ideais e filosofias contaminam os representantes do povo que passam a cristalizar parte desses valores no ordenamento jurídico. Conforme anotaremos, alguns desses ideais são primários e inadiáveis; outros, no entanto, são frutos de amadurecimento e sedimentação cultural por parte do Direito. Ao longo dos tempos, institutos, como aqueles derivados do Direito Romano, continuam a inspirar a atual esfera legislativa; porém há os que caíram no esquecimento e foram eliminados. Com base na interferência da Memética no Direito, tonifica MACHADO[7] : 

”O direito enquanto ordenamento jurídico positivo é um sistema memético composto por diversos comandos ou bits _ mínimas unidades informacionais funcionais_ organizados em expressões normativas, strings _ seqüências de bits _ desde as mais simples ( artigos ), até às mais complexas ( leis, códigos ), como programas, seqüência ordenada, logicamente estruturada de comandos, como um todo funcional”.  

Por fim, sustenta a autora[8] que a eficácia da norma jurídica é um fenômeno tipicamente memético, que pode ser traduzida em potência memética. Desse modo, valores que infiltram na sociedade, são aqueles preservados e replicados, de modo a serem reescritos em diplomas legais subseqüentes.

Dinâmica em espiral:

Trata-se de um sistema emergente e revolucionário que pondera diversos traços culturais de uma pessoa, de uma coletividade ou de um corpo de valores (estéticos, éticos, etc.), segundo a sua complexidade e a sua extensão[9]. Originalmente foi concebida em 1996 por Clare W. Graves e posteriormente aperfeiçoada por Don Beck e Chris Cown. Pela Dinâmica em Espiral é fácil intuir que a natureza humana não é estática nem atemporal, mas se desenvolve segundo critérios espaciais e temporais. Não existe cultura indiferente à realidade dos fatos e toda a dimensão social muda conforme a conveniência da humanidade.

A Dinâmica em Espiral é sucedida alternadamente ora por valores que reforcem a expressão individual, ora por valores que sacrifiquem o indivíduo em detrimento da sociedade. Importam para a Dinâmica em Espiral os memes comuns a toda a coletividade.

Acerca dessa espiral, há uma resistência aos memes sucessores pelos antecessores, por sorte que há um embate ético e moral acerca dos intrusivos memes inovadores. A inovação é percebida como uma atitude invasora aos interesses integrais da sociedade. A cada inovação é incluída uma nova faceta à percepção ao mundo em que vivemos, sem, contudo, a chegar a um termo conclusivo.

A Dinâmica em Espiral não é uma tipologia de pessoas, mas um instrumento cuja identificação remonta à propagação de memes dominantes (valores) em uma determinada sociedade. Os memes podem influenciar o temperamento das pessoas, podem firmar convicções filosóficas ou profissionais e inclusive podem orientar uma decisão de um magistrado.

A progressão dos memes avança em forma de uma espiral, de modo que o meme sucessor engloba e preserva as temáticas abordadas pelo antecessor.

Foram identificados oito estratos (possivelmente nove ao todo), escalonados segundo uma espiral e seguindo uma distribuição convencionada por cores: bege, roxo, vermelho, azul, laranja, verde, amarelo e, por fim, turquesa. Será abordado no presente artigo alguns memes constitucionais (Já que a constituição é uma emanação da cultura brasileira) que tenham alguma relação com a Dinâmica em Espiral.

A Dinâmica em Espiral tem sido ministrada a empresários, estudiosos e profissionais como uma forma de identificação de valores e da filosofia de vida.

Meme bege:

Em um nível mais primitivo, há uma extrema preocupação com a sobrevivência e com a satisfação das necessidades mais primárias e inadiáveis do ser humano.

Os indivíduos agrupavam-se segundo a constituição de uma massa amorfa e por parentesco de consangüinidade denominada horda[10]. Não havia fixação ao solo, nem o desenvolvimento de uma atividade sustentável em longo prazo. Muito embora, a noção de horda tem sido questionada por estudiosos como uma forma de emanação de costumes primitivos. Foram realizados estudos por arqueólogos acerca de sinais e vestígios deixados há milhares de anos, sem uma resposta conclusiva. Por certo é que havia pouca diferenciação das atividades e o emprego das técnicas era artesanal.

As relações entre os membros do grupo eram fortuitas e sem critérios rígidos ou fechados. Discursa VENOSA[11], acerca da obra de Engels, que a família em sua face mais primária não se assentava em relações monogâmicas. Por essa sorte, costumava-se ocorrer relações íntimas entre membros de mesmo grupo (endogamia)[12]. Essas posições não são ratificadas pelo mestre como uma verdade em absoluto, por carecerem de comprovação científica[13].

Neste meme há pouca consciência acerca do mundo envolto e a sobrevida ganha uma conotação de suma importância, tanto para propagar genes como para promover um equilíbrio das forças naturais. A vida nessa conotação é puro instinto, é o sopro da natureza.

Trata-se a vida como o instrumento básico e essencial para o exercício dos demais direitos prescritos no ordenamento jurídico[14]. De nada adiantaria a prescrição destes sem uma concepção daquela, pelo que seria uma não-existência no mundo material em que vivemos.

Os mistérios da vida, sua origem e sua fundamentação superam a cognição humana, ao abordar institutos que tangenciam a metafísica[15]. LENZA[16] prefere, por outro contraponto, uma abordagem pragmática e material pelo que pode ser concebido por vida, quer seja o direito de continuar vivo, de não ser morto, bem como gozar de dignidade.

Prescrever direitos à dignidade e de proteção à vida sem uma preocupação fática acerca de seus efeitos constitutivos é puro idealismo. Em que pese essas considerações, o mínimo que se faça pela realidade, pela viabilidade de um mundo melhor, é uma atitude louvável, mas há um longo caminho a ser percorrido pelas linhas seguintes.

A questão do aborto vem ocupando as cátedras jurídicas e a sociedade, dividindo-as. Por ora define-se que o nascituro seja uma “propriedade” (de livre disposição) de sua genitora; por outro, concebe-se como um ser autônomo e titular de direitos e garantias; há, inclusive, posicionamento indiferente à temática[17]. Na legislação brasileira, o aborto é permitido em circunstâncias excepcionais, essas previstas no Código Penal.

Não há dúvidas que o aborto atenta contra uma vida humana em formação. O que define a humanidade de uma pessoa não é a lei dos homens, mas a natureza. Esforços são orientados para delimitar o que seria humano ou não: tudo é infrutífero. A discussão deveria pautar se, por acaso, este atentado é legitimado ou não pela sociedade. Mas o caráter de disposição sobre a vida alheia, em formação, continua.

Outra temática que aguça a sensibilidade humana é a da prática da eutanásia, esta possivelmente responsável por uma morte branda e indolor a pacientes terminais. Por igual sorte, a vida aqui é tutelada como um bem da sociedade, não importando a disposição de seu titular.

Concerne o meme bege a proteção da vida em sua esfera mais densa, ao proteger a humanidade e ao designar os destinos de sua existência.

Meme roxo:

Remonta à primitiva era em que o homem nômade passou a fincar a sua estadia em uma base territorial e a desenvolver uma agricultura de subsistência. A organização do grupo era estabelecida por meio de um clã familiar. Por essa razão havia uma forte solidariedade entre os membros. A verdade, de uma forma velada e mui parcial, estava depositada em sinais da natureza como uma emanação do divino e do incompreendido.

A massa social amorfa resultou em uma grande família, esta organizada segundo um ancestral comum denominado totem[18]. O totem era a deidade responsável pela emanação dos sinais e dos vestígios da natureza e pela punição ou pelo banimento aos faltosos. Toda a família era orientada por um anciã(o) ou por uma pessoa dotada de uma sensibilidade incomum denominada personalidade-maná.

Esse meme avançou na composição familiar (enquanto unidade celular da sociedade), ao incluir a figura do pai. Com o patriarcado fechou-se a noção de pai, mãe e filho, antes sem um critério definido ou rígido. Ainda que de forma rudimentar e espontânea, o matrimônio passou a ser institucionalizado. O homem, no estado anterior de amoralidade (indiferença à moral e aos costumes), orientou-se para cultivar regras, tabus e costumes segundo a tradição do grande-pai, o totem.

Uma característica digna de nota acerca dos direitos de família, diz respeito à sua natureza personalíssima, enquanto parte integrante da personalidade[19]. São, em sua maioria, intransmissíveis por herança e irrenunciáveis[20].

Com a solidificação da família percebeu-se o desenvolvimento lento e gradual dos costumes. Foi pela repetição de determinado comportamento que observamos a replicação de um meme no seio coletivo. Memes, cuja materialização não receba o status de obrigatoriedade, não são replicados pelos membros de um grupo[21]. Os primeiros memes deram surgimento aos costumes primitivos. Conforme a doutrina de ALBUQUERQUE[22], os costumes foram incorporados a partir da constatação da sociedade totêmica (clã). O estágio anterior de amoralidade e de indiferença aos valores não havia rompido completamente o ser humano das feras selvagens. Por igual sorte sugere o autor que o ser humano evoluiu ao aderir à sociedade totêmica. Os costumes fortificaram-se a partir da veneração dos antepassados e de ente honoríficos pela memória. Por essa sorte, determinadas condutas ganharam forma e conteúdo ao longo dos tempos pela repetição.

O estabelecimento da família sobre uma base territorial talvez seja um forte legado do patriarcado, ao se criar rudimentarmente uma propriedade imaginária, e a repercutir na esfera patrimonial do casamento e da prole.

A Constituição Federal reconhece os valores institucionais do casamento e da família, devendo a lei facilitar a conversão de uniões informais em casamento (Lei 9.278/1996).

Meme vermelho:

Uma atitude de consciência do meme vermelho compele o indivíduo a explorar o ambiente e a conquistar territórios ocupados ou não por outrem. Vigora-se a lei do mais apto e do mais forte. A violência é uma conseqüência natural, destinada a repelir inimigos e oponentes indesejáveis, bem como, por vezes, desafiar a soberania de um povo por intermédio de grupos fortemente organizados. Há uma preocupação com viver agora, uma vez que os trilhos do futuro são incertos e ignorados.

Aos poucos se percebe um “desaparecimento” dos laços de parentesco e a união dos membros passa a gravitar em torno de ideais como o nacionalismo. As pessoas agrupam-se, então, em torno de traços culturais comuns e surge a idéia de nação, de povo.

A sociedade estratifica-se por classes sociais. Há uma forte preocupação em maximizar o território e a subjugar outros povos. A nação forte e soberana é aquela que incita o medo, e propaga atos insidiosos e cruéis. Surgem os antigos impérios como o grego e o romano.

Com o meme vermelho há a primeira ruptura do homem enquanto ser autônomo e distinto da massa social. Há o aparecimento das primeiras democracias primitivas e alguns membros da sociedade ganharam o status de cidadão. Não existia liberdade de vontade na atual acepção. A liberdade, embora gozada por alguns, era restrita a sua expressão[23]. Da mesma forma que a liberdade de querer fazer algo e acatar as conseqüências posteriores é obra dos memes subseqüentes.

Nos tempos romanos, a família desfrutava do status de pessoa jurídica, ao contraírem direitos e obrigações. Na legislação brasileira, a família é um ente despersonalizado. Antes de a família ser um fenômeno exclusivamente jurídico, o é em sua dimensão sociológica[24].

A gênese do Direito moderno está pautada no Direito Romano. Os romanos (tomados por um espírito pragmático e utilitarista) desenvolveram diversos institutos jurídicos, bem como aperfeiçoaram outros.

O meme vermelho é na atualidade muito ativo entre extremistas políticos, terroristas e governos despóticos, além de nações recém-constituídas pelas quais não se percebe um amadurecimento político nem um fortalecimento das instituições democráticas.

Meme azul:

No quarto nível há uma preocupação com as questões do espírito e por essa razão o homem passa a centrar sua atenção para um ser supremo, ao relegar as benesses do presente para ir viver o amanhã. Impera-se, dessa forma, um zelo com o porvir e com o bem servir à sociedade, ao resguardá-la de elementos nocivos e agressivos. Tem por objeto esse meme, o desenvolvimento do espírito em sua dimensão mais profunda e a verdade remonta a uma divindade criadora do universo. Surgem, a partir da constelação desse meme, as primeiras teocracias.

Por muito tempo houve uma aliança entre o Estado Brasileiro e a religião que, por vezes, confundiam-se os preceitos de ordem religiosa com os mandamentos de ordem pública. Com a virada do século XIX para o XX, e por isso na consagração da República, operou-se um afastamento do Estado em assuntos puramente religiosos. No entanto, o Estado Brasileiro reconhece o valor de cada religião sem, no entanto, adotar alguma oficial, ao ponderar em seu art. 5º, VII, CF, que:  

“VII – é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;”

 

Pelos termos expostos, abre-se espaço para um ato ecumênico, permitindo-se que todas as religiões possam ser ministradas nas entidades civis ou militares de internação coletiva, nos termos da lei infraconstitucional.  

A promulgação da Constituição Federal foi tomada por um espírito deísta, ao invocar a proteção de Deus em seu preâmbulo. Deve-se ponderar, no entanto, ser um direito fundamental do homem em não acreditar em Deus ou em não adotar alguma religião específica. O próprio Estado Brasileiro é laico, ao assumir isenção e neutralidade diante da religião[25]. Embora tenha ocorrido a secularização da qual se operou a segregação da igreja para com o Estado, este último garantiu a propagação da fé sem distinção de credo nem orientação religiosa.

A religião é sem dúvida uma expressão da cultura humana e indissociável ao modo de vida e à percepção de mundo. Uma atitude contra o exercício religioso de determinada pessoa ou de determinado grupo é uma violação em sua esfera mais densa e íntima, punível conforme a legislação vigente. Essas são as prescrições da Constituição Federal, em seu artigo 5º, VII, pelas quais reproduzimos verbalmente: 

“VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;”

 

Nos termos previstos pela Constituição Federal, alerta-nos LENZA[26] que, a ninguém é facultado eximir-se de imposição legal a todos imposta, salvo se, da disposição legal, houver prescrição de uma alternativa à sua prestação.

 

Pelas lições de história, não existe casamento mais desastroso do aquele firmado entre poder e religião. O homem acaba por usurpar as funções de sua deidade e a prejulgar semelhantes segundo a doutrina religiosa. A religião é uma doutrina espiritual que deve ser utilizada para o bem da humanidade; nunca para o mal desta. Jamais deverá ser incitado o ódio para com esta ou aquela religião, pois todas são caminhos para o crescimento e aprimoramento da alma humana.

 

Meme laranja:

Uma consciência cultural a essa altura intenta compreender o mundo envolto por meio de variáveis mensuráveis e previsíveis. Há uma preocupação com a maximização da liberdade, do empreendimento, da conquista, segundo regras de competência e de domínio das técnicas. Impera-se, dessa forma, o deslocamento do divino para o homem como epicentro do universo e com isso há uma mitigação da espiritualidade.

As sementes do sistema capital de produção e da preocupação com as liberdades e garantias individuais são plantadas, não senão com muita indiferença por parte da nobreza. O capitalismo surge como uma resposta ao obsoleto sistema feudal de produção, ao integrar diversos contingentes sociais, povos, nações, etc. O estado absolutista cede espaço para o estado democrático. Em princípio, aquele estado (absolutista) foi de suma importância para a emancipação política de diversas nações e para a defesa da primitiva burguesia. Porém, este último estado (democrático) permitiu um revezamento no poder entre as diversas facções políticas.

Com relação ao conhecimento adquirido, prosperou o método cartesiano, ao promover um aprimoramento da ciência e ao deter um senhorio sobre a natureza. Todavia, os mistérios da alma, dos sentimentos, nunca foram plenamente conhecidos por este método. O modelo cartesiano sugere uma ruptura radical entre filosofia e ciência, como a ruptura desta para com a religião. A regra maior aqui depositada é a do reducionismo do conhecimento e a da extrema especialização dos conteúdos a serem abordados.

Com o meme laranja houve melhoras na saúde humana, bem como vários instrumentos foram aperfeiçoados. Houve uma produção em larga em escala. Produtos e eletrodomésticos ganharam lares, etc. Da mesma forma, houve progressos na liberdade de ir i vir, na detenção da propriedade privada, por dentre outros aspectos. Com relação a esses direitos, entende-se ser possível uma mitigação fática, limitando os seus preceitos à observância de outros direitos constitucionais, conforme a construção da doutrina da proporcionalidade, observadas a adequação dos meios, a proibição de excesso e a necessidade. Tomamos, por exemplo, a Constituição Federal ao proteger a propriedade privada em detrimento de terceiros, condicionando-a, porém, o seu uso à função social (art. 5°, XXII, CF).

O meme laranja é distinguido pelo constante aperfeiçoamento dos fatores de produção. Isso graças ao labor e ao devotamento por meio da profissão. Com o tempo, diversas atividades profissionais ganharam corpo e autonomia, ao especializarem suas funções, bem como, ao ocuparem participação e legitimação na sociedade. A liberdade profissional é assegurada pela Constituição Federal, desde que respeitadas as condições legais (Art. 5°, XIII, CF). Esclarece LENZA[27] que esse dispositivo é de eficácia contida, por estar condicionado ao alcance da lei infraconstitucional.

Paulatinamente, a partir da solidificação da burguesia e do iluminismo, houve um progresso na esfera privada, ao possibilitar o domínio sobre os pertences e à consagração do lar como um asilo inviolável. O poder estatal, antes ilimitado, passou a observar algumas limitações e prescrições legais. Surgem, então, os embriões das modernas democracias, a alternância no poder, a chegada de minorias nos destinos da sociedade. O meme laranja possibilitou a heterogeneidade e a expressão individual, quer sejam pelas artes, pelas letras, quer sejam por quaisquer outros meios, ressalvados os preceitos de ordem pública e a paz social.

A vida privada passou a ser protegida contra a invasão indesejada por terceiros. Preservou-se a esfera íntima do indivíduo como uma face inerente à personalidade. Esse direito foi concretizado pela forma negativa, de sorte de que conteúdos afetos à vida pessoal não pudessem ser objetos de publicidade nem de exposição intencional[28] . 

Da mesma forma que os memes anteriores, observamos limitações no meme laranja, de modo que o homem perde a sensibilidade e atinge o ápice de manipular os segredos da natureza segundo as leis do mercado e da conveniência. Como benefícios, no entanto, há um progresso das ciências, do bem-estar individual e cria-se espaço para o indivíduo exercer suas atividades, desde que não contraditórias às regras da sociedade.

Atualmente, trata-se do meme de maior expressão (política, social e jurídica) no mundo ocidental. Daí uma maior orientação constitucional e política. Por meio desse meme diversos outros direitos foram incorporados ao mundo jurídico.

Meme verde:

No decorrer da revolução francesa surgiu uma inconformação contra os desmandos de monarcas e contra o descaso do bem-estar coletivo. Desde então ecoaram diversas manifestações no mundo para abrandar os rigores de um sistema tirano e cruel, ao sensibilizar pessoas acerca de seus semelhantes e do ambiente em que vivemos.  Houve uma preocupação com a inclusão social, com a moradia, com a decência nos salários e nas condições no trabalho, com o bom atendimento ao consumidor e com a emancipação da mulher e das minorias étnicas e raciais.

O século XX pode ser conhecido como o século “verde”, em que houve progressos nas condições de trabalho, na solidariedade, nas descobertas científicas no âmbito da psicologia e da sociologia, por dentre outros. Muito embora, a introdução desse meme não se operou de forma lenta, gradual, mas pela imposição de meios abruptos e que marcaram os dois últimos séculos.

Ainda que formal, o meme verde apregoa uma igualdade entre homens e mulheres, entre crianças e idosos, entre pobres e ricos. Não há distinção de cor, nem credo, nem origem, nem consciência. Enquanto os memes antecessores focalizam a verticalização do pensamento e o tratamento diferenciado entre os pares, o que impera neste meme é a horizontalidade, ao tentar mitigar as diferenças entre os diversos contingentes sociais.

Sob o espírito de uma aplicação da lei sem distinção quanto ao gênero e origem, preclara o caput do art. 5º da Constituição Federal que:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”

O meme verde não se preocupa com a razão, nem com o espírito, nem com status ou privilégios, mas com sentimentos. Há um espaço para o espírito gregário e o elemento humano é valorizado. A agregação não é só uma condição contratual ou de livre convenção, mas de afeto. As pessoas não são máquinas, mas estranhas criaturas dotadas de sentimentos, de angústias e de esperanças. Esse diferencial é que torna a vida mais complexa e sutil[29].

Ao contrário do que ocorria em tempos passados, a afeição entre os membros do casal deve ser elemento basilar para a consolidação de uma relação. Vingava outrora, casamentos por pura conveniência religiosa e moral que, por vezes, o desgaste entre os casados era evidente, mas que a relação deveria consumar a finalidade espiritual e supra-individual. VENOSA[30] discursa acerca da evolução desse instituto ao longo dos séculos. Com a emancipação e com amadurecimento dos sentimentos no bojo da sociedade, hoje é possível formar vínculos duradouros ou fugazes, conforme a livre disposição do indivíduo.

Temas que ganharam destaques nas últimas décadas, recaíram sobre o tratamento condigno à população carcerária, ao protegê-la de tratamentos aviltantes e desumanos. Muitas máscaras sociais caíram, alguns estereótipos foram dissolvidos por conta de pessoas inocentes serem apenadas por um sistema falho e engessado. Mas não são somente estas pessoas que merecem respeito e tratamento urbanizado, mas com relação a todos os encarcerados, independente de culpabilidade. A condução do inquérito, em que pese o interesse social, deverá obedecer às prescrições legais e deverá haver discrição e temperança no seu desenvolvimento.

A defesa da natureza, dos marginalizados, das crianças e dos idosos são considerados como uma prioridade. O meme verde objetiva não só a satisfação de direitos no curso presente, mas pelo futuro, para a defesa de gerações vindouras.

A perseguição às minorias étnicas, sociais e religiosas são crimes contra a humanidade, uma vez que atenta contra o destino dos homens, o seu bem-estar e a sua preservação. Houve uma solidificação desse meme após os horrores da ciência nazista.

Instamos que a luta contra as prerrogativas, contra o tratamento nobiliárquico e diferenciado e contra a opressão de uma hierarquia pesada sobre os subalternos, são legítimas expressões do meme verde. Este, no entanto, ignora o estado natural das coisas ao ponderar sobre a organização dos diversos componentes segundo uma estrutura. Os debates intermináveis, sem consenso, o relativismo infrutífero e o puro idealismo constituem a faceta obscura deste meme.

A própria relatividade depende de elementos absolutos para subsistir. Se, de fato, tudo fosse relativo, não existiria o universo nem uma constante, e seu projeto seria eternamente abortado por essa relatividade. Para um sistema funcionar deve haver uma decisão, uma pró-ação.

Da mesma forma, com relação a críticas ao meme verde, em alguns casos, o que poderia ser concebido como assistência passou a ser assistencialismo. Nem todas as pessoas gozam de boa-fé nem espírito de compreensão acerca dos limites de direitos e garantias. Parcialmente, peca esse meme por carecer de elementos processuais (práticos) destinados à consumação de seus fins.

Meme amarelo:

Em um mundo caótico e em constante mutação, o domínio do conhecimento é de suma importância para a sobrevivência. A malha das instituições torna-se assaz complexa e as demandas do cotidiano exigem maturação e responsabilidade.

Pelo fato do agigantamento do sistema, é difícil saber aonde as “andorinhas fazem seus ninhos”, quer seja a chave para um empreendimento de sucesso, quer seja a chave para a satisfação de direitos tanto elementares tanto quanto sofisticados.

Para a realização das necessidades do cotidiano, buscamos informações, estas cada vez mais densas e estratificadas. Em meio ao caos e à confusão, a palavra de sobrevivência reside na adaptação aos novos tempos. É saber ter espontaneidade diante situações inusitadas.

A percepção da realidade gravita em torno de um sistema cujos elementos do repertório são jungidos de modo a formar uma unidade. Há interligação entre diversos campos da cognição. Integra-se corpo e mente; razão e emoção. O ser humano não é percebido por partes, mas como um ser autônomo e sujeito a deveres na forma da lei. Trata-se, pois, uma abordagem sistêmica ao integrar diversos campos e disciplinas ao Direito.

Quando a Constituição foi elaborada, houve exacerbada influência dos memes laranja e verde. O meme amarelo ainda engatinhava em seus passos e amadureceu durante os anos noventa (surgiu há cerca de cinqüenta anos), com a popularização do pensamento sistêmico em diversos ramos do saber.

Uma atitude desse tipo de consciência raramente utiliza-se de atitudes extremadas para atingir determinado resultado: trata-se da política do terceiro caminho, ou da terceira via para a solução de conflitos. A história demonstra que o extremismo político não é boa receita, pelo fato de haver muito sacrifício e perdas. Em uma forma tímida, a terceira via de solução de conflitos é aplicada na mediação ao propor uma solução moderada, para fins de resolução da lide.

A doutrina alemã sobre a proporcionalidade foi desenvolvida para amainar os rigores e a aplicação cega de direitos e garantias constitucionais. Um apego excessivo a determinado direito, acaba por infringir a esfera de princípios outros. A exacerbação de determinados valores ao limite são prejudiciais por conta de que, em uma atitude cega, acaba por mitigar outros valores do homem e da sociedade. O que deve repousar é um balanceamento de valores em uma atitude equilibrada e saudável por meio de uma proporcionalidade. Dessa forma, impera na proporcionalidade a proibição do excesso no emprego de determinado princípio, em sacrifício de outro[31] .

O extremo liberalismo pode resultar na degradação da vida em coletividade. Mas, e como desenvolver as aptidões individuais, sem prejuízo de terceiros? Esse questionamento foi originado por Kant ao delimitar a esfera da liberdade de consciência individual. Não restam dúvidas que o meme amarelo é individualista. Mas a individualidade é desenvolvida de forma temperada e realista, sem prejuízo a terceiros. JESUS[32] sustenta o pensamento kantiano ao afirmar que todo ser humano é dotado de um valor especial, insubstituível. Como a liberdade de alguém pressupõe responsabilização pelos seus atos, não poderá ferir a dignidade de outrem. Faz-se necessário, dessa forma, coordenar as individualidades de cada membro da comunidade. Cada um deve agir com base na consciência individual, mas considerando a dignidade alheia.

Conforme a dinâmica dos tempos modernos, há de se considerar outros direitos: a inclusão digital, o direito à informação, dentre outros.

Meme turquesa:

Um sistema extremante complexo e caótico é muito perigoso para a sobrevivência da humanidade. Há uma tendência natural de os sistemas simples se perpetuarem no tempo, pela facilidade com que é compreendido e replicado pelo contingente.

O triunfo do ser humano está na seleção de elementos que forem essenciais à perpetuação da espécie. Há, portanto, uma atitude minimalista e sintética diante da vida.

O conhecimento “de papel”, originado a partir da intelecção de livros e revistas, é de pouca valia para este meme. O que vale é a experiência de vida, obtida por meio do conhecimento vivo denominado história. O livro “O Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry, ilustra bem essa noção, quando o pequeno viajante aborda o geógrafo. Pergunta aquele a este se, por acaso, tem conhecimento experimental acerca dos acidentes naturais. O geógrafo nada responde, apenas demonstrando possuir a instrução obtida através das cartas geográficas. No mesmo diapasão está o Direito a filtrar e a acompanhar os destinos da sociedade. Enquanto a lei é uma abstração de uma conduta tida por exemplar, como aceitável pela sociedade, deverá o Direito ter por consideração os fenômenos sociais, as descobertas, a vida intersubjetiva. Não deverá o Direito prescrever fórmulas ultrapassadas, em dissonância com a demanda social.

Talvez Anatole France tenha razão em sua obra “A Ilha dos Pingüins”, cuja estória da humanidade está a se repetir eternamente, sem, contudo, a chegar a um termo conclusivo. A cada ciclo, a cada repetição, uma nova estação com as mesmas temáticas a serem abordadas sob um prisma cada vez mais refinado.

A ação desse meme é assaz obscura, por não ter sido massificada nos dias atuais nem corporificada em textos legais a contento. Não há menção expressa na Carta Constitucional. Possivelmente, uma nova filosofia legislativa deverá ser adotada.

Críticas à Dinâmica em Espiral:

A natureza em que vivemos, pelos seus mistérios e pelos seus encantos, é dotada de limitação. Os bens da vida são escassos e não há como conceber o infinito para além da abstração matemática.

Da forma como a teoria da Dinâmica em Espiral fora concebida, a sua topologia está aberta para infinitos valores e memes, de sorte que haja uma preservação dos memes antecessores.  

Para subsistir, a ideosfera memética depende de um suporte físico, de um meio para a propagação de seu conteúdo. Conforme a dinâmica do mundo está assentada no critério de utilidade marginal, não há como conceber uma gama interminável de valores no meio social. Pode ser que haja um crescimento desenfreado de novos valores e recomendações à sociedade, mas que, com o decurso de tempo, em vez de trazerem benefícios, trarão malefícios à sociedade que não saberá lidar com o “infinito”. O mesmo fenômeno ocorre com a ingestão cujo processo é freado por uma sensação de saciedade. Pode ser que no futuro não seja interessante trazer à baila novos valores sociais nem costumes, mas por certo haverá um longo caminho para essa Era Dourada. Se, por acaso, o ser o humano consumar esse ideal, poderá descartar valores e deflagrar novamente uma crise, uma angústia, para então rumar ao desconhecido. A metáfora dessa atitude poderá ser sinalizada pelo encanto da mariposa pela chama de uma vela que, embora perigosa, aguça a criatividade e a curiosidade humana.

Nos termos acima expostos, ponderamos que nos sistemas há dois mecanismos necessários para a auto-regulação: o feedback positivo e o negativo. O primeiro é responsável pelo crescimento contínuo e eterno de um sistema; o segundo, pela imposição de um limite e um senso de finalidade (de alcançar uma meta, de um fim imanente).

Dessa arte, não existe vida sem feedback negativo, quer seja, sem a sensação de saciedade (de valores, de realizações), pois do contrário seria um câncer, uma chaga incurável, que só importaria a si mesma um crescimento desordenado e desenfreado. Vale aqui consignar críticas à constante incorporação de valores ao ordenamento jurídico, de forma a não respeitar as aspirações e limitações do povo.

Da mesma sorte, destacamos o utilitarismo para a incorporação de valores tão somente essenciais e inadiáveis para o ser humano, sem perder de vista a preocupação com as gerações vindouras.   

Devemos ter ciência que reinventar não é crescer nem evoluir valores, mas imprimir novas combinações dentre as quais velhas receitas da boa convivência e da limitação da vida social são repetidas. Não há inovação nem revolução absoluta entre valores.

Estamos certos que um dia o homem poderá chegar ao seu limite sem perder, no entanto, a capacidade de reinventar novas medidas dentre velhas receitas. Por certo é que as potencialidades serão desenvolvidas ao máximo. A não ser que, a partir desse momento, o homem perca a sua humanidade essencial para entrar em novo ciclo.

Considerações finais:

Com base nas linhas expostas, entendemos ser cabível a aproximação da Dinâmica em Espiral ao aparato constitucional. Este recurso não é só um meio de identificação da filosofia de vida ou de consciência cultural, mas de valores que foram cristalizados ao longo dos séculos e que foram corporificados nas cartas magnas de diversos países, dentre elas, a brasileira. A Constituição é senão um sistema de valores e ideais supremos a serem perseguidos pelo nosso povo.

A identificação de todos os memes na Constituição Federal é uma tarefa deveras hercúlea.

Cada meme é responsável por uma dimensão essencial do homem. Não deve haver supressão de um por outro, sob pena de atentar contra a integridade do homem.

O memes previstos na Dinâmica em Espiral não são todos aqueles previstos pela Memética.

A Dinâmica em Espiral poderá ser de grande valia para a interpretação e para incorporação de novos valores sociais ao ordenamento jurídico brasileiro.

Se a Constituição Federal fosse reescrita, talvez uma nova filosofia fosse incorporada ao seu texto legal. Isto por causa da extrema mutação e da atualização dos valores da sociedade contemporânea.

A Constituição Cidadã foi influenciada principalmente pelos memes laranja e verde, ao consignarem sucessivamente direitos e garantias individuais e coletivos. Pondera-se, desse modo, uma atitude liberalizante e protetora contra as ingerências do Estado, além de promover uma providência aos necessitados e às minorias sociais.

O que o ser humano está a buscar em sua jornada interminável é uma verdade sem, contudo, alcançar respostas reveladoras, ao mesmo tempo em que amplia a consciência do mundo em que vivemos. Esse ser intenta aperfeiçoar as diversas condições de vida, ao criar novas fontes de direitos e ao partilhar responsabilidades para todos. A verdade é que tentamos amadurecer, ao vivermos com os mistérios da natureza e ao buscarmos a paz em um mundo incompreensível.

Fontes consultadas:

ALBUQUERQUE, Francisco Uchoa de; UCHOA, Fernanda Maria. Introdução ao estudo do direito. São Paulo: Saraiva, 1982.

ALVES JR., Luís Carlos Martins. O preâmbulo da Constituição brasileira de 1988. Clubjus, Brasília-DF: 01 fev. 2008. Disponível em: <http://www.clubjus.com.br/?artigos&ver=2.15405>. Acesso em: 22 fev. 2008.

ANDRADE, Ronald Castro de. A teoria egológica de Carlos Cossio sob uma perspectiva sociológica da aplicação do Direito. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 68, 2 set. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4309>. Acesso em: 22 fev. 2008.

BRASIL. Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

CULTURA. In: AURÉLIO: Novo dicionário da língua portuguesa. 2 ed. 31 imp. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996.

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GRINOVER, Ada Pellegrini. Controle do uso de drogas e intimidade.  Universo Jurídico, Minas Gerais. Disponível em:

<http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/default.asp?action=doutrina&iddoutrina=2206>. Acesso em: 8 mar. 2008. 

GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Celso Bastos. 2001.

JESUS, Carlos Frederico Ramos de. Liberdade moderna como liberdade de consciência. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1691, 17 fev. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10950>. Acesso em: 08 mar.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Método, 2006.

MACHADO, Sulamita Crespo Carrilho. O direito enquanto instrumento de propagação memética. Minas Gerais: Fundação João Pinheiro, 2006. Disponível em:

<www.eg.fjp.mg.gov.br/publicacoes/material/textos/398.pdf>. Acesso em: 8 mar. 2008.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 1999.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: Direito de família. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

 


 

NOTAS

[1] CULTURA. In: AURÉLIO: Novo dicionário da língua portuguesa. 2 ed. 31 imp. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996, p. 508.

[2] MACHADO, Sulamita Crespo Carrilho. O direito enquanto instrumento de propagação memética. Minas Gerais: Fundação João Pinheiro, 2006. Disponível em:

<www.eg.fjp.mg.gov.br/publicacoes/material/textos/398.pdf>. Acesso em: 8 mar. 2008.

[3] Id., Ibid., Acesso em: 08  mar. 2008.

[4] Id., Ibid., Acesso em: 08  mar. 2008.

[5] Id., Ibid., Acesso em: 08  mar. 2008.

[6] ANDRADE, Ronald Castro de. A teoria egológica de Carlos Cossio sob uma perspectiva sociológica da aplicação do Direito. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 68, 2 set. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4309>. Acesso em: 22 fev. 2008.

[7] MACHADO, Sulamita Crespo Carrilho, lc. cit., Acesso em: 08  mar. 2008.

[8] Id., Ibid., Acesso em: 08  mar. 2008.

[9] DYNAMICS, Spiral. In: WIKIPEDIA.  Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Spiral_dynamics>. Acesso em: 22 fev. 2008. .

[10] ALBUQUERQUE, Francisco Uchoa de; UCHOA, Fernanda Maria. Introdução ao estudo do direito. São Paulo: Saraiva, 1982, p. 76.

[11] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: Direito de família. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p.17.

[12] Id., Ibid., 2002, p. 17.

[13] Id., Ibid., 2002, p. 17.

[14] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 201.

[15] Id., Ibid., 1999, p. 200.

[16] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Método, 2006, p. 530.

[17] SILVA, José Afonso da, op. cit., 1999, p. 206.

[18] ALBUQUERQUE, Francisco Uchoa de; UCHOA, Fernanda Maria, op. cit., 1982, p. 78.

[19] VENOSA, Silvio de Salvo, op. cit., 2002, p. 27.

[20] Id., Ibid., 2002, p. 27.

[21] MACHADO, Sulamita Crespo Carrilho, lc. cit., Acesso em: 08  mar. 2008.

[22] ALBUQUERQUE, Francisco Uchoa de; UCHOA, Fernanda Maria, op. cit., 1982, p. 83.

[23] JESUS, Carlos Frederico Ramos de. Liberdade moderna como liberdade de consciência. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1691, 17 fev. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10950>. Acesso em: 08 mar.

[24] VENOSA, Silvio de Salvo, op. cit., 2002, p. 17.

[25] ALVES JR., Luís Carlos Martins. O preâmbulo da Constituição brasileira de 1988. Clubjus, Brasília-DF: 01 fev. 2008. Disponível em: <http://www.clubjus.com.br/?artigos&ver=2.15405>. Acesso em: 22 fev. 2008.

[26] LENZA, Pedro, op. cit., 2006, p. 537.

[27] Id., Ibid., 2006, p. 540.

[28] GRINOVER, Ada Pellegrini. Controle do uso de drogas e intimidade.  Universo Jurídico, Minas Gerais. Disponível em:

< http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/default.asp?action=doutrina&iddoutrina=2206>. Acesso em: 8 mar. 2008.

[29] CURY, Augusto. A sabedoria de cada dia: Os segredos do pai-nosso 2 – Aprendendo a superar os conflitos humanos. Rio de Janeiro: Sextante. 2007, p. 63.

[30] VENOSA, Silvio de Salvo, op. cit., 2002, p. 18.

[31] GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Celso Bastos. 2001, p. 63.

[32] JESUS, Carlos Frederico Ramos de. lc. cit., Acesso em: 08 mar. 2008. 

 

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

RICARDO REGIS OLIVEIRA VERAS: Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza – Ceará. Advogado OAB/CE 16895

ricardo_veras@hotmail.com

Cartão Coorporativo: Uso indevido configura peculato continuado.

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*Edson Pereira Belo da Silva

01. Considerações iniciais. 

O cartão coorporativo (ou Cartões de Pagamentos do Governo Federal) não tem sido utilizado para o fim pelo qual foi implementado pela Administração Pública. Pelo menos é o que se depreende do noticiário político Nacional. (1) Ele foi criado para facilitar o pagamento de pequenas despesas decorrentes da aquisição de serviços e produtos (combustíveis, material de escritório, viagens, hospedagem, etc.), ou seja, com os gastos imediatos que dispensam “licitação” ou “tomada de preço” (Lei Federal n.º 8.666/1993), além de permitir saques em dinheiro. Com isso, aparentemente, tornou-se mais transparente os gastos públicos, bem como se pôde dar mais efetividade à ação governamental.  
 

Milhares são os cartões corporativos nas mãos dos agentes públicos, notadamente 11.510 só em 2007, segundo noticiaram o Ministério do Planejamento e a Controladoria Geral da União à página da Agência Brasil na Web. (2) A fiscalização, consoante artigo 71 da CF e Lei Federal n.º 8.443/1992, fica a cargo dos respectivos Tribunais de Contas dos entes federativos (Estados, Distrito Federal e Municípios), os quais recebem ou não os comprovantes dos gatos e saques então realizados. E é aí que reside o problema. 
 

Se há irregularidades no uso de tais cartões – e as provas nesse sentido são robustas, tanto que uma Ministra já deixou a pasta em razão disso e uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) já se avizinha –, não temos dúvidas que isso é muito bem alimentado pela manifesta ausência de fiscalização daquele órgão competente ou, se ela existe, é feita pifiamente. Também, pelo número inacreditável de cartões em uso, tornou-se praticamente impossível fiscalizar todos os gatos e saques dos funcionários contemplados.

Aliás, inúmeras são as atividades das Cortes de Contas, sobretudo a da União, que tem jurisdição em todo território nacional e é composta por nove ministros (artigo 73, da CF). Saliente-se, contudo, que um terço dos referidos ministros são nomeados pelo Presidente da República e dois terços pelo Congresso Nacional (§ 2.º, incisos I e II, do dispositivo constitucional citado).     

O que mais chama, na verdade, à atenção não são as compras de produtos ou serviços (tapioca, chocolate, ursinho de pelúcia, manutenção de mesa de bilhar, aluguel de carros para curtir as férias, etc.) que não guardam relação com a atividade que o servidor público exerce, mas sim os saques em dinheiro com cartão, cujo montante chegou a 58 milhões, o qual representa cerca 75% do valor total gasto com cartão em 2007 (78 milhões), conforme revelou o Controlador Geral da União (CGU) ao portal da Agencia Brasil. (3)    

A CGU, também exerce o papel fiscalizador dos gastos com os cartões corporativos, mas a sua parcialidade é manifesta por ser um órgão diretamente ligado ao Chefe do Poder Executivo Federal, daí não gozar ela de credibilidade e poder suficiente para “cortar na própria carne”.  

Dos 58 milhões sacados com os cartões o ano passado, ninguém, ninguém mesmo, é capaz de afirmar que eles foram todos devidamente comprovados perante os órgãos fiscalizadores e destinados ao interesse social ou ao bem comum. São milhares de cartões corporativos e de saques, muita necessidade no Brasil afora, muitos interesses políticos em jogo, tudo isso e muito mais deve mesmo inviabilizar a justificativa legal dos gastos.  

02. Peculato continuado. 

De início, há que se deixar assente o conceito legal de funcionário público, que é dado pelo artigo 327, caput, e § 1.º, do Código Penal: “Considera-se funcionário público, para efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, a quem trabalha para empresas prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública”. 

Portanto, para caracterização desse delito é indispensável que o sujeito ativo (o autor do delito) seja funcionário público, no amplo conceito mencionado acima. Por sua vez, no caso em comento, somente aqueles no exercício da função pública é que portam e desfrutam dos cartões corporativos; de sorte que eventual “apropriação” ou “desvio” dos valores sacados, ou aquisição de produtos ou serviços para satisfação de interesse particular, enfim, desprovido de qualquer fim público, caracteriza o tipo penal descrito no artigo 312 do Código Penal.  
 

A vítima (o sujeito passivo) no crime de peculato é o Estado e a entidade de direito público, haja vista se tratar de delito contra a Administração Pública, nesse contexto abrangidas as autarquias e as entidades paraestatais, que são as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as fundações instituídas pelo poder público. 

Peculato, de acordo com o eterno magistério do saudoso Nelson Hungria, “é o fato do funcionário público que, tendo em razão do cargo, a posse de coisa móvel pertencente à administração pública ou sob a guarda desta (a qualquer título), dela se apropria, ou a distrai do seu destino, em proveito próprio ou de outrem”. (4) Três são as modalidades: (i) no peculato-apropriação, o verbo apropriar-se significa assenhorear-se, tendo como o objeto material o dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular de que tem o agente a posse em razão do cargo; (ii) quanto ao peculato-desvio, o funcionário público dá ao objeto material aplicação diversa da que lhe foi determinada, em benefício próprio ou de outrem; (iii) já no peculato-furto, o funcionário público não tem a posse do objeto material e o subtrai, ou concorre para que outro o subtraia, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário. (5)  
 

Consuma-se o delito com a efetiva apropriação, desvio ou subtração do objeto material. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal assim manifestou-se: “O crime de peculato se consuma no momento em que o funcionário se apropria do dinheiro, valor ou bem móvel de que tem a posse em razão do cargo e desvia em proveito próprio ou de terceiro” (RT 533/466). No mesmo diapasão: Superior Tribunal de Justiça, em RT 792/578 e EJSTJ 30/259, JTACRIM 67/519. Admite-se também a “tentativa” em tal delito.             

Ademais, o autor do delito necessita agir com “dolo”, nas sobreditas modalidades, o qual consiste na vontade livre e consciente de apropriar-se, desviar, subtrair ou concorrer para a subtração, visando sempre proveito próprio ou alheio. 

Do outro lado, a forma culposa do peculato também é prevista pelo Código Penal, mais especificamente no § 2.º, do seu artigo 312. Age culposamente, o funcionário público que, por negligência, imprudência ou imperícia, permite que haja apropriação ou desvio, subtração ou concurso para esta. (6) Esse também é o entendimento jurisprudencial (TJSP, RT 350/187, 488/312). 

Alia-se ao tipo penal de “peculato” a continuidade delitiva prevista no artigo 71 do mesmo diploma legal repressor – matéria essa atinente à aplicação da pena –, uma vez que cada cartão corporativo efetuou diversos saques em dinheiro, assim como adquiriram inúmeros produtos e serviços, aparentemente, para satisfação de interesse particular ou necessidade pessoal de determinados servidores públicos. 

A continuidade do delito de peculato ocorre quando “o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços”. Este é o texto do artigo 71, do CP.  

Em outros termos, no caso dos cartões corporativos, o crime de peculato continuado poderia ocorrer, ou está ocorrendo, caso os servidores estivessem se apropriado do dinheiro sacado e/ou dos serviços e produtos adquiridos com tais cartões, em mais de uma ação.  Por exemplo, se determinado funcionário público efetua saques de R$ 500,00, em horas ou dias seguidos, ou alternados, apropriando-se destes valores, intencionalmente, estará praticando peculato em continuação ou vários peculatos; pelo que ele responderá por um só delito dessa espécie, tendo, contudo, um aumento de pena de um sexto a dois terços, caso seja condenado. 
 

A sanção penal prevista para o delito de peculato, na foram dolosa, é dois a doze anos de reclusão (artigo 312, do CP), e multa, acrescida do aumento de pena (artigo 71, caput, do CP) mencionado no parágrafo anterior; ao passo que para a forma culposa do mesmo crime, o Código Penal prevê pena de três meses a um ano de detenção. 

O Supremo Tribunal Federal, por seu turno, tem se manifestado, em diversos casos, pela admissibilidade do delito de peculato continuado. Note-se: “O peculato é crime que admite a continuidade delitiva” (RT 546/450, RTJ 97/1294). Na mesma linha, são os entendimentos do Superior Tribunal de Justiça (EJSTJ 27/126) e do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (RT 625/271, rjtjsp 18/397 e 22/479). Desta forma, resta pacificada a questão em referência pela jurisprudência. 

Vejamos outra circunstância relevante. Se o funcionário público acusado de apropriação ou desvio de dinheiro ou outro bem móvel, para evitar processo judicial ou administrativo, ou assédio da mídia, resolve devolver a quantia ou bem da qual se apropriou ou desviou não desfaz a conduta delituosa ou lhe diminui a pena, nem mesmo se ele restituir aos cofres públicos, com correção monetária e juro, antes do recebimento de eventual denúncia ofertada pelo Ministério Público.   

A nossa Suprema Corte, assim também tem entendido: “O ressarcimento do dano não extingue a punibilidade do peculato doloso. O que importa nesse crime não é só a lesão patrimonial, mas, igualmente, a desmoralização a que fica exposta a Administração Pública” (STF, RT 510/451). Note-se ainda: “A só devolução da soma apropriada não exclui o tipo subjetivo do delito (o dolo). A caracterização do peculato doloso não reclama lucro efetivo por parte do agente” (STF, RT 605/309).      

Já o Superior Tribunal de Justiça não destoa desta posição suprema: “No peculato, a restituição do valor desviado não importa, por si só, no afastamento do ‘animus rem sibi habendi’ (a intenção de possuir a coisa como própria), até porque para a caracterização do tipo penal do artigo 312 é irrelevante a efetiva obtenção da vantagem ilícita” (EJSTJ 37/307).  

Nesse contexto, também não se pode desprezar a figura penal do peculato mediante erro de outrem, prevista no artigo 313, do Código Penal, também denominada pela doutrina de “peculato-estelionato”. Aqui, a conduta do funcionário público consiste em apropriar-se – apossar-se – de dinheiro ou qualquer outra utilidade que, no exercício do cargo, recebeu por erro de outrem. A pena para este delito é de um a quatro anos de reclusão, e multa.  

03. Conclusão. 

O rol de compras inúteis, supostamente para o fim social do Estado, que, na realidade, nada dizem respeito ao dono do poder, o povo (artigo 1.º, parágrafo único, da CF), é de estarrecer o mais simples dos mortais. Faz com que sintamos vergonha de sermos honestos, parafraseando Rui Babosa: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”. 

Sob a nossa simplória ótica, a “farra” dos governos com os cartões corporativos não é apenas uma questão correcional que deve ser pautada pela Administração Pública. Muito pelo contrário. Esse escândalo necessita, urgentemente, de ser investigado pela Polícia, pois, pelo os elementos notórios ou conhecidos por meio de maciça divulgação da mídia, há fortes indícios da existência do delito de peculato (apropriação, desvio ou subtração), sobretudo do peculato continuado. 

Os portadores dos mencionados cartões, milhares de servidores públicos, cujos quais apresentaram algumas irregularidades, inclusive àquelas extraídas do portal da Transparência Brasil, (7) devem ser indiciados (investigados) em inquérito policial, bem como ouvidos pela “futura” Comissão Parlamentar Mista de Inquérito.  

De igual forma, o Ministério Público, que se diz dono da virtude de ser o “defensor da sociedade”, deveria, no mínimo, instaurar inquéritos civis – a teor do que dispõe o artigo 129, inciso III, da CF – para também colher mais elementos de provas, tudo no intuito de ajuizar as respectivas ações civis públicas e de improbidade administrativas para restituir ao erário o que dele foi, supostamente, apropriado, desviado ou subtraído por aqueles servidores que usaram irregularmente os Cartões de Pagamentos dos respectivos Governos. 

Tratar mais essa questão, de aparente “corrupção corporativa”, em tese, que envolvem partidos políticos e governos de vários níveis, somente no âmbito administrativo, é, no mínimo, prevaricar. (8) Ou, ainda, reforçar a máxima de que “governo não investiga governo, só os que não estão no governo”. 
 

Nos “governos corporativos”, todas as pessoas têm o seu “cartão”, desde que elas estejam alinhadas politicamente com o sistema. A maioria, esmagadora, possui um limite de saque pífio. A minoria, privilegiada e invejada, não tem limites.

Com efeito, parodiando Caetano Veloso, (9) “alguma coisa está mesmo fora da ordem nacional”. E fica, então, no ar uma pergunta que não quer calar: como investigar o “escândalo dos cartões corporativos”, se os altos saques em dinheiro, com os mesmos cartões, efetuados pelos membros do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos órgãos correcionais e policiais estão sendo criticados e podem, também, serem alvos das investigações? (10)   

Finalmente, o peculato continuado (em tese), tipificação penal mais adequada ao caso em testilha, parece que não cessará. 

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Edson Pereira Belo da Silva, advogado, professor de processo penal, autor de obras jurídicas, pós-graduado em direito, Coordenador do Núcleo Guarulhos da Escola Superior de Advocacia, membro da Comissão de Prerrogativas da OAB/SP, articulista, conferencista e palestrante (edson@edsonbelo.adv.br). 


Salve o vizinho

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*João Baptista Herkenhoff                                            

Nos meus tempos de criança, em Cachoeiro de Itapemirim, todos éramos vizinhos: vizinhos de mais perto ou vizinhos de mais longe, mas todos afinal vizinhos. Vizinhança, mais que um conceito espacial, era então um conceito afetivo.

Nas cidades do interior, este sentimento de estarem próximos uns dos outros perdura até hoje.

A cidade grande afasta as pessoas. O atropelo da vida, os compromissos, o medo são fatores que dificultam a convivência.

Nos edifícios da cidade grande, os vizinhos às vezes nem sabem o nome uns dos outros: conhecem alguns convizinhos, mas não conhecem todos, como seria desejável.

Fui a recente reunião de condomínio, no edifício onde moro, na Praia da Costa (Vila Velha, ES) com uma idéia na cabeça. Quis logo ver a pauta – condomínio que se preza sempre tem a pauta das reuniões. Fiquei a conjeturar em qual daqueles itens caberia minha intervenção: prestação de contas, rateio de uma despesa extra, melhoria em áreas comuns, em nada disso se encaixava o que eu tinha a dizer. Então vejo, no final da pauta, o item salvador, onde tudo cabe: assuntos gerais. Espero com ansiedade o desenrolar dos trabalhos e quando a digníssima senhora síndica anuncia os “assuntos gerais”, peço a palavra. Proponho então cordialmente ao grupo que precisávamos fortalecer os laços de vizinhança. Em abono de minha tese, começo lendo a crônica “Recado ao Senhor 903” , do inigualável Rubem Braga:

         “Vizinho – Quem fala aqui é o vizinho do 1003. Recebi, outro dia, consternado, a visita do zelador, que me mostrou a carta em que o senhor reclamava do barulho em meu apartamento. Quem trabalha o dia inteiro tem direito ao repouso noturno e é impossível repousar no 903 quando há vozes, passos e músicas no 1003. Peço-lhe desculpas, prometo silêncio… mas que me seja permitido sonhar com outra vida e outro mundo, em que um homem batesse à porta de outro e dissesse: ´Vizinho, são 3 horas da manhã e ouvi música em tua casa. Aqui estou.´ E o outro respondesse: ´Entra, vizinho e come do meu pão e bebe do meu vinho!”

 Não obstante a veemência com que defendi a tese da “vizinhança amiga”, lembrei-me de uma lição que aprendi do Professor Aylton Rocha Bermudes quando fui seu aluno no ginásio. Ele me ensinou que, na argumentação, o gesto tem mais força que a palavra. Tirei então do bolso um comprimido de Isordil e disse: na iminência de um ataque cardíaco, posso precisar de um comprimido como este debaixo da língua. Nessas circunstâncias, qualquer dos vizinhos pode salvar minha vida. Em tom de blague, o vizinho e desembargador Jorge Góes pôs em dúvida se, por engano, eu não tirara do bolso, em vez do Isordil, um outro comprimido, aludindo com malícia poética a outro comprimido a que minha idade faz jus.

Através deste texto a idéia salta dos limites do meu condomínio para conhecimento geral. Fica então o apelo a todos os moradores de todos os condomínios: é preciso humanizar a vida na cidade. Salve o vizinho.

 

REFERÊNCIA  BIOGRÁFICA 

João Baptista Herkenhoff é Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo – professor do Mestrado em Direito, e escritor. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br

 


Compromisso histórico da advocacia…

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Elias Mattar Assad

Tendo em conta manifestação trazida a público pela Associação dos Delegados de Polícia Federal em que essa entidade teceu considerações inadequadas a propósito do pronunciamento do insigne advogado e ex-presidente do Conselho Federal da OAB Dr. José Roberto Batochio, enquanto defensor constituído do ex-ministro Antonio Palocci Filho, sobre a condução das investigações e do inquérito policial que versaram sobre a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa, ora em tramitação perante o STF, senti-me no dever de, com veemência e publicamente, repelir o conteúdo daquele pronunciamento da referida entidade subscrevendo nota oficial da Abrac.

A nota realçou que é intocável direito do advogado constituído debater a causa que patrocina, em qualquer de seus aspectos, sempre respeitando o sigilo eventualmente decretado nos autos, posto que constitui um dos polos formais da inafastável dialética processual penal, sem a qual não há devido processo legal assegurado na Constituição da República.

Nessas condições, é lícito (e do processo democrático) ao patrono de quem sofre a persecução penal – em qualquer de suas fases – replicar as acusações assestadas contra seu constituinte, questionar, criticar, fazer reparos ao que entender constituir irregularidade ou desvio na condução das investigações e denunciar parcialidades ou perseguições.

Esse tem sido o compromisso histórico dos profissionais da advocacia penal, a quem está afeta a defesa da liberdade individual e, de um modo geral a saga histórica e libertária dos advogados brasileiros: abolicionistas na escravidão, democratas nas tiranias, resistentes no arbítrio e jamais colaboracionistas nos regimes de força em que não se respeita os fundamentais direitos e a dignidade da pessoa humana.

É público o fato de que o sigilo bancário de Francenildo dos Santos Costa foi quebrado no momento em que se achava ele nas dependências da Polícia Federal em Brasília, ocasião em que revelou sua condição (até então ignorada por todos) de correntista da Caixa Econômica Federal e exibiu o cartão eletrônico relativo à sua conta à Autoridade que o inquiria: trinta minutos depois, era impresso o primeiro extrato bancário dessa mesma conta corrente. Natural, pois, que o advogado pretenda ver tal circunstância dilucidada, sem que isto constitua agravo a que quer que seja, mas tão somente legítimo direito e inafastável dever de quem patrocina a defesa de uma causa. Na presidência da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas não posso concordar com manifestações e pruridos autoritários dos que não admitem opiniões divergentes e não aceitam ver seus atos crivados por quem quer que seja. Lutamos pelo Brasil que a Constituição de 1988 prometeu! O dia em que a advocacia brasileira romper com seus compromissos estarão desgraçadas todas as instituições…


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

 

Elias Mattar Assad: é presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas  –  eliasmattarassad@yahoo.com.br

Da ineficácia da Nova Lei Antidrogas

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* Augusto Rodrigues Leite   

Após realizar uma profunda análise sobre a Lei número 11.343, publicada em 24 de agosto de 2006, e sobre suas prováveis conseqüências na sociedade brasileira – prováveis porque a lei é relativamente recente e os resultados mostrar-se-ão mais contundentes e desesperadores em tempos futuros – pode-se concluir que ela apresenta em seu bojo um conteúdo ineficaz no combate ao tráfico e ao consumo em geral de drogas ilícitas no Brasil por uma série de motivos, sendo alguns deles objeto de discussão no presente trabalho.

A Lei nº 11.343/06, também conhecida como Nova Lei Antidrogas visou pôr fim ao tráfico e ao consumo de drogas no âmbito nacional, não sendo, porém, eficaz quanto ao seu objetivo. Um dos principais, se não o principal motivo da ineficácia, decorre do fato de o crime de porte de drogas para consumo próprio, tipificado no artigo 28 da referida lei, ter passado a prever como sanção penal as penas de advertência sobre os efeitos das drogas, de prestação de serviços à comunidade e, ainda, de aplicação de uma medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Ocorre que, tais penas, além de diminuírem a carga punitiva do crime de porte para uso próprio, tendo em vista que a revogada Lei nº 6.368 de 1976 previa para a mesma conduta uma pena privativa de liberdade – detenção de seis meses a dois anos, nos termos do seu artigo 16 – retiram o seu caráter coercitivo, presente até então com a vigência da lei anterior que tutelava a matéria. Essas novas penas a serem impostas ao indivíduo não intimidam o cidadão a não consumir drogas, causando descrédito perante a sociedade, fazendo com que ele não mais tema as eventuais sanções penais a serem impostas contra ele, caso queira valer-se das drogas para consumo pessoal.

Inobstante, no caso de descumprimento das medidas de prestação de serviços à comunidade e de comparecimento a programa ou curso educativo, duas das três penas a serem aplicadas ao sujeito ativo do crime tipificado no artigo 28 da lei em análise, estão previstas como sanções a admoestação verbal e a multa, duas soluções absolutamente ineficazes, assim como as penas acima analisadas, visto serem todas elas desacompanhadas da privação da liberdade do infrator penal.

Insta salientar que não foi somente a extinção da pena privativa de liberdade aos sujeitos surpreendidos na posse de drogas para consumo pessoal a caracterizadora da ineficácia da Nova Lei Antidrogas.

A Lei nº 6.368/76, em seu artigo 12, punia o traficante de drogas com a pena de 3 (três) a 15 (quinze) anos de reclusão. Com o advento da nova lei, entretanto, a conduta criminosa passou a ter pena mínima de 5 (cinco) anos, conforme se depreende da leitura do artigo abaixo transcrito:

Art. 33.  Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

§ 1o  Nas mesmas penas incorre quem:

I – importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;

II – semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;

III – utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.

[…]

§ 4o  Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. 

Em princípio, poderíamos considerar que houve uma evolução no combate ao tráfico de drogas, devido ao fato de ter havido um aumento de rigor na penalização do traficante de drogas, vez que, conforme anteriormente exposto, a pena mínima de reclusão para quem cometer uma ou mais das 18 condutas elencadas no artigo 33 passou de 3 (três) para 5 (cinco) anos, além de o pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa, ter sido alterado para o montante de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

Todavia, embora possa parecer que o legislador tenha sido mais rigoroso com o transgressor da norma ao elevar a pena mínima do crime, o § 4º do artigo supramencionado dispõe que nos delitos definidos no caput e no § 1º do artigo 33, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, sendo vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

Ora, na prática será muito difícil comprovar que o acusado de cometer o crime de tráfico de drogas se dedica às atividades criminosas ou que integra organização criminosa, acarretando, desta forma, em qualificá-lo como incurso no crime descrito no § 4º do artigo 33, abrandando-se, portanto, a sua pena a ser cumprida.

Por todos os motivos até aqui explicitados, percebe-se que a Nova Lei Antidrogas está fadada ao insucesso e a uma futura revogação, visto que as eventuais penas a serem impostas aos traficantes e usuários de drogas não são dotadas de poder coercitivo, fragilizando, assim, a norma penal.

O que, provavelmente, poderá acontecer com a vigência da nova lei é um número crescente de usuários e dependentes de drogas, pois a extinção da pena privativa de liberdade desinibirá o consumidor/usuário a se envolver com elas, passando ele a usufruir da fraqueza da nova pena prevista para o seu crime, e, por conseguinte, tenderá a se tornar dependente destas substâncias ilícitas.

Isto porque a facilidade no acesso às drogas trará um maior contato com elas, tornando inevitável o vício, ocasionando, desta maneira, o crescimento no número de dependentes, além, de, conseqüentemente, pessoas debilitadas física e mentalmente em razão do uso das tais substâncias.

Os “clientes” dos traficantes são os usuários e os dependentes de drogas. Aumentando-se o número de usuários e de dependentes, presume-se que haverá um também aumento no número de traficantes, visto haver uma crescente demanda pelas drogas, alimentando com isso o tráfico, que, crescerá à medida que cresce o número de usuários, isto tudo em razão de o traficante, que tem no usuário o seu principal “contribuinte”, encontrá-lo-á, agora, um pouco menos temeroso em adquirir drogas para o seu consumo.

Ora, os sujeitos envolvidos nos crimes relacionados às drogas não podem ser beneficiados, porquanto ser de conhecimento de todos o fato de elas serem a causa de boa parte da violência que aterroriza a sociedade brasileira no século XXI, bem como a matriz de diversos problemas de saúde e de transtornos psicológicos que afligem milhões de pessoas no mundo todo.

É amplamente sabido que uma relevante parcela dos crimes cometidos no mundo, principalmente os cometidos contra o patrimônio, como furto e roubo, são praticados com o intuito de o agente obter alguma vantagem pecuniária para, posteriormente, adquirir drogas para alimentar seu vício. Assim, permanecendo a Lei nº 11.343 em vigor, restará caracterizado um considerável aumento não só da violência, como de outros problemas sociais.

Em um futuro não tão distante, a Lei nº 11.343/06, que representa um retrocesso na política criminal atual, deverá ser vista com indignação por parcela considerável da sociedade, e, diante do insucesso de sua aplicação, tendo em vista que não reprimirá satisfatoriamente as condutas incriminadas, deverá ser reformada pelo legislador, voltando-se a punir com detenção ou, quiçá, com reclusão os usuários envolvidos na circulação de drogas no Brasil, bem como punir com maiores penas e menores benefícios os que as traficam, findando, ou pelo menos tentando findar este grande mal que assola a população.

 

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

AUGUSTO RODRIGUES LEITE:  Estudante de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie – SP

E-mail:  augustorl@ig.com.br

A cidadania e a dignidade da pessoa humana na Constituição Brasileira

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*Clovis Brasil Pereira 

A Constituição  de 1988,  elaborada em clima de democratização,  deu especial atenção aos direitos fundamentais – direitos individuais, sociais e de solidariedade tendo como dois de seus fundamentos basilares, a cidadania e a dignidade da pessoa humana[1].

Em seu preâmbulo, o texto constitucional define,   de forma cristalina, seu comprometimento com a garantia de pressupostos mínimos para o pleno exercício da cidadania, em prol da dignidade humana. 

Diz o texto promulgado que: 

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundadas na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”. 

O texto constitucional  ampliou, em muito, os direitos fundamentais até então protegidos, e incluiu, entre eles, direitos que tradicionalmente são considerados de segunda e terceira geração, como os direitos políticos e sociais e de solidariedade, incluindo, neste rol, o direito a um meio ambiental equilibrado previsto no artigo 225, estabelecendo, na prática,  um novo regime jurídico para esses últimos direitos, ao assegurá-los como fundamentais.         

Outras inovações foram incluídas no texto constitucional, e  se constituíram em importantes instrumentos colocados à disposição dos cidadãos, no artigo 5º,  possibilitando e facilitando o exercício da cidadania, em sua plenitude, com destaque para:  o mandado de injunção (inc. LXXI), que é uma  ação constitucional de defesa do cidadão perante omissões normativas, pelo qual é possível se recorrer à justiça para exigir o cumprimento de disposições constitucionais ainda não regulamentadas; o hábeas data (inc. LXXII), instrumento que propicia a qualquer pessoa, o direito de  requerer a obtenção de informações ou solicitar a retificação dos dados nela constante, existentes em entidades de caráter público ou no próprio governo; a ação popular ambiental (inc. LXXIII), disponibilizada a qualquer cidadão  para anular ato lesivo ao meio ambiente; a assistência jurídica integral e gratuita (inc. LXXIV), aos que comprovarem insuficiência de recursos, como meio de assegurar o acesso à justiça. 

Outros direitos de primordial importância foram atribuídos  posteriormente, através de legislação especial, com a finalidade de ampliar os direitos fundamentais, e assegurar aos cidadãos maior efetividade aos  fundamento básicos da Constituição – cidadania e dignidade humana – com destaque para o Programa Nacional de Direitos Humanos; a Lei do Racismo; criação dos Juizados Especiais Cíveis no âmbito da Justiça Estadual e Federal (Leis 9.099/95 e 10259/01), para facilitar  o acesso à Justiça; o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03), dentre outras. 

É de ser salientado que grande parte da população desconhece seus direitos civis, sociais ou políticos, notadamente os primeiros, contribuindo para tal a deficiência no processo de educação no Brasil, pois ainda existe grande contingente de analfabetos, absolutos ou funcionais, estes, vítimas dos precários meios de educação colocados à disposição da população, notadamente nas regiões mais distantes dos grandes centros urbanos e nas regiões mais  pobres do país.  Assim, nas camadas sociais em que é menor a escolaridade, é maior o desconhecimento dos direitos e, como conseqüência,  mais tímido é o exercício da cidadania por essas pessoas.    Pesquisa feita pela ONU, e publicada por importante órgão de imprensa[2], revelou que mais de 50% da população dos países latino-americanos prefeririam, ao regime democrático, uma ditadura que fosse eficaz na resolução dos problemas econômicos.         

Apesar da amplitude dos direitos civis, sociais e políticos consagrados na Constituição Federal e na legislação especial, do estado de direito e da plenitude democrática das instituições no Brasil, no período pós-1988, é ainda precária a convivência da democracia, com o pleno exercício dos direitos fundamentais, políticos e sociais.     

Na referida pesquisa foram divulgados os seguintes dados estatísticos, em que a população pesquisada sobrepôs os problemas econômicos, e o alcance dos direitos sociais, ao pleno exercício dos direitos civis e políticos. 

Observe-se o resultado de tal pesquisa:   

58,1%: concordam que o presidente possa ir além das leis;

56,3%: crêem que o desenvolvimento econômico seja mais importante que a democracia;

54,7%: apoiariam um governo autoritário se resolvesse os problemas   econômicos;

43,9%: não crêem que a democracia solucione os problemas do país;

40,0%: crêem que possa haver democracia sem partidos;

38,25%: crêem que possa haver democracia sem Congresso Nacional;

37,2%: concordam que o presidente ponha ordem pela força;

37,2%:  concordam que o presidente controle os meios de comunicação;

36,0%: concordam que o presidente deixe de lado partidos  e congresso;

25,1%: não crêem que a democracia seja indispensável para o desenvolvimento.           

O resultado dessa pesquisa, publicada no ano de  2004, retrata a falta de conscientização da população dos países da América Latina, dentre eles, o Brasil, a respeito da ação política como instrumento do exercício da cidadania e da conquista de direitos, pois, em que pese a dolorosa experiência  de períodos de supressão de liberdades individuais e de direitos políticos que foram impingidos pelos diversos governos ditatoriais que se instalaram nos paises latino-americanos – Chile, Uruguai, Argentina, Bolívia, Costa Rica, Honduras, Guatemala dentre outros, assim mesmo, a população dos referidos paises ainda desacredita da ação política e democrática, como instrumento de  suporte ao desenvolvimento da cidadania. 

No Brasil, como nos demais países, ao que parece, a relação entre os direitos políticos – em sentido estrito e o exercício da cidadania, se processara de forma ambígua, de tal sorte que, na história do Brasil, não se pode afirmar que os momentos de maior exercício dos direitos civis e políticos, mormente o direito de voto, coincidiram com os de maior desenvolvimento da cidadania. 

A Constituição de 1988, é o instrumento mais moderno e abrangente, já feito ao longo da história do Brasil, sendo de  fundamental importância  a previsão dos direitos civis, políticos e sociais, contidos em seu texto.  Importantes também são as sucessivas regulamentações de direitos assegurados nos textos infraconstitucionais, posteriormente aprovados. 

 Essas disposições, no entanto, por si só, não bastam para o pleno exercício da cidadania. 

Para Tânia Regina de Luca:

“A garantia de direitos nos textos legislativos, ainda que essencial, não basta para torná-los efetivos na prática. As desigualdades sociais deitam raízes profundas na ordem social brasileira e manifestam-se na exclusão de amplos setores, que seguem submetidos a formas variadas de violência e alijados da Previdência Social, do acesso à justiça, moradia, educação, saúde.”[3] 

No tocante ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, para as presentes e futuras gerações, é um direito  constitucional assegurado no artigo 225, da Carta Magna, sendo sua defesa e preservação, mais do que um direito mas, sim, um dever de preservá-lo, tendo os cidadãos,  destinatários da norma constitucional, à sua disposição, o instrumento processual da Ação Popular Ambiental, como meio de consumação do dever imposto pelo Legislador Constituinte. 

Parece importante o manuseio da ação popular ambiental,  tendo como legitimados ativos todos os cidadãos, sempre que se fizer necessária a garantia do meio ambiente sadio e equilibrado. A ação popular ambiental, se constitui em importante passo, ao lado de outras ações individuais e coletivas, para o fortalecimento do conceito de cidadania, que deve ser fruto da participação e das conquistas originadas da ação política de seus agentes,  sob a égide do Estado de Direito e na plenitude do regime democrático. 

No Brasil, o quadro geral que se afigura exige ainda muitas ações no sentido de romper as estruturas que impedem a ascensão das camadas sociais mais desfavorecidas, sem o que será difícil de ser vivenciada e conquistada a cidadania plena. Esta, por sua vez, somente poderá ser alcançada, com o pleno exercício dos direitos civis, políticos e sociais assegurados no texto constitucional vigente.  


NOTAS

[1] Artigo 1º, inciso II-III.

[2] Jornal Folha de São Paulo, Caderno A, 21-04-2004, p. 14

[3] Op. cit., p. 488.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA 

CLOVIS BRASIL PEREIRA:  Advogado, com escritório na cidade de Guarulhos (SP); Especialista em Processo Civil; Licenciado em Estudos Sociais, História e Geografia. É Mestre em Direito,  Professor Universitário, lecionando atualmente as disciplinas Direito Processual Civil e Prática Jurídica Civil nas Faculdades Integradas de Itapetininga (SP) e Unicastelo, São Paulo (SP);  ministra cursos na ESA- Escola Superior da Advocacia, no Estado de São Paulo,  Cursos Práticos de Atualização Profissional e  Palestras sobre temas atuais; é membro da Comissão do Advogado-Professor da OAB-SP; membro da Comissão de Ensino Jurídico da OAB-Guarulhos; é colaborador com artigos publicados nos vários sites e revistas jurídicas. É coordenador e editor dos sites jurídicos www.prolegis.com.br e www.revistaprolegis.com.br. 

Contato:   prof.clovis@54.70.182.189

Texto extraída da Dissertação de Mestrado do Autor , “A LEGITIMIDADE ATIVA NA AÇÃO POPULAR  AMBIENTAL”, defendida em agosto de 2006, na UNIMES – Universidade Metropolitana de Santos, perante a Banca Examinadora presidida pelo Professor Doutor  Celso Antonio Pacheco Fiorillo.

DANO MORALTST nega indenização por atraso em salário

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DECISÃO:  *TST  –  A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho reformou sentença em que uma empresa do Paraná havia sido condenada ao pagamento de indenização por dano moral, em função de atrasos habituais no pagamento de salário. A condenação foi reconhecida em ação movida por um ex-empregado contra a Usina Central do Paraná S/A. Inconformada, a empresa apelou ao TST, mediante recurso de revista, questionando esse e outros direitos, como horas extras e não-extinção do contrato de trabalho em função da aposentadoria espontânea.  

A decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR) considerou que, embora não tenha sido comprovado prejuízo material, o atraso reiterado no pagamento do salário fora do prazo legal, durante vários anos, submeteu o empregado a momentos de insegurança e preocupação social e familiar. O constrangimento gerado poderia abalar sua honra e sua imagem, o que seria suficiente para impor a condenação da empresa por dano moral, fixado em R$ 15 mil.

Em seu recurso, a empresa sustentou a tese de que, além de não ter sido comprovado o prejuízo material, não se verificou relação direta entre o atraso no pagamento de salários e o alegado dano à imagem e à honra do trabalhador. Também alegou que o mero atraso, não se confundindo com inadimplência, não poderia ser visto como fator de culpa por transtornos decorrentes do não-pagamento de contas pelo trabalhador.

O relator do processo, ministro Ives Gandra Martins Filho, manifestou-se pela reforma da decisão, nessa questão. Para fundamentar seu voto, o ministro iniciou tecendo considerações conceituais sobre o assunto e destacou que, além do necessário enquadramento como dano moral, só se pode aplicar a penalidade mediante a comprovação do nexo causal entre a conduta do empregador e o dano sofrido pelo empregado. Para o relator, a decisão do Regional sobre a alegada lesão à intimidade e à vida privada baseou-se em presunção, sem que houvesse prova de como e quanto a vida do trabalhador foi afetada pelos atrasos.

Ives Gandra assegura que, sob o prisma da imagem e da honra, não há como enquadrar o caso concreto como gerador do direito à indenização por dano moral, uma vez que não foi demonstrado nem invocado o constrangimento perante terceiros como decorrência de eventual dificuldade financeira provocada pelo atraso no recebimento dos salários. Com a decisão da Sétima Turma, por unanimidade, a empresa foi eximida da condenação ao pagamento de indenização por dano moral. (RR 309/2004-669-09-00.2) 


 

FONTE:  TST, 12 de março de 2008.

PENSÃO ALIMENTÍCIAVerba alimentar de crianças deve ser mantida

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DECISÃO: * TJ-MT  –   Não se mostra razoável a redução da verba alimentar declarada pelo próprio pai sem que haja qualquer embasamento com relação à capacidade de custeio, sob pena de acarretar possíveis prejuízos a uma condição de subsistência costumeiramente estabelecida em prol das alimentandas (menores). Com esse entendimento, a Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso manteve sentença de Primeira Instância que negou a um pai a redução do pagamento da verba alimentícia em quantia menor do que a depositada, no valor de R$ 2 mil. 

No recurso, o agravante aduziu que o valor atribuído pelo magistrado em Primeira Instância representa cerca de 40% de seu salário líquido, estando além de sua capacidade, levando em consideração as despesas mensais para a própria subsistência. Argumentou ainda que a mãe das crianças encontra-se em excelente condição, empregada em cargo de gerência de hotel em Cuiabá. Sustentou dano irreparável decorrente da impossibilidade de arcar com o pagamento da pensão sem prejuízo do próprio sustento e requereu que a verba alimentar fosse reduzida para 20% de seu salário líquido.

Contudo, segundo o relator do recurso, juiz Sebastião Barbosa Farias, nada nos autos faz crer que o patrimônio líquido do alimentante (pai) tenha sofrido abalo. Ele destacou ainda que informações contidas nos autos revelam inclusive que ele possui uma segunda fonte de renda, como sócio de uma empresa, "informação que contradiz a suposta impossibilidade de arcar com os valores costumeiramente fornecidos às alimentandas", observou o relator. O magistrado explicou que nem a excelente qualificação profissional da ex-companheira pode, com segurança, servir como fator de redução do montante necessário à sua subsistência. Isso porque a informação trazida em juízo é que ela recebe atualmente pouco mais de R$ 1 mil.

Participaram do julgamento os desembargadores Benedito Pereira do Nascimento (1º vogal) e José Silvério Gomes (2º vogal).

 

FONTE:  TJ-MT, 13 de março de 2008.

 


OFENSA AO DIREITO À EDUCAÇÃORetenção de diploma por inadimplência configura ato ilegal

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DECISÃO: * TJ-MT É ilegal a retenção de diploma de conclusão de curso ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplência, o que caracteriza ofensa ao direito líquido e certo do estudante à educação, assegurado constitucionalmente a todos. Esse foi o entendimento da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça que negou provimento ao recurso impetrado pela União das Faculdades de Tangará da Serra (Unitas) e ratificou sentença que determinou a colação de grau e emissão dos diplomas dos alunos inadimplentes, sem nenhuma exigência complementar.

A decisão, proferida no reexame necessário de sentença cumulado com recurso de apelação cível número 84101/2007, foi unânime. Segundo consta nos autos, os alunos informaram que a diretora da Unitas teria condicionado a colação de grau e a emissão de diploma dos alunos ao pagamento de taxas. A faculdade informou que a cobrança de taxas estava prevista no contrato e que as mensalidades pagas não cobrem as despesas com a colação de grau e a taxa de registro de diploma.

Contudo, de acordo com o relator do recurso, desembargador Márcio Vidal, a expedição da primeira via de diploma das instituições de ensino superior está compreendida no valor da anuidade escolar paga pelo aluno, conforme estabelece o parágrafo 1.º do artigo 2.º da Resolução n.º 1/83 do Conselho Federal de Educação. "Sendo assim, o condicionamento da expedição de diploma, ou mesmo a colação de grau, ao pagamento de taxa, estipulada pela instituição de ensino superior, caracteriza ato ilegal e arbitrário", afirmou o magistrado.

Ele explicou que a Lei número 9.870/99, que dispõe sobre o valor total das anuidades escolares e dá outras providências, é clara ao proibir a retenção de documentos escolares em razão de inadimplência, em evidente afronta ao direito líquido e certo dos estudantes. "É vedado à instituição de ensino escusar-se da expedição de diploma sob o argumento de falta de pagamento de taxa, o que se aplica também ao impedimento de participação em colação de grau, que, como se sabe, é a solenidade formal em que é entregue ao acadêmico o diploma de conclusão de curso".

Também participaram do julgamento o juiz Sebastião Barbosa Farias (revisor) e o desembargador Benedito Pereira do Nascimento (vogal).

 


 

FONTE:  TJ-MT, 13 de março de 2008.