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Os bens ambientais em pról da dignidade humana

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*Clovis Brasil Pereira 

SUMÁRIO:  1. O conceito legal de meio ambiente    2.  Classificação do meio ambiente     2.1.  Meio ambiente natural     2.2.  Meio ambiente artificial       2.3.  Meio ambiente do trabalho     2.4.  Meio ambiente cultural      3.  O meio ambiente e a dignidade humana

 


 

1.  O conceito legal de meio ambiente 

O legislador brasileiro, assim define meio ambiente, na Lei nº 6.938/81: 

“Art. 3º – Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, obriga e rege  a vida em todas as suas formas”. 

Trata-se de um conceito amplo, que foi posteriormente solidificado, no artigo 225 da Constituição Federal de 1988, e segundo Marcelo Abelha Rodrigues[1] 

“… não retrata apenas a idéia de espaço, de simples ambiente, mas, pelo contrário, vai além, para significar, ainda, o conjunto de relações (físicas, químicas e biológicas) entre os fatores vivos (bióticos) e não vivos (abióticos) ocorrentes nesse ambiente e que são responsáveis pela manutenção, abrigo e regência de todas as formas de vida existentes nesse ambiente.  […]  proteger o meio ambiente significa proteger o espaço, o lugar, o recinto que abriga, que permite e que conserva todas as formas de vida.  […] Assim, o meio ambiente corresponde a uma interação de tudo que, situado nesse espaço, é essencial para a vida com qualidade em todas as suas formas.”

 

A conceituação trazida na Lei nº 6.938/81, colocou o homem num papel de destaque,  como sendo o centro de todo o processo preservacionista,  com objetivo de preservá-lo, assim como os demais seres, dos efeitos danosos, causados pela  devastação ambiental em suas formas, notadamente, as causadas pela poluição. 

Assim, o mesmo artigo 3º, da Lei 6.938/81, ao tratar da caracterização do meio ambiente, e do caráter protecionista atribuído pelo legislador, em seis incisos, assim relaciona os casos que merecem a tutela e  proteção.

 

“Art. 3º:  Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

 I- ………………………………………………………………….

 II – degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente; 

III – poluição,  degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que diretamente ou indiretamente:

 

a)   prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;

 

             b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;

 

c)   afetem desfavoravelmente a biota;

 

d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;

 

e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;

 

IV – poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;

 

V – recursos ambientais: a atmosfera, as águas  interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora”.  

Posteriormente, a Constituição Federal deu um passo adiante, pois além de garantir ao homem a posição central na preservação ambiental, criou  condições para  sua inserção e integração ao ecossistema,  pelas disposições contidas no artigo 1º, III – proteção à dignidade da pessoa humana -, artigos 182, 215, 216, V, e ainda o artigo 225, ao garantir que o bem ambiental é de uso comum do povo.   

2.  Classificação do meio ambiente 

Embora o conceito de meio ambiente seja unitário, pois  “é regido por inúmeros princípios, diretrizes e objetivos que compõem a Política Nacional do Meio Ambiente[2],  a divisão e classificação  tem por finalidade única, identificar a atividade degradante e o bem imediatamente agredido, para melhor avaliar o aspecto e os valores que mais foram atingidos, identificando-se nesse quadro, o meio ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho. 

2.1 – O meio ambiente natural 

O meio ambiente natural, consiste tradicionalmente, no solo, água, ar atmosférico, flora e fauna, e recebia a tutela antes mesmo da Constituição Federal de 1988, que efetivamente, deu nova dimensão e alcance à proteção e à tutela ambiental. 

O meio ambiente natural é tutelado pelo caput  do artigo 225, pelo parágrafo 1º, incisos I e VII, que estabelecem: 

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para  as presentes e futuras gerações.

 

§ 1º. Para assegurar a efetividade desse direito,, incumbe ao Poder Público:

 

I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas:

 

(…)

 

VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldades”.

 

Para garantir efetividade a essa nova concepção de meio ambiente, segundo a lição de Marcelo Abelha Rodrigues,[3]  

 

“(…) cabe ao homem tutelar o meio ambiente, mantendo o equilíbrio ecológico, porque este é essencial à sadia qualidade de vida. A proteção dos bens ambientais visa justamente à manutenção deste equilíbrio. Num estado que preza o princípio da dignidade da pessoa humana não se podem admitir práticas cruéis contra bens ambientais que componham a biota (fauna e flora). Como seres vivos essenciais à vida do homem, porque responsáveis pelo equilíbrio ecológico, a sua proteção é imperativa, inclusive, como se disse, para a sobrevivência do ser humano, que é integrante do ecossistema. As vedações à prática de atos cruéis aos animais e vegetais decorrem do fato de que não se pode admitir a prática de atos indignos contra qualquer ser vivo.” 

O conceito de meio ambiente  utilizado pelo legislador pátrio, se mostra amplo e abstrato, pois não se conteve em tratar o meio ambiente como o produto da interação  (química, física e biológica) de fatores bióticos e abióticos, responsáveis pela conservação da vida, como também se preocupou com o meio ambiente, numa  abrangência maior,  notadamente quanto à poluição, no tocante a proteção contra as atividades que, de forma direta ou indireta,  prejudiquem   a saúde, a segurança e o bem-estar da população, criem condições adversas às atividades sociais e econômicas ou afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente.  

Essa grande amplitude e abstração do conceito de meio ambiente, acaba criando dificuldades para um eficaz  regulamentação normativa, em razão da dificuldade em identificar de forma concreta, o objeto da tutela. 

Para Marcelo Abelha Rodrigues, 

“… a adoção de um amplo e abrangente conceito de meio ambiente não lhe é benéfico, mas muito pelo contrário, faz com que não se tenha um conjunto de normas homogêneo, concentrado e efetivo ao seu alcance. E a causa disso não é outra senão porque o meio ambiente já seria esparsamente tutelado por todas as ciências específicas. Em outras palavras, a inexistência de uma definição precisa, que identifique concreta e juridicamente qual o bem ambiental, não permite que ele seja tratado como um direito autônomo, justamente porque a sua proteção seria fracionada nos diversos direitos que garantem o bem-estar e a qualidade de vida”.[4] 

Numa análise sumária do meio ambiente natural, a Lei 6.938/81, que foi integralmente recepcionada pelo texto constitucional de 1988,  em seu artigo 3º, trata do bens ambientais naturais que merecem a proteção especial, pois são bens de uso comum do povo, e como tal, podem ser desfrutados por todas as pessoas. 

Assim, dentro do caráter protecionista atribuído pelo legislador, merecem especial proteção e tutela, os recursos naturais representados pela atmosfera, as águas  interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora, pois todos são essenciais à sobrevivência  das pessoas, com um mínimo de dignidade humana.  

Igual destaque mereceu a prevenção da poluição, representada pela degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que diretamente ou indiretamente:  a)   prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;  b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;  c)   afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos. 

O legislador, no mesmo artigo 3º, classificou o poluidor, como  a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental, responsabilizando-o, civil e criminalmente, pelos danos causados ao meio ambiente natural.   

2.2 –  Meio Ambiente Artificial 

O legislador constituinte, ao estabelecer que todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, e que isso se constitui em um bem de uso comum do povo, não se referiu, por certo, apenas aos recursos naturais (água, solo, ar, fauna, flora, etc.), mas sim a um conceito mais amplo e elástico, que tutela a  vida em todas as suas formas,  e que compreende, obviamente, os componentes artificiais, tais como ruas, praças, bens culturais artificiais, dentre outros. 

É o que veio se chamar de meio ambiente artificial, responsável pelo ecossistema social, e que tem como objeto a proteção de componentes artificiais, urbanos, e que são responsáveis diretamente pela qualidade de vida das pessoas. 

O meio ambiente artificial, segundo o Prof. Celso Antonio Fiorillo[5] 

“(…) é compreendido pelo espaço urbano construído, consistente no conjunto  de edificações (chamado de espaço urbano fechado), e pelos equipamentos públicos (espaço urbano aberto). Dessa forma, todo o espaço construído, bem como todos os espaços habitáveis pelo homem compõem o meio ambiente artificial”. 

O meio ambiente artificial, ganhou tutela na Constituição Federal de 1988, em vários dispositivos que tratam da Política Urbana, dos quais são destacados: 

Artigo 5º, caput, que garante aos seus habitantes, o direito à vida, à segurança, à igualdade, à propriedade e à liberdade, o que só pode ser atingido, quando a cidade cumprir sua função social;

Artigo 5º, XXII, que estabelece a respeito da função social da propriedade;

Artigo 6º, que garante aos brasileiros e aos estrangeiros que vivem no solo brasileiro, o chamado piso vital mínimo, compreendido  pelos direitos sociais à educação, à saúde, ao lazer, ao trabalho, à previdência social, à maternidade, à infância e aos desamparados;

Artigo 21, XX, que dispõe sobre a competência da União para instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos;

Artigo 30, VII, que atribui ao Município a competência de promover o adequado ordenamento territorial,, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, bem como a competência suplementar residual trazida pelos incisos I e II do mesmo artigo.

Artigo 182,  que prescreve:  “A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”.

 Artigo 225, estabelece que “todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preserva-lo para as presentes e futuras gerações”.  

Posteriormente, através da Lei nº 10.257/2001, denominada de Estatuto da Cidade, foi criada a norma regulamentadora de maior importância para o meio ambiente artificial. 

Pelo aludido diploma legal, foram disciplinados, não apenas o uso da propriedade urbana, mas principalmente as diretrizes do meio ambiente artificial, fundado no equilíbrio ambiental (artigo 1º, parágrafo único do Estatuto), em perfeita consonância com a disciplina dos artigos 182 e 183 da carta magna. 

Conforme lição de Celso Antonio Pacheco Fiorillo, a respeito do objetivo do legislador, 

“… foi o de tratar o meio ambiente artificial não só em decorrência do que estabelece constitucionalmente o art. 225 da CF, na medida em que a individualização dos aspectos do meio ambiente tem puramente função didática, mas também em decorrência do que estabelecem os arts. 182 e 183 da Constituição Federal no sentido de direcionar aos operadores de direito facilidade maior no manejo da matéria, inclusive com a utilização dos instrumentos jurídicos trazidos fundamentalmente pelo direito ambiental constitucional brasileiro[6]. 

No entendimento do Prof. Celso Antonio Pacheco Fiorillo,  o meio ambiente passou a receber uma tutela mediata, pelo artigo 225 da Constituição Federal, e uma tutela  imediata, com a regulamentação dos artigos 182 e 183, pelo Estatuto da Cidade.  

Dentre os direitos garantidos no texto constitucional, e posteriormente, no Estatuto da Cidade, a brasileiros e estrangeiros residentes no país,  para o alcance de cidades sustentáveis, destacam-se: 

      • O direito à terra urbana e à moradia (artigo 2º, I, do Estatuto), como forma do exercício do direito à casa (art. 5º, XI, da CF), para que possam ter um local destinado a assegurar um asilo inviolável com a finalidade de garantir fundamentalmente seu direito à intimidade (art. 5º, X, seu direito à vida privada (art. 5º, X),  o direito à moradia (art.  6º), elevado ao status de direito constitucional, face a Emenda Constitucional nº 26/2000, assim como a organização de sua família (arts. 226 a 230);
      • O direito ao saneamento ambiental,  que consiste em disponibilizar alguns materiais fundamentais à sobrevivência humana, com o mínimo de dignidade, representados pelo o direito ao uso de águas, potável ou destinada à higiene, direito  a esgoto sanitário, direito ao ar atmosférico e sua circulação e direito ao descarte de resíduos;
      • O direito ao transporte,  com a disponibilização dos meios necessários destinados a sua livre locomoção, assegurando  vias para circulação das pessoas, meios de transporte adequado e seguro, bem como o escoamento dos produtos fundamentais para as relações econômicas e de consumo.
      • O direito aos serviços públicos, garantidos a brasileiros e estrangeiros residentes no país, na condição de consumidores em face do Poder Público municipal, que está obrigado, na condição de fornecedor de serviços, manter estes, de forma suficiente e de qualidade, quanto a rede de esgotos, abastecimento de água, gás e energia elétrica, coleta de lixo, captação de águas pluviais, dentre outros.
      • O direito ao trabalho, entendido como toda e qualquer atividade humana vinculada à transformação dos recursos ambientais (basicamente meio ambiente natural), visando satisfazer determinadas necessidades da pessoa humana, conforme a previsão do artigo 2º, I, do Estatuto da Cidade, devendo tal direito, estar garantido como diretriz a ser observada no planejamento da política urbana de cada cidade.
      • O direito ao lazer, que garante ao exercício de atividades prazeirosas no âmbito das cidades, sem o que, não há de se falar em garantia da dignidade humana, e o alcance do piso vital mínimo, preconizado no artigo 6º da Constituição, do qual o lazer é parte integrante, e  assegurado a brasileiro e estrangeiros residentes no País, seja com a realização de atividades culturais (salas de cinema, teatros), seja com atividades lúdicas (áreas para prática de esportes, praças para passeio e descanso, áreas arborizadas, etc.) e que são indispensáveis para a preservação da saúde das pessoas. 

A garantia e a eficácia do direito ambiental artificial, depende  de um bem elaborado Plano Diretor, exigido para todas as cidades com mais de  20 mil habitantes, com um planejamento adequado da aplicação dos recursos públicos, para atendimento das necessidades básicas da população.  

Para possibilitar a participação efetiva da população, no planejamento urbano, elegendo as  preferência no atendimento, dentro das possibilidades orçamentárias de cada cidade, é de suma importância a gestão orçamentária participativa, prevista no artigo 4º, III, f, do Estatuto da Cidade, sendo este um instrumento democrático de singular importância, para o exercício da cidadania.     

2.3 –  Meio ambiente do Trabalho 

Constitui-se o meio ambiente do trabalho, do local onde as pessoas  desenvolvem as atividades laborais,  em caráter remunerado ou não.

O equilíbrio buscado no meio ambiente do trabalho consiste na salubridade do meio,, e na ausência de agentes que possam comprometer a incolumidade físico-psiquica dos trabalhadores em geral, independentemente da qualificação, do sexo, da remuneração e do enquadramento profissional. 

A preservação do meio ambiente do trabalho, como garantia fundamental à dignidade humana, recebe na Carta Magna, tutela mediata, no artigo 225, e imediata, no seu artigo 200, VIII, que estabelece: 

“Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:

(…)

VIII – colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho”.

É importante a distinção feita entre a proteção do direito do trabalho, da assegurada ao meio ambiente do trabalho, citada por Celso Antonio Pacheco Fiorillo[7], 

“(…) porquanto esta última busca salvaguardar a saúde e a segurança do trabalhador no ambiente onde desenvolve suas atividades. O direito do trabalho, por sua vez, é o conjunto de normas jurídicas que disciplinam as relações jurídicas entre empregado e empregador”.  

Dentre os instrumentos colocados pelo legislador constitucional e infraconstitucional, para garantir  o meio ambiente do trabalho, destacamos:

      • Embargo, interdição e a greve: A segurança e a saúde no trabalho, são objetivos essenciais do meio ambiente do trabalho.  A Constituição Federal fixou, em seu artigo 196, um patamar básico a ser observado, como direito fundamental de saúde, ao expressar que: 

“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. 

Com a garantia constitucional do direito à saúde, tem irrestrita aplicabilidade as normas insertas na Consolidação das Leis do Trabalho (art. 161), e particularmente, na Constituição do Estado de São Paulo (art. 229, § 1º), que possibilitam a interdição da empresa e o embargo da obra,  e se constituem em instrumentos de proteção, com a  finalidade eliminar a insalubridade do meio ambiente do trabalho. 

Tanto o embargo de obra, quanto a interdição da empresa, poderão ser requeridos pela DRT – Delegacia Regional do Trabalho, por agente de inspeção do trabalho ou ainda por entidade sindical. 

      • Greve Ambiental:  A greve de uma forma geral, é um instrumento constitucional, previsto no artigo 9º,  conferido ao empregado das empresas privadas, para autodefesa de seus interesses.  Particularmente, quando se trata de reclamar da insalubridade do seu meio ambiente do trabalho, e que coloca em risco o direito à saúde, garantido no artigo 196, da Constituição Federal, pode se socorrer da greve ambiental, para defesa de seus direitos. 

Quanto aos servidores públicos civis, igual direito de greve, é garantido e disciplinado pelo artigo 37, VII, com as alterações introduzidas pela EC nº 19, de 4 de junho de 1998, e certamente, em casos de violação do direito à saúde, decorrente de meio ambiente do trabalho, tal direito pode ser também exercido.  

A Constituição do Estado de São Paulo,  também prevê esse instrumento de defesa, em seu artigo 229, § 2º, embora não tenha o legislador feito referência específica ao vocábulo greve, ao garantir proteção nas relações do trabalho, ao prever que:

“Art. 229  ……………………………………………………………………

(…)

§ 2º. Em condições de risco grave ou iminente no local de trabalho, será lícito ao empregado interromper suas atividades, sem prejuízo de quaisquer direitos, até a eliminação do risco”. 

Observa-se ainda que, pela previsão contida na CLT e da própria Constituição Estadual, o empregado receberá regularmente o salário a que faz jus, não sendo lícito ao empregador descontar os dias em que ocorrer paralisação, decorrente do embargo ou da interdição, uma vez que a garantia a um sadio ambiente de trabalho, é preceito constitucional que contribui para dignidade humana. 

2.4    Meio ambiente cultural 

No artigo 216 da Constituição Federal, está contido o conceito de meio ambiente cultural, assim descrito:

“Art. 216.  Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

 

I – as formas de expressão;

 

II – os modos de criar, fazer e viver;

 

III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

 

IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

 

V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.”

 

Na lição de Celso Antonio Pacheco Fiorillo e Marcelo Abelha Rodrigues[8] 

“O bem que compõe o chamado patrimônio cultural traduz a história de um povo, a sua formação, cultura e, portanto, os próprios elementos identificadores de sua cidadania, que constitui princípio fundamental norteador da República Federativa do Brasil”.             

Para o Prof. José Afonso da Silva[9], o meio ambiente cultural, 

“(…) é integrado pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, que embora artificial, em regra, como obra do homem, difere do anterior (que também é cultural) pelo sentido de valor especial” 

Todo o bem, de natureza difuso, referente a cultura, identidade e memória de um país e de seu povo, é considerado como patrimônio cultural, recebendo a proteção constitucional, nos artigos 215, caput, e 216, § 1º, que prescrevem: 

“Art. 215.  O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

 

(…)

 

Art. 216. (…)

 

§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.”              

Trata-se, portanto, de bem de natureza difuso, na medida em que  cabe ao Poder Público, o dever de preservar o patrimônio cultural, contando com a colaboração da comunidade, e que referidos bens pertence a todos.   

Dentre os instrumentos de preservação do meio ambiente cultural, previstos na legislação constitucional e infraconstitucional, merecem destaque o tombamento ambiental, a proteção internacional dos bens culturais, proibição a qualquer ato de racismo, garantia de liberdade de crença religiosa, defesa das línguas brasileiras, notadamente a dos indígenas, que representam os povos nativos, e afro-brasileiras, que são importantes manifestações culturais que integram o processo civilizatório  nacional. 

3.  O meio ambiente e a dignidade humana 

A  perfeita harmonia entre o  meio ambiente natural, cultural, do trabalho e artificial,  bens ambientais difusos e coletivos de  uso comum do todos, é que possibilita  a garantia de condições mínimas à qualidade de vida.  

Por sua vez,  o alcance do chamado piso vital mínimo, assegurado na Carta Magna, em seu artigo 6º, que garante  direitos sociais essenciais, tais como, a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o  lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, está diretamente relacionado à preservação de um ecossistema  equilibrado, sem o que, não se pode dar efetividade ao fundamento constitucional que garante a dignidade humana, estampado no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal.  

Portanto, sem a garantia de meio ambiente saudável e equilibrado, preservado inclusive para as futuras gerações,  não há como se  garantir dignidade à pessoa humana.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] Marcelo Abelha Rodrigues, Elemento de Direito Ambiental, p. 65,  RT, 2005

[2] Celso Antonio Pacheco Fiorillo, Curso de Direito Ambiental Brasileiro, p. 20

[3] Obra citada, p. 67

[4] Obra citada, p. 70

[5] Ob. Cit. p. 223

[6] Ob. Cit., p. 235

[7] Ob. Citada, p. 23

[8] Manual de Direito Ambiental e legislação aplicável,   p. 61

[9] Apud Celso Antonio Pacheco Fiorillo, Ob. Cit.   p. 22

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA 

 

 

CLOVIS BRASIL PEREIRA:  Advogado, com escritório na cidade de Guarulhos (SP); Especialista em Processo Civil; Licenciado em Estudos Sociais, História e Geografia. É Mestre em Direito (área de concentração: direitos difusos e coletivos),  Professor Universitário, lecionando atualmente as disciplinas Direito Processual Civil e Prática Jurídica Civil nas Faculdades Integradas de Itapetininga (SP) e UNICASTELO, São Paulo (SP);  ministra cursos na ESA- Escola Superior da Advocacia, no Estado de São Paulo,  Cursos Práticos de Atualização Profissional e  Palestras sobre temas atuais; é membro da Comissão do Advogado-Professor da OAB-SP; membro da Comissão de Ensino Jurídico da OAB-Guarulhos; é colaborador com artigos publicados nos vários sites e revistas jurídicas. É coordenador e editor do site jurídico www.prolegis.com.br

Contato:   prof.clovis@54.70.182.189

Texto extraída da Dissertação de Mestrado do Autor , “A LEGITIMIDADE ATIVA NA AÇÃO POPULAR  AMBIENTAL”, defendida em agosto de 2006, na UNIMES – Universidade Metropolitana de Santos, perante a Banca Examinadora presidida pelo Professor Doutor  Celso Antonio Pacheco Fiorillo.

Crítica à iniciativa probatória do Juiz no Processo Penal

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*Gisélle Maria Santos Pombal Sant’Anna  

1. Introdução

O presente artigo tem por escopo analisar se a iniciativa probatória do juiz no âmbito do processo penal se coaduna com os princípios e regras constantes da Constituição Federal.

                Para tanto, apresentam-se a previsão legal da possibilidade de o juiz determinar a produção de provas de ofício no processo penal e os argumentos aventados para fundamentar a referida previsão.

                Por fim, desenvolve-se a crítica à iniciativa probatória do juiz no processo penal para demonstrar a incompatibilidade desta previsão legal com o sistema processual penal adotado pelo nosso ordenamento jurídico e com as regras e princípios previstos na Magna Carta. 

2. Previsão Legal

O fundamento geral para o reconhecimento dos poderes instrutórios do juiz no processo penal brasileiro se encontra no artigo 156 do Código de Processo Penal, que assim estabelece: “a prova da alegação incumbirá a quem a fizer; mas o juiz poderá, no curso da instrução ou antes de proferir sentença, determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvida, sobre ponto relevante.” (grifo nosso)

Da leitura do citado artigo infere-se que o juiz pode determinar a produção de provas de ofício no curso da instrução a fim de sanar uma eventual dúvida acerca de uma questão relevante para sua decisão.

Nesse mesmo sentido, apresenta-se o artigo 209, também do Código de Processo Penal, ao estatuir que: “o juiz, quando julgar necessário, poderá ouvir outras testemunhas, além das indicadas pelas partes.” (grifo nosso)

O objetivo do legislador ordinário de 1941 quando da promulgação do Código de Processo Penal, ao estabelecer os artigos acima transcritos, se mostra claro na Exposição de Motivos do referido Código, na parte em que trata da matéria probatória, in verbis: 

O projeto abandonou radicalmente o sistema chamado da certeza legal. Atribui ao juiz a faculdade de iniciativa de provas complementares ou supletivas, quer no curso da instrução criminal, quer a final, antes de proferir a sentença.[…] Por outro lado, o juiz deixará de ser um espectador inerte da produção de provas. Sua intervenção na atividade processual é permitida, não somente para dirigir a marcha da ação penal e julgar a final, mas também para ordenar, de ofício, as provas que lhe parecerem úteis ao esclarecimento da verdade. Para a indagação desta, não estará sujeito a preclusões. Enquanto não estiver averiguada a matéria da acusação ou da defesa, e houver uma fonte de prova ainda não explorada, o juiz não deverá pronunciar o in dubio pro reo ou o non liquet […]. (grifos nossos) 

Com efeito, pode-se afirmar que a iniciativa probatória do juiz no processo penal brasileiro tem por fundamento, principalmente, a busca da verdade. Cabe lembrar, por oportuno, que essa mesma razão foi utilizada para justificar os ilimitados poderes instrutórios conferidos ao juiz no âmbito do sistema inquisitório.

Em suma, há um fundamento legal para que o juiz determine provas de ofício, tendo sido ressaltado na Exposição de Motivos do Código de Processo Penal que essa faculdade atribuída ao órgão julgador é complementar ou supletiva à atividade probatória desenvolvida pelas partes.

Cumpre analisar se essa autorização legal para a iniciativa probatória do juiz no processo penal encontra respaldo na Constituição Federal e nos princípios por ela aventados, conforme será abordado adiante. 

3. Breve exposição dos argumentos utilizados pelos Doutrinadores favoráveis à iniciativa probatória do juiz no processo penal

Historicamente, os poderes instrutórios do juiz estavam associados ao sistema inquisitório e à busca da verdade a qualquer custo. Nesse contexto, o acusado aparecia como mero objeto de investigação. A preocupação do órgão julgador era atingir a verdade em termos absolutos sem se preocupar com os meios utilizados para tal. Destarte, o processo penal aparecia como um instrumento para se atingir a verdade.

Atualmente, conforme afirmado alhures, a busca da verdade real é um argumento utilizado para justificar a atribuição de poderes instrutórios ao juiz. Isso porque, uma decisão só poderá ser considerada justa se estiver baseada em um conhecimento verdadeiro acerca dos fatos.

A título de exemplo, citem-se as considerações expostas por Francesco Chimenti: 

No processo penal, em regra, a iniciativa é oficial, pela própria natureza da matéria que versa. […] É preciso estabelecer condições para o aperfeiçoamento da instituição para obter-se a verdade material, não se contentando mais, com o ilusionismo, em vários momentos processuais.[1]  

Nesse mesmo sentido, Marcellus Polastri Lima entende que o juiz poderá produzir provas ex officio de forma supletiva, caso as partes não o façam, pois o processo penal busca a verdade real.[2]

Também para Paulo Cláudio Tovo,  

não demonstrada a procedência da pretensão punitiva deduzida em juízo, pelo acusador, seja por que motivo for, cumpre ao juiz investigar a verdade (sistema acusatório com resquício inquisitorial, único compatível com o princípio da verdade real ou material)[…].[3] 

Nota-se aqui o reconhecimento de uma verdade real, inerente ao processo penal, tendo em vista o fato de tal processo versar sobre direitos indisponíveis, contraposta à verdade formal, própria do processo civil.

Quanto a essa dicotomia da verdade, cabe ressaltar que a verdade é una, devendo o juiz buscar a maior aproximação possível de tal verdade, dentro de suas limitações, seja no processo penal, seja no processo civil.

Há autores os quais, reconhecendo a impossibilidade do alcance da verdade real no processo penal, asseveram que os poderes instrutórios do juiz são necessários para o esclarecimento da verdade, compreendida esta como aquela que pode ser alcançada dentro de um devido processo penal.

Nesse sentido, Gustavo Badaró entende que a verdade judicial, sendo necessariamente relativa, é aquela que o juiz irá buscar com base nas provas constantes dos autos e que possua a maior aproximação possível do que é definido como verdade. Para este autor, os poderes instrutórios do juiz podem ser considerados “um ganho no acertamento dos fatos” somados ao direito à prova das partes.[4]

Da mesma forma, Ada Grinover, partindo da premissa de que verdade e certeza se apresentam como denominações absolutas, esclarece que o juiz deve promover diligências a fim de obter “o maior grau de probabilidade possível”, sendo que “quanto maior sua iniciativa na atividade instrutória, mais perto da certeza ele chegará.”[5]

Analisando-se as posições expostas, conclui-se que os autores, os quais são favoráveis à iniciativa probatória do juiz, de alguma forma, associam tal atividade probatória do órgão julgador ao esclarecimento da verdade, possibilitado por uma reconstrução dos fatos mais eficiente.

Tais autores também negam a incompatibilidade entre os poderes instrutórios do juiz e o sistema acusatório.

Com efeito, Ada Grinover, afirma que o conceito de processo penal acusatório não tem a ver com a determinação de provas de ofício pelo juiz, sendo esta última relacionada ao adversarial system[6] que é próprio do direito anglo-saxão, se caracterizando pelo monopólio das partes na atividade probatória.

Para a aludida autora, o processo penal acusatório é aquele onde as funções de acusar, julgar e defender são atribuídas a órgãos distintos, disto decorrendo os seguintes corolários:  

a-1) os elementos probatórios colhidos na investigação prévia servem exclusivamente para a formação do convencimento do acusador, não podendo ingressar no processo e ser valorado como provas; a-2) o exercício da jurisdição depende da acusação formulada por órgão diverso do juiz; a-3) todo o processo deve desenvolver-se em contraditório pleno, perante o juiz natural.[7]

 Gustavo Badaró também considera que os poderes instrutórios do juiz não dizem respeito à essência do sistema acusatório, destacando esse autor que o processo penal acusatório moderno permite a iniciativa probatória do juiz, caracterizando, assim, um “modelo acusatório atenuado”.[8]

Um outro argumento utilizado pelos Doutrinadores favoráveis aos poderes instrutórios do juiz no processo penal consiste no fato de que a publicização do processo e o reconhecimento de sua função social exigem um papel mais ativo do juiz, visando garantir o efetivo contraditório e a igualdade substancial entre as partes, além de fornecer uma melhor prestação jurisdicional.

Tais Doutrinadores entendem que a imparcialidade exigida para o julgamento não restará comprometida se o juiz possuir iniciativa probatória.  Isso porque consideram que, quando o juiz determina a produção de uma prova ex officio, ele não sabe o que poderá advir desta atividade e, conseqüentemente, qual parte será beneficiada com aquela prova, não aventada pela acusação e defesa.[9]

Gustavo Badaró acrescenta que só haverá prejuízo da imparcialidade do juiz se a determinação de produção de provas de ofício recair sobre fontes de prova, pois, dessa forma, o órgão julgador estaria vinculado a uma hipótese prévia. O referido autor argumenta que a imparcialidade é garantida pelo contraditório e pelo princípio da motivação das decisões judiciais.[10]

Nesse mesmo sentido, Ada Grinover elenca os limites à atividade instrutória do juiz, quais sejam, contraditório, motivação das decisões judiciárias e licitude e legitimidade das provas[11], sendo o contraditório entendido como a participação tanto das partes como do juiz na produção da prova.

Em síntese, são aventados os seguintes argumentos para justificar a atribuição de iniciativa probatória ao juiz no processo penal:

a) a busca da verdade real, que informa o processo penal, entendida esta por alguns autores não em um sentido absoluto, mas como a maior aproximação possível da verdade;

b) melhor reconstrução histórica dos fatos;

c) ausência de ofensa ao sistema acusatório;

d) não comprometimento da imparcialidade;

e) concepção publicista e função social do processo penal que exigem um juiz ativo para estimular o contraditório e a promover a igualdade substancial entre as partes.

 4. Crítica à iniciativa probatória do juiz no processo penal

 Em que pesem os argumentos apresentados para fundamentar a manutenção da atribuição de iniciativa probatória ao juiz no processo penal em nosso ordenamento jurídico, entende-se que os artigos do Código de Processo Penal que trazem tal previsão vão de encontro a nossa Magna Carta e, por conseguinte, aos princípios e regras por ela aduzidos.

Conforme afirmado alhures, historicamente, a atribuição de poderes instrutórios esteve sempre ligada ao sistema inquisitório, onde o juiz não possuía limites para o alcance da “verdade real”.

Poder-se-ia imaginar que a falta de limites à atividade instrutória do juiz nesse sistema permitisse a obtenção dessa verdade absoluta. Porém, o alcance da verdade de forma absoluta é algo impossível para a condição humana.

Além disso, ressaltem-se as limitações à busca da verdade no processo penal, quais sejam, impossibilidade de observação direta dos fatos, o “caráter irredutivelmente provável da verdade fática e o inevitavelmente opinativo da verdade jurídica das teses judiciais”, a subjetividade do juiz e subjetividade das fontes de prova.[12]

No sistema inquisitório, o juiz, reunindo as funções de acusar e julgar, formulava uma hipótese em sua mente e saía à busca do material probatório para reiterar aquela mesma hipótese, obtendo, dessa forma, uma “reconstrução” dos fatos distorcida.

Nesse contexto, é cediço que não há espaço para imparcialidade. A reunião das funções de acusar e julgar na mesma pessoa impede a presença da referida garantia, garantia esta que é de suma importância para o acusado e para a obtenção de uma decisão justa.

Destarte, entende-se que se o juiz não se mantiver afastado de qualquer atividade probatória, sua imparcialidade estará visivelmente comprometida.

Nas lições de Geraldo Prado, “a introdução de material probatório é precedida da consideração psicológica pertinente aos rumos que o citado material possa determinar, se efetivamente incorporado ao processo.”  Tal autor acrescenta que “quem procura sabe ao certo o que pretende encontrar e isso, em termos de processo penal condenatório, representa uma inclinação ou tendência perigosamente comprometedora da imparcialidade do julgador.”[13]

Quanto à imparcialidade, Aury Lopes Júnior nos ensina que esta “corresponde exatamente a essa posição de terceiro que o Estado ocupa no processo, por meio do juiz, atuando como órgão supra-ordenado às partes ativa e passiva.”[14]

Se o juiz não for imparcial, haverá um prejuízo à reconstrução histórica dos fatos, uma das finalidades do processo penal. A atribuição de poderes instrutórios ao juiz impede a melhor aproximação possível da verdade e não sendo tal aproximação obtida, a decisão não poderá ser considerada justa.

Comprometida a imparcialidade, fica clara a não observância do devido processo legal, garantia fundamental, prevista no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, que assim dispõe: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

A relevância da garantia da imparcialidade para o devido processo legal foi destacada pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1570-2 proposta pelo Procurador-Geral da República, em face do artigo 3º, da Lei nº 9.034/95, no voto do relator, Ministro Maurício Corrêa, citando entendimento do ex-Ministro do Superior Tribunal de Justiça Adhemar Ferreira Maciel, nesses termos: 

Essa atividade coletora de provas do juiz, […], viola a cláusula do ‘due process of law’. Viola, porque compromete psicologicamente o juiz em sua imparcialidade. E a imparcialidade, como sabemos, é virtude exigida de todo e qualquer magistrado […] E coletando provas, não paira dúvida, ele será fatalmente influenciado. Talvez valesse para um ‘juiz preparador’ nunca para um ‘juiz julgador’. Ademais, o ‘princípio da ação’, do ne procedat judex ex officio, impede e, na prática, desaconselha o magistrado na fase administrativa de colher provas, como o desaconselha a ajuizar ações penais de ofício. Esse não é o papel institucional e constitucional reservado ao magistrado.[15] 

Apesar de este voto discorrer acerca da atividade investigatória do juiz antes do ajuizamento da ação penal, sua utilização no presente trabalho se faz necessária para mostrar a importância da garantia da imparcialidade no devido processo legal.[16]

Outra garantia fundamental que é fatalmente desrespeitada se o juiz possuir iniciativa probatória no processo penal é a da ampla defesa, também prevista no artigo 5º, inciso LV, da Constituição, in verbis: “os litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados e geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e os recursos a ela inerentes”.

Tal garantia será violada, pois entendida a ampla defesa como aquela em que “devem ser imputados todos os concretos direitos, de que o argüido dispõe, de co-determinar ou conformar a decisão final do processo”[17], se o juiz já estiver comprometido desde início com uma das versões, o acusado não possuirá o direito de defesa na amplitude abordada acima, não havendo nem necessidade da existência de processo penal.

Mesmo o contraditório, outra garantia fundamental prevista no inciso acima transcrito, consistente na ciência do ato levado a efeito pela outra parte e possibilidade de refutá-lo, restará prejudicado se o juiz possuir poderes instrutórios, pois não se vislumbra a possibilidade de contraditório entre o acusado e o juiz, a quem cabe prolatar a decisão.[18]

Sendo assim, não pode a garantia do contraditório ser utilizada como forma de controle da iniciativa probatória do juiz. Entende-se que nem mesmo a motivação das decisões judiciais se prestaria efetivamente a esse fim. Isso porque o juiz, ao expor as razões pelas quais está determinando a produção de uma prova de ofício, acabará mostrando o seu envolvimento com uma das versões, mesmo que de forma implícita.

Não está se afirmando que o juiz não deva motivar as suas decisões, porém essa função de controle atribuída a esse princípio constitucional no caso da determinação de provas de ofício pelo juiz só será verificada formalmente.

Também a garantia do juiz natural que consiste não somente na previsão anterior das regras de julgamento, mas também na imparcialidade do órgão julgador, é violada com a atribuição de poderes instrutórios ao juiz. Essa garantia está prevista no art. 5º, inciso LIII, da Constituição, que assim dispõe: “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.

Devido ao fato de a preservação da imparcialidade do juiz ser exigida pelo princípio da presunção de inocência, previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição, a atribuição de poderes instrutórios ao juiz também compromete tal princípio em última análise.

O reconhecimento de que a determinação de provas de ofício pelo juiz viola garantias fundamentais, nos termos explicados alhures, já seria suficiente para demonstrar que tal previsão do Código de Processo Penal não se sustenta em face da Constituição Federal.

Contudo, é imperioso analisar o próprio sistema processual penal adotado pela Constituição Brasileira e se a iniciativa probatória do juiz está em consonância com esse sistema.

O artigo 129, I, da Magna Carta, estatui que: “são funções institucionais do Ministério Público: I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei […]”.

Destarte, o Ministério Público possui, privativamente, a titularidade da pretensão punitiva nos casos de ação penal pública, o que mostra a nítida separação entre as funções de acusar e julgar.

Logo, o juiz deve se manter afastado de qualquer atividade investigatória ou probatória, em posição eqüidistante das partes, funcionando como garantidor dos direitos fundamentais e preservando a sua imparcialidade para a obtenção da melhor decisão.

Some-se a isso os princípios aduzidos pela Lei Maior, quais sejam, contraditório, ampla defesa, devido processo legal, presunção de inocência, igualdade, juiz natural, dentre outros.

Da análise desses dispositivos constitucionais, pode-se afirmar que a Constituição adotou o sistema acusatório, porém de forma implícita.

Esse sistema, nas lições de Jacinto Coutinho,  

[…]da maneira como foi estruturado não deixa muito espaço para que o juiz desenvolva aquilo que Cordero, com razão, chamou de ‘quadro mental paranóico’, em face de não ser, por excelência, o gestor da prova pois, quando o é, tem, quase que por definição, a possibilidade de decidir antes e, depois, sair em busca do material probatório suficiente para confirmar a ‘sua’ versão, isto é, o sistema legitima a possibilidade de crença no imaginário, a qual toma como verdadeiro.[19]

 Para que haja um sistema acusatório, as funções de acusar, julgar e defender devem ser atribuídas a sujeitos distintos, estando, dessa forma, preservada a imparcialidade daquele a quem compete o julgamento.

Entende-se que o a essência do sistema acusatório está na gestão da prova e não apenas na previsão de separação das funções aludidas acima.

A separação de tais funções de forma inicial, antes de instaurado o processo, não é suficiente, devendo a mesma ser mantida no curso de todo o processo penal para que a imparcialidade do juiz seja preservada.

De nada adianta a Constituição ter separado as funções de acusar e julgar e o nosso Código de Processo Penal prever a possibilidade de o juiz determinar a produção de provas de ofício, atividade que cabe às partes.

Nesse ponto, cumpre ressaltar que o direito à prova pode ser conceituado como um direito reconhecido à parte de “empregar todas as provas de que dispõe; com o fim de demonstrar a verdade dos fatos que fundamentam sua pretensão.”[20]

Tal direito possui os mesmos fundamentos do direito de ação e de defesa, compreendendo, segundo Antonio Magalhães Gomes Filho, o direito à investigação, o poder de iniciativa em relação à introdução do material probatório no processo (direito de proposição), o direito à exclusão das provas inadmissíveis, impertinentes ou irrelevantes, o poder participar da produção da prova e o direito à valoração das provas trazidas.[21]

Destarte, se o juiz determinar a produção de ofício de uma determinada prova que venha a favorecer a acusação, estará se investindo em uma atividade própria do órgão de acusação, qual seja, o Ministério Público, em verdadeira afronta ao sistema acusatório. E, ao reunir essas funções, não restam dúvidas de que a sua imparcialidade estará prejudicada.

Entende-se que a igualdade substancial entre as partes estará garantida quando o juiz se mantiver afastado de qualquer atividade probatória, proporcionando, dessa forma, uma reconstrução histórica dos fatos mais próxima da realidade.

Determinando provas de ofício, o juiz se envolve de forma antecipada com uma das versões, violando, destarte, a imparcialidade e impedindo a reconstrução dos fatos e o alcance da verdade processual.

Caso o Ministério Público seja negligente na produção de provas, o que não pode ser vislumbrado, tendo em vista todo o aparato de que este órgão dispõe, deve o juiz absolver o réu, tendo em vista os princípios do in dubio pro reo e o da presunção de inocência.

Destarte, saliente-se que a previsão da iniciativa probatória do juiz é prejudicial ao acusado, pois, caso o órgão ministerial não consiga trazer para o processo provas suficientes para a condenação, por ser o in dubio pro reo a regra de julgamento, somente restaria ao juiz absolver o acusado.

Contudo, se o órgão julgador puder determinar provas de ofício, poderá vir a produzir uma prova necessária para a condenação do acusado, o que compromete a imparcialidade e, por conseqüência, a reconstrução dos fatos, pois o juiz irá considerar apenas as provas por ele produzidas.

 5. Conclusão

Considerando os argumentos aduzidos, conclui-se que a possibilidade de o juiz determinar a produção de provas de ofício no processo penal não se sustenta em face da Constituição Federal por violar garantias fundamentais, tais como o contraditório, o devido processo legal, a ampla defesa, dentre outras.

Além disso, diante da adoção implícita do sistema acusatório pela Magna Carta, não há como se manter em nosso ordenamento jurídico a previsão de iniciativa probatória do juiz no âmbito do processo penal, mesmo que tal atividade seja supletiva à das partes.

O Sistema Acusatório, ao separar nitidamente as funções de acusar, julgar e defender, deslocou o juiz para uma posição eqüidistante das partes, visando à preservação de sua imparcialidade, garantia esta muito relevante para o devido processo legal, visto que proporciona uma melhor reconstrução histórica dos fatos e, por conseguinte, o alcance da maior aproximação com a verdade possível.

Deve o juiz zelar pela preservação dos direitos fundamentais do acusado e da sociedade, conciliando tais interesses e, para tanto, deve se manter afastado de qualquer atividade relacionada à determinação de provas de ofício.

 


 

Notas

[1] CHIMENTI, Francesco. O Processo Penal e a Verdade Material (Teoria da Prova). Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 40.

[2] LIMA, Marcellus Polastri. A Prova Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 18.

[3] TOVO, Paulo Cláudio apud LIMA, Marcellus Polastri. Op. cit., p. 17.

[4] BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da Prova no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 37 e 116.

[5] GRINOVER, Ada Pellegrini. A Iniciativa Instrutória do Juiz no Processo Penal Acusatório. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 347, p. 03-10, jul./ago./set. 1999, p. 5.

[6] Ibid, p. 4.

[7] Ibid, p. 3/4.

[8] Op. cit., p. 113 e 122.

[9] Nesse sentido: BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Op. cit., p. 79 e 83; GRINOVER, Ada Pellegrini. Op. cit., p. 5/6.

[10] Op. cit., p. 119 e 84.

[11] GRINOVER, Ada Pellegrini. Op. cit., p. 6/7. A autora nos esclarece que as provas ilícitas são aquelas obtidas com desrespeito às normas ou a valores constitucionais, enquanto as provas ilegítimas vão de encontro às regras processuais.

[12] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão Teoria do Garantismo Penal. Tradução Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 46/48.

[13] PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p.136/137.

[14] LOPES JR., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). 3. ed. rev. atual. e aum. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 85.

[15] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade nº 1570-2. Requerente: Procurador-Geral da República. Requerido: Congresso Nacional. Relator: Maurício Corrêa. Brasília, Ementário nº 2169-1, Diário de Justiça de 22.10.2004.

[16] Cumpre ressaltar que, para Geraldo Prado, ocorre o mesmo tipo de comprometimento psicológico se o juiz possuir a iniciativa de introduzir meios de prova no processo e tiver a possibilidade de iniciar a ação penal, pois nos dois casos irá fundamentar sua decisão nas provas por ele trazidas. Op. cit., p. 137.

[17] DIAS, Jorge de Figueiredo. “Sobre os Sujeitos Processuais no Novo Código de Processo Penal”, in Jornadas de Direito Processual Penal, Coimbra: Almedina, 1992, p. 28 apud PRADO, Geraldo. Op. cit., p. 106/107.

[18] Nesse sentido: PRADO, Geraldo. Loc. Cit.

[19] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Introdução aos Princípios Gerais do Direito Processual Penal Brasileiro. Net, mai. 1998. Disponível em: <www.direitosfundamentais.com.br>. Acesso em 23 mai. 2006, p. 32.

[20] GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à Prova no Processo Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 83.

[21] Ibid., p. 85/89.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

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ZILI, Marcos Alexandre Coelho. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

GISÉLLE MARIA SANTOS POMBAL SANT’ANNA:  Servidora Pública da Procuradoria Regional da República da 2ª Região

Advogado não é relógio! Primeira decisão do STJ acerca do cabimento de honorários advocatícios em cumprimento de sentença

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*Alessandro Rostagno

O Relógio

Passa o tempo

tic, tac, tic, tac
passa a hora
Chega logo
tic, tac, tic, tac
vai-te embora,
Passa tempo bem depressa
Não atrasa nem demora,
Que já estou muito cansado,
Já perdi toda a alegria
de fazer meu tic, tac tic, tac, noite e dia,
tic, tac, tic, tac,
dia e noite,
noite e dia,
Tic-tac-tic-tac-tic-tac,
Tic-tac-tic-tac-tic-tac…

Vinicius de Moraes


Resumo: Trata-se de artigo que aborda a polêmica questão do cabimento dos honorários advocatícios em execução de sentença, apresentando toda a discussão jurisprudencial acerca do tema, e a recente posição do Superior Tribunal de Justiça no sentido do cabimento da verba honorária em cumprimento de sentença, por força da necessidade de reconhecimento do trabalho desenvolvido pelo causídico ante o princípio da causalidade, independentemente da existência ou não de sucumbência.

Palavras-chave: Cumprimento de sentença. Honorários. Superior Tribunal de Justiça.

Abstract: This is the article that deals with the controversial issue of attorneys fees in place of the execution of judgement, presenting all the discussion about the legal issue, and the recent position of the Superior Court of Justice in order to place the funds in compliance with honorary award, by strength of the need for recognition of the work done by lawyer before the principle of causality.

Keywords: Compliance of judgement. Fees. Superior Court of Justice

 

1. Honorários – conceito, elementos e a conturbada posição jurisprudencial dos tribunais

Assim como ‘o relógio’ [01] de Vinícius de Morais, o exercício profissional da advocacia também se vê às voltas com o tempo, que passa a toda hora, em um labor de dia e noite, num tic-tac dialético, que ora se vai embora de repente ou quase sempre ‘não chega logo’ (como escreve o poetinha), e que também gera cansaço, mas também muitas alegrias, em razão de um trabalho incessante que, diferentemente da máquina do tempo (que trabalha, sem nenhum custo, a serviço de seu dono), tem sua contraprestação recebida em nome de sua honra.

Honorários’ vem do latim honorarius, que se liga ao radical honor, ou honra, e se caracteriza pelo recebimento de coisa ou valor em razão do merecimento, do múnus público de defesa de alguém, caracterizado em uma arte de construção de idéias pelo intelecto e pela oratória, bem como em razão das brilhantes tarefas desenvolvidas por aqueles que atuavam na função de advocatus.

No contexto de uma sociedade baseada em ideais capitalistas, difícil se manter, nos dias de hoje, o ideal tão somente honorífico das longínquas tradições romanas, eis que, na realidade da vida e das classes profissionais, resta incompatível a retribuição de um serviço profissional prestado baseado somente em notoriedade, fama e honra que a atividade confere.

Não só diante das várias passagens do texto legal que rege a lei n. 8906/94 (Estatuto da Advocacia) [02], a imprimir a idéia de que o trabalho do advogado deve ser remunerado, tem-se sedimentado na jurisprudência no sentido de que a contraprestação do exercício profissional e técnico efetivada pelo advogado tem natureza jurídica eminentemente alimentar, aplicando-se inclusive, por força deste reconhecimento, as garantias previstas na Súmula 144 do Superior Tribunal de Justiça. [03] [04]

Nem sequer podemos presumir a gratuidade de referida atividade, pois resta claro, pela disposição do Código Civil Brasileiro, que "o mandato presume-se gratuito quando não houver sido estipulada retribuição, exceto se o seu objeto corresponder ao daqueles que o mandatário trata por ofício ou profissão lucrativa." [05]

Verifica-se que a remuneração (honorários) de todo o trabalho desenvolvido pelo advogado, assim como o de todo profissional liberal, visa um só objetivo: seu sustento profissional e familiar, possibilitando sua mantença digna como prestador de um serviço, configurando uma retribuição econômica por toda a atividade técnica desenvolvida.

É direito personalíssimo, que se vincula à pessoa que exerce atividade ‘indispensável à administração da justiça’, nos termos da Constituição Federal, configurando-se como contraprestação justa, digna e precisa diante dos trabalhos produzidos, seja em sede extrajudicial ou diante do exercício profissional desenvolvido em processos judiciais, correspondendo a valores devidos por força de contrato escrito com o cliente, em razão de sucumbência judicial ou arbitramento judicial. [06] [07]

A delimitação de quando e quanto perceberá o advogado, sobretudo no que diz respeito aos trabalhos forenses produzidos, seja em razão da causalidade de ter sido o seu cliente trazido a juízo ou em razão da sucumbência da parte contrária a que lhe contratou, sempre foi objeto de muita discussão pela doutrina e pela jurisprudência, e de omissão, inclusive da própria lei processual, em razão das sucessivas modificações legislativas que o sistema processual civil brasileiro vem sofrendo há longos anos.

Perfazendo-se um retrospecto histórico, tanto pela análise de algumas posições doutrinárias, como no âmbito da jurisprudência aplicada às questões relacionadas ao cabimento ou não dos honorários, em dados momentos processuais, a interpretação que se apresenta na grande maioria dos casos apreciados está no sentido de sempre ser restringida ou diminuída a verba remuneratória destinada ao advogado, desconsiderando-se, muitas vezes, os efetivos e diferenciados trabalhos processuais realizados pelo causídico em diferentes fases da mesma relação processual.

Recordam-se ‘os mais experientes’ da inútil discussão que a doutrina e jurisprudência travaram nos idos da promulgação do então Código Buzaid, em 1973, e que perdurou por longo tempo, acerca do cabimento ou não dos honorários advocatícios em sede de ação cautelar, dada a discussão relacionada à sua autonomia. [08]

Independentemente da autonomia ou não da cautelar, então discutida àquela época, observa-se que o fulcro da questão sempre desprezou o trabalho de diferente conteúdo desenvolvido pelos advogados, denegando-se honorários advocatícios no processo cautelar, sob o pretexto processual de que em um deles (cautelar) se reprisaria a discussão tida no processo principal (conhecimento), até porque dependente deste último.

Hoje, é pacífico o entendimento de que mesmo quando o julgamento de ambos os processos (cautelar e principal) seja efetivado em conjunto, ou mesmo que o cautelar seja extinto sem julgamento de mérito, há a necessidade da imposição de honorários advocatícios em cada uma das etapas processuais, remuneração esta derivada dos trabalhos produzidos, sobretudo pelo princípio da causalidade, e não em razão da natureza jurídica dos momentos processuais. [09]

Nesse mesmo sentido jurisprudencial, o Superior Tribunal de Justiça, em incidentes processuais, afasta a imposição de verba honorária que reconheça o trabalho do advogado nestes momentos de um processo de conhecimento ou cautelar, sob o pretexto de que o incidente está inserido no contexto da cognição ou da cautela e pelo fato de a sentença a ser prolatada envolver estas questões, de forma direta ou indireta, concluindo-se que a eventual condenação em honorários advocatícios no decisum principal seria suficiente para alcançar os demais momentos processuais correlatos.

Assim sendo, ficou reconhecido, em linhas gerais, dentre outras hipóteses, que descabem honorários advocatícios na exceção de incompetência relativa [10], na impugnação ao valor da causa [11], na discussão acerca do benefício da assistência judiciária gratuita [12], no incidente de falsidade [13], na discordância de cálculos de liquidação de sentença [14] e na exceção de pré-executividade rejeitada. [15]

Excetuam-se destas hipóteses raros exemplos de reconhecimento de verba honorária em incidentes processuais, nos quais o Superior Tribunal de Justiça reconhece os trabalhos desenvolvidos pelo advogado, como no discutido cabimento de honorários advocatícios em liquidação por artigos [16] e em algumas hipóteses de exceção de pré-executividade julgada improcedente. [17]

Em exemplo mais recente, já na esfera da execução de sentença, e se aproximando ao tema específico deste artigo, mais e mais debates foram travados, da edição do Código de Processo Civil até o advento da lei n. 8.952, de 13.12.1994, que passou a acrescentar às disposições originais do art. 20 do CPC um quarto parágrafo, que disciplinou o cabimento dos honorários nas execuções embargadas ou não, mediante apreciação eqüitativa do magistrado, atendidos o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação dos serviços, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. [18]

Neste exemplo colacionado, insisto na idéia lançada de que é costumeiro da jurisprudência não reconhecer o direito à remuneração de trabalhos profissionais produzidos em diversas etapas do processo, em razão de aspectos diversos e incontáveis, pois se verifica que, mesmo diante da clareza do texto legal prescrito no art. 20, parágrafo 4º do CPC, no sentido de que a expressão ‘execução, embargada ou não’ relaciona-se a todas as execuções por título executivo extrajudicial ou judicial, sem restrições, incontáveis foram os julgados do Superior Tribunal de Justiça que, por longo tempo, tentaram limitar a incidência do cabimento de honorários advocatícios em sede executiva.

Observe-se que, mesmo após o advento da reforma processual, que inseriu o referido parágrafo 4º do art. 20 do CPC, o Superior Tribunal de Justiça, em uma primeira interpretação do dispositivo, de forma até incoerente com o texto da norma, condicionou a atribuição de honorários advocatícios em execução de título judicial à apresentação de embargos do devedor que fossem julgados improcedentes. [19]

Divergindo desta posição, surgiram alguns precedentes, relatados até pelo mesmo Ministro relator do caso julgado anterior, reconhecendo o cabimento de verba remuneratória ao causídico também em execuções por título judicial, ainda que não embargadas. [20]

Pouco tempo mais tarde, o próprio STJ, em uma reviravolta de sua jurisprudência, em dois precedentes, que fizeram retroagir o conteúdo dos julgados até então formados, passou a sustentar que a verba deferida na fase cognitiva do processo já remuneraria a previsível fase executória e que os honorários advocatícios que visam a compensar gastos com o profissional contratado já estariam incluídos na sentença prolatada no processo de conhecimento. [21]

Também nesse sentido, diversos julgados do STJ sinalizaram a idéia de que, inexistindo embargos na execução de sentença, descabe a imposição de honorários advocatícios em vista da ausência de ‘sucumbência’. [22]

Observe-se, novamente, que, analisando o conteúdo dos julgados supra referidos, verifica-se que os mesmos deixam de reconhecer o trabalho efetivado pelo advogado em sede executiva, e mais uma vez, desprestigiando o exercício profissional da advocacia em prol de uma justificativa processual, seja porque limitam-se a formalizar a posição de que a referida verba já foi objeto da sentença prolatada no processo de conhecimento e que este momento processual já englobaria os eventuais desdobramentos que adviriam com a futura execução do julgado, seja porque sustentam que inexistiram embargos à execução opostos incidentalmente.

Estas discussões somente tomaram rumo adequado, no sentido do reconhecimento do cabimento de honorários em quaisquer execuções, ‘embargadas ou não’, cumprindo efetivamente a lei processual, com o julgado prolatado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, que tem por teor a seguinte disposição: "A nova redação do art. 20, § 4º, do CPC deixa induvidoso o cabimento de honorários de honorários de advogado em execução, mesmo não embargada, não fazendo a lei, para esse fim, distinção entre execução fundada em titulo judicial e execução fundada em titulo extrajudicial." [23]

2. As reformas do CPC, honorários advocatícios e o cumprimento de sentença

Com o advento da Lei n. 11.232/05, que instituiu a nova sistemática da execução das sentenças no âmbito do processo civil brasileiro, em vista da total ausência de previsão legal, dois problemas, de início, podem ser levantados acerca do cabimento de honorários advocatícios na fase de cumprimento de sentença.

O primeiro ponto polêmico diz respeito à possibilidade ou não da fixação inicial de honorários advocatícios pelo magistrado, desde o início da fase executiva, uma vez não cumprido pelo devedor, espontaneamente, o julgado proferido, nos termos do art. 475-J do CPC.

No sistema anterior, o devedor, em sede de execução por quantia certa, derivada de titulo extrajudicial ou diante da execução de uma sentença, era citado nos termos do antigo art. 652 do CPC para, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, pagar ou nomear bens à penhora.

O antigo livro II, onde estava alocada a disposição legal supra citada, era aplicado a todas as execuções de sentença por quantia certa contra devedor solvente, bem como às execuções de igual teor, com base em títulos extrajudiciais, a teor do antigo art. 583 do CPC.

Assim sendo, com o despacho inicial, ao receber pedido de execução por título extrajudicial ou judicial, o juiz, desde logo, determinava a expedição de mandado de citação do devedor para pagamento ou nomeação de bens, nos termos da lei, fazendo incluir nessa ordem, além das custas processuais, o valor dos honorários advocatícios arbitrados, equitativamente, a teor do art. 20, parágrafo 4º. do CPC, em favor do advogado do exeqüente.

A sistemática de arbitramento de honorários, na fase inicial da execução, não foi alterada pela lei 11.382/06, que tratou da execução de títulos extrajudiciais, mas, pelo contrário, recebeu especial atenção, sendo incorporado ao CPC o novo art. 652-A, que determina ao juiz a fixação de plano dos honorários de advogado a serem pagos pelo devedor. [24]

Na sistemática do cumprimento de sentença, de acordo com o texto legal do novo art. 475-J e dos seus dispositivos seguintes, não se observa qualquer disposição legal que mencione o cabimento de honorários advocatícios em quaisquer momentos processuais por que passa o procedimento previsto para a fase executiva do julgado.

Assim sendo, ante a omissão legislativa e conforme a disposição contida no art. 475-R do CPC, que dispõe sobre a aplicação subsidiária das regras atinentes à execução por quantia certa contra devedor solvente ao cumprimento de sentença, indaga-se: o novo art. 652-A pode ser projetado sobre a execução das sentenças, após o não cumprimento voluntário do decisum pelo devedor, nos termos do art. 475-J? [25]

Ante a omissão legislativa e numa indagação que é imediata, deve o juiz impor honorários advocatícios em fase inicial de cumprimento de sentença?

Quase toda a doutrina que se produziu após o advento das leis n. 11.232/05 e 11.382/06, e que tocou especificamente no assunto, é precisa em afirmar que a aplicação subsidiária do procedimento de execução por quantia certa contra devedor solvente, vinculado nos dias de hoje às execuções de título extrajudicial, aplica-se ao cumprimento de sentença, sendo imprescindível a imposição eqüitativa de honorários pelo juiz na fase executiva inicial, mas que ainda não foi objeto de impugnação. [26]

Ora, nem poderia deixar de ser assim, pois o advogado do exeqüente terá que trabalhar após a fase cognitiva, seja requerendo o cumprimento de sentença para dar início à aplicação do art. 475-J, no entendimento daqueles que, como eu, sustentam a necessidade de um requerimento inicial ofertado após o trânsito em julgado pelo advogado do credor [27]; seja requerendo penhora e avaliação nos termos da segunda parte do mesmo dispositivo legal, para aqueles que entendem que o cumprimento se inicia automaticamente, após o transito em julgado, nos termos da recente orientação jurisprudencial do STJ [28]; seja após a intimação do devedor na pessoa de seu advogado, para cumprir voluntariamente o decisum, como ainda entendem muitos juízes e Tribunais [29]; seja após o retorno do mandado ou AR (aviso de recebimento) aos autos que tiveram por objetivo dar intimação pessoal ao devedor para cumprir a sentença. [30]

Em todas estas circunstâncias, ultrapassado o prazo de quinze dias para o cumprimento voluntário da obrigação fixada na sentença, e não efetivado o pagamento, terá o advogado do exeqüente que buscar, através dos meios executivos expropriatórios previstos na lei, a satisfação do crédito de seu cliente, exercendo tecnicamente seu trabalho profissional, que dará ensejo indiscutível à verba honorária fixada pelo juiz, desde logo, após a imposição da multa.

Esta verba se somará às despesas processuais e à multa de 10% (dez por cento), e permitirá a fixação dos valores que darão base à confecção do mandado de penhora e avaliação.

Prova disso é a disposição do artigo 710 do CPC, que ainda continua em vigor, deixando claro que, "estando o credor pago do principal, juros, custas e honorários, a importância que sobejar será restituída ao devedor", fazendo nítida menção à existência de honorários advocatícios em sede de execução de sentença.

Humberto Theodoro Júnior encabeça a posição contrária a estas linhas de pensamento expostas, pois, em seu entender, a disposição prevista no art. 652-A é exclusiva da execução por título extrajudicial, alertando para o fato de que a nova reforma tratou o momento processual como um ‘simples incidente’ e este seria objeto do processo de conhecimento onde foi prolatada a sentença que reconheceu a verba honorária, não havendo que se falar em acréscimo desta na fase executiva. [31]

Sustenta ainda o nobre processualista que não há nova citação na etapa de cumprimento e que, mesmo quando da vigência da execução autônoma, já era polêmica a discussão acerca da imposição de novos honorários de sucumbência na citação do executado, pois, conforme jurisprudência do STJ, se inexistente a ‘sucumbência’, inexistiriam honorários advocatícios devidos. [32]

Ousamos discordar desta posição, haja vista que, independentemente da inexistência de sucumbência, que é tipicamente derivada de ato jurisdicional decisório, seja este ato definido como sentença, como qualifica a lei no art. 20, parágrafo 3º do CPC, para dar ensejo à imposição da verba honorária, por força da declaração de um direito, seja como decisão interlocutória com efeitos sucumbenciais em casos específicos, ou como qualquer outro momento processual diverso, o que determinará o cabimento de honorários na fase de cumprimento de sentença não será a natureza jurídica do ato jurisdicional que caracteriza a derrota, mas sim o trabalho realizado pelo advogado em cada um dos momentos processuais que serão enfrentados.

É completamente inócua toda a discussão acadêmica ou jurisprudencial acerca do cabimento de honorários advocatícios vinculada especificamente à óptica da natureza jurídica do ato processual ou do momento processual desenvolvido na fase de cumprimento, seja com a presença ou não de sucumbência.

Havendo ou não sucumbência, o advogado trabalhará. Esse trabalho será desenvolvido pelo causídico que defende os interesses do exeqüente, ou por aquele que representa o devedor.

Ambos, no teor explícito do art. 20, parágrafo 4º. do CPC, fazem jus à imposição de verba honorária, imposta pelo juiz, eqüitativamente, de acordo com as circunstâncias processuais de cada caso, nos momentos processuais que exigem dedicação técnica e zelo do profissional que exerce a advocacia.

Honorários serão devidos pelo trabalho realizado e, sobretudo, pela causalidade, seja na fase prévia ao cumprimento em sede de incidente de liquidação de sentença, seja na fase inicial da execução, após o não cumprimento voluntário do decisum, seja no âmbito da impugnação ofertada pelo devedor, independentemente de rejeição ou de acolhimento.

Em maior ou menor grau, havendo trabalho, deve haver remuneração!

Qualquer sustentação em contrário por pretextos processuais, técnicos, quantitativos, qualitativos, ou de qualquer ordem, configura nítida intenção de retirar do advogado direito e garantia exclusivamente sua, reconhecida pela lei, incorrendo as eventuais decisões jurisdicionais prolatadas nesse sentido em total afronta e violação às disposições contidas no art. 20, parágrafo 4º do CPC.

3. A recente decisão do STJ acerca do cabimento da verba honorária em cumprimento de sentença – valoração do princípio da causalidade – a questão da fixação dos honorários em início de cumprimento e em sede de impugnação

Nesse sentido, merece aplauso a primeira e recente decisão da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial n. 978.545 – MG, julgado em 11.03.2008, cuja relatora foi a Ministra Fátima Nancy Andrighi, tendo participado do julgamento os Ministros Ari Pargendler e Sidnei Beneti, e que passamos a transcrever in verbis:

RECURSO ESPECIAL Nº 978.545 – MG (2007/0187915-9)

RECORRENTE : VALÉRIA DA SILVA BELMONTE

ADVOGADO : BERNARDO RIBEIRO CAMARA E OUTRO(S)

RECORRIDO : LIQUIGÁS DISTRIBUIDORA S/A

ADVOGADO : FERNANDO AUGUSTO PEREIRA CAETANO E OUTRO(S)

EMENTA

PROCESSO CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. NOVA SISTEMÁTICA IMPOSTA PELA LEI Nº 11.232/05. CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS. POSSIBILIDADE.

– O fato de se ter alterado a natureza da execução de sentença, que deixou de ser tratada como processo autônomo e passou a ser mera fase complementar do mesmo processo em que o provimento é assegurado, não traz nenhuma modificação no que tange aos honorários advocatícios.

– A própria interpretação literal do art. 20, § 4º, do CPC não deixa margem para dúvidas. Consoante expressa dicção do referido dispositivo legal, os honorários são devidos "nas execuções, embargadas ou não".

– O art. 475-I, do CPC, é expresso em afirmar que o cumprimento da sentença, nos casos de obrigação pecuniária, se faz por execução. Ora, se haverá arbitramento de honorários na execução (art. 20, § 4º, do CPC) e se o cumprimento da sentença se faz por execução (art. 475, I, do CPC), outra conclusão não é possível, senão a de que haverá a fixação de verba honorária na fase de cumprimento da sentença.

– Ademais, a verba honorária fixada na fase de cognição leva em consideração apenas o trabalho realizado pelo advogado até então.

– Por derradeiro, também na fase de cumprimento de sentença, há de se considerar o próprio espírito condutor das alterações pretendidas com a Lei nº 11.232/05, em especial a multa de 10% prevista no art. 475-J do CPC. De nada adiantaria a criação de uma multa de 10% sobre o valor da condenação para o devedor que não cumpre voluntariamente a sentença se, de outro lado, fosse eliminada a fixação de verba honorária, arbitrada no percentual de 10% a 20%, também sobre o valor da condenação.

Recurso especial conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Sidnei Beneti e Ari Pargendler votaram com a Sra. Ministra Relatora. Brasília (DF), 11 de março de 2008 (data do julgamento).

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Recurso especial, interposto por VALÉRIA DA SILVA BELMONTE, com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional. Trata-se do cumprimento de sentença proferida nos autos de ação de indenização por danos morais e materiais, ajuizada pela recorrente em face de LIQUIGÁS DISTRIBUIDORA S/A, ora recorrida. Decisão: afastou a incidência de honorários advocatícios na fase de cumprimento de sentença, em razão do desaparecimento da figura da "execução de sentença", em virtude do advento da Lei nº 11.232/05. Acórdão: negou provimento ao agravo de instrumento interposto pela recorrente, nos termos do acórdão (fls. 202/207) assim ementado: "EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – NOVA LEI DE EXECUÇÃO N. 11.232/05 – FIXAÇÃO DOS HONORÁRIOS NO DESPACHO INICIAL DA EXECUÇÃO – EXECUÇÃO NÃO EMBARGADA – IMPOSSIBILIDADE – Sendo a ação de execução de título judicial continuidade do processo de conhecimento, incabível a fixação de honorários advocatícios no caso de a mesma não ser impugnada, ante a nova sistemática do processo de execução instaurado pela lei n. 11.232/05 ". Recurso especial: alega a recorrente violação aos arts. 20, § 4º, 475-J, 475-R, 651 e 710 do CPC. Em suas razões, sustenta a necessidade de fixação de novos honorários advocatícios na fase de cumprimento de sentença. Prévio juízo de admissibilidade: apresentadas contra-razões (fls. 225/236), foi o recurso especial regularmente admitido na origem (fls. 238/239). É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Cinge-se a controvérsia a determinar se, na nova sistemática de execução estabelecida a partir da edição da Lei nº 11.232/05, há incidência de honorários advocatícios na impugnação ao cumprimento da sentença. Na fundamentação deste julgado, restou consignado que: "(…) de acordo com a nova lei, que altera substancialmente o Código de Processo Civil, o arbitramento dos honorários de sucumbência limitar-se-ão àqueles arbitrados na fase de conhecimento, a não ser que sejam criados eventuais incidentes causados pelo devedor, o que será analisado caso a caso.(fls. 204)(…) Dessa forma, sendo a ação de execução de título judicial continuidade do processo de conhecimento, tenho que não é cabível a fixação de honorários advocatícios no caso de a mesma não ser impugnada, com ocorre no caso em discussão (…).Ora, não há cabimento em fixar verba honorária quando não existe sucumbência, não se fazendo necessária a fixação de honorários pelo douto Julgador a quo quando do despacho inicial da execução, uma vez que não se sabe se vai haver impugnação pelo devedor ou não (…)" (fls. 206) Com efeito, as alterações perpetradas pela Lei nº 11.232/05 tiveram o escopo de unificar os processos de conhecimento e execução, tornando este último um mero desdobramento ou continuação daquele. Conforme anota Luiz Rodrigues Wambier, "hoje, o princípio do sincretismo entre cognição e execução predomina sobre o princípio da autonomia " (Sentença Civil: liquidação e cumprimento. São Paulo: RT, 2006, 3ª ed., p. 419). Essa nova realidade foi materializada pela alteração da redação dos arts. 162, § 1º, 267, caput, 269, caput, e 463, caput, todos do CPC; tudo para evidenciar que o processo não se esgota, necessariamente, com a declaração do direito, de modo que a função jurisdicional somente estará encerrada com a efetiva satisfação desse direito, ou seja, a realização prática daquilo que foi reconhecido na sentença. Entretanto, o fato de se ter alterado a natureza da execução de sentença, que deixou de ser tratada como processo autônomo e passou a ser mera fase complementar do mesmo processo em que o provimento é assegurado, não traz nenhuma modificação no que tange aos honorários advocatícios. A idéia de que havendo um só processo só pode haver uma fixação de verba honorária foi construída em uma época em que o CPC albergava o modelo liebmaniano da separação entre os processos de cognição e execução, e não pode ser simplesmente transplantada para a nova sistemática imposta pela Lei nº 11.232/05. Aliás, a própria interpretação literal do art. 20, § 4º, do CPC não deixa margem para dúvidas. Consoante expressa dicção do referido dispositivo legal, os honorários são devidos "nas execuções, embargadas ou não".No julgamento do EREsp 158.884/RS, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, Rel. p/ acórdão Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 30.04.2001, a Corte Especial deste Tribunal decidiu que a redação do art. 20, § 4º, do CPC, "deixa induvidoso o cabimento de honorários de advogado em execução mesmo não embargada, não fazendo a lei, para esse fim, distinção entre execução fundada em título judicial ou execução fundada em título extrajudicial ".Confrontando esse precedente com as inovações da Lei nº 11.232/05, o Min.Athos Gusmão Carneiro ressalta que "esta orientação jurisprudencial permanece mesmo sob a nova sistemática de cumprimento da sentença, porquanto irrelevante, sob este aspecto, que a execução passe a ser realizada em fase do mesmo processo, e não mais em processo autônomo " (Cumprimento da Sentença Cível. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 108). Com efeito, diz a Lei, e isso é sintomático, que os honorários serão fixados nas execuções. Não há no texto da norma referência aos "processos de execução", mas às execuções. Induvidoso, portanto, que existindo execução, deverá haver a fixação de honorários. Acrescente-se, ainda, que o art. 475-I, do CPC, é expresso em afirmar que o cumprimento da sentença, nos casos de obrigação pecuniária, se faz por execução. Ora, se haverá arbitramento de honorários na execução (art. 20, § 4º, do CPC) e se o cumprimento da sentença se faz por execução (art. 475, I, do CPC), outra conclusão não é possível, senão a de que haverá a fixação de verba honorária na fase de cumprimento da sentença. No mais, o fato da execução agora ser um mero "incidente" do processo não impede a condenação em honorários, como, aliás, ocorre em sede de exceção de pré-executividade, na qual esta Corte admite a incidência da verba. Confira-se, nesse sentido, os seguintes precedentes: REsp 737.767/AL, 3ª Turma, Rel. Min. Castro Filho, Rel. p/ acórdão Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 22.05.2006; REsp 751.400/MG, 3ª Turma, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de 19.12.2005; e AgRg no REsp 631.478/MG, 3ª Turma, minha relatoria, DJ de 13.09.2004. Outro argumento que se põe favoravelmente ao arbitramento de honorários na fase de cumprimento da sentença decorre do fato de que a verba honorária fixada na fase de cognição leva em consideração apenas o trabalho realizado pelo advogado até então. E nem poderia ser diferente, já que, naquele instante, sequer se sabe se o sucumbente irá cumprir espontaneamente a sentença ou se irá opor resistência. Contudo, esgotado in albis o prazo para cumprimento voluntário da sentença, torna-se necessária a realização de atos tendentes à satisfação forçada do julgado, o que está a exigir atividade do advogado e, em conseqüência, nova condenação em honorários, como forma de remuneração do causídico em relação ao trabalho desenvolvido na etapa do cumprimento da sentença. Do contrário, o advogado trabalhará sem ter assegurado o recebimento da respectiva contraprestação pelo serviço prestado, caracterizando ofensa ao art. 22 da Lei nº 8.906/94 – Estatuto da Advocacia, que garante ao causídico a percepção dos honorários de sucumbência. Nesse ponto, o que releva destacar, apenas, é que, com o advento da Lei nº 11.232/05, a incidência de novos honorários pressupõe o esgotamento do prazo legal para o cumprimento espontâneo da condenação. Sem que ele se escoe não há necessidade de praticar quaisquer atos jurisdicionais, donde o descabimento daquela verba. Por derradeiro, é aqui que reside o maior motivo para que se fixem honorários também na fase de cumprimento de sentença, há de se considerar o próprio espírito condutor das alterações pretendidas com a Lei nº 11.232/05, em especial a multa de 10% prevista no art. 475-J do CPC.Conforme observa Cássio Scarpinella Bueno, "este acréscimo monetário no valor da dívida, aposta o legislador, tem o condão de incentivar o devedor a pagar de umavez, acatando a determinação judicial" (A Nova Etapa da Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2006, 2ª ed. p. 83). Realmente, a segunda onda de reformas do CPC/1973, a chamada "reforma de reforma", foi centrada no processo de execução, tendo como objetivo maior a busca por resultados, tornando a prestação jurisdicional mais célere e menos burocrática, antecipando a satisfação do direito reconhecido na sentença. Nesse contexto, de nada adiantaria a criação de uma multa de 10% sobre o valor da condenação para o devedor que não cumpre voluntariamente a sentença se, de outro lado, fosse eliminada a fixação de verba honorária, arbitrada no percentual de 10% a 20%, também sobre o valor da condenação. Considerando que para o devedor é indiferente saber a quem paga, a multa do art. 475-J do CPC perderia totalmente sua eficácia coercitiva e a nova sistemática impressa pela Lei nº 11.232/05 não surtiria os efeitos pretendidos, já que não haveria nenhuma motivação complementar para o cumprimento voluntário da sentença. Ao contrário, as novas regras viriam em benefício do devedor que, se antes ficava sujeito a uma condenação em honorários que poderia alcançar os 20%, com a exclusão dessa verba, estaria agora adstrito tão-somente a uma multa no percentual fixo de 10%. Tudo isso somado – embora cada fundamento me pareça per se bastante – leva à conclusão de que deve o juiz fixar, na fase de cumprimento da sentença, verba honorária, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC. Forte em tais razões, CONHEÇO do recurso especial e lhe DOU PROVIMENTO, para determinar que, sobre a parte da sentença não cumprida voluntariamente pela executada incida verba honorária no valor de R$3.000,00 (três mil reais), nos termos do art. 20, § 4º, do CPC.

Observe-se que acórdão prolatado traz de forma clara e precisa o entendimento de que são cabíveis honorários advocatícios em quaisquer circunstâncias processuais na dita fase de cumprimento da sentença, haja vista a disposição contida no art. 20, parágrafo 4º do CPC.

A confirmação desta assertiva está no fato de que o STJ reconheceu, através do julgado ora examinado, que ocorre a violação ao art. 20, parágrafo 4º do CPC, caso o juiz não fixe em momento inicial da fase executiva, em execução ‘não embargada’ (e in casu, não impugnada), a devida verba honorária em contraprestação ao trabalho do advogado do exeqüente, como queria o acórdão recorrido prolatado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, sob o pretexto de que, "sendo a ação de execução de título judicial continuidade do processo de conhecimento, incabível a fixação de honorários advocatícios no caso de a mesma não ser impugnada, ante a nova sistemática do processo de execução instaurado pela lei n. 11.232/05." [33]

Interessante verificar, corroborando as idéias lançadas neste artigo, que a violação à lei processual civil foi examinada pela ilustre relatora, Ministra Fátima Nancy Andrighi, não pela óptica da natureza jurídica do ato ou do momento processual, mas sim pelo reconhecimento do trabalho desenvolvido pelos causídicos, ante o não cumprimento voluntário da obrigação de pagar quantia, levando os advogados a dar continuidade ao procedimento executivo, imprimindo atos executivos expropriatórios e, efetivamente, exercendo tecnicamente a prestação de um serviço, exigido pela causalidade e não pela sucumbência.

A análise do teor dos argumentos contidos no julgado prolatado referenda a tese de que os honorários advocatícios estão muito mais vinculados ao princípio da causalidade, e não somente à sucumbência, traduzindo-se a contraprestação do serviço executado pelo causídico na mais pura e simples razão de ver apenado quem utiliza inutilmente a máquina judiciária protelatoriamente, ou ainda, sem razão alguma, caracterizando, in casu, a recalcitrância em dar cumprimento voluntário à decisão judicial.

É uma forma de responsabilização daquele que, por ação ou omissão, dá ensejo à continuidade da relação processual, sem motivos. [34]

A causalidade dá mais valor e respeito aos atos processuais, impedindo a progressão sem causa do processo e o surgimento de incidentes infundados ou protelatórios.

Claro que os dois princípios se somam, pois normalmente aquele que responde pela verba honorária é aquele que deu causa à ação e foi sucumbente. Causalidade e sucumbência normalmente andam juntas e justificam a imposição dos honorários advocatícios.

Porém, tal assertiva não pode se tornar regra geral, pois, sendo assim, em circunstâncias onde temos a causalidade, restando comprovado o trabalho do advogado, mas não temos a sucumbência, como no caso dos cumprimentos de sentença não impugnados, seria sempre vencida a tese dos argumentos pelo reconhecimento do trabalho do advogado somente sob o pretexto processual da existência precípua de decisão que declara o direito, ou de, ao menos, evidente litigiosidade formada incidentalmente em alguns casos.

Cai por terra, com o acórdão prolatado pelo STJ, toda a argumentação doutrinária e jurisprudencial já apresentada neste artigo de que não cabem honorários em execução de sentença pois não existiria sucumbência que ensejasse o novo arbitramento.

Realmente, nas hipóteses de fixação de honorários na fase inicial de execuções não impugnadas, não há sucumbência, mas existe trabalho, que deve ser reconhecido e remunerado!

Não podemos admitir a idéia de que o trabalho do advogado está somente centrado na litigiosidade que advém de ação completa, contestada, ou de uma execução embargada ou impugnada. [35]

Em cumprimento de sentença não impugnado, há sim, também, muito trabalho exercitado pelo causídico em diversas circunstâncias, a exemplo da elaboração da memória de cálculo e do requerimento de penhora e avaliação, dos procedimentos de pedido de penhora on-line, das solicitações ao juízo de busca de informações acerca de bens em nome do devedor caso não se obtenha antecipadamente estas informações, de eventual requerimento de informação de averbação de bem efetivada a teor do art. 615-A, parágrafo 1º. do CPC, etc. [36]

Todas estas circunstâncias são derivadas da causalidade, mas não se ligam em nenhum momento à eventual sucumbência.

Todo este trabalho do advogado, frise-se, do qual não se tem previsão (advogado não tem bola de cristal!), deve ser remunerado igualmente aos demais momentos processuais subseqüentes, de acordo com as circunstâncias da continuidade da relação processual, agora em fase executiva.

A tentativa de englobar ou abarcar toda esta dedicação técnica do profissional da advocacia na verba honorária estipulada pela sentença do processo de conhecimento constitui, além de violação à regra do art. 20, parágrafo 4º, do CPC, como muito bem reconheceu o acórdão prolatado pela 3ª Turma do STJ, um alvitre à noção mínima de contraprestação econômica de um serviço prestado, dentro dos limites de cada diferente momento em que ele possa ser exigido.

E aqui entra a segunda problemática, que envolve questões antigas, como a do cabimento ou não de verba honorária em incidentes processuais, que voltam à baila, sobretudo pelo fato de que a nova reforma, na tentativa de imprimir celeridade e efetividade ao cumprimento das sentenças, caracterizando a etapa executiva como etapa final do processo de conhecimento, efetivada no mesmo iter procedimental, passou a considerar como ‘incidentes’ da fase processual executiva a antiga ação de liquidação da sentença e a impugnação do devedor (antigos embargos à execução). [37]

Tão logo adveio a publicação da lei 11.232/05, ficou clara a idéia de que o primeiro sucumbente com a nova sistemática foi o advogado, pelo menos em algumas interpretações doutrinárias e jurisprudenciais iniciais, que fizeram reavivar os inúmeros pretextos processuais já ressalvados neste artigo, afastando a imposição de verba honorária em sede de cumprimento de sentença sob a alegação de que passando a impugnação e a liquidação à categoria de incidentes processuais, descabidos seriam os honorários pelos motivos que a jurisprudência já tinha assentado há longo tempo. [38] [39]

Penso que o acórdão prolatado pelo STJ deixa largas linhas para uma interpretação pelo cabimento de verba honorária em quaisquer momentos processuais derivados da causalidade na fase de cumprimento de sentença, inclusive no que diz respeito à impugnação do devedor.

Não será a natureza jurídica da impugnação, seja como for considerada, por ação, defesa ou como incidente, que dará a tônica do cabimento ou não dos honorários advocatícios. [40]

Também não será a idéia de que o ato que encerra o referido momento processual, seja ele sentença ou decisão interlocutória, em uma óptica voltada ao parágrafo 3º do art. 20 do CPC, com ideal centrado unicamente na sucumbência, que dará lugar definitivamente à justificativa que determinará a imposição da verba honorária.

De igual forma às colocações expostas no tocante ao cabimento dos honorários em sede de cumprimentos de sentença não impugnados, ou ainda não impugnados, a imposição da contraprestação aos serviços prestados pelo advogado se dará principalmente pela causalidade.

Então, surge a indagação: poderemos, em sede de cumprimento de sentença, ter a imposição de honorários advocatícios, a cada um desses momentos processuais, de forma independente, de acordo com cada trabalho apresentado pelos causídicos?

A resposta é sim! Sim, em pelo menos três momentos distintos!

Teremos decisão acerca da verba honorária pelo juiz se houver o incidente de liquidação de sentença, que é incidente prévio ao cumprimento da mesma, sobretudo na modalidade por artigos, em casos de trabalho claro e comprovado do advogado, dada a litigiosidade que advém do referido momento processual, que nesta hipótese em nada se liga às discussões que se desenvolverão em sede de impugnação, jamais constituindo um ‘bis’ remuneratório, mas, muito pelo contrário, reconhecimento do trabalho detalhoso desenvolvido neste momento processual.

Teremos a fixação de honorários no início do cumprimento de sentença, a teor do art. 652-A, por aplicação subsidiária do art. 475-R do CPC combinado com o art. 20, parágrafo 4º, do mesmo diploma legal, e de acordo com a nova jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça supra abordada, por força da causalidade, em vista do não cumprimento voluntário do decisum por parte do devedor, havendo necessidade de desenvolvimento de trabalho técnico do profissional. [41] [42]

E, sim, teremos, a imposição da contraprestação ao advogado do executado ou do exeqüente, caso a impugnação seja acolhida, ou respectivamente, rejeitada.

Na primeira hipótese, onde é devida verba honorária ao advogado do executado, estaremos diante de causalidade e sucumbência ou, só causalidade. Se a impugnação for acolhida, com a conseqüente extinção da execução, haverá causalidade e sucumbência e, se for acolhida para retornar-se ao início do cumprimento devido a alguma nulidade reconhecida, por exemplo, estaremos diante de hipótese isolada de causalidade. Em todos os momentos, inclusive naquele em que houve sucumbência, o advogado do executado trabalhou e, por isso, tem direito aos honorários, independentemente do ato ou natureza jurídica do momento processual que se operou.

Na segunda hipótese, onde o trabalho marcante foi do advogado do exeqüente, obtendo a parte credora a rejeição da impugnação, por força da causalidade, é devida, de igual modo, a verba honorária, pelos mesmos motivos já apresentados.

Pense-se na idéia de uma simples ação de cobrança, onde a sentença prolatada é favorável ao autor. Transitada em julgado a decisão, e não cumprido voluntariamente o decisum, fixa-se o valor inicial, nos termos do art. 652-A do CPC, por eqüidade, a verba honorária ao advogado do exeqüente. Intimado da penhora efetivada, vem aos autos o executado, apresentando impugnação, com base no parágrafo 1º do art. 475-L, e sustentando, por exemplo, a polêmica tese de ‘relativização da coisa julgada material’ ante a existência de nova interpretação do Supremo Tribunal Federal relacionado à questão já transitada em julgado e então objeto de cumprimento de sentença. [43]

Ora, o trabalho que terá o causídico que representa o credor, para, em contra-razões a esta impugnação, convencer o julgador da inaplicabilidade do julgado do Excelso Pretório, será, sem dúvida, bem mais complexo, no mínimo, do que a simples petição inicial de cobrança redigida na fase de conhecimento.

Aqui, teremos como norte do juiz, na decisão interlocutória que por acaso rejeitar a impugnação, na forma do art. 475-M, parágrafo 3º, do CPC, não a natureza jurídica da decisão, não a eventual existência ou inexistência de sucumbência, mas sim, a causalidade, de ter motivado o devedor a extensão da relação processual, sem razão, em um incidente complexo, mas sem qualquer fundamento.

Pensemos, ainda, em uma quarta e eventual hipótese, na qual o devedor apresenta exceção de pré-executividade, com base em matéria de ordem pública que será discutida antes da penhora, e por suposto, da impugnação. [44]

Se acolhida, teremos honorários a favor do advogado do executado, em vista da extinção da execução, com base em causalidade e sucumbência. Se for acolhida, para que se retome o curso de um momento processual anterior, ante uma nulidade reconhecida, da mesma forma, teremos honorários, só que impostos, unicamente aqui, por causalidade, ao advogado do devedor

Se rejeitada, conforme entendimentos ainda discutíveis na esfera jurisprudencial, conforme já asseverado, teremos novamente a imposição de verba honorária motivada por causalidade, só que agora favoravelmente ao advogado do credor. [45] 

Perfazendo uma ligação entre a verba honorária e os demais elementos processuais da reforma implementada, sobretudo no que diz respeito à imposição da multa de 10% (dez por cento), de que valeria a imposição desta, se a parte ficasse isenta do pagamento de honorários advocatícios, sob os pretextos de que a execução é de sentença e não de título extrajudicial e de que a impugnação ofertada é um mero incidente? [46]

Acredito que, na esteira da louvável decisão prolatada no Resp n. 978.545 – MG, pela Terceira Turma, o Superior Tribunal de Justiça abriu uma porta fundamental à interpretação objetiva e precisa não só do cabimento de honorários advocatícios no processo de execução, sobretudo, no que diz respeito ao cumprimento de sentenças, mas também, em diversos momentos processuais, inclusive da fase de conhecimento, ou no processo cautelar, onde o trabalho do advogado chega a ser exaustivo e longo, em determinadas situações, mas por assumirem lamentável e enfadonho pretexto processual rotulado de ‘incidentes’ (ou ainda sob a idéia de que não constituem momentos de declaração de direitos), deixam de reconhecer contraprestação que seria digna e legalmente prevista. [47]

Cabe aos Tribunais, e aos juízes de primeiro grau, estabelecer um rigoroso controle, é claro, de quais são os momentos processuais em que o trabalho do advogado deve ser remunerado e dos limites para esta imposição, a exemplo do que foi apresentado neste ensaio, não permitindo que qualquer manifestação de uma das partes, contraditada pela outra, permita que qualquer dos causídicos tome esta circunstância como fato gerador da verba honorária derivada do art. 20, parágrafo 4º do CPC.

E o limite está definido no próprio CPC, quando o texto legal, no parágrafo 4º do art. 20, faz menção precisa de que "os honorários serão fixados consoante apreciação eqüitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior."

Verifique-se que o controle está vinculado, em todos os momentos processuais supra citados, ao grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço e à natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

Cabe, igualmente, aos advogados, exigir o cumprimento da lei, de ter a garantia de sustento, de ver o reconhecimento do trabalho desenvolvido, de obter contraprestação do passar do tempo e das horas.

Mas, sobretudo, de saber ponderar e requerer a medida econômica justa e ideal que corresponde ao ir e vir, ao correr e ao lutar, ao eterno tic-tac, tic-tac, dia e noite, noite e dia…

Pois, antes de tudo, ADVOGADO não é relógio!

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BIBILOGRAFIA

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Notas

01. Deixo registrado, em primeiro lugar, por força dos direitos autorais e da idéia que vingou, que o título deste artigo, foi idealizado, em conversa, pela internet, com o dileto amigo e professor Doutor Rodrigo da Cunha Lima Freire. Noticiando no referido diálogo eletrônico, ao nobre colega, a publicação da recente posição do Superior Tribunal de Justiça, em 18.03.2008, acerca do cabimento de honorários advocatícios na fase de cumprimento de sentença, saiu-se o professor Cunha Lima com a inteligente assertiva que dá o título a este ensaio. Disse-lhe que faria publicamente uma menção a esse fato quando escrevesse sobre o assunto. Cumprindo a promessa e citando a fonte, só posso deixar, com a publicação deste artigo, meu agradecimento ao nobre processualista potiguar, até porque, a ‘toda hora’ e em ‘qualquer tempo’ é momento de se dizer – muito obrigado!

02.  Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento e aos de sucumbência.

1º O advogado, quando indicado para patrocinar causa de juridicamente necessitado, no caso de impossibilidade da Defensoria Pública no local da prestação de serviço, tem direito aos honorários fixados pelo juiz, segundo tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB, e pagos pelo Estado.

2º Na falta de estipulação ou de acordo, os honorários são fixados por arbitramento judicial, em remuneração compatível com o trabalho e o valor econômico da questão, não podendo ser inferiores aos estabelecidos na tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB.

3º Salvo estipulação em contrário, um terço dos honorários é devido no início do serviço, outro terço até a decisão de primeira instância e o restante no final.

4º Se o advogado fizer juntar aos autos o seu contrato de honorários antes de expedir-se o mandado de levantamento ou precatório, o juiz deve determinar que lhe sejam pagos diretamente, por dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte, salvo se este provar que já os pagou.

5º O disposto neste artigo não se aplica quando se tratar de mandato outorgado por advogado para defesa em processo oriundo de ato ou omissão praticada no exercício da profissão.

Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor.

Art. 24. A decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito que os estipular são títulos executivos e constituem crédito privilegiado na falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial.

1º A execução dos honorários pode ser promovida nos mesmos autos da ação em que tenha atuado o advogado, se assim lhe convier.

2º Na hipótese de falecimento ou incapacidade civil do advogado, os honorários de sucumbência, proporcionais ao trabalho realizado, são recebidos por seus sucessores ou representantes legais.

3º É nula qualquer disposição, cláusula, regulamento ou convenção individual ou coletiva que retire do advogado o direito ao recebimento dos honorários de sucumbência.

4º O acordo feito pelo cliente do advogado e a parte contrária, salvo aquiescência do profissional, não lhe prejudica os honorários, quer os convencionados, quer os concedidos por sentença.

03.  A Corte Especial do STJ, decidindo os Embargos de Divergência n. 724.158, rel. o Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 20.02.2008, deixou assentado em julgamento por maioria de votos o seguinte teor: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CRÉDITOS DE NATUREZA ALIMENTAR. IMPENHORABILIDADE. 1. Os honorários advocatícios, tanto os contratuais quanto os sucumbenciais, têm natureza alimentar. Precedentes do STJ e de ambas as turmas do STF. Por isso mesmo, são bens insuscetíveis de medidas constritivas (penhora ou indisponibilidade) de sujeição patrimonial por dívidas do seu titular. A dúvida a respeito acabou dirimida com a nova redação art. 649, IV, do CPC (dada pela Lei n.º 11.382/2006), que considera impenhoráveis, entre outros bens, "os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal".2. Embargos de divergência a que se nega provimento."

04.  Súmula 144 do Superior Tribunal de Justiça: "Os créditos de natureza alimentícia gozam de preferência, desvinculados os precatórios da ordem cronológica dos créditos de natureza diversa."

05.  Art. 658 do Código Civil Brasileiro.

06. Constituição Federal, art. 133: "O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei."

07.  Lei n. 8906/94 – Art. 22: "A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência."

08.  A título de informação histórica acerca da referida discussão, hoje completamente superada, observe-se o teor deste julgado do antigo Tribunal de Alçada do Estado do Rio Grande do Sul, datado de 1979, onde o Tribunal reforma decisão de primeiro grau que não reconhecera o trabalho do advogado em sede de ação cautelar sobre o pretexto de que esta última seria dependente do processo principal e seria absorvida pelo objeto deste, sendo caracterizado, na óptica daqueles tempos, somente um momento sucumbencial: "Medida Cautelar. Honorários de advogado. Nas medidas cautelares contenciosas são devidos honorários de advogado ao vencedor. Agravo provido..Ag. de Inst. 21.347 – Porto Alegre – Agte.: Delmar Wellausen Porto – Agdo.: Loreno dos Santos – Rel.: Juiz Túlio Medina Martins – J. em 17/10/1979 – TARS – Acordam os Juízes da Terceira Câmara Cível do Tribunal de Alçada, à unanimidade, em dar provimento ao agravo, pagas as custas pelo agravado.Participou do julgamento, além dos signatários, o Exmo. Sr. Juiz de Alçada Pio Fiori de Azevedo. O agravante moveu ação de indenização contra o agravado, logrando ganho de causa. O demandado ausentou-se para lugar ignorado e o autor, para assegurar a execução da sentença, viu-se obrigado a promover a medida cautelar de arresto de bens do devedor, que lhe foi deferida liminarmente e, a final, confirmada pelo Magistrado. Este, todavia, entendeu ser incabível a condenação do requerido a pagar honorários de advogado em medida cautelar. Inconformado, tempestivamente, o demandante opôs recurso de agravo de instrumento. Sustenta que seu advogado despendeu esforço e trabalho na ação cautelar, pelo que é justa a condenação do devedor a pagar a verba honorária, que não constitui um «bis in idem» com a condenação anteriormente imposta na ação principal. O recurso não foi contraminutado. O Magistrado manteve a decisão recorrida. Não assiste razão ao nobre Magistrado de primeiro grau, pois, havendo um procedimento que é decidido por sentença, em que a pretensão é diversa daquela manifestada na ação principal, tal sentença deve resolver igualmente o que diz respeito aos honorários de advogado. Basta referir que o autor poderia ser vencedor na ação principal e vencido na ação cautelar e vice-versa. Na espécie em exame, enquanto na ação principal se pretende uma indenização, prestação de Direito Material decorrente do ato ilícito e do dever de indenizar, na medida cautelar o que se postulou e pretendeu foi uma providência que assegurasse ao credor a execução da pretensão deduzida na ação principal. São ações autônomas. HUMBERTO THEODORO JÚNIOR discorre: «Da autonomia e contenciosidade da ação cautelar decorre sua sujeição aos princípios comuns da sucumbência, de sorte que a sentença final deverá impor ao vencido o ônus das custas processuais e dos honorários advocatícios do vencedor (art. 20)» (Processo Cautelar, 2ª ed., p. 130).A jurisprudência desta Corte, embora ainda não seja pacífica, vem-se inclinando decididamente por esta orientação de mandar o vencido em ação cautelar pagar honorários de advogado (Julgados do TARGS, 18/368, 27/260, 27/315, 29/446 e 30/337).Na espécie sob exame ainda existe a peculiaridade de que o arresto foi requerido após o julgamento da ação principal, em situação de premência, para resguardo da execução, ameaçada de se ver frustrada pelo desaparecimento de bens do devedor.Na espécie, tratando-se de medida em que foi assegurada a execução, deferindo-se o arresto, o que equivale a dizer que houve condenação, e tendo presentes as regras do art. 20, § 3º, do CPC, dá-se provimento ao recurso para condenar o devedor aos honorários de advogado do credor no processo cautelar, que são fixados em 10% (dez por cento) do valor da causa da ação de arresto.Porto Alegre, 17 de outubro de 1979. – Carlos Ignácio Sant´´Anna, Presidente – Túlio Medina Martins, Relator." (dados obtidos em http://www.legjur.com.br/jurisprudencia/htm/jb_180/21347tars2002_11_25_153730(i).php#)

09.  AgRg no Ag 827.296 / SP, rel. Min. Luiz Fux, publicado no DJ 12.11.2007 p. 165

10.  EDcl na MC 7531 – MT, rel. Min. Luiz Fux, publicado no DJ 21.06.2004, p. 162

11. "Tratando-se de impugnação do valor da causa de mero incidente processual, não cabe condenação de honorários advocatícios decorrentes de sucumbência." ("Honorários Advocatícios" – Yussef Said Cahali, in RT 681/129)

12.  REsp 67.974 / SP, rel. Min. Fernando Gonçalves, publicado no DJ 01.09.1997 p. 40890

13.  REsp 172.878 / MG, rel. Min. Ari Pargendler, publicado no DJ 05.03.2001 p. 153

 JBCC vol. 189 p. 185, RSTJ vol. 142 p. 252, RT vol. 790 p. 223

14.  EDcl no AgRg no REsp 122.920 / SP, rel. Min. João Otávio Noronha, publicado no DJ 24.11.2003, p. 235

15.  REsp 694.794 – RS, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, publicado no DJ 19.06.2006, p. 143; REsp 446062 / SP, rel. Min. Felix Fischer, publicado no DJ 10.03.2003, p. 295

16.  São os entendimentos da Corte Especial, no EREsp 179.355 / SP, rel. Min. Barros Monteiro, publicado no DJ 11.03.2002 p. 153, entendendo pelo cabimento da verba honorária em liquidação por artigos dada a litigiosidade e conteciosidade qualificadas no incidente e do REsp 276.010 – SP, rel. Min. Sávio de Figueiredo, publicado no DJ 18.12.2000, p. 209, no JBCC, vol. 187, p. 415, e na RSTJ vol. 142, p. 387, onde ficou consignado que "embora a liquidação seja um incidente processual, no que tange à sua modalidade por artigos, por suas características e peculiaridades, como procedimento complementar da sentença de mérito, não se enquadra ela rigorosamente na previsão do § 1º do art. 20, CPC, podendo, excepcionalmente, ensejar a alteração dos honorários advocatícios. Tal possibilidade, no entanto, não se dá na modalidade de liquidação por arbitramento.". V. interessante artigo de Fernando da Fonseca Gajardoni, Reflexões sobre a nova liquidação de sentença, Execução Civil, Estudos em Homenagem ao Professor Humberto Theodoro Junior, São Paulo, RT, 2007, p. 548

17.  REsp 407057 / MG, rel. Min. Aldir Passarinho, publicado no DJ 05.05.2003, p. 304 e na RSTJ vol. 186 p. 410; REsp 296.932-MG, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, publicado no DJ 04.02.2002 p. 349

18.  Art. 20. § 4o do Código de Processo Civil: "Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação eqüitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior. (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)"

19.  STJ, REsp nº 62.667-RS, rel. Min. Waldemar Sveiter, publicado no DJ de 03/11/1995

20. STJ, REsp nº 144.724/RS, Rel. Min. José Dantas, DJ 09.12/97. No mesmo sentido: STJ, REsp nº 66.370/RS, Rel. Min. Waldemar Sveiter, DJ de 29/06/1998

21.  STJ, 6T,REsp n° 141.829/RS, Rel. Ministro Anselmo Santiago, DJ de 16.02.98; STJ, REsp n° 140.l4l/RS, Min. Rel. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ de 09.02.98

22.  Não existindo embargos, "inexiste sucumbência", na execução de sentença (STJ, 1ª. Turma, REsp 259.421 – RS, rel. Min. Garcia Vieira, publicado DJU 25.09.2000, p. 78; STJ, 5ª Turma, REsp 158.581 – RS, rel. Min. Edson Vidigal, publicado DJU 09.11.1998, p. 135; STJ, 2ª. Turma, REsp 217.883 – RS, rel. Min. Peçanha Martins, publicado DJU 16.10.2000, p. 299). No que tange às execuções embargadas, o STJ ainda manteve restrições à concessão da verba honorária, vinculando-a ao sucesso dos então embargos à execução, previstos na legislação anterior ao advento da lei 11.232/05, no sentido de que os honorários a ser arbitrados sujeitar-se-iam às contingências dos trâmites executivos, no entender do acórdão prolatado pela Corte Especial, in verbis: "Os honorários de advogado, arbitrados na execução, passam a depender da solução dos embargos. Procedentes estes, sucumbe o exeqüente, não prevalecendo o arbitramento dos honorários na execução. Improcedentes os embargos ou ocorrendo desistência, permanece uma única sucumbência, posto que tanto na execução como nos embargos a questão é única: procedência ou não da dívida." (Corte Especial do STJ, EResp, n. 97.446-RJ, publicado em 01.12.1998, relator o Min. Garcia Vieira, RJSTJ, 12(121)/17.)

23.  Corte Especial do STJ, EResp n. 158.884-RS, rel. Min. Gomes de Barros, DJU 30.04.2001, p. 123

24.  Art. 652-A do Código de Processo Civil: "Ao despachar a inicial, o juiz fixará, de plano, os honorários de advogado a serem pagos pelo executado (art. 20, § 4o)."

25. Art. 475-R do Código de Processo Civil: "Aplicam-se subsidiariamente ao cumprimento da sentença, no que couber, as normas que regem o processo de execução de título extrajudicial."

26. Muitos foram os colegas processualistas que produziram excelentes obras e artigos acerca da matéria relacionada ao cumprimento de sentença, e especificamente, abordando o assunto da imposição de verba honorária na fase inicial do cumprimento, lembro as passagens vinculadas ao tema que podem ser encontradas nas obras de Alexandre Freitas Câmara, A nova execução de sentença, 4. ed., rev. e atualizada pela lei n. 1.382/06, Lúmen Juris, Rio de Janeiro, 2007, p. 123, Carlos Alberto Garcete, Proceso civil: reformas do Código, Juarez de Oliveira, 2006, p. 50, Araken de Assis, Cumprimento da sentença, Rio de Janeiro, Forense, 2006, p. 263-5; Cássio Scarpinella Bueno, A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil, vol 1, Saraiva, 2006, p. 75; Agostinho Teixeira de Almeida Filho, Apontamentos sobre honorários advocatícios na fase de cumprimento da sentença no processo civil in Revista da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro – EMERJ, n. 40, vol 10, 2007, p. 243-6; Welington Luzia Teixeira, O cumprimento de sentença e a verba honorária sucumbencial, Execução Civil, Estudos em Homenagem ao Professor Humberto Theodoro Junior, São Paulo, RT, 2007, p. 296.

27. V. artigo de nossa autoria, Quando começa o cumprimento de sentença?, publicado no site da OAB/SP http://www.oabsp.org.br/noticias/2007/09/27/4441/ e no site da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ, visualizado no endereço eletrônico http://www.emerj.rj.gov.br/index/artigos/artigo_alessandrorostagno_cumprimentodesentenca.html, em que apontamos a necessidade de requerimento inicial do credor para dar início à fase de cumprimento de sentença, bem como, as brilhantes posições assumidas por Rogério Licastro Torres de Mello, ‘A defesa na nova execução de título judicial’ in Processo de Execução Civil – Modificações da Lei n. 11.232/05, São Paulo, Quartier Latin, 2006, p. 288-289, Daniel Amorim Assumpção Neves, Reforma do CPC. leis 11.187/2005, 11.232/2005, 11.276/2006, 11.277/2006 e 11.280/2006/… [et al.], São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 213-14, Rodrigo da Cunha Lima Freire, O início do prazo para cumprimento da sentença in Execução Civil: ob. cit.., p. 257, bem como, recente decisão do TJSP, no Agravo de Instrumento n. 1140387005, relator o Des. Norival Oliva, j. em 25.02.2008

28. V. REsp 954.859, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, publicado DJ em 27.08.2007 e o acórdão do TJSP no Agravo de Instrumento n. 7176568100, rel. o Des. Gilberto dos Santos, j. em 19.12.2007. Nesse sentido também a posição doutrinária de Athos Gusmão Carneiro, "Do cumprimento da sentença conforme a lei n. 11.232/2005. Parcial retorno ao medievalismo? Por que não?" in Novas Reformas do Código de Processo Civil, Revista do Advogado, AASP, 2006, p. 23, sustentando que "assim, na sentença condenatória por quantia líquida (ou na decisão de liquidação de sentença), a lei alerta para o tempo iudicati de quinze dias, concedido para que o devedor cumpra voluntariamente sua obrigação. Tal prazo passa automaticamente a fluir, independentemente de qualquer intimação, da data em que a sentença (ou o acórdão, CPC, art.512) se torne exigível, quer por haver transitado em julgado, quer porque interposto recurso sem efeito suspensivo." Essa também é a posição de Humberto Theodoro Júnior, As novas Reformas do Código de Processo Civil, op. cit., p. 145, afirmando que "é do trânsito em julgado que se conta dito prazo, pois é daí que a sentença se torna exeqüível. Se, porém, o recurso pendente não tiver efeito suspensivo, e, por isso, for cabível a execução provisória, o credor poderá requerê-la com as cautelas respectivas, sem, entretanto, exigir a multa. Se o trânsito em julgado ocorre em instância superior (em grau de recurso), enquanto os autos não baixarem à instância de origem, o prazo de quinze dias não correrá, por embaraço judicial. Será contado a partir da intimação das partes, da chegada do processo ao juízo da causa."

29. TJSP, Apelação Cível n. 7184006100, rel. o Des. Araldo Telles, 15ª Câmara de Direito Privado, j. em 13.11.2007; TJSP, Agravo de Instrumento n. 7214291100, rel. o Des. Silveira Paulilo, 21ª. Câmara de Direito Privado, j. em 20.02.2008

30. v. por todos Luiz Rodrigues Wambier, Sentença civil: liquidação e cumprimento, 3.ed., São Paulo, RT, 2006, p. 423 e Alexandre Freitas Câmara, A nova execução de sentença, ob. cit., p. 115.

31. Segundo Humberto Theodoro Junior, A reforma da execução do título extrajudicial, Rio de Janeiro, Forense, 2007, p.65, "A regra do novo art. 652-A, por outro lado, é exclusiva da execução de título extrajudicial. Não há como aplicá-la ao procedimento de ‘cumprimento de sentença’, porque este não é objeto de uma ação de execução e se resume a um simples incidente do processo onde se proferiu a sentença condenatória.

32. Idem, continuando o autor a sustentar contrariamente ao cabimento da verba honorária em cumprimento de sentença, nos seguintes termos: Além disso, não há citação alguma do executado em que pudesse figurar a imposição de outra verba sucumbencial em acréscimo àquela já constante do título judicial. Ao tempo em que se exigia ação autônoma para promover a execução de sentença, havia controvérsia acerca de novos honorários de sucumbência na citação do devedor. Com a reforma da Lei 11.232, de 22.12.2005, que eliminou a execução de título judicial sob a forma de ação, saiu vitoriosa a corrente jurisprudencial que não admitia aplicar-se outra vez a sanção da sucumbência, já que esta inexiste na espécie.". Nesse sentido, Humberto Theodoro Junior cita os seguintes julgados do STJ, REsp 259.421-RS, rel. Min. Garcia Vieira, DJU de 25.09.2000, p. 78; REsp 158.581-RS, rel. Min. Edson Vidigal, DJU 09.11.1998, p. 135; REsp 217.883-RS, rel. Min. Peçanha Martins, DJU de 16.10.2000, p. 299.

33. Observe-se o indevido argumento lançado pelo TJMG no então acórdão recorrido a sustentar o não cabimento de verba honorária, in verbis: "(…) de acordo com a nova lei, que altera substancialmente o Código de Processo Civil, o arbitramento dos honorários de sucumbência limitar-se-ão àqueles arbitrados na fase de conhecimento, a não ser que sejam criados eventuais incidentes causados pelo devedor, o que será analisado caso a caso.(fls. 204) (…) Dessa forma, sendo a ação de execução de título judicial continuidade do processo de conhecimento, tenho que não é cabível a fixação de honorários advocatícios no caso de a mesma não ser impugnada, com ocorre no caso em discussão (…). Ora, não há cabimento em fixar verba honorária quando não existe sucumbência, não se fazendo necessária a fixação de honorários pelo douto Julgador a quo quando do despacho inicial da execução, uma vez que não se sabe se vai haver impugnação pelo devedor ou não (…) (fls. 206)"

34. Orlando Venâncio dos Santos Filho, O ônus do pagamento dos honorários advocatícios e o princípio da causalidade, in Revista de Informação Legislativa n. 137, jan/mar 1998, p. 38

35. Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, trad. de J. Guimarães Menegale, 2. ed, São Paulo, Saraiva, 1965. v. 3., talvez seja o grande responsável pelas premissas fundamentais da teoria da sucumbência, para quem o direito há que ser reconhecido como se fosse no momento da ação ou da lesão: segundo o mestre italiano, "tudo que foi necessário ao seu reconhecimento e concorreu para diminuí-lo deve ser recomposto ao titular do direito..Daí conclui-se que a condenação do vencido nas despesas processuais, como corolário da declaração de determinado direito, não poderia sofrer influência desse direito, tendo natureza de ressarcimento ao vencedor. Em síntese, para Chiovenda a condenação nas despesas processuais estava condicionada alla socombenza pura e semplice, não importando a intenção ou o comportamento do sucumbente quanto à má-fé ou culpa. Para o processualista o fundamento da condenação do vencido nas despesas do processo, inclusive honorários advocatícios, reside, tão somente, no fato objetivo da derrota que a legitima. Fundamenta-se tal instituto na conclusão de que a atuação da lei não deve representar uma redução no patrimônio da parte em favor da qual esta foi aplicada. É do interesse do Estado que o emprego do processo não se resolva em prejuízo daquele que tem razão, em face do interesse do comércio jurídico de que os direitos tenham valor, tanto quanto possível, nítido e constante." (v. ensaio Orlando Venâncio dos Santos Filho, O ônus do pagamento dos honorários advocatícios e o princípio da causalidade, in Revista de Informação Legislativa n. 137, jan/mar 1998, p. 38)

36. Art. 615-A do Código de Processo Civil: "O exeqüente poderá, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento da execução, com identificação das partes e valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto. § 1o O exeqüente deverá comunicar ao juízo as averbações efetivadas, no prazo de 10 (dez) dias de sua concretização."

37. Tal conclusão pode ser extraída da leitura da exposição de motivos da lei n. 11.232/05, que textualmente assim se refere: " (…) b) a ´efetivação` forçada da sentença condenatória será feita como etapa final do processo de conhecimento, após um ´tempus iudicati´, sem necessidade de um ´processo autônomo` de execução (afastam-se princípios teóricos em homenagem à eficiência e brevidade); processo ´sincrético`, no dizer de autorizado processualista. Assim, no plano doutrinário, são alteradas as ´cargas de eficácia` da sentença condenatória, cuja ´executividade` passa a um primeiro plano; em decorrência, ´sentença` passa a ser o ato "de julgamento da causa, com ou sem apreciação do mérito"; c) a liquidação de sentença é posta em seu devido lugar, como Título do Livro I, e se caracteriza como ´procedimento` incidental, deixando de ser uma ´ação` incidental; destarte, a decisão que fixa o ´quantum debeatur` passa a ser impugnável por agravo de instrumento, não mais por apelação; é permitida, outrossim, a liquidação ´provisória`, procedida em autos apartados enquanto pendente recurso dotado de efeito suspensivo; d) não haverá "embargos do executado" na etapa de cumprimento da sentença, devendo qualquer objeção do réu ser veiculada mediante mero incidente de ´impugnação`, à cuja decisão será oponível agravo de instrumento; (…)"(texto obtido em http://www.direitoprocessual.org.br)

38. Essa foi a impressão de Araken de Assim, Cumprimento da sentença, Rio de Janeiro, Forense, 2006, p. 264, um dos primeiros processualistas a publicar comentários sobre as disposições da nova lei 11.232/05, observando que "embora seja prematuro apontar o beneficiário com a reforma, já se poderia localizar o notório perdedor: o advogado do exeqüente, às voltas com difícil processo e incidentes, a exemplo da impugnação do art. 475-L, sem a devida contraprestação."

39. Humberto Theodoro Junior, As novas reformas do Código de Processo Civil, ob. cit., p. 185-6, foi um dos primeiros a sair na frente, em posição antagônica aos ideais deste ensaio e de demais doutrinadores e da recente jurisprudência do STJ, sustentando que: "tendo a liquidação perdido o caráter de um novo e separado procedimento para se tornar um simples incidente do procedimento ordinário, tanto que o art. 475-H prevê o seu julgamento por decisão interlocutória, recorrível por meio de agravo de instrumento, não há mais razão para se pretender aplicar a verba sucumbencial advocatícia, na espécie. Com efeito, no processo de conhecimento, a condenação em honorários ocorre apenas na sentença (art. 20, caput). Os incidentes e recursos desse tipo de processo, julgados por decisão interlocutória, não dão lugar à aplicação de tal sanção. Daí a conclusão de que, no atual sistema da liquidação embutida no processo condenatório, não se pode aplicar a verba de honorários advocatícios prevista no art. 20." Cita o ilustre processualista, as seguintes jurisprudências que dariam embasamento à sua narrativa: STF, 1ª. T., RE n. 97.031/RJ, rel. Min. Alfredo Buzaid, ac. de 05.11.1982, RTJ 105/388; STJ, 4ª. T., REsp n. 40.879/SP, rel. Min. Fontes de Alencar, ac. de 05.04.1994, RSTJ 63/405; STJ, 1ª. T., REsp n. 3.925/SE, rel. Min. Armando Rolemberg, ac. de 20.08.1990, RSTJ 13/419. Ocorre que, os julgados citados são antigos e vão de encontro, com a recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em relativizar a questão dos honorários em incidentes, reconhecendo, em alguns casos, dada a litigiosidade de alguns destes momentos processuais, o direito à verba honorária ao advogado, por seu trabalho realizado, como nas hipóteses mencionadas nas notas de n. 17 e 18 deste artigo.

40. V. por todos o excelente artigo publicado por Teresa Arruda Alvim Wambier, Luiz Rodrigues Wambier e José Miguel Garcia Medina, Apontamentos sobre as alterações oriundas da lei. n. 11.232/2005, in Temas atuais da execução civil, Estudos em homenagem ao Professor Donaldo Armelin, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 357-381, onde abordam as diversas circunstâncias que podem envolver a impugnação ao cumprimento de sentença, e os relacionados efeitos que poderiam surgir, secundum eventum litis, a permitir uma classificação da natureza jurídica da impugnação.

41. Importante lembrar, que muito embora a posição assumida pela 3ª Turma do STJ no REsp n. 978.545 – MG seja avançada e precisa, a 4ª. Turma, já decidiu, em sentido contrário, no REsp n. 612.666 – RJ, Rel. Min. Aldir Passarinho Jr.., J.19/08/2004, DJ 14/02/2005, no seguinte sentido: PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO POR TÍTULO JUDICIAL. PEDIDO DE FIXAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA AB INITIO. RECUSA DO JUÍZO. AGRAVO. IMPROVIMENTO. DISSÍDIO NÃO CONFIGURADO. SÚMULA N. 13-STJ. OFENSA AO ART. 20, § 4º, NÃO CARACTERIZADA. POSSIBILIDADE DE ESTABELECIMENTO DOS HONORÁRIOS EM MOMENTO ULTERIOR. I. Não se configura o dissídio jurisprudencial se os arestos paradigmas do STJ não trazem a mesma particularidade discutida nos autos e os demais emanam da própria Corte a quo, atraindo a incidência da Súmula n. 13. II. Conquanto devida a verba honorária na execução por título judicial, embargada ou não, inexiste imposição, no art. 20, parágrafo 4o, do CPC, para que seja fixada ab initio, podendo ocorrer a imposição do valor da sucumbência em momento em ulterior.III. Recurso especial não conhecido.

42. Cássio Scarpinella Bueno, A Nova Etapa da Reforma do Código de Processo Civil, ob. cit., p.75, nesse sentido, afirma que "não cumprido o julgado tal qual constante da ‘condenação’ (o título executivo judicial), o devedor, já executado, pagará o total daquele valor acrescido da multa de 10% esta calculada na forma do n.4.3, infra, e honorários de advogado que serão devidos, sem prejuízo de outros, já arbitrados pelo trabalho desempenhado pelo profissional na ‘fase’ ou ‘etapa’ de conhecimento, pelas atividades que serão, a partir daquele instante, necessárias ao cumprimento forçado, ou, simplesmente, execução, do julgado."

43. Art. 475-L, § 1o, do Código de Processo Civil: "Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal."

44. Embora algumas vozes doutrinárias têm sustentado o fim da exceção de pré-executividade na nova sistemática do cumprimento de sentença, entendemos que poderá o devedor, com base em matéria processual (falta de pressuposto processual ou de condição da ação), matéria de direito ou matéria de fato (causa impeditiva, modificativa ou extintiva do crédito), cuja comprovação, mediante prova pré-constituída, inviabilize a execução, no todo ou em parte, e que não dê margem à dilação probatória, fazer uso do referido expediente processual, pois a exigência de segurança do juízo para a interposição da impugnação exigida pelo artigo do CPC permite, ainda, no ideal de toda a construção doutrinária e jurisprudencial formada em torno da exceção de pré-executivdade o ingresso da referida medida processual de proteção ao executado. Questão de suma importância, é adotar a idéia de que as matérias objeto de exceção, quando decididas e enfrentadas, geram preclusão para eventual tentativa de rediscussão no posterior momento processual que se refere à impugnação. V. por todos Alberto Camiña Moreira, Defesa sem embargos do executado – exceção de pré-executividade, 3. ed., São Paulo, Saraiva, 1998.

45. V. nota de rodapé n. 18

46. Essa é a preocupação e perfeita posição de Alexandre Câmara, A nova execução de sentença, ob,cit., p. 125-126

47. Dentro da idéia da aplicação do art. 20, parágrafo 1º do CPC que dispõe: "O juiz, ao decidir qualquer incidente ou recurso, condenará nas despesas o vencido.", e só nas despesas, e não em verba honorária. V. por todos a excelente obra de Yussef Cahali, Honorários advocatícios, 3.ed., São Paulo, RT, 1997, defendendo a tese de que o princípio da sucumbência tem como causa a derrota, que somente pode decorrer da declaração de um direito, que é manifestado estritamente pela sentença onde o juiz aplica o direito a favor de um litigante contra o outro. Lembra o doutrinador que uma decisão interlocutória não pode conter condenação em sucumbência.

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA 

ALESSANDRO ROSTAGNO:  Advogado em São Paulo(SP)

 

 


 

 


RESTITUIÇÃO DE VALOR PAGODireito de restituição é garantido a cliente

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DECISÃO:  *TJ-RN  –  Cliente ganha o direito de receber valor pago, por celular, com defeito de fábrica. A 3ª Vara Cível da Comarca de Mossoró determinou que a loja insinuante e a empresa Siemens do Brasil pague o valor de 168 reais, mais juros e correção monetária, referente ao aparelho celular, com defeito de fábrica comprovado, adquirido pela cliente M.B.Q na loja insinuante. 

Apesar de inicialmente verificar que a relação entre as partes é de consumo, devendo aplicar a teoria da responsabilidade objetiva, constate nos artigos 12 e 13 do Código de Defesa do Consumidor, na qual, existe o dever de indenizar quando há nexo de causalidade entre o ato, o resultado lesivo e a culpa ou dolo existentes. Os desembargadores entenderam que nesse caso não houve dano moral, mas um mero dissabor, capaz de ensejar apenas aborrecimento inerente à vida cotidiana e não sendo, portanto, indenizável. 

“Venho firmando o entendimento segundo o qual o mero aborrecimento ou o desconforto comuns nos dias de hoje, não caracteriza dano moral, sob pena de se multiplicar os pleitos indenizatórios, banalizando-se com isso as demandas nessa seara, e, muito pior, incentivando-se a busca por eventos dessa mesma jaez, convertendo referidas lides em fonte de enriquecimento sem causa (…)”. TJ-RN, 30 de abril de 2008.


 

FONTE: 

ACUSAÇÃO INJUSTA GERA DANO MORALAcusar empregado sem provas resulta em dano moral

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DECISÃO:  *TST  –  Acusar o empregado por delito, sem a devida prova e, ainda por cima, dar ampla divulgação ao fato, pode configurar motivo suficiente para anular demissão por justa causa e determinar o pagamento de indenização por dano moral. Este é o resultado de um julgamento de recurso na Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, em voto do ministro Vieira de Mello Filho.

O caso iniciou com a demissão de um empregado da Transportadora Landa Rio Ltda, do Rio de Janeiro. Sob o argumento de que ele teria confessado, em depoimento à polícia, sua participação em esquema montado para desvio de mercadoria, a empresa o dispensou por justa causa. Em ação movida contra a transportadora, o ex-empregado obteve sentença favorável, determinando a anulação da justa causa e o pagamento de indenização por dano moral.

Para fundamentar sua decisão, o juiz da 19ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro levou em conta, principalmente, três fatores. O primeiro: a impugnação do documento apresentado pela empresa, contendo o depoimento do empregado, que alegou tê-lo assinado sob ameaça de tortura. O segundo fator: a falta de identificação e assinatura das autoridades que ouviram o depoimento. Terceiro: o fato de que a empresa não atendeu determinação para apresentar, em 30 dias, cópia de inquérito ou ação penal contendo provas conclusivas sobre suas acusações.

Em recurso da empresa, o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ) reformou a sentença parcialmente: manteve a anulação da justa causa, mas excluiu a condenação por dano moral. Isso levou o autor da ação a entrar com recurso, na tentativa de retomar a sentença original. Após vê-lo rejeitado pelo TRT, ele apelou ao TST, apontando violação de dispositivos constitucionais e do Código Civil.  

Para fundamentar seu voto, o relator da matéria, ministro Vieira de Mello Filho, considerou a própria decisão do TRT, segundo a qual a demissão por justa causa exige prova “robusta e insofismável”, especialmente quando a acusação se refere a ato de improbidade, que gera graves conseqüências na vida do acusado. O ministro acentua que o TRT usou a mesma linha de julgamento para anular a justa causa (em benefício do empregado) e revogar a reparação por dano (em benefício da empresa). Assim, conclui, o juiz esqueceu-se das “graves conseqüências” que mencionara.  

Para Vieira de Mello, a postura da empresa foi agravada ao permitir que suas acusações ou desconfianças – não comprovadas – fossem divulgadas entre os colegas de trabalho do empregado, violando direitos constitucionalmente previstos, como a honra e a imagem. “Tal atitude denota, no mínimo negligência da empregadora no trato de tais questões, já que em algumas ocasiões é a própria reclamada que dá publicidade às acusações para servir de exemplo aos demais empregados, o que não restou provado neste caso”, assinala. (AIRR-2111/1999-019-01-40.8)

 


 

FONTE:

  TST, 30 de abril de 2008.

DIREITO DE CRÍTICACrítica em jornal nem sempre ofende pessoa pública, diz TJ

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DECISÃO:  *TJ-SC  –   A 1ª Câmara de Direito Civil do TJ, em decisão unânime, negou reparação por danos morais pleiteada pelo ex-prefeito de Orleans, Gelson Luiz Padilha, que sentiu-se ofendido por conta de notas supostamente ofensivas publicadas em jornal local.

"O homem público é foco de atenções de todos os segmentos da sociedade, sujeitando-se, por esta razão, a críticas em face de sua atuação no exercício da função pública inerente ao cargo ocupado", observou o desembargador substituto Joel Dias Figueira Júnior (foto), relator da matéria.

Edilson Paladini, Miguel Crozetta e Suzelei Briguenti Padilha, que ocupavam cargos de confiança respectivamente nas Secretarias de Administração e Finanças, da Saúde e do Bem Estar Social, também solicitaram indenização por dano moral no processo. Segundo eles, periódico pertencente à Folha da Semana Editora Ltda. publicara matérias jornalísticas de forma ardilosa e irresponsável, com duras críticas à Administração Municipal.

A empresa jornalística argumentou que a matéria se limitou a contestar a prestação de contas exibida pela prefeitura em seu informativo distribuído à população, sem a intenção em denegrir a honra ou a imagem do prefeito e de seus assessores.

"A matéria traz somente fatos de interesse geral, referentes à destinação da verba pública durante o exercício da administração dos autores, desprovida de qualquer intenção injuriosa, caluniosa ou difamatória, obedecendo, assim, aos limite da liberdade de imprensa e do dever de informação, também protegidos constitucionalmente", explicou o relator do processo.

A decisão do TJ retificou a sentença da Comarca de Orleans, que antes condenara a editora ao pagamento de R$16,6 mil por danos morais ao ex-prefeito. (Apelação Cível n. 2005.024223-2)


FONTE:  TJ-SC, 29 de abril de 2008.

PREÇO VIL NÃO CARACTERIZADOArrematação por 50% do valor de avaliação não configura preço vil

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DECISÃO:  *TRT-MG  –   Se os bens penhorados para pagamento de dívida trabalhista foram arrematados em leilão por valor superior a 50% do preço de avaliação, não se pode dizer que a venda se deu por preço vil. É este o teor de decisão da 1ª Turma do TRT-MG, com base no voto do juiz convocado Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto, rejeitando a tese da empresa executada, que pretendia a realização de novo leilão. A empresa argumentava que a execução deveria se processar da maneira menos gravosa para a devedora, o que não teria ocorrido no caso.

O juiz relator ressaltou, no entanto, que a previsão do parágrafo 1º, do artigo 888, da CLT, é no sentido de que a arrematação deverá ser feita pelo maior lance. O leiloeiro oficial certificou que os bens penhorados foram inicialmente apregoados por 40 minutos, sem haver qualquer interessado. Ao serem apregoados novamente, após esta tentativa frustrada, os bens vieram a ser arrematados pela própria reclamante. “É sabido que bens levados a leilão nunca alcançam seu valor de mercado, sendo que, no caso, foram arrematados por montante superior a 50% do valor a eles atribuídos em avaliação, portanto, bem acima dos 30% tido como razoáveis em tal modalidade de alienação de bens”, decidiu o juiz, negando provimento ao recurso da reclamada.    ( AP nº 00105-2006-101-03-00-0 )


FONTE:  TRT-MG, 28 de abril de 2008.

USUCAPIÃO EXIGE COMPROVAÇÃO DA POSSESoma de posses para fins de usucapião deve ser devidamente comprovada

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DECISÃO:  *TJ-RS  –  É possível a soma do tempo de posse do antecessor para fins de usucapião, desde que efetivamente comprovados todos os requisitos para tal. O entendimento unânime é da 19ª Câmara Cível do TJRS. O Colegiado negou provimento à apelação de moradora porque não foi demonstrado o tempo em que o antigo residente permaneceu no local.

A autora ajuizou ação buscando usucapião do imóvel onde mora, situado na Vila Bom Jesus, em Porto Alegre. Alegou ter posse mansa, pacífica, ininterrupta e sem oposição, adquirida de outro morador, que teria residido no local por mais de 20 anos.

Os proprietários da área, por sua vez, afirmaram que a moradora nunca pagou qualquer imposto, que sempre foram quitados por eles. Ressaltaram ainda que a área reclamada é maior do que a permitida para ser usucapida pelo usucapião constitucional.

A sentença da magistrada Ana Beatriz Iser negou o pedido da autora, por não haver sido comprovada a soma de posses com seu antecessor. Dessa forma, considerou insuficiente o prazo de posse para o reconhecimento da usucapião extraordinária.

A moradora apelou da decisão ao Tribunal de Justiça.

Voto

O relator do recurso, Desembargador Carlos Rafael dos Santos Júnior, apontou que, segundo o Código Civil, é possível o sucessor unir sua posse a do antecessor, a fim de usucapir o imóvel. No entanto, deve ser demonstrado que foram preenchidos os requisitos da usucapião, especialmente, nesse caso, o tempo de posse do antecessor, o que não foi feito pela apelante.

Observou que o termo apresentado pela autora não é prova suficiente: “A posse, por ser fato, não se prova apenas com documentos, há de se produzir outras provas, em especial testemunhal e pericial, para esclarecer os fatos alegados pelas partes.” O magistrado avaliou também que nenhum dos testemunhos apresentados afirmou com convicção conhecer o antigo morador ou que este residiu por mais de 20 anos no local.

“Desta forma, a apelante apenas demonstrou exercer posse no local desde maio de 2001, quando foi firmado o contrato de concessão. Este lapso temporão não é suficiente para declarar domínio em seu favor.”

A sessão ocorreu em 8/4. Acompanharam o voto do relator o Desembargador José Francisco Pellegrini e a Juíza de Direito Denise de Oliveira Cezar.  Proc. 70022022107

 


 

FONTE:  TJ-RS, 30 de abril de 2008.

DANOS MORAISPortador do vírus da Aids é indenizado

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DECISÃO:  *TJ-MG  –  Uma empresa de saúde foi condenada a indenizar um aposentado portador do vírus HIV por ter demorado três meses para autorizar um exame considerado crucial para o tratamento da doença. A decisão é da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que manteve sentença proferida pela juíza Maria das Graças Nunes Ribeiro, da 2ª Vara Cível da comarca de Uberlândia. Como o técnico de enfermagem aposentado F.Q. faleceu em agosto de 2006, em decorrência da doença, a indenização por danos morais no valor de R$ 3.800 deverá ser paga à mãe dele, única herdeira.  

Conforme os autos, F.Q., morador de Uberlândia, era titular do plano de saúde “total” da empresa, que adquiriu em 1994. Em 21 de setembro de 2005, procurou um infectologista, o qual solicitou a realização de quatro exames. O aposentado fez os pedidos, mas a empresa liberou apenas três, deixando pendente o de genotipagem para HIV. Somente em dezembro de 2005 o plano de saúde liberou a senha para realização do exame. F.Q. decidiu então propor uma ação de indenização por danos morais contra a empresa, alegando que necessitava com urgência do exame de genotipagem, já que este, ao indicar a resistência do vírus a determinados remédios, serve para identificar quais medicamentos são mais apropriados para o controle do HIV.  

Diante da sentença favorável ao aposentado, a empresa interpôs recurso junto ao TJMG alegando que o exame do qual F.Q. necessitava não tinha caráter de urgência, sendo apenas exame de rotina, e que em nenhum momento a realização do exame foi negada. Argumentou também que o intuito do aposentado era obter enriquecimento ilícito com a ação, e que F.Q. não sofreu danos morais, apenas mero aborrecimento. Disse ainda que não houve descaso e desrespeito ao paciente.  

Em suas contra-razões do recurso, o apelado (espólio de F.Q.) afirmou que a genotipagem para HIV não se trata de um simples exame de rotina, mas sim “um exame complexo que determina o melhor medicamento para o tratamento” da doença; e que a certidão de óbito juntada aos autos “fala por si só”, afastando a alegação de que o ocorrido foi “mero aborrecimento”.

De acordo com o relator, desembargador Pedro Bernardes, “restou claro nos autos que a apelante não autorizou de imediato a realização do exame de genotipagem para HIV, embora o agravado estivesse pagando pontualmente a prestação pecuniária que lhe era exigida. Além disso, não é preciso muito esforço para reconhecer a importância e a rapidez com que os exames e tratamentos devem ser despendidos a uma pessoa portadora de HIV, eis que a demora poderá lhe custar a própria existência. Evidente, portanto, o ato ilícito perpetrado pela apelante”.

Os demais componentes da turma julgadora, desembargadores Tarcísio Martins Costa e José Antônio Braga, concordaram com o relator. Dessa forma, a sentença foi integralmente mantida.  Processo nº: 1.0702.06.266615-2/001


FONTE:  TJ-MG,  30 de abril de 2008.

JUSTIÇA DESPORTIVASTF mantém resolução do CNJ que impede magistrados de atuarem na justiça desportiva

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DECISÃO:  *STJ  – O plenário do Supremo Tribunal Federal ( STF) negou, por unanimidade, Mandado de Segurança (MS) 25938 contra a Resolução 10, de 19.12.2005, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) impetrado por seis magistrados, em exercício, que também integravam os quadros da justiça desportiva. Alegavam os impetrantes que a referida resolução violava-lhes o “ direito líquido e certo” , na medida em que lhes proibiu o exercício simultâneo de funções nos tribunais de justiça desportiva e comissões disciplinares, com a magistratura, determinando que os membros do judiciário que exerciam tais funções, delas se desligassem até 31 de dezembro de 2005.

Eles sustentavam que as atividades na justiça desportiva não se enquadram nas proibições existentes na Constituição e na  Lei Orgânica da Magistratura (Loman) dirigida aos magistrados. Segundo eles, “não se trataria de cargo ou função pública, sendo o exercício de atividades na justiça desportiva feito de maneira não remunerada e sem caráter propriamente técnico”. Além disso, argumentavam que a justiça desportiva não integra a estrutura do Poder Judiciário de maneira a impedir o exercício cumulativo de suas funções por magistrados.

Ao decidir o pedido de liminar, a ministra-relatora Cármen Lúcia lembrou que os juízes não podem exercer outra função pública salvo o magistério. “Não vislumbro qualquer ilegalidade e abuso de poder no ato do CNJ, razão por denegar a segurança e determinar o prejuízo do agravo regimental interposto”, afirmou. Quanto à natureza quase pública dos cargos e funções da justiça desportiva “ainda que pudesse ser superado ( que eu não tenho como possível)”, destacou,  não cabe a acumulação de cargo de juiz com outro que não seja público. “Resta ainda apreciar a natureza das funções de justiça desportiva para concluir integralmente sobre o quanto posto nesta ação sobre a natureza e a sua inclusão ou não no rol de cargo ou função acumulável com a de juiz”, destacou.

Lembrou, também, o art. 217, parágrafo 1º da Constituição Brasileira que dispõe que “o Poder Judiciário só admite ações relativas a disciplina e a competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva regulada em lei”. Ressaltou também que “a Constituição, a despeito de não ter expressamente afirmado, determina que o cargo de juiz só pode ser acumulado com a função de magistério”. Levou, em conta, também, a elevada carga de trabalho que cabe aos juízes. “A participação de magistrado configuraria prejuízo na função judicante”, ressaltou.

Ao proferir seu voto, o ministro Cezar Peluso reforçou o voto da relatora. “Apenas o reforço a idéia de que a função pública tem de produzir os resultados idôneos, a satisfação e os interesses públicos previstos na lei e no ordenamento jurídico”. Justificou, assim, o princípio da dedicação exclusiva,  “que aos juízes, salvo na função de magistério, devem reservar-se”. Ressaltou, ainda, o volume de trabalho atribuído aos juízes, sendo muitos, segundo ele, que abrem mão de momentos de lazer para “pôr o serviço em dia”.

Ao proferir seu voto negando o mandado de segurança, a ministra Cármen Lúcia foi acompanhada, por unanimidade pelos demais ministros da Corte. Assim, o Plenário do STF manteve decisão do CNJ que impede os membros do Poder Judiciário de atuarem na justiça desportiva.

 


 

FONTE:  STF, 24 de abril de 2008.