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Subordinação estrutural, terceirização e responsabilidade no Direito do Trabalho

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* Rinaldo Guedes Rapassi

O celebrado Ministro MAURÍCIO GODINHO DELGADO [01], com vistas à efetividade do Direito do Trabalho, bem como à ampliação de sua base de incidência, propõe uma nova e interessante abordagem teórica do conceito de subordinação jurídica [02], indispensável à configuração da relação de emprego e, pois, de fundamental interesse para o Direito do Trabalho. Antes desse enfoque, porém, convém recordar a definição clássica desse elemento fático-jurídico e o contexto histórico em que se formou.

A subordinação jurídica pode ser descrita como a situação em que o empregado tem limitada a sua autonomia de vontade por força do contrato de emprego, transferindo ao empregador o poder de direção sobre a atividade a desempenhar [03]. Expressa-se pela intensidade de ordens fundada no poder diretivo, de um lado, e pela dependência hierárquica quanto ao modo de prestar serviço, de outro.

Essa conformação foi construída no contexto do início do século XX, da produção taylorista [04], aperfeiçoada por HENRY FORD (como com a introdução da esteira de montagem, passando a melhor dominar o tempo de execução das tarefas), fortemente hierarquizada e segmentada no âmbito de uma mesma empresa.

Sucede que, no início dos anos 1970, intensificou-se a crise do fordismo, que já nascera em decorrência: a) do desenvolvimento da organização sindical e da legislação trabalhista (gerando crise de oferta), e b) da internacionalização crescente da atividade econômica (globalização), inclusive do monetarismo (gerando crise de demanda).

Em razão dessas dificuldades de acumulação de capital e fruto de estratégias neoliberais, criou-se um novo paradigma econômico, intensivo em capital, tecnologia (com ênfase na microeletrônica e nas telecomunicações), informações e conhecimento, caracterizador da terceira revolução industrial. Permitiu-se, assim, o aparecimento do sistema toyotista, pensado por TAIICHI OHNO [05] (por isso também conhecido como sistema ohnista), que implementou novas técnicas de administração, principalmente o "downsizing": o salário individualizado (por produtividade), a diminuição com controle do estoque ("kan-ban") e a produção em tempo real ("just-in-time"); com isso, eliminou-se o excesso de equipamentos, a área útil empenhada nas atividades e o número de empregados necessários para a mesma produção, mantendo-se apenas os trabalhadores multifuncionais, qualificados e adaptáveis às mudanças. Outro aspecto desse sistema é o "outsourcing", que aposta nas deslocalizações de unidades produtivas, de país em país, em busca de força de trabalho mais barata possível, e, geralmente, com maiores debilidades organizativas ao nível sindical e sem grande passado de luta reivindicativa ("dumping" social). Por fim, a terceirização (mais conhecida no exterior como subcontratação ou externalização), que é definida pela atribuição de serviços e produção de bens a pequenas e médias empresas, situadas na periferia da economia capitalista internacional, em lugar da utilização de fábricas próprias das transnacionais.

A nova corrente, preocupando-se (louvadamente, portanto) com esse moderno sistema de gestão refratário ao direito trabalhista original, desatualizado, cogita de uma concepção estruturalista da subordinação, com o objetivo de incluir no conceito de empregado todo o trabalhador inserido na "dinâmica do tomador de seus serviços", vale dizer, no âmbito de repercussão das decisões da empresa principal, ainda que apenas para ‘colaborar’ indiretamente (mas de forma dependente e habitual). Visa a integrar aqueles que passaram a estar desprotegidos no também denominado sistema de acumulação flexível.

Inegavelmente, a nova corrente supera as dificuldades de enquadramento de situações fáticas que a visão clássica não alcança – daí o seu merecido destaque. Por outro lado, por ora não parece estar suficientemente desenvolvida a ponto de explicitar solução quanto a outros aspectos, reflexos.

Realmente, ao tornar dispensável o caráter direto da ordem do empregador, que passa a ser visto como comandante da produção como um todo e contratualmente vinculado a todos aqueles estruturalmente subordinados, transbordando a pessoa jurídica formal, afasta-se do entendimento até então pacificado na jurisprudência acerca da terceirização lícita, consubstanciado na Súmula nº 331, III, do TST, segundo o qual não se forma vínculo de emprego direto com o tomador de serviços em atividade-meio nem em caso de trabalho temporário (hipótese de intermediação de mão-de-obra em atividade-fim – Lei nº 6.019/74 e Súmula nº 331, I, do TST).

A dispensa da subordinação direta e da licitude da terceirização, nessa caracterização da subordinação estrutural, traz, por conseqüência, na solução de causas submetidas à Justiça do Trabalho ("leading case" do TRT da 3ª Região: processo nº RO-00059-2007-011-03-00-0, Rel. Juiz Convocado JOSÉ EDUARDO DE RESENDE CHAVES JÚNIOR [06]), novas situações ainda não inteiramente resolvidas pela mais vanguardista doutrina, como ilustrativamente se pode listar: i) a não-caracterização de litisconsórcio passivo necessário em relação à empresa interposta (com a qual ordinariamente se examina o pedido de declaração de nulidade do vínculo para, somente em seguida, declarar o vínculo com a tomadora), com conseqüente coexistência de dois vínculos de emprego simultâneos relativos ao mesmo desforço obreiro; ii) a viabilidade de equiparação salarial irrestrita no emprego privado (tanto em relação à empresa interposta quanto, alternativamente, à escolha do empregado, com a tomadora – dependendo do pedido); iii) incerteza quanto ao enquadramento sindical; iv) a antinomia de normas regulamentares (novamente entre aquelas da empresa interposta e as da tomadora); v) a duplicidade de obrigação ao recolhimento da contribuição previdenciária, e direito a benefícios, diversificados (variando em razão da atividade de uma e de outra empregadora).

Por outro prisma, colateral, em homenagem à coerência, quanto à terceirização lícita pela administração pública [07], a aplicação dessa tese resultaria na drástica redução dos direitos sociais sedimentados na Constituição da República, na CLT e na legislação complementar, para minguados salário mínimo proporcional às horas trabalhadas e depósitos do FGTS (Súmula nº 363/TST e Lei 8.036/90, art. 19-A).

Em que pese a busca pelo aprofundamento dessa reflexão, é auspicioso constatar a manifestação doutrinária e jurisprudencial de nova ordem de reação, no Direito do Trabalho, aos fenômenos econômicos que estão a causar, invariavelmente, maior debilidade nas condições de trabalho, o que nos encoraja e convoca a também contribuir.

Da mesma maneira como o fordismo e o toyotismo no século passado, estamos vivenciando hoje quebra de paradigmas, com criatividade e rapidez inimagináveis, dada a influência da tecnologia digital nas relações socioeconômicas.

Ilustrativamente, uma dessas importantes mudanças é o fenômeno chamado de wiki-economia [08], economia wiki ou economia de colaboração em massa, baseada no trabalho coletivo independente e disseminado pela "Internet" [09], visando a atingir um mesmo objetivo, sobretudo no desenvolvimento de produtos e serviços.

A Procter & Gamble, por exemplo, busca 50% de suas idéias inovadoras fora dos muros da empresa – e além dos limites da "intranet" –, mediante um centro virtual que criou [10], em que pede e recebe a ajuda de pesquisadores, estudantes e químicos aposentados. É a forma que escolheu para acompanhar de perto o ritmo das inovações, contratando especialistas de pesquisa e desenvolvimento (P&D), sem que constem da folha de salários. Conseguiu reunir uma comunidade de 90 mil cientistas em todo o mundo. Caso a ajuda enviada seja útil, a empresa remunera o respectivo autor, encontrando soluções antes inacessíveis, e distribuindo milhões de dólares em pagamento ao autônomo trabalho por resultado [11] [12].

Evidenciado, portanto, o forte papel da colaboração entre empresas e entre empresas e pessoas naturais, inclusive de forma global, talvez a melhor solução jurídica para os problemas de responsabilidade trabalhista seja, nessa linha, o incremento da regulação legal de sua aplicação de forma subsidiária ou solidária [13].

Note-se que, já em 1990, atendendo à antevisão do legislador constitucional (vide arts. 5º, XXXII, da CR e 48 do ADCT) o Direito do Consumidor pátrio tomou a liderança qualitativa no cenário mundial (pioneiro na codificação da matéria – Lei nº 8.078) em face de inúmeros problemas gerados pela economia globalizada (que afetam também o Direito do Trabalho), em grande parte graças à obra competente de ADA PELLEGRINI GRINOVER (Coordenadora da Comissão que elaborou o anteprojeto do CDC, pelo Ministério da Justiça – DOU de 04/01/1989), JOSÉ GERALDO BRITO FILOMENO (Coordenador), DANIEL ROBERTO FINK, KAZUO WATANABE e ZELMO DENARI, bem assim de ANTÔNIO HERMAN DE VASCONCELLOS E BENJAMIN, ELIANA CACERES, MARCELO SODRÉ, MARIÂNGELA SARRUBBO, NELSON NERY JÚNIOR e RÉGIS RODRIGUES BONVICINO [14].

Em sua ótica científica, de proteção ao consumidor, lega bom exemplo das vantagens de detalhadamente legislar, impondo a solidariedade nos casos de má-qualidade no fornecimento de serviços (art. 20 do CDC), inclusive quanto ao preposto, seja ele pessoa física (incluindo representantes autônomos) ou jurídica (art. 34 do CDC). Mais claramente se nota a vantagem dessa sistemática diante das normas que pretendem alcançar toda a rede ou cadeia de empresas integrantes do ciclo de produção e distribuição de mercadorias, vale dizer, todos aqueles que desenvolvem as atividades descritas no art. 3º (vide arts. 12 e 25, §§). É um diploma riquíssimo em concertar, em um microssistema, normas de processo coletivo (art. 81), responsabilidade objetiva (art. 12, caput), responsabilidade solidária e subsidiária (art. 28, § 2º) e inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII), sem se valer da desconsideração da personalidade jurídica empresarial, senão de forma supletiva (art. 28, caput).

Observe-se que, no âmbito do Direito do Trabalho, a modernização na matéria tem cabido, apenas, à jurisprudência e à doutrina em torno dos polivalentes arts. 2º e 3º, 8º e 9º da CLT. Ilustrativamente, observe-se que, para o reconhecimento do que se convencionou denominar grupo econômico e para a subseqüente aplicação da responsabilidade solidária pelos débitos trabalhistas, a jurisprudência inclina-se no sentido de não ser necessário que entre as empresas haja controle de uma empresa-mãe (a chamada "holding"), bastando que se perceba uma relação de coordenação entre as empresas do grupo, ainda que sendo autônomas e não exista subordinação entre elas, haja vista que a finalidade do instituto é a garantia de solvabilidade dos créditos trabalhistas. Na esteira desse raciocínio, se pelas provas reunidas no processo trabalhista exsurgir claramente uma relação de coordenação entre as reclamadas, é possível declarar-se a existência de grupo econômico e deferir-se a responsabilidade solidária, no caso concreto, como forma de melhor atender ao princípio da proteção ao hipossuficiente econômico. Nesse contexto, abandona-se aqui a tese de que haveria um empregador único formado por todo o grupo (desconsiderando, assim, a personalidade jurídica da empresa, com diversas conseqüências indesejáveis, como, por exemplo, a do enquadramento sindical do empregado) e, pois, o de solidariedade ativa. A melhor inteligência da Súmula nº 129/TST, pois, para nós, é a de que há um só contrato: o formal; em que pese haver responsabilidade solidária passiva.

A República Federativa do Brasil tem como um de seus fundamentos o direito à propriedade dos bens e meios de produção (arts. 1º, IV, e 170, caput, II e III, da Constituição), o que revela que fez opção pelo sistema capitalista – temperado e equilibrado, por outro lado, pela primazia dos princípios da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho, que têm posição precedente, de destaque (art. 1º, III e IV, primeira parte, e 170, caput, primeira parte, da Constituição), bem como a limitação ao direito de propriedade, pelo critério de atendimento à sua função social (art. 170, III, da Constituição).

Diante disso, e do sobreprincípio da segurança jurídica (art. 5º, caput, CR), é que se conclui pela preferência por métodos que se valem da responsabilização solidária ou subsidiária das pessoas físicas e jurídicas envolvidas no processo de produção por colaboração, deixando a despersonalização jurídica para uma etapa secundária.

Nesse passo, a garantia de implantação desse sistema depende da eficiência de desempenho do papel interventivo do Estado, que atua por meio dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. No modelo trabalhista brasileiro de intervenção na economia, a legislação sistematizada (ou mesmo a codificação) poderia adicionar coerência, homogeneidade e clareza de que a autonomia científica se ressente, como considerável aliado para facilitar o exercício da interpretação das normas, seja por seus destinatários finais, seja pelos aplicadores estatais.

Nesse meio de tempo, o Poder Judiciário não se furta à aplicação dos princípios fundamentais diretamente às causas submetidas à sua apreciação e julgamento, de modo a acompanhar as rápidas transformações socioeconômicas.

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Notas

01 DELGADO, Maurício Godinho. Direitos fundamentais na relação de trabalho. São Paulo: Revista LTr, vol. 70, nº 6, junho/2006, p. 657-667.

02 Além da subordinação jurídica ao tomador dos serviços, a existência de relação de emprego é aferida da constatação dos demais elementos fático-jurídicos formais, sob os quais se assenta. Vale dizer que, para existir uma relação de emprego, é necessário existir trabalho prestado por pessoa física, que labore de modo pessoal e não-eventual, com onerosidade e alteridade, ou seja, por conta alheia (uma vez que o risco inerente à atividade empresarial é do empregador).

03 Vide, a respeito: DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 7ª ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 302. E, ainda: NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho, 14ª ed. São Paulo: LTr, 1989, p. 103.

04 O engenheiro estadunidense FREDERICK WINSLOW TAYLOR (1856-1915) desenvolveu modelo de administração baseado em princípios científicos cartesianos (simplificação, especialização, planejamento, treinamento, controle e execução), formando inclusive os contornos mais claros do que hoje identificamos com o conceito de poder diretivo do empregador.

05 TAIICHI OHNO (29/02/1912 a 28/05/1990) é considerado o maior responsável pela criação do Sistema Toyota de Produção. Nascido em Dairen, na China, formou-se em Engenharia Mecânica na Escola Técnica de Nagoya e entrou para a Toyota Spinning and Wearing em 1932 (a atividade têxtil era o principal ramo da família Toyota). Em 1943, foi transferido para a Toyota Motor Company; em 1954 tornou-se diretor; em 1964, diretor gerente; em 1970, diretor gerente sênior; e vice-presidente-executivo em 1975 (DALLA COSTA, Ricardo. Modelos produtivos industriais com ênfase no fordismo e toyotismo: o caso das montadoras paranaenses. in Revista Eletrônica da FEATI – Faculdade de Educação, Administração e Tecnologia de Ibaiti. Disponível em: <http://www.feati.com.br/revista/>. Acesso em 25/03/2008; e, ainda, <http://pt.wikipedia.org/wiki/Taiichi_ohno>. Acesso em 25/03/2008).

06 "TERCEIRIZAÇÃO E SUBORDINAÇÃO ESTRUTURAL – No exercício da função de instalador/emendador de cabos telefônicos, o autor exercia função perfeita e essencialmente inserida nas atividades empresariais da companhia telefônica (TELEMAR). E uma vez inserido nesse contexto essencial da atividade produtiva da empresa pós-industrial e flexível, não há mais necessidade de ordem direta do empregador, que passa a ordenar apenas a produção. Nesse ambiente pós-grande indústria, cabe ao trabalhador ali inserido habitualmente apenas "colaborar". A nova organização do trabalho, pelo sistema da acumulação flexível, imprime uma espécie de cooperação competitiva entre os trabalhadores que prescinde do sistema de hierarquia clássica. Em certa medida, desloca-se a concorrência do campo do capital, para introjetá-la no seio da esfera do trabalho, pois a própria equipe de trabalhadores se encarrega de cobrar, uns dos outros, o aumento da produtividade do grupo; processa-se uma espécie de sub-rogação horizontal do comando empregatício. A subordinação jurídica tradicional foi desenhada para a realidade da produção fordista e taylorista, fortemente hierarquizada e segmentada. Nela prevalecia o binômio ordem-subordinação. Já no sistema ohnista, de gestão flexível, prevalece o binômio colaboração-dependência, mais compatível com uma concepção estruturalista da subordinação. Nessa ordem de idéias, é irrelevante a discussão acerca da ilicitude ou não da terceirização, como também a respeito do disposto no art. 94, II da Lei 9.472/97, pois no contexto fático em que se examina o presente caso, ressume da prova a subordinação do reclamante-trabalhador ao empreendimento de telecomunicação, empreendimento esse que tem como beneficiário final do excedente do trabalho humano a companhia telefônica. Vale lembrar que na feliz e contemporânea conceituação da CLT – artigo 2º, caput – o empregador típico é a empresa e não um ente determinado dotado de personalidade jurídica. A relação de emprego exsurge da realidade econômica da empresa e do empreendimento, mas se aperfeiçoa em função da entidade final beneficiária das atividades empresariais." (DJ 03/08/2007). Dado provimento aos embargos de declaração para sanar contradição, ementando-se: "…O v. acórdão embargado concluiu assim, que a existência de empresa interposta não obsta a configuração da subordinação estrutural em relação à TELEMAR, e reconheceu, ao final, como de emprego, a relação jurídica de prestação de serviço que existiu entre o reclamante e a segunda reclamada – assegurando ao reclamante, pelas razões também já exaustivamente expostas no subitem 2.1 (fl. 571, parte final), os direitos assegurados pelos instrumentos coletivos aplicáveis aos empregados da TELEMAR (previstos nos instrumentos normativos firmados pela SINTTEL). Nesse sentido, é de dar provimento aos embargos, a fim de esclarecer que o acórdão não considerou ilícita a terceirização, senão concluiu pela subordinação estrutural do autor à TELEMAR. Dessa forma, fica sanada a contradição na parte dos fundamentos que fez breve referência a suposta ilicitude da terceirização." (DJ 22/08/2007)

07 A administração pública, no Brasil, já tem precarizado incontáveis relações de emprego não precedidas de aprovação em concurso público, pela prática de terceirização ilícita, de maneira corriqueira, considerável e, infelizmente, impune porque as ações de improbidade não têm se mostrado eficazes contra o agente público supostamente responsável. Constitui-se, por isso, em outro fator de grave preocupação, por também atentar contra o trabalho cumprido e remunerado no patamar mínimo existencial.

08 "Wiki" é um "software" ou página da internet que permite a produção entre pares, compartilhamento e interação em âmbito global. Daí "wikinomics", um neologismo utilizado pela primeira vez por DON TAPSCOTT e ANTHONY WILLIAMS, autores do livro Wikinomics: como a colaboração em massa pode mudar o seu negócio (São Paulo: Nova Fronteira, 2007). Um dos maiores exemplos da economia wiki é o Linux, que não tem um proprietário, mas se tornou fundamental para os produtos e serviços comercializados por empresas como IBM, Motorola, Nokia, Philips, Sony e várias outras. Suscita considerável aquecimento nos debates jurídicos acerca da aplicação das regras de propriedade intelectual aos programas de código aberto (ou "open source initiative"- OSI), o que teoricamente estimularia o desenvolvimento de novas tecnologias. Contudo, hoje, algumas empresas nem perdem tempo e dinheiro em patentear inventos, tão rápidas é a evolução tecnológica. Veja outras informações: <http://www.wikinomics.com/>.

09 por cuidar-se de tecnologia barata e fácil de usar (como a Wikipédia, o Orkut e o YouTube).

10 Página de colaboração da empresa: <https://secure3.verticali.net/pg-connection-portal/ctx/noauth/PortalHome.do>.

11 Fontes: <http://www.novafronteira.com.br/wikinomics/>, acesso em 25/03/2008; e VIEIRA, Eduardo. Aprenda com a Wikipédia. in Revista Época, Edição nº 457, 05/03/2007. São Paulo: Editora Globo S.A. <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG76410-6012,00.html>, acesso em 25/03/2008.

12 Veja também: <http://www.ibm.com/br/businesscenter/articles_etips/wikinomics.phtml>.

13 A solidariedade não se presume: decorre da lei ou da vontade das partes (art. 265 do Código Civil).

14 Os nomes foram sugeridos ao Ministro PAULO BROSSARD pelo então Presidente do Conselho de Defesa do Consumidor da mesma pasta, FLÁVIO FLORES DA CUNHA BIERRENBACH (Deputado Federal de 1983 a 1987 por São Paulo e atualmente Ministro do Eg. Superior Tribunal Militar).

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

RINALDO GUEDES RAPASSI:  Assessor de juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região. Ex-assessor de ministro do Tribunal Superior do Trabalho. Advogado licenciado. Autor do livro "Direito de greve de servidores públicos" (São Paulo: LTr, 2005).

 


Juizado especial e o § 1° do art. 475-J do CPC

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* Erick Linhares

Dispõe o § 1° do art. 475-J do CPC que: "Do auto de penhora e de avaliação será de imediato intimado o executado, na pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237), ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio, podendo oferecer impugnação".

Esta norma seria aplicável aos Juizados Especiais?

A resposta é negativa.

Primeiro, a Lei 9.099/95 se contenta com a mera intimação do devedor, ou seja, não exige a intimação de seu advogado.

Com efeito, no § 1° do art. 53 consta disposição expressa sobre o início da fluência do prazo para embargar a execução, segundo a qual: "efetuada e a penhora o devedor será intimado". E essa norma, que se refere à execução por título extrajudicial, também se aplica à execução de sentença, pois integra o sistema da Lei 9.099/95.

Segundo, nos Juizados não é cabível a impugnação como forma de defesa do executado, como definiu o Enunciado 104 do Fonaje. Por isso, ainda que fôssemos aplicar subsidiariamente a legislação processual comum, a norma a ser invocada não seria a do § 1° do referido art. 475-J, mas sim a do § 1° art. 652 do CPC que se contenta com a mera intimação do devedor. Confira-se:

§ 1° (art. 652). (…) procederá de imediato a penhora de bens e a sua avaliação, lavrando-se o respectivo auto e de tais atos intimando, na mesma oportunidade, o executado.

Desta forma, no sistema da Lei 9.099/95, basta a intimação do devedor para início da contagem do prazo para embargos, ainda que esse tenha advogado constituído nos autos.

Em razão disso foi editado o Enunciado 112:

A intimação da penhora e avaliação realizada na pessoa do executado dispensa a intimação do advogado. Sempre que possível o oficial de Justiça deve proceder a intimação do executado no mesmo momento da constrição judicial (art. 475, § 1° CPC)

E essa intimação, prevista nesse enunciado, não é pessoal.

Nos Juizados a intimação é feita na forma prevista para a citação (art. 19). E nos termos do Enunciado 5, que disciplina a citação postal, essa está excluída do princípio da pessoalidade.

Os arestos, abaixo transcritos, bem definem a questão:

É válida a citação da pessoa física com a entrega do ‘AR’ no endereço do citando, ainda que não assinado por ele próprio, cabendo-lhe demonstrar que a carta não lhe chegou às mãos[1].

A desídia de não levar o chamado judicial ao conhecimento dos representantes da empresa não pode ser imputada ao ato, mas à própria citanda, que não orienta seus funcionários adequadamente[2].

Para estar perfectibilizada a citação do réu, por Carta Registrada, basta que o documento tenha sido encaminhado e recebido no endereço do citando, conforme reiteradas decisões das Turmas Recursais dos Juizados Especiais[3].

E como a Lei 9.099/95 não diferencia em seus efeitos a citação (ou intimação) postal da citação (ou intimação) por mandado (art. 18), não se justifica a adoção de critérios distintos.

Assim, podemos concluir que não se aplica ao Juizado Especial a exigência do § 1° do art. 475-J do CPC, ou seja, é dispensável a intimação do advogado do devedor ou a intimação pessoal deste, presumindo-se sua validade, ainda que a intimação não seja assinada por ele próprio (teoria da aparência), desde que efetuada em seu endereço (art. 19, § 2°, da LJE).

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Notas

[1]TJRS, 1ª TR, Rec. 01597531597, Relª. Juíza Leila Machado.

[2]TJGO, TR, Rec. 98/98, Rel. Juiz Domingos da Cunha.

[3]TJRS, 1ª Turma Recursal, Rel. Juiz Claudir Fidélis Facenda, j. em 12.12.1997, RJE/BA 2:19.

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

ERICK LINHARES:  Juiz de Direito em Boa Vista (RR), especialista em Direito Civil


 

Dengue, Ética, Justiça

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*João Baptista Herkenhoff 

A Justiça Federal determinou que todos os postos de saúde municipais, no Rio, funcionem vinte e quatro horas, inclusive nos fins de semana, para agilizar o atendimento a pacientes com suspeita de dengue.

 Também no Rio, a Justiça Estadual determinou que o Estado e o Município encaminhem os pacientes com dengue a hospitais conveniados com o Sistema Único de Saúde (SUS) e a hospitais e clínicas particulares, quando a demanda ultrapassar a capacidade de atendimento da rede pública. Nos casos em que o socorro for prestado pela rede privada, o pagamento deve ser feito com base na tabela do SUS. Na decisão, a juíza que a proferiu classificou de negligentes, revelando descaso, as posturas do Estado e do Município em relação à dengue. Determinou a magistrada que sejam bloqueadas verbas de publicidade, investimento em clubes de futebol e shows na área litorânea, se os Poderes Públicos não cumprirem a decisão, de modo a garantir recursos para o internamento compulsório ordenado.

 Aprovo com entusiasmo as decisões. Há alguns anos passados essa conduta judicial era considerada, na grande maioria das cabeças forenses, como inadequada porque significava uma invasão do Judiciário em domínios que não lhe competiam. Pretendia-se um juiz bem comportado, de mãos amarradas, proibido de intervir no embate das forças e conflitos sociais. Felizmente os tempos mudaram a as cabeças forenses modernizaram-se.

A aplicação do Direito envolve aspectos éticos e políticos. O saber estritamente jurídico não é capaz de enfrentar os desafios dessas angulações.

O bom intérprete deve procurar caminhos para harmonizar a roupagem da lei com o bem comum e as exigências de Justiça que são seu fundamento.

A lei estará sempre subordinada ao Direito.  Esta submissão da lei ao Direito deve ser diretriz que ilumine a vida jurídica.

 A esta afirmação pode ser contraposta, entretanto, uma contradição: onde fica, nesse dilema, a segurança jurídica?

 A Justiça e a Segurança Jurídica são valores essenciais que devem ser preservados.

 O ideal seria o sistema jurídico proporcionar o máximo de Justiça e o máximo de segurança.

Na dinâmica da vida jurídica, pode haver e há com freqüência um choque entre esses valores.  A Justiça para o maior número pode comprometer a segurança de alguns. Na segunda decisão acima referida, que obriga hospitais e clínicas particulares a receber pacientes com dengue, quando a rede pública for insuficiente, a entrega de Justiça à população, principalmente à população pobre, atrita com o interesse econômico dos donos de clínicas e hospitais, que receberão pelo internamento apenas os valores da tabela do SUS, sabidamente modesta.

Uma das funções do Direito é preservar a segurança.  Contudo jamais se deverá, em nome da segurança, tolerar a injustiça e a afronta à dignidade da pessoa humana.

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

João Baptista Herkenhoff é Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo – professor do Mestrado em Direito e escritor. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br

Ação monitória. Aspectos gerais

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* Sérgio Antonio Maziteli Junior

Sumário:1. Introdução – 2. Interpretação da locução "prova escrita sem eficácia de titulo executivo" – 2. a. Ação Monitrória fundada em contrato de Abertura de Crédito Rotativo – 2. b. Ação Monitrória fundada cheque prescrito – 3. Procedimento – 4. Citação – 5. Natureza jurídica dos embargos monitórios e as conseqüências daí advindas – 6. Ação monitória em face da Fazenda Pública – 7. Bibliografia.

1. Introdução

Desde os romanos vigora entre nós o princípio da titularidade, expresso no brocardo nulla excutio sine titulo. Daí decorre a necessidade de toda execução ser lastreada num título executivo. Nessa época já havia preocupação com a razoável duração do processo, fato constatado pela possibilidade de antecipação da tutela jurisdicional em situações especificas, como no caso, v.g., dos interditos. 

Todavia, ainda não se tinha relativizado a dicotomia entre o processo de conhecimento e de execução. Vale dizer que não existia procedimento análogo ao monitório entre os romanos. A criação da via injuncional remonta ao direito intermédio e vem da necessidade de, em certos casos, abreviar o caminho do credor até o título executivo seja por deixar a cargo do devedor a instauração do contraditório, seja pela sumarização do rito).

João Batista Lopes [01], apud Calamandrei, em seu clássico estudo denominado Ação Monitória, elenca duas espécies de ação monitória: o procedimento monitório puro, que se baseava na simples afirmação do autor, e o procedimento monitório documental, que necessitava de prova escrita. A Alemanha conviveu com as duas espécies, o procedimento monitório puro (Mahnverfahren), dedicado a créditos pecuniários ou de coisas fungíveis; e o procedimento monitório documental (Urkundenprozess), marcado pela sumarização do rito ao invés da inversão da iniciativa do contraditório.

No ordenamento brasileiro podemos identificar pela primeira vez figura análoga nas Ordenações Manuelinas e no regulamento 737, sob a alcunha de ação de assignação de dez dias ou decendiária, que consistia na possibilidade do credor, com documento comprobatório de seu crédito, citar o devedor para pagar em dez dias ou alegar fato que o exonerasse. 

A ação monitória, como conhecemos hoje, foi inserida no sistema brasileiro pela Lei 9.079/95, que acrescentou no Livro IV, Título I, o Capitulo XV, no Código de Processo Civil, onde constam os artigos 1.102a usque 1.102c, dedicados inteiramente a regular o instituto.

2. Interpretação da locução "prova escrita sem eficácia de titulo executivo" 

O manejo da ação monitória exige preexistência de documento escrito sem eficácia de titulo executivo, de onde se depreende a clara opção do legislador em privilegiar o procedimento monitório documental ao invés do procedimento puro. O importante neste momento é estabelecer o alcance da exigência legal, delimitar o espectro de situações abarcadas e fixar as fronteiras da seara monitória.

Primeiramente, como já dito, o título deve ser desprovido de força executiva, como ensina o ilustre Ministro do egrégio Superior Tribunal de Justiça Barros Monteiro, em voto proferido nos autos do REsp. 331.622-SP [02]: "precisamente por isso [não ser titulo executivo], consubstanciam a ‘prova escrita’ exigida por lei para arrimar a propositura da ação monitória.". Assim, se o documento estampar divida liquida, certa e exigível estar-se-á diante de titulo executivo, que reclama processo executivo. Carece, dessa forma, o credor de interesse de agir para monitória, pois se a razão de ser, dessa ação, é justamente abreviar o caminho do credor até o título executivo, esse já existindo, não haveria qualquer interesse no procedimento injuntivo.

Mas então o que falece ao título monitório em relação ao executivo?

Tendo em vista que a via injuncional não comporta fase de liquidação, o título monitório deve ser sempre liquido, como esclarece Rodrigo Strobel Pinto [03], nos termos transcritos:

"Insta observar que a prova escrita deve gozar de liquidez, pois: a) inexiste procedimento liquidatório no bojo do processo injuncional; b)o mandado de pagamento converte-se imediatamente em título executivo, que deve ostentar liquidez, sob pena de infração ao art. 586, caput, do CPC; e c) proporciona ao réu ciência da quantia devida, para que proceda a quitação do débito ou oposição de defesa através de embargos".

Da mesma forma a dívida estampada deve ser certa, pois a espécie não comporta alta carga cognitiva; a cognição é sumaria, somente ampliada pela instauração do contraditório pelo devedor. É assim que o cheque prescrito (ou seja, que perdeu sua exigibilidade, mas que continua a ventilar obrigação liquida e certa) pode dar ensejo à ação monitória, conforme estudaremos mais a fundo no tópico próprio. Cediço, então, que o título monitório que estampe obrigação liquida e certa.

Vale a pena ressaltar que a ação monitória não tem o condão de devolver ao título a exigibilidade que perdeu ou que nunca possuiu, mas sim de criar novo título executivo.

Por fim, a prova na ação monitória é vinculada, vale dizer ou o direito do autor esta provado pelo documento escrito sem força executiva preconstituído ou não se pode processar a monitória.

2. a. Ação Monitrória fundada em contrato de Abertura de Crédito Rotativo 

Primeiramente, o que se tem é a súmula 233, do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual o contrato de abertura de crédito não é título executivo. Por obvio, pois se trata de documento unilateral, não podendo possuir tal força. Justamente por isso que tais créditos necessitam passar pelo crivo processo injuntivo para ensejar a formação de um título executivo, como novamente esclarece Rodrigo Strobel Pinto [04], apud Dinamarco: 

"O fundamento justificador da instituição de um documento como título executivo é a probabilidade da existência do direito nele constante. 

Tal probabilidade – assaz a execucional – advém de dois fatores, quais sejam ‘a) ou o prévio reconhecimento do direito por ato estatal idôneo, produzido segundo os cânones do devido processo legal, ou b) o reconhecimento da obrigação pelo próprio obrigado’(…)

Ao credor é vedada tanto a criação de títulos executivos quanto de documentos alheios àquele.

É justamente isto que as instituições financeiras fazem ao expedir os lançamentos contábeis: criam um documento cuja finalidade é reunir-se ao título executivo (instrumento contratual de abertura de crédito)".

Ainda, tem-se que estes contratos não conseguem in se ipsa conferir liquidez a dívida, ou seja, não se depreende somente do contrato o quantum debeatur, devendo a instituição financeira fornecer outros elementos hábeis a tal fim, como os extratos bancários. 

Neste esteio é o entendimento do egrégio Superior tribunal de Justiça, consolidado na súmula 247, que considera o contrato de abertura de crédito em conta-corrente acompanhado de demonstrativo de débito documento hábil ao ajuizamento da ação monitória. 

2. b. Ação Monitória fundada cheque prescrito 

O tema é tratado pela súmula 299, do Superior Tribunal de Justiça, que admite ação monitória fundada em cheque prescrito. Não podia ser diferente, pois se o cheque não estivesse prescrito ensejaria desde logo a execução. Urge, portanto, que se verifique o sistema de prescrição da Lei 7.357/85: 

A partir da emissão da cartula o sacador possui trinta ou sessenta dias, conforme deva ou não o cheque ser pago na mesma praça em que foi emitido (artigo 33, da Lei 7.357/85), para apresentá-lo à instituição financeira, falecendo ao autor interesse de agir para qualquer ação neste prazo. Após este prazo, o subsiste para o beneficiário a pretensão executiva, que prescreve seis meses após o termino do prazo de apresentação (artigo 59, da Lei 7.357/85). 

Somente com a perda da força executiva é que o credor, obviamente, pode se valer da ação monitória, daí cumpre-se destacar duas situações:

Se a monitória for proposta até dois anos após o transcurso do prazo da prescrição da pretensão executiva sua causa pentendi será a locupletação sem causa de devedor (artigo 61, da Lei 7.357/85), não precisando ser ventilada a causa debendi. Após este ínterim, a monitória deverá se fundar na relação jurídica material que deu origem a cambiaria, que prescreve no prazo dos direitos pessoais. Depois não mais será possível socorrer ao judiciário com escopo de ver reconhecida e satisfeita a obrigação de onde decorre o cheque prescrito, de forma que a possibilidade de se manejar, ou não, a ação monitória, nestes casos, depende de ter sido alcançada a prescrição da pretensão executiva e não a da ação cognitiva. 

3. Procedimento 

A petição inicial deverá seguir as exigências do artigo 282, do Código de Processo Civil, mais a prova escrita de seu crédito exigida pelo artigo, 1.102, a, do mesmo Codex.

Após o deferimento da inicial, o juiz, em decisão interlocutória, ordenará a citação do réu para pagar soma em dinheiro ou entregar coisa (daí a dicção do artigo 1.102, b, ser ‘mandado de pagamento’, e não citação). Tal decisão interlocutória é irrecorrível, como salienta Humberto Theodoro:

"(…) não pela natureza do ato judicial, mas pela falta de interesse do réu para justificar o manejo do agravo, visto que a conseqüência imediata da citação é a abertura, para o destinatário, da faculdade de defender-se amplamente por meio de embargos" [05] 

Uma vez citado o devedor pode assumir três posições: satisfazer a obrigação no prazo do artigo 1.102, b, do Código de Processo Civil; permanecer inerte e arcar com o ônus da revelia; oferecer embargos, na forma do artigo 1.102, c, do mesmo Diploma Legal. 

Caso o débito seja pago no prazo supra, o devedor será dispensado do ônus da sucumbência, sendo o processo, conseqüentemente, extinto, medida de política legislativa com escopo de estimular a quitação do débito o mais breve possível. 

Se adotar a segunda posição, o mandado de pagamento se converterá automaticamente em título executivo judicial, ex vi artigo 1.102, c, do Código de Processo Civil. O credor estará livre pra entrar no patrimônio do devedor por meio da fase de cumprimento de sentença, Lei n. 11.232/05, descabendo, assim, os embargos nesta fase, somente podendo ser oferecida impugnação nos limites do artigo 475 – L, do Código de Processo Civil. Se a obrigação for para entrega de coisa a sentença deve ser cumprida de imediato, nos moldes da Lei 10.444/02. 

Com o oferecimento dos embargos, suspende-se a eficácia do mandado de pagamento e o rito se ordinariza, sendo a decisão dos deste recorrível por apelação a ser recebida no duplo efeito, pela aplicação analógica do artigo 520, V, do Código de Processo Civil. 

4. Citação

No procedimento monitório, o réu ou interessado não é propriamente citado, ou seja, chamado a juízo a fim de se defender, mas sim para pagar ou entregar a coisa no prazo de quinze dias, inteligência do artigo 1.102-b, do Código de Processo Civil. O contraditório, nestes casos, ocorre secundum enventus litis, com o oferecimento dos embargos. Não obstante o termo citação ser consagrado pela doutrina e pela jurisprudência. 

Outrossim, a súmula 282, do Superior Tribunal de Justiça, permite a citação por edital do devedor no âmbito da monitória, sendo esta espécie de citação ficta, onde as chances do réu ter efetivo conhecimento da lide é o menor possível, tem-se também por permitida a citação por hora certa. Todavia nestes casos dever-se-á nomear curador especial que estará obrigado a oferecer os embargos [06]. 

Neste sentido, RT 779/191, 797/282 e 755/381. Ademais no julgamento do REsp. 175.090-MS, o Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar [07], expressamente consignou: 

"A citação do réu no processo monitório, com essa injunção a pagar ou entregar e advertência do risco da inércia (e isso se constitui numa intimação acoplada à citação), será feita pelas vias normais, ou seja: correio, oficial de justiça, precatória, edital, etc.". 

De modo que, na ação monitória são admitidas todas as formas de citação. 

Entretanto, em caso de citação ficta, urge que se nomeie curador especial ao réu para que, este, ofereça os embargos, neste sentido RSTJ 152/253; STJ-RT 779/191, 797/282; RJTJERGS 216/366; Ajuris 88/548; e no julgamento do REsp. 297.421-MG, o ilustre rel. min. Sálvio de Figueiredo Teixeira consignou que "(…) uma vez citado o réu por edital, será nomeado, da mesma forma que no procedimento ordinário, curador especial (art. 9o, II, CPC), que deverá apresentar defesa.". 

5. Natureza jurídica dos embargos monitórios e as conseqüências daí advindas 

A natureza jurídica dos embargos monitórios é controvertida na doutrina. Há quem defenda que esse possui a mesma natureza dos embargos à execução, ou seja, de ação autônoma. Outros, porém, advogam que sua natureza jurídica é de contestação. 

Da analise comparativa do tratamento legislativo dado aos institutos dos embargos à execução e dos monitórios se denota sua natureza jurídica diversa. 

Nos embargos do devedor se forma instrumento, autua em apartado e distribuí-se por dependência, sem que este obste o tramite da execução, conforme o parágrafo único do artigo 736, do Código de Processo Civil, pois é ação autônoma. Já Nos embargos monitórios ocorre a autuação e processamento nos mesmos autos da ação monitória, a teor do artigo 1.102-C, do Código de Processo Civil, nos levando a crer que sua natureza jurídica seja de contestação. 

Ademais, o efeito suspensivo nos embargos do devedor são exceção, e esse nada influi no rito da execução. Pelo oferecimento dos embargos monitórios sempre se suspende à eficácia do mandado injuntivo, instaura-se o contraditório e o rito se ordinariza.

Como visto, após a entrada em vigor da Lei 11.382/06, esta celeuma não mais se justifica, pois o legislador acentuou as diferenças entre ambos institutos.

A confusão decorre da banalização do uso do termo embargos, nos parecendo clara a natureza de contestação dos embargos monitórios.

Doravante, a importância da fixação da natureza jurídica dos embargos monitórios não é meramente acadêmica. Decorre daí, ao menos duas grandes questões: a possibilidade de terceiro intervir no processo, e de se oferecer reconvenção no bojo da ação monitória. Passamos a analisar essas situações, partindo do pressuposto de que tenha se oferecido embargos.

Como já afirmado, o processo monitório é sincrético e, uma vez opostos os embargos, que poderão versar sobre qualquer matéria de defesa, conforme artigo 102-C, §2o, do Código de Processo Civil, o rito se ordinariza.

Maximizada a carga cognitiva da monitória pela oposição dos embargos, nada obsta que terceiro intervenha no processo, como afirma José Rubens da Costa [08]:

"A figura do chamamento ao processo não é possível no procedimento monitório. Direito, contudo, do devedor de promover o chamamento na ação de embargos."

O caso é que o autor considera a natureza jurídica dos embargos monitórios a mesma dos embargos à execução, posição que, data venia, não concordamos, conforme já expostos. Todavia, o que se denota é que qualquer que seja a natureza que se dê ao embargos, somente se questionará em que demanda o terceiro intervirá, mas não se coloca em duvida a possibilidade desse intervir. 

Doravante, quanto à possibilidade de oferecimento de reconvenção em ação monitória, José Rubens da Costa [09] leciona que: 

"Por se tratar a ação monitória de ação de conhecimento, é possível o oferecimento de reconvenção também em peça autônoma e no mesmo prazo de quinze dias (arts. 315 a 318 do CPC). Se deferida a reconvenção, será julgada na mesma sentença que julgar os embargos. A reconvenção, por ser cumulação de ações, observará as regras do art. 292 do Código de Processo Civil: compatibilidade entre os pedidos, mesma competência do juízo e mesmo procedimento, isto é, a ação do reconvinte também será monitória." 

Somente vale a ressalva que a possibilidade de reconvir não está atrelada a natureza da ação monitória, que é sincrética – uma fase cognitiva e outra executiva, como, aliás, é a regra – mas sim a natureza de contestação dos embargos monitórios.

6. Ação monitória em face da Fazenda Pública 

No âmbito da ação monitória esta é a questão mais polêmica. A doutrina e a jurisprudência estão divididas quanto à possibilidade da fazenda pública figurar no pólo passivo do feito. Os óbices, vistos por quem se posiciona contra, são cinco: o fato desta ser executada por rito especifico; não poder lhe ser aplicada à confissão ficta; não estar sujeita a decisão inaudita altera parte em seu prejuízo; respeito a ordem dos precatórios; e o fato das decisões desfavoráveis a esta estarem sujeitas ao duplo grau necessário.

Todavia nenhum desses impedimentos se sustentam, pois uma vez que opostos os embargos, todos estes entraves desaparecem. Como reconhecido por José Rogério Cruz e Tucci [10], defendendo posição de que não cabe monitória em face da fazenda:

"Constata-se, por outro lado, que para admitir seu cabimento, alguns autores, a exemplo de Carreira Alvim, partem do pressuposto que a fazenda sempre irá oferecer embargos. (…)

Desnecessário ressalvar que nesta hipótese, ou seja, de oposição de embargos pela fazenda, todos os problemas procedimentais que conspiram contra a adequação restam minimizados, uma vez que o trânsito em julgado da decisão de improcedência do pedido formulado naqueles consolida o título executivo que lastreará a execução.". 

Por certo que a monitória contra a fazenda pública deverá sempre ser embargada para que tais óbices sumam, mas não há nada de exorbitante nisto. É o caso análogo ao do réu citado por citação ficta em que se nomeia advogado dativo que estará obrigado a oferecer os embargos – neste sentido, precedentes da citados no tópico citação. A questão é porque não se admitir tal solução quando o requerido for a fazenda pública? 

Ora, as vantagens concedidas pela Lei à fazenda pública decorrem da supremacia do interesse público, que não existe in casu. Ademais, a teor do que estabelece o §3o, do artigo 100, da Lei Maior c.c. 128, da Lei 8.212/91, tem-se que se a condenação judicial da fazenda for inferior a R$ 5.180,25, por autor, poderão ser, por opção do exeqüente, quitadas em sessenta dias, sem a necessidade da expedição de precatório, restando claro que, senão sempre, ao menos neste caso é possível o ajuizamento de ação monitória em face da fazenda pública. 

Neste sentido, é basilar a lição de Theotono Negrão [11], nos termos que colhidos: 

"É admissível o ajuizamento de ação monitória em face da Fazenda Pública. A expedição do mandado para pagamento não gera qualquer incompatibilidade, pois a Fazenda, ‘como todos os demais devedores, tem o dever de cumprir suas obrigações espontâneamente, no prazo e na forma devidos, independentemente de execução forçada. Não será a eventual intervenção judicial que eliminará, por si só, a faculdade – que na verdade é um dever – da administração de cumprir suas obrigações espontaneamente, independentemente de precatório’. Da mesma forma, a oposição de embargos e a instauração de fase cognitiva nada tem de incompatível com a Fazenda, pois envolve ‘atividade própria de qualquer processo de conhecimento, que redundará numa sentença, acolhendo ou rejeitando os embargos, confirmando ou não a existência de relação creditícia’. Trata-se se sentença sujeita a reexame necessário, quando o caso. E para confirmar a compatibilidade entre a ação monitória e a Fazenda Pública, basta que a execução fundada no titulo nela produzido ‘siga o procedimento padrão do Código, que, em se tratando da Fazenda e não sendo o caso de dispensa de precatório (CF, art. 100, §3o), é o dos arts. 730 e 731, em qualquer dificuldade’ (STJ-RJ 339/97: 1a Seção, ED no REsp. 345.752)".

Assim que se tem que ante a oposição dos embargos, nada a afasta e tudo aconselha a aceitar-se que a fazenda pública figure no pólo passivo da ação monitória. 

7. Bibliografia 

BATISTA LOPES, João. Aspectos da Ação Moniotória. RT 732/74.

CRUZ E TUCCI, José Rogério. Ação Monitória. 2a ed., RT: São Paulo, 1997.

NEGRÃO, Theotonio; F. GOUVÊA, José Roberto. Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor. 30a ed., Saraiva: São Paulo, 2007.

RUBENS COSTA, José. Ação Monitória. S/ ed., Saraiva: São Paulo, 1995.

STROBEL PINTO, Rodrigo. Ação Monitória: Admissbilidade do Contrato de Abertura de Crédito Rotativo em Conta Corrente. RT 812/103.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos Especiais. Vol. III, 38ª ed., Forense: Rio de Janeiro, 2007

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Notas

01 in BATISTA LOPES, João. Aspectos da Ação Moniotória. RT 732/74.

02 in RT 801/173

03 in STROBEL PINTO, Rodrigo. Ação Monitória: Admissbilidade do Contrato de Abertura de Crédito Rotativo em Conta Corrente. RT 812/103.

04 in STROBEL PINTO, Rodrigo. Ação Monitória: Admissbilidade do Contrato de Abertura de Crédito Rotativo em Conta Corrente. RT 812/103.

05 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos Especiais. Vol. III, 38ª ed., Forense: Rio de Janeiro, 2007, pág. 371.

06 Neste sentido Bol. AASP 2.018/275j.

07 in RT 779/191

08 in RUBENS COSTA, José. Ação Monitória. S/ ed., Saraiva: São Paulo, 1995.

09 in RUBENS COSTA, José. Ação Monitória. S/ ed., Saraiva: São Paulo, 1995.

10 in CRUZ E TUCCI, José Rogério. Ação Monitória. 2a ed., RT: São Paulo, 1997, págs. 76/77.

11 in NEGRÃO, Theotonio; F. GOUVÊA, José Roberto. Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor. 30a ed., Saraiva: São Paulo, 2007, pág. 1073.

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

SÉRGIO ANTONIO MAZITELI JÚNIOR:   Advogado;  pós-graduando em direito processual civil pela PUC-SP

 

 

 

 


NOVAS ORIENTAÇÕES JURISPRUDÊNCIAISTST publica novas orientações jurisprudenciais

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JURISPRUDÊNCIA:  TST  –  Estão disponíveis no site do Tribunal Superior do Trabalho as Orientações Jurisprudenciais de nºs 353 a 360 e as Orientações Jurisprudenciais Transitórias de números 60 e 61 da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais. Confira, abaixo, o inteiro teor das novas OJs:  

Orientações Jurisprudenciais da SDI-1  

Nº 353 – EQUIPARAÇÃO SALARIAL. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. ART. 37, XIII, DA CF/1988. POSSIBILIDADE.

À sociedade de economia mista não se aplica a vedação à equiparação pre-vista no art. 37, XIII, da CF/1988, pois, ao contratar empregados sob o regime da CLT, equipara-se a empregador privado, conforme disposto no art. 173, § 1º, II, da CF/1988.  

Nº 354 – INTERVALO INTRAJORNADA. ART. 71, § 4º, DA CLT. NÃO CONCESSÃO OU REDUÇÃO. NATUREZA JURÍDICA SALARIAL.

Possui natureza salarial a parcela prevista no art. 71, § 4º, da CLT, com redação introduzida pela Lei nº 8.923, de 27 de julho de 1994, quando não concedido ou reduzido pelo empregador o intervalo mínimo intrajornada para repouso e alimentação, repercutindo, assim, no cálculo de outras parcelas salariais.  

Nº 355 – INTERVALO INTERJORNADAS. INOBSERVÂNCIA. HORAS EXTRAS. PERÍODO PAGO COMO SOBREJORNADA. ART. 66 DA CLT. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO § 4º DO ART. 71 DA CLT.

O desrespeito ao intervalo mínimo interjornadas previsto no art. 66 da CLT acarreta, por analogia, os mesmos efeitos previstos no § 4º do art. 71 da CLT e na Súmula nº 110 do TST, devendo-se pagar a integralidade das horas que foram subtraídas do intervalo, acrescidas do respectivo adicional.  

Nº 356 – PROGRAMA DE INCENTIVO À DEMISSÃO VOLUNTÁRIA (PDV). CRÉDITOS TRABALHISTAS RECONHECIDOS EM JUÍZO. COMPENSAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.

Os créditos tipicamente trabalhistas reconhecidos em juízo não são suscetíveis de compensação com a indenização paga em decorrência de adesão do trabalhador a Programa de Incentivo à Demissão Voluntária (PDV).  

Nº 357 – RECURSO. INTERPOSIÇÃO ANTES DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO IMPUGNADO. EXTEMPORANEIDADE. NÃO CONHECIMENTO.

É extemporâneo recurso interposto antes de publicado o acórdão impugnado.  

Nº 358 – SALÁRIO MÍNIMO E PISO SALARIAL PROPORCIONAL À JORNADA REDUZIDA. POSSIBILIDADE.

Havendo contratação para cumprimento de jornada reduzida, inferior à previsão constitucional de oito horas diárias ou quarenta e quatro semanais, é lícito o pagamento do piso salarial ou do salário mínimo proporcional ao tempo trabalhado.  

Nº 359 – SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. SINDICATO. LEGITIMIDADE. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO.

A ação movida por sindicato, na qualidade de substituto processual, interrompe a prescrição, ainda que tenha sido considerado parte ilegítima “ad causam”.  

Nº 360 TURNO ININTERRUPTO DE REVEZAMENTO. DOIS TURNOS. HORÁRIO DIURNO E NOTURNO. CARACTERIZAÇÃO.

Faz jus à jornada especial prevista no art. 7º, XIV, da CF/1988 o trabalhador que exerce suas atividades em sistema de alternância de turnos, ainda que em dois turnos de trabalho, que compreendam, no todo ou em parte, o horário diurno e o noturno, pois submetido à alternância de horário prejudicial à saúde, sendo irrelevante que a atividade da empresa se desenvolva de forma ininterrupta.  

Orientações Jurisprudenciais Transitórias da SDI-1

Nº 60 – ADICIONAL POR TEMPO DE SERVIÇO. BASE DE CÁLCULO. SALÁRIO-BASE. ART. 129 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO.

O adicional por tempo de serviço – qüinqüênio -, previsto no art. 129 da Constituição do Estado de São Paulo, tem como base de cálculo o vencimento básico do servidor público estadual, ante o disposto no art. 11 da Lei Complementar do Estado de São Paulo nº 713, de 12.04.1993.  

Nº 61 – AUXÍLIO CESTA-ALIMENTAÇÃO PREVISTO EM NORMA COLETIVA. CEF. CLÁUSULA QUE ESTABELECE NATUREZA INDENIZATÓRIA À PARCELA. EXTENSÃO AOS APOSENTADOS E PENSIONISTAS. IMPOSSIBILIDADE.

Havendo previsão em cláusula de norma coletiva de trabalho de pagamento mensal de auxílio cesta-alimentação somente a empregados em atividade, dando-lhe caráter indenizatório, é indevida a extensão desse benefício aos aposentados e pensionistas. Exegese do art. 7º, XXVI, da Constituição Federal.

 


 

FONTE:  TST, 09 de abril de 2008.

RACISMO NO TRABALHO GERA INDENIZAÇÃO Empresa é condenada a pagar indenização por racismo

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DECISÃO:  TRT-MG  –  Uma empresa foi condenada na Justiça do Trabalho de Minas Gerais a pagar dano moral a empregada vítima de ato de discriminação racial praticado por seu superior hierárquico. Como foi apurado no processo, o gerente referiu-se à reclamante como “neguinha”, na frente de colegas de trabalho, de forma rude e agressiva, ato considerado discriminatório pelo Direito do Trabalho. Ao relatar o recurso interposto pela empresa e julgado pela 2ª Turma do TRT-MG, a juíza convocada Maria Stela Álvares da Silva Campos, destacou.

A reclamada, por seu gerente, fez diferenciação da empregada por um pensamento usual e tão dolorosamente combatido na sociedade que é valoração das diferenças entre as raças, em uma crença que os traços físicos e culturais qualificam os seres humanos em superiores ou inferiores. O Direito do Trabalho não permite que o empregado, em seu labor, seja discriminado, insultado e ultrajado. Aliás, a conduta é banida pela própria Carta Republicana, que no seu pilar de constituição, que é o preâmbulo, assegura a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”.

A reclamante trabalhava nas dependências da segunda reclamada, como prestadora de serviços terceirizados, na função de ajudante industrial. De acordo com as testemunhas ouvidas, ela estava empacotando cigarros, com os demais colegas de trabalho, quando ouviu assovios seguidos de gritos do superior hierárquico, que a tratou de forma discriminatória e sarcástica. Dois dias depois, na presença de três testemunhas, o gerente ameaçou a reclamante com a dispensa sumária, caso houvesse qualquer denúncia acerca do incidente.

Considerando esses fatos, a Turma manteve o valor da condenação por danos morais, fixada em 50 salários mínimos. Além da empregadora direta da reclamante (empresa de terceirização de mão-de-obra, a quem cabia zelar pelas condições favoráveis ao trabalho, bem como pela integridade física e moral da autora), responde pela condenação a empresa tomadora de serviços, que se beneficiou do trabalho da reclamante e também porque é a empregadora direta do ofensor.  (RO nº 01131-2007-134-03-00-8 )

 

FONTE:  TRT-MG, 08 de abril de 2008.


DEPOSITÁRIO INFIELBoletim de ocorrência de furto, sem provas, não desonera depositário fiel da obrigação de entrega dos bens

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DECISÃO:  TRT-MG  –  A simples alegação de furto, ainda que acompanhada de Boletim de Ocorrência, não desonera o depositário fiel da sua obrigação de guarda dos bens penhorados, nem é justificativa suficiente para livrá-lo da prisão decretada pelo juiz da execução. Quem explica é o juiz convocado Paulo Maurício Ribeiro Pires, ao relatar habeas corpus, julgado pela 5ª Turma do TRT-MG. Para ele, o boletim de ocorrência é documento unilateral, já que registra apenas as alegações do denunciante, que pode informar ali o que quiser: “O que comprovaria o crime alegado seria a instauração de ação penal com a inequívoca prova do furto, hipótese inexistente no remédio instaurado” – destaca o relator.

No caso, o impetrante do habeas corpus é sócio da empresa reclamada e depositário dos bens penhorados na reclamatória trabalhista. Intimado a entregar os bens ou o equivalente em dinheiro, sob pena de prisão, alegou o furto do material no galpão da empresa, em 2006, apresentando cópia do boletim de ocorrência. Sustentou a ilegalidade de sua prisão por se tratar de caso fortuito e de força maior.

A Turma, no entanto, entendeu não haver qualquer ilegalidade na ordem de prisão, já que foram dadas ao executado várias oportunidades para que cumprisse a obrigação que lhe foi imposta, mas, há anos, ele vinha se esquivando. O relator chama a atenção para o fato de que o BO foi lavrado vários dias depois da suposta ocorrência, afastando a credibilidade do documento como prova: “Ora, tratando-se de bens apreendidos judicialmente, cuja localização já vinha sendo obstada pelo depositário, causa no mínimo estranheza o Boletim de Ocorrência Policial apresentado pelo depositário, inclusive, registrando o fato alegado com 22 dias de atraso" – destaca.

Segundo o juiz, não ficou comprovada qualquer circunstância que caracterizasse caso fortuito ou de força maior, nos termos do artigo 642 do Código Civil, capaz de justificar a não entrega dos bens pelo depositário fiel. “O que se verifica, portanto, é a resistência do paciente em obedecer ao comando judicial, e não a impossibilidade de cumprimento da ordem”- conclui o relator.

Entendendo manifesta a infidelidade – até porque, diante da oportunidade concedida de substituir os bens por dinheiro, o depositário insistiu em usar de expediente para retardar a execução, revelando negligência e descaso para com o encargo assumido – a Turma denegou a ordem de habeas corpus requerida, mantendo a prisão do depositário infiel.  (nº 00240-2008-000-03-00-3 )


FONTE:  TRT-MG, 09 de abril de 2008.

DIREITO À SAÚDECriança com alergia a lactose receberá leite especial do Estado

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DECISÃO:  TJ-RN  –   A juíza de direito em substituição legal, Vanessa Lysandra Fernandes Nogueira, da 1ª Vara da Fazenda Pública determinou que o Estado do Rio Grande do Norte forneça para a criança PVMS a quantia mensal de 4 latas do leite Nan sem Lactose, de 400g cada, mediante receita médica específica. A mãe do menor que entrou com a ação alega que não possui condições financeiras para comprar as latas de leite e que o menino possui intolerância alimentar à lactose e à soja.  

A magistrada disse na sentença que o Estado é responsável pela saúde do autor, de forma a ter de suportar o ônus decorrente do fornecimento do leite solicitado, tendo em vista que o alimento funciona como remédio ao tratamento da alergia de que o menor é portador.


FONTE:  TJ-RN, 09 de abril de 2008.

BENEFÍCIO ASSISTENCIALPessoa surda-muda tem direito a benefício assistencial do INSS

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DECISÃO:  TJ-MS  –    O Magistrado da Comarca de Rio Verde, Dr. José Henrique Kaster Franco, prolatou sentença com resolução de mérito, nos termos do artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, na qual decidiu o restabelecimento do pagamento de benefício assistencial à parte autora, no valor de um salário mínimo por mês e determinou a implantação do benefício no prazo máximo de 30 dias, a contar da intimação, sob pena de multa diária no valor de R$ 200,00 (duzentos reais) a ser convertida em favor da autora. Determinou ainda o pagamento das prestações vencidas entre a data do cancelamento do benefício assistencial e a data do seu efetivo restabelecimento, corrigidas monetariamente pelo IGP-DI desde a data em que devidas, acrescidas de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação. Condenou o INSS ao pagamento dos honorários advocatícios que fixou em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a prolação desta sentença (súmula 111, STJ), nos termos do art. 20, § 3º, do CPC, e ao pagamento das custas processuais, pois se trata de taxas (natureza jurídica das custas processuais segundo o STF – ADI-MC 1444 / PR – PARANÁ) não alcançadas pela imunidade do art. 150, VI, a, § 2º, CF/88. E deixou de submeter a sentença a reexame necessário por se tratar de condenação inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, nos termos do § 3º do art. 475 do CPC.

O Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), irresignado com a decisão que julgou procedente o pedido formulado nos autos de ação ordinária de amparo social, ajuizada por D. dos S., interpôs Apelação nº 2007.027433-8, sob o argumento de que o laudo pericial atestou que a recorrida não apresenta incapacidade para a vida laboral, assim não faz  jus ao benefício assistencial – LOAS.     

A recorrida, D. dos S., desde o seu nascimento, é surda e muda e não possui nenhuma qualificação profissional que pudesse levá-la à inserção no mercado de trabalho, e o benefício da prestação continuada inserido na Constituição de 1988, tem como principal objetivo minimizar as diferenças sociais, das quais são, principalmente acometidos os deficientes físicos e os idosos; assim, mesmo que o laudo pericial tenha concluído pela possibilidade de trabalho, percebe-se pelas provas produzidas que ela não possui condição de prover o seu próprio sustento, pois mora sozinha e necessita habitualmente da ajuda dos vizinhos.

O Desembargador Rêmolo Letteriello entendeu estar comprovado o direito da apelada, portanto deve ser restabelecido o seu benefício assistencial permanente, previsto no artigo 203, V, da Carta Magna, pois já havia sido concedido pelo INSS e posteriormente cancelado, em virtude da comprovação da falta de condições para prover seu próprio sustento. 

A Quarta Turma Cível do Tribunal de Justiça decidiu que a apelada faz jus ao beneficio da assistência social, previsto no artigo 203, V, da Carta Magna, por ter ficado comprovada a falta de condições da apelada para prover o seu próprio sustento ou tê-lo provido por outrem de quem dependa obrigatoriamente; também não merece reforma a condenação da parte requerida em honorários advocatícios, os quais deverão ser mantidos em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a prolatação da sentença e, por último, deixou de condenar o INSS ao pagamento de custas processuais em razão de sua qualificação como isento.


FONTE:  TJ-MS, 09 de abril de 2008.

LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ Autor é condenado a pagar indenização no Juizado Especial

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DECISÃO:  JEC-Brasilia  –  A juíza do 5º Juizado Especial Cível de Brasília condenou um advogado ao pagamento de multa, em ação movida contra a Drogaria Vison, por litigância de má-fé. Da decisão cabe recurso.

O autor pleiteava compensação por danos morais no valor de R$ 15.200,00, pois afirma ter visto na televisão propaganda anunciando o "desodorante Dove aerosol" pelo valor de R$ 8,16. Diz ter comparecido a um dos estabelecimentos da ré para adquirir o produto e que, ao chegar ao caixa com oito unidades, verificou que o preço cobrado era de R$ 9,63. Informa que um dos funcionários lhe afirmou que o preço estava correto, que a promoção havia terminado, e que o autor estava equivocado, pois a ré não costumava realizar anúncios na televisão.

O autor prossegue alegando ter adquirido apenas quatro unidades do produto, tendo posteriormente confirmado com uma funcionária da Rede Globo que realmente houve o anúncio no mesmo dia em que realizou a aquisição. Juntou aos autos cópia do cupom fiscal, de ocorrência policial registrada na Delegacia do Consumidor e de comunicação feita ao Ministério Público do DF e Territórios.

Em audiência, o farmacêutico que atendeu o autor conta que o cliente questionou o preço do desodorante, dizendo que havia uma promoção segundo a qual o produto seria mais barato. Este solicitou ao autor que aguardasse, pois iria até outra loja que fica na mesma rua falar com o gerente, a fim de resolver a situação. Tendo retornado cerca de cinco minutos depois com o objetivo de pedir-lhe que aguardasse, pois o gerente já viria atendê-lo, encontrou o autor já no caixa, pagando pelos produtos.

Outra testemunha, o caixa da loja, relatou que enquanto o autor aguardava o retorno do farmacêutico, disse que levaria os produtos pelo preço maior mesmo, acrescentando que era advogado e que isto "lhe renderia uns quatro mil".

A juíza explica que “dano moral consiste na violação dos direitos da personalidade de uma pessoa, como honra, reputação, intimidade, integridade física, justas aspirações e outros bens que integram seu patrimônio imaterial. Da violação desses direitos decorre, geralmente, dor, vexame, sofrimento ou humilhação, sendo estes efeitos, não causas”. No entanto, das provas colhidas, não restou provado que os direitos da personalidade do autor tenham sido vulnerados pelo fato.

No entendimento da julgadora, embora tenha havido desencontro de informações quanto ao preço do produto – perfeitamente sanável mediante argumentação junto ao gerente da loja – tal lapso, ainda que possa gerar um dano material, não tem o condão de violar direitos da personalidade. Segundo constatou, o autor tentou se utilizar do processo para atingir fim ilícito, pois enunciou ao funcionário da ré que a aquisição dos produtos por preço maior "lhe renderia uns quatro mil".

A pressa do autor em registrar a ocorrência policial e noticiar por escrito os fatos ao MPDFT na tarde do mesmo dia, e a atitude de utilizar o fato de adquirir desodorantes por R$ 1,47 a maior, visando buscar compensação por danos morais, é, para a magistrada, um claro ato atentatório à dignidade da Justiça, configurando litigância de má-fé, nos termos do art. 17, inc. III, do Código de Processo Civil.

Assim, a juíza julgou improcedente o pedido do autor e condenou-o a pagar multa por litigância de má-fé, em valor equivalente a 1% do valor da causa, sendo condenado ainda às despesas causadas à parte ré (em 10%), às custas processuais e honorários advocatícios, fixados em mais 10% do valor da causa. Nº do processo: 2007.01.1.130050-3

 

FONTE:  TJ-DFT, 09 de abril de 2008.