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INSCRIÇÃO INDEVIDA NO SERASABanco é condenado por danos morais

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DECISÃO:  * TJ-RN  –  O Banco do Brasil deve indenizar uma panificadora de Mossoró, a título de danos morais, por ter praticado ato ilícito passível de indenização, ou seja, ter feito a inscrição do nome da empresa no SERASA e CCF (Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos), e não lhe informar, o que configurou a falha no serviço bancário.

A decisão manteve a sentença proferida pela 4ª Vara Cível da Comarca de Mossoró, que condenou o banco-réu a pagar a importância de R$ 3.800,00 a panificadora, valor a ser corrigido monetariamente. No recurso, o Banco do Brasil negou a configuração do dano moral. Já a panificadora alegou que a instituição bancária agiu por litigância de má-fé.

Na Apelação Cível, o relator do recurso, desembargador Rafael Godeiro, aplicou as normas do Código de Defesa do Consumidor, pois se trata de relação de consumo. Assim, de acordo com as normas do CDC, além do dever das empresas fornecedoras de prestar um bom serviço a seus clientes, caberá o ônus da prova quanto à alegada culpa do consumidor, pela falha do serviço prestado.

O relator desconsiderou à alegação de que não foram comprovados os danos morais sofridos pela empresa, uma vez que dos documentos acostados nos autos se constata que a panificadora foi impedida de realizar compras a prazo em dois estabelecimentos comerciais.

“No caso, restou constatada a presença do dano moral suportado pela empresa autora, por ter seu nome inscrito (26/06/2003), e mantido, nos cadastros de restrição ao crédito (16/11/2003), sem qualquer aviso prévio. E, assim, evidenciado o dano moral sofrido pela autora, impõe-se o dever de indenizar do banco-réu”, decidiu o relator.


FONTE:  TJ-RN, 08 de maio de 2008.

ASSISTÊNCIA À SAÚDESUS obrigado a garantir remédio, mesmo fora da lista padrão

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DECISÃO:  *TJ-SC  –  O desembargador substituto Robson Luz Varella concedeu antecipação dos efeitos da tutela em agravo de instrumento para determinar ao Estado que garanta o fornecimento dos medicamentos solicitados por Sebastião Pereira Fernandes para o tratamento de diabetes mellitus tipo I.

Segundo os autos, o Estado já fornece e possui em seus cadastros insumos medicamentosos para o tratamento desta enfermidade. Todos, porém, ao serem consumidos pelo paciente, acarretaram sérios efeitos colaterais, inclusive com o registro de vários episódios de hipoglicemia severa.

Sebastião, a partir de orientação médica, solicitou então os remédios "Insulina Humalog 3 ml; Insulina Lantus 3 ml; Vivanza; Durateston 250 mg; e Tiras Accu-Advantage II" para o tratamento de sua moléstia – não integrantes da lista padrão do Sistema Único de Saúde (SUS).

“A mera inexistência de inclusão de um insumo em referido rol de padronização, não elide a obrigação, nem tão-pouco a possibilidade, de fornecimento gratuito pelo Estado, que detém a imposição constitucional de salvaguarda à saúde dos cidadãos”, anotou o desembargador, em sua decisão.

Segundo ele, a listagem elaborada pelo SUS tem por base aspectos gerais calcados em dados estatísticos sobre as enfermidades que mais assolam a população, não abrangendo integralmente o conjunto de doenças que acometem os segurados.

“Os medicamentos ali elencados não serão eficazes ou compatíveis a todos os tratamentos ministrados. Isso porque, em se tratando da saúde de cada indivíduo de forma isolada, indubitavelmente haverá variações no comportamento do organismo”, interpreta o magistrado. O descumprimento da decisão pelo Estado estará sujeito a multa diária de R$ 1 mil. (Agravo de Instrumento n. 2008.022819-0)


FONTE:  TJ-SC, 09 de maio de 2008.

FALTA DE INTERESSE PROCESSUALAção Popular é indeferida por impossibilidade jurídica

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DECISÃO:  *TJ-MG  –  Em se tratando de direitos individualizados, pertencentes a titulares determináveis, não há a possibilidade de ação popular, pois a finalidade desta não é a defesa do patrimônio privado, conforme o art. 1º da Lei 4.717/65 e art. 5o. inciso LXXIII da Constituição Federal. Com este entendimento o juízo da Vara Especializada de Ação Civil Pública e Ação Popular de Cuiabá indeferiu pedido de liminar e julgou extinto sem julgamento de mérito a Ação Popular no. 521/08.  

O impetrante da ação requereu liminarmente a exibição de documentos de arrecadação tributária por meio das ações executivas entre os anos de 2004 e 2006 e parte em 2007, em face do chefe dos Poderes Executivo Estadual e Judiciário e do secretário de Estado de Fazenda. No mérito, pleiteou, entre outros, a anulação de todos os julgamentos de mérito de execuções fiscais no período relativo ao convênio. O referido protocolo foi cancelado pela atual presidência do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, por ter sido considerado ilegal.

O juízo da Vara Especializada de Ação Civil Pública e Ação Popular analisou o interesse de agir, a possibilidade jurídica do pedido e os requisitos específicos da ação popular. Salientou, em relação ao protocolo de intenções, que o ato administrativo produzido por mais de um órgão, só pode ser anulado administrativamente se firmado pelos entes envolvidos, ou quando reconhecida e/ou declarada pelo Poder Judiciário, no exercício da sua função, o que não ocorreu no caso.

Quanto ao pleito de anulação dos julgamentos, com efeito erga omnes (para todos), conforme a decisão, o autor não possui interesse de agir. O impetrante pretende com o pedido, a proteção de direitos individuais homogêneos dos administrados e não a proteção do patrimônio público, sendo este o real objeto da ação popular. O magistrado colacionou trecho da doutrina do ministro Gilmar Mendes que informa que a ação popular, regulada pela Lei nº. 4.717, de 29-6-1965, configura instrumento de defesa de interesse público e não tem em vista a defesa de posições individuais.

Diante dos fatos narrados nos autos, portanto, a inicial foi indeferida por ausência de pedido de anulação de ato, impossibilidade jurídica do pedido, falta de interesse de agir, com base no art. 295 incisos I e III do CPC (inépcia e carência de interesse processual).


FONTE:  TJ-MT, 09 de maio de 2008

O consumidor e a demora do Poder Judiciário.

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*Arthur Rollo 

A função precípua do Judiciário é compor litígios. Havendo o conflito de interesses e a resistência à pretensão de um por parte de outro, surgirá a lide que deverá ser resolvida. A permanência dos conflitos na sociedade provoca a sua instabilidade.

Justamente por isso, um dos princípios do direito é o acesso à Justiça. O acesso à Justiça deve ser franqueado a todos, a fim de que os conflitos sejam compostos e não permaneçam na sociedade. Quando os conflitos perduram no tempo ocorre o descrédito da Justiça e as pessoas tendem a buscar a autotutela, que é o exercício da Justiça pelas próprias mãos.

Facilita-se o acesso ao Judiciário de várias formas: assegurando advogados e a isenção do pagamento de custas aos carentes; por meio das ações coletivas (que permitem que determinadas entidades proponham ações em proveito de toda a sociedade); incentivando a criação de associações civis (consistentes na reunião de diversas pessoas, com repartição de todas as despesas decorrentes da propositura da ação), que vão coletivamente representar seus associados; etc..

Não basta, contudo, facilitar o acesso à Justiça. A criação dos Juizados de Pequenas causas tinha por objetivo desafogar a Justiça Comum, mas não surtiu efeito porque acabaram sendo trazidos para o Judiciário conflitos que até então a ele não chegavam.

Razões diversas demovem a pessoa de recorrer ao Judiciário. O custo e a demora do processo são os principais fatores que levam à contenção da litigância. Mas, quando isso acontece, o prejuízo é todo da sociedade.

A criação dos Juizados de Pequenas causas acabou trazendo para o Judiciário aqueles conflitos que, segundo o titular da pretensão, não valia a pena submeter à Justiça. Ao invés de retirar processos da Justiça Comum, o que aconteceu na prática foi a propositura de um número ainda maior de processos, que fez com que também os atuais Juizados Especiais ficassem morosos.

A maior parte dos conflitos de consumo é julgada no âmbito dos Juizados Especiais, uma vez que a eles são submetidas as causas cujo valor não ultrapasse quarenta salários mínimos. Quase todos os litígios de consumo encontram-se nesse patamar, daí porque a demora na tramitação dos processos judiciais, especialmente no âmbito dos Juizados Especiais, é altamente nociva para o direito dos consumidores.

Vários consumidores vêm deixando de submeter litígios ao Judiciário, em decorrência da demora na tramitação dos processos e esta, por sua vez, acaba na prática frustrando diversos acordos, tendo em vista que audiências de conciliação estão sendo marcadas, por vezes, depois de um ano da propositura da ação.

Grande parte dos produtos sofre desvalorização significativa após o decurso do prazo de um ano, o que desestimula os consumidores a aceitar, a título de acordo, seu conserto.

A demora na tramitação dos processos, outrossim, vem sendo utilizada pelos fornecedores como instrumento de pressão, já que é mais fácil para o consumidor aceitar um acordo ruim com o fornecedor do que ingressar com um processo judicial que terminará sabe-se lá quando.

O acúmulo de processos é visto em diversos Tribunais e órgãos do Judiciário brasileiro. A culpa dessa situação não é dos juízes, até porque os julgadores brasileiros julgam mais processos do que qualquer outro juiz do mundo. São múltiplos os fatores que provocam a morosidade judiciária e, certamente, o processo digital contribuirá para sanar esse grave problema.

Um Judiciário eficiente, além de resolver rapidamente os conflitos, previne a sua ocorrência, porque traz ao fornecedor a certeza de que o problema, se não for resolvido amigavelmente, será solucionado pela Justiça, sendo que esta solução poderá não ser a melhor. Por isso, a eficiência do Judiciário tem tudo a ver com os direitos do consumidor.


      

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

ARTHUR ROLLO:  advogado especialista em Direito do Consumidor

 

Caso Isabella Nardoni: por que punir?

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* Paulo Queiroz

Supondo que o pai e a madrasta de Isabella Nardoni tenham sido efetivamente os autores do crime perpetrado, a justificar provável condenação penal, cabe perguntar, não obstante, o seguinte: por que punir? Ou ainda: qual o sentido do castigo?

Bem, não parece ser o caso de punir para fins de ressocialização (prevenção individual), porque os supostos autores não têm registro de antecedentes criminais, exercem atividade lícita etc., e até então se relacionavam normalmente com as pessoas com as quais conviviam, a criança morta inclusive; e nada sugere que voltarão a delinqüir, especialmente contra os outros filhos, se mantidos em liberdade. Ao contrário, enclausurá-los na prisão parece tender mais à dessocialização, inclusive dos outros filhos do casal, pois a prisão tende a atingir não apenas os efetivamente encarcerados, mas também aqueles que dependem destes.

Também não parece ser o caso de prevenção geral negativa, isto é, evitar que outras pessoas tomem o caso como exemplo e tendam a praticar crimes semelhantes. É que, como regra, os pais não maltratam ou matam seus filhos simplesmente porque não têm razão alguma para tanto. Afinal, seus interesses e instintos são normalmente no sentido contrário, isto é, de preservá-los a todo custo, por vezes sacrificando suas próprias vidas. Dito de outro modo: a eventual impunidade dos pais que ofendam ou matem seus filhos dificilmente será tomada como referência para prática de atos semelhantes.

Talvez se pudesse então dizer que castigar tal delito é necessário como forma de prevenir reações públicas ou privadas arbitrárias contra os autores do crime (Ferrajoli), mas também esse argumento não parece convincente. Sim, porque, sendo os pais e a família, além da própria criança, as principais vítimas dessa tragédia, é pouco provável que tal viesse a ocorrer. De todo modo, caberia aos interessados, ao Estado inclusive, agir de modo a prevenir tais atos de vingança.

Parece enfim que as teorias preventivas não são capazes de justificar, razoavelmente, a inflição do castigo neste caso específico.

Restariam assim três possibilidades: castigar simplesmente porque um crime foi cometido, ou seja, independentemente de considerações utilitárias ou preventivas (Kant/Hegel); ou, ainda, inflingir o castigo como forma de afirmação contrafática da validade do direito (Jakobs); e, finalmente, não castigar porque a pena é absolutamente irracional e, como tal, constitui uma violência que se acrescenta inutilmente a uma outra violência, que nenhum benefício pode acarretar para os indivíduos ou para a sociedade (Hulsman/Scheerer). Seria um simples fato de poder sem nenhum fim legítimo (Zaffaroni).

Seja como for, parece não existe uma razão universal para castigar, isto é, aplicável a todo e qualquer caso e, pois, válida para além do tempo e do espaço, motivo pelo qual cada caso pede uma legitimação/deslegitimação particular.

Além do mais, as leis penais supõem uma regularidade de expectativas, emoções e interesses que simplesmente não existem. É que no fundo praticamos crimes pelas mesmas razões que não os praticamos, isto é, porque temos ou não motivações para tanto; e essas motivações variam de pessoa para pessoa e são sempre novas, permanentemente em mutação.

Talvez por isso ou também por isso tenha razão Nietzsche quando afirmara que é impossível saber por que realmente se castiga, e que o que chamamos justiça não é outra coisa senão uma transformação do ressentimento e, pois, uma forma de vingança com nome diverso.1

Notas de rodapé

1 A Genealogia da Moral. S. Paulo: Centauro editora, 2004.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

PAULO QUEIROZ:  Doutor em Direito (PUC/SP), é Procurador Regional da República, Professor do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) e autor do livro Direito Penal, parte geral, S. Paulo, Saraiva, 3ª edição, 2006.

Website: www.pauloqueiroz.net

 

A busca da verdade no Processo Penal

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*Gisélle Maria Santos Pombal Sant’Anna   

1. INTRODUÇÃO

              Historicamente, a busca da verdade real sempre esteve associada ao sistema inquisitório, aparecendo como uma das finalidades do processo penal. Destarte, eram atribuídos ao órgão julgador amplos poderes instrutórios, sendo este o verdadeiro gestor da prova.

Atualmente, a doutrina mais moderna, consciente da impossibilidade de se atingir uma verdade absoluta, defende que a busca da verdade pode ser considerada um meio do processo penal e não o seu fim, sendo que uma decisão somente será justa se, concluída a instrução probatória, a reconstrução dos fatos tiver a maior aproximação possível com a realidade.

O presente artigo tem por escopo analisar, de forma breve, a busca da verdade no processo penal, apontando suas limitações e a importância da determinação dos fatos. 

2. Conceito e critérios de verdade

Sem a pretensão de esgotar o tema, discorrer-se-á acerca de alguns conceitos sobre a verdade, apoiando-se na doutrina filosófica.

A palavra verdade provém do latim veritate, que significa exatidão, realidade, conformidade com o real. Assim, em uma definição comum, a verdade é a adequação do pensamento ao objeto.

Nesse sentido, Johannes Hessen nos esclarece que um conhecimento só será verdadeiro se o seu conteúdo concordar com o objeto, sendo este o conceito de verdade denominado transcendente.[1]

Por outro lado, pelo conceito imanente “a essência da verdade não reside numa relação do conteúdo do pensamento com algo contraposto, transcendente, mas sim no interior do próprio pensamento”, sendo a verdade “a concordância do pensamento consigo mesmo.”[2] [3]

No que tange aos critérios de verdade, os quais se prestam para o alcance da certeza de que um conhecimento é verdadeiro, o conceito de verdade imanente traz a ausência de contradição como o seu critério. Assim, algo será considerado verdadeiro se for elaborado de acordo com as leis e normas do pensamento.

Já no que diz respeito ao conceito transcendente de verdade, fala-se em critério da “imediata presença de um objeto”.[4]

Discorrendo sobre o problema da verdade processual, Luigi Ferrajoli nos apresenta a coerência e a aceitabilidade justificada como critérios de decisão da verdade. De acordo com o primeiro critério, algo será considerado falso se entrar em conflito com o que é considerado verdadeiro ou se derivar de algo compreendido como falso. Já na aceitabilidade justificada, uma proposição é considerada verdadeira, se comparada a outras reputadas verdadeiras, tiver maior alcance em termos experimentais.[5]

Retornando à divergência existente na Filosofia acerca do conceito de verdade, cumpre trazer à baila algumas teorias sobre esse tema, inclusive a posição das mesmas quanto à possibilidade de se atingir à verdade.

Para os céticos, não é possível o alcance da verdade, pois, segundo esses teóricos, não há conhecimento. Em uma visão um pouco mais atenuada, o ceticismo médio admite a verossimilhança, considerando o conhecimento em sentido estrito impossível.

Johannes Hessen nos apresenta duas contradições no ceticismo, quais sejam: ao admitir que não existe conhecimento acaba por reconhecer a existência de um conhecimento e o fato de o conceito de verossimilhança pressupor o de verdade.[6]

Assim como o ceticismo, as teorias do subjetivismo e do relativismo também negam o conhecimento da verdade, porém de forma indireta. Tais teorias admitem a existência da verdade, contudo asseveram que esta é limitada em sua validade. Destarte, não haveria uma verdade universalmente válida.

Diferenciam-se na medida em que o subjetivismo afirma que a verdade é restringida ao sujeito que a conhece e a julga, enquanto o relativismo dá maior importância aos fatores externos.[7]

O pragmatismo, assim como o ceticismo, não vê a verdade como a concordância entre o pensamento e o ser, concebendo-a como algo útil. Para os adeptos dessa teoria, “a verdade do conhecimento consiste na concordância do pensamento com os objetivos práticos do homem.”[8]

Já o criticismo confia na razão humana, defendendo a possibilidade do conhecimento e a existência da verdade, mas não aceita nada de forma inconsciente.[9]

Na filosofia contemporânea, Tiago Fabres Carvalho estabelece que “conhecimento e verdade estão em uma construção histórica e factual mediada pela linguagem e pela alteridade.”[10]

Também no âmbito do processo penal, existem divergências acerca da possibilidade e até mesmo da relevância em se alcançar à verdade, conforme será abordado adiante. 

3. Apresentação de algumas posições acerca da verdade no processo penal

Gustavo Badaró nos apresenta as posições que consideram a verdade como irrelevante para o processo.[11] Com efeito, tendo em vista que a finalidade do processo é a resolução dos conflitos de interesses, a busca da verdade não seria necessária, pois, além de aumentar os custos do processo, o conflito poderá ser solucionado até com base em dados falsos.

Para o aludido autor, tal corrente só tem aplicação no processo civil, onde predomina o princípio dispositivo, não tendo a busca da verdade como escopo, ou no processo penal consensual.[12]

Transportado o ceticismo para o processo, ou seja, se considerarmos que a verdade não pode ser alcançada em relação a qualquer fato, sendo inatingível pela própria condição humana, não existindo alcance da verdade no processo, haverá, segundo Barbosa Moreira enfraquecimento da instrução probatória, e, conseqüentemente, desvalorização da prova.[13]

Aury Lopes Júnior destaca que, no processo penal, se obtém, no máximo, “um alto grau de aparência, de plausibilidade, de que o fato tenha ocorrido (no passado, sempre um fato histórico) conforme o processo conseguiu apurar”. O referido autor admite apenas a verossimilhança[14] e a probabilidade, chegando a asseverar que, face às incertezas, poder-se-ia atingir apenas a possibilidade, isso sem diminuir o mínimo necessário para uma eventual condenação. Seria uma apenas uma questão de re-adequação.[15]

4. O mito da verdade real

Conforme já ressaltado, a verdade real sempre esteve relacionada ao sistema inquisitório e à busca de uma verdade a qualquer custo.

Com efeito, Luiz Fernando Vidal estabelece que “o axioma da verdade real é apenas uma dissimulação para a construção de um saber individualizado e concreto que permite o exercício do poder.”[16]

Luigi Ferrajoli afirma que a verdade é sempre contingente, no sentido de não ser definitiva, e relativa “ao estado dos conhecimentos e experiências levadas a cabo”. Algo seria verdadeiro “pelo que sabemos” do mesmo, sendo a verdade absoluta um ideal inalcançável.[17]

Assim, verifica-se que a verdade real não pode ser atingida, ainda mais quando estamos diante das limitações existentes dentro do processo penal, as quais serão comentadas quando da análise da verdade processual.  

4.1 Falsa dicotomia entre verdade real e formal

A Doutrina costuma distinguir a verdade em real ou material e formal, sendo a primeira referente ao processo penal e a segunda, ao processo civil, levando-se em consideração os bens jurídicos tutelados.

Contudo, a verdade é una, não subsistindo a dicotomia aludida acima. Isso porque a existência de regras jurídicas não torna a verdade processual distinta das outras. As expressões verdade real e verdade formal apenas serviriam para mostrar a proximidade com a verdade absoluta, a qual não é atingível.

Os bens jurídicos a serem protegidos pelo processo civil e pelo processo penal não são critérios para se diferenciar os graus de probabilidade a serem atingidos. O que poderia diferenciar a verdade formal da real, se tal distinção procedesse, é o limite para a obtenção das mesmas. [18]

O grau de probabilidade deve ser o mesmo seja no processo civil, seja no processo penal, mencionando-se que mesmo a certeza é um grau elevado de probabilidade em termos relativos. 

5. Verdade processual

Tendo em vista a impossibilidade de se atingir uma verdade absoluta, o que afasta a denominação real atribuída ao vocábulo verdade, constante no processo penal, fala-se em verdade processual, que é alcançada com observância “de regras precisas e relativas aos fatos e circunstâncias considerados como penalmente relevantes”.[19]

Admite-se apenas a verdade processual, produzida sob o crivo do contraditório e no âmbito da estrutura dialética própria do processo penal acusatório.

Quanto a esse aspecto, cumpre ressaltar que a instrução probatória no processo penal é muito relevante, pois é através dela que se reconstrói o fato ocorrido no passado, uma das finalidades do processo penal. Destarte, a produção e a valoração da prova, que influem no convencimento do juiz ao proferir sua decisão, assumem um papel de destaque.

Entende-se que a atividade probatória deve ser controlada pelas partes a fim de garantir a imparcialidade e a tranqüilidade do órgão julgador, devendo este apenas assegurar o contraditório, a ampla defesa e a igualdade entre as partes.

Assim, a imparcialidade do juiz somada à igualdade das partes são as condições sine qua non para a obtenção do conhecimento e da verdade no processo penal, entendida esta como a verdade processual.

Para Luigi Ferrajoli a verdade processual é aproximativa, sendo, assim, contingente e relativa. Tal autor distingue a verdade em processual fática e processual jurídica.

A primeira se refere aos fatos passados, sendo “comprovável pela prova de ocorrência do fato e de sua imputação ao sujeito incriminado”. Apresenta-se como “resultado da ilação dos fatos ‘comprovados’ do passado com os fatos ‘probatórios’ do presente”. Tal ilação pode ser representada por uma inferência indutiva.[20]

Já a verdade processual jurídica é classificatória, relacionada à qualificação jurídica, sendo comprovável “por meio da interpretação do significado dos enunciados normativos, que qualificam o fato como delito.”[21] Na verificação jurídica, tem-se uma inferência dedutiva, sendo que, geralmente, o conceito classificatório não é suficientemente preciso.

No que tange aos limites da verdade processual, pode-se apontar, em primeiro lugar, a impossibilidade de observação direta do fato. Assim, a verdade processual é “relativa a proposições que falam de fatos passados, não diretamente acessíveis como tais à experiência.”[22]

Além dessa limitação, Luigi Ferrajoli aponta também o “caráter irredutivelmente provável da verdade fática e o inevitavelmente opinativo da verdade jurídica das teses judiciais”, além do caráter não impessoal do juiz, que se condiciona pelas circunstâncias do ambiente em que vive. Quanto a este último ponto, ressalta que “em todo juízo, em suma, sempre está presente uma certa dose de preconceito”. Por fim, salienta a subjetividade do juiz e subjetividade das fontes de prova[23], principalmente nos ordenamentos jurídicos em que não há o predomínio da oralidade.

Um outro aspecto que pode ser aventado quanto à limitação da verdade processual é o problema da intuição, pois há magistrados que julgam com base em juízos antecipados.[24]

Por fim, ressalte-se que na verdade processual, haverá um maior controle quanto a sua aquisição e uma maior limitação quanto ao seu conteúdo, visto que  

a tese acusatória deve estar formulada segundo e conforme a norma; a acusação deve estar corroborada pela prova colhida através das técnicas normativamente preestabelecidas; deve ser sempre uma verdade passível de prova e oposição; a dúvida, a falta de acusação ou de provas ritualmente formadas impõem a prevalência da presunção de inocência e atribuição de falsidade formal ou processual às hipóteses acusatórias.[25] 

                Em suma, o processo penal deve buscar uma verdade onde haja há maior aproximação com os fatos ocorridos no passado. Esta atividade de busca deve ser levada a efeito com a participação das partes, possibilitando o contraditório e a ampla defesa. Deve estar presente na instrução probatória a garantia do devido processo legal, dando-se grande destaque para a imparcialidade do órgão julgador.

Se o juiz possuir ampla liberdade na atividade probatória irá permitir “que venha ao processo apenas o material probatório adequado à justificação de uma tese previamente escolhida.”[26] 

6. Alguns conceitos utilizados para demonstrar a verdade a ser buscada no processo penal

Face à impossibilidade de alcance da verdade real, são apresentados alguns conceitos a fim de demonstrar qual a verdade que deveria ser buscada no processo penal. 

6.1 A verdade como probabilidade

O juiz, ao analisar as provas, somente chegará à conclusão de que o fato é provável ou não, sendo o alto grau de probabilidade uma verdade relativa.

Mesmo que a ocorrência de um fato seja provável, não se descarta sua inocorrência. A certeza é atingida quando há provas de que o fato ocorreu e provas de sua inexistência são irrelevantes. 

6.2 A probabilidade quantitativa

O juízo acerca da verdade será realizado em cima de parâmetros de probabilidade. Utiliza-se a Teoria de Bayes como base, a qual é muito aplicada pela doutrina norte-americana na valoração da prova. Essa teoria analisa o fato de acordo com a sua ocorrência em um determinado número de eventos (freqüência).

Gustavo Badaró critica a teoria de Bayes, pois esta não possui “uma base de dados relativos à freqüência geral dos fenômenos daquele que se precisa verificar.”[27] Ela busca a probabilidade abstrata da repetição de uma hipótese em um conjunto e não a ocorrência de um determinado fato concreto.

Antonio Magalhães também traz críticas à utilização desse critério no processo penal, quais sejam, incompatibilidade dos mecanismos probatórios com as técnicas de probabilidade matemática, enfraquecimento da presunção de inocência, desumanização da justiça criminal.[28] 

6.3 A evidentiary value model

               A Evidentiary Value Model, apesar de partir das mesmas premissas fundamentais da Teoria Bayesiana, se diferencia desta última por dar maior importância ao mecanismo probatório, o que a afasta do abstrativismo característico da primeira.

Possui três elementos: tema da prova, fatos probatórios e mecanismo probatório. Este último utiliza os elementos de prova existentes, a probabilidade de os mesmos confirmarem uma dada proposição. Já a probabilidade quantitativa utiliza apenas a freqüência de base.

A Evidentiary Value Model importa-se mais que o fato probatório seja determinado pelo tema da prova.

A crítica que pode ser feita é no sentido de que o fator fundamental é indeterminado, ou seja, o problema de determinar o valor da prova, e por pressupor que o mecanismo probatório esteja funcionando sempre.[29] 

6.4 A probabilidade lógica ou indutiva

Segundo Gustavo Badaró, a probabilidade lógica ou indutiva é a mais adequada para demonstrar o raciocínio judicial na valoração das provas, por não utilizar um conceito de probabilidade matemático.[30]

Nesse mesmo sentido, Antonio Magalhães esclarece que  

a idéia de probabilidade lógica parece ser a mais adequada, pois restringe os limites da dúvida à dimensão humana, ao mesmo tempo em que ressalta a necessidade de obtenção do maior número de dados possíveis para a inferência probatória.[31] 

Distancia-se do abstrativismo ao se valer dos elementos de prova disponíveis para uma determinada hipótese, buscando determinar o grau de fundamento de uma afirmação acerca de um fato, com base em dados disponíveis. Assim, os elementos probatórios darão suporte às inferências e estas podem levar a um resultado diverso do que normalmente ocorre. 

7. Comparação da atividade do juiz à do historiador

Devido ao fato de a atividade jurisdicional ser direcionada para fatos passados, sendo a busca da verdade realizada pela reconstrução histórica, costuma-se comparar as atividades do juiz com a do historiador.

Nesse sentido, Aury Lopes Júnior esclarece que na atividade de reconstrução dos fatos passados, o juiz “se assemelha ao historiador, de modo que após um raciocínio indutivo chegará a uma conclusão que tem o valor de hipótese provável.”[32]

Contudo, cabe ressaltar que tais atividades não se confundem, pois o juiz deve sempre obter uma conclusão acerca dos fatos, tendo o dever de decidir, independentemente do que obteve com a instrução.

Ademais, o juiz não pode escolher os fatos que serão investigados, estando vinculado ao que foi postulado.

Acrescente-se a isso o fato de o juiz não possuir nenhuma discricionariedade quanto ao método a ser seguido, tanto no que se refere à colheita, como na seleção e avaliação dos dados, havendo regras para tal.[33] 

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Segundo Luigi Ferrajoli, “se uma justiça penal integralmente com verdade constitui uma utopia, uma justiça penal completamente sem verdade equivale a um sistema de arbitrariedade.”[34]

                Destarte, face à impossibilidade de se atingir uma verdade absoluta, a busca da verdade real não pode ser considerada um fim do processo penal. Admite-se apenas a verdade processual, a qual é obtida com a participação das partes na instrução probatória, observadas as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, preservando-se a imparcialidade do órgão julgador, a fim de que a reconstrução histórica dos fatos possua a maior aproximação possível com a realidade.  


Notas

[1] HESSEN, Johannes. Teoria do Conhecimento. Tradução João Vergílio Gallerani Cuter. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 119.

[2] Loc. cit.

[3] Nota-se que este conceito de verdade só poderá ser aplicado se partirmos do pressuposto de que não existem objetos fora da consciência. Em crítica a esse conceito de verdade, Johannes Hessen adverte que é imprescindível ao conceito de verdade a relação que se estabelece entre o conteúdo de pensamento e o objeto. Op. cit., p. 122.

[4] HESSEN, Johannes. Op. cit., p. 124.

[5] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão Teoria do Garantismo Penal. Tradução Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 54.

[6] Op. cit., p. 33/35.

[7] Johannes Hessen critica o relativismo e o subjetivismo afirmando que não há verdade tomada como a concordância do juízo com o estado das coisas, limitada a um determinado número de indivíduos, existindo, destarte, para todos. Op. cit., p. 38.

[8] Nietzsche e Vaihinger, apesar de pragmáticos, vêem a verdade como a concordância entre o pensamento e o ser, mas acreditam que tal concordância nunca é atingida, sendo que nossa consciência cognoscente utiliza representações falsas. Para o primeiro não há relação de afinidade entre o conhecimento e as coisas a serem conhecidas. In: HESSEN, Johannes. Op. cit., p. 41/42; FOUCAULT, Michel. A Verdade e as Formas Jurídicas. 3. ed. reimp. Tradução Roberto Cabral de Melo Machado e Eduardo Jardim Morais. Rio de Janeiro: Nau Editora, 2005, p. 17.

[9] HESSEN, Johannes. Op. cit., p. 43.

[10] CARVALHO, Tiago Fabres de. A prova no Processo Penal: conhecimento, verdade e tempo. Net, out. 1998. Disponível em: <www.ibccrim.org.br>. Acesso em 23 mai. 2006.

[11] BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da Prova no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 20/24.

[12] Ibid., p. 22.

[13] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Processo Civil e Processo Penal: mão e contramão? In: _______. Temas de direito processual: sétima série. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 206 Apud BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Op. cit., p. 21.

[14] No que tange à utilização do termo verossimilhança, Antonio Magalhães assevera que o mesmo encontra restrições por se confundir com a probabilidade e devido à “circularidade intrínseca” do conhecimento, visto que só podemos estabelecer a verossimilhança de uma representação se tivermos conhecimento acerca da realidade. Direito à Prova no Processo Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 47.

[15] Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). 3. ed. rev. atual. e aum. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 271/272.

[16] VIDAL, Luís Fernando Camargo de Barros. Notas sobre o inquérito policial, o juiz e a verdade real. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, São Paulo, v. 12, n. 139, p. 12, jun. 2004.

[17] Op. cit., p. 42. Também para Carnelutti a verdade não pode ser atingida pelo homem, porque “está no todo, e não na parte; e o todo é demais para nós.” Apud COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Glosas ao Verdade, Dúvida e Certeza, de Francesco Carnelutti, para os operadores do direito. Revista de Estudos Criminais, nº 14, p. 77-94, 2004.

[18] Conforme nos ensina Gustavo Badaró, “a limitação da descoberta da verdade decorre de questões epistemológicas e não de valoração de bens jurídicos”. Op. cit., p. 55.

[19] LOPES JR., Aury. Op. cit., p. 270.

[20] FERRAJOLI, Luigi. Op. cit., p. 44.

[21] Ibid., p. 40.

[22] FERRAJOLI, Luigi. Op. cit., p. 43. Também nesse sentido: GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Op. cit., p. 44.

[23] Op. cit., p. 46/48.

[24] BIANCHININ, Alice. Verdade real e verossimilhança fática. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, São Paulo, n. 67, p. 10-11, jun. 1998.

[25] LOPES JR., Aury. Op. cit., p. 270.

[26] GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Op. cit., p. 47.

[27] Op. cit., p 41/42.

[28] Op. cit., p. 50/51.

[29] BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Op. cit., p 49.

[30] Ibid., p. 53.

[31] Op. cit. p. 53.

[32] Op. cit., p. 247.

[33] GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Op. cit., p. 53.

[34] FERRAJOLI, Luigi. Op. cit., p. 38.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

ALVES, Fabio Peucci. A verdade dos autos e a verdade verdadeira. Net, ago. 2005. Disponível em: <www.ibccrim.org.br>. Acesso em 23 mai. 2006. 

BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da Prova no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. 

BAPTISTA, Francisco das Neves. O Mito da Verdade Real na Dogmática do Processo Penal. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2001. 

BARROS, Marco Antonio de. A busca da verdade no processo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. 

BIANCHININ, Alice. Verdade real e verossimilhança fática. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, São Paulo, n. 67, p. 10-11, jun. 1998. 

CARVALHO, Tiago Fabres de. A prova no Processo Penal: conhecimento, verdade e tempo. Net, out. 1998. Disponível em: <www.ibccrim.org.br>. Acesso em 23 mai. 2006. 

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Glosas ao Verdade, Dúvida e Certeza, de Francesco Carnelutti, para os operadores do direito. Revista de Estudos Criminais, nº 14, p. 77-94, 2004. 

CRUZ, Rogério Schietti Machado. A Verdade processual em Ferrajoli. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, São Paulo, v. 9, n. 106, p. 9-10, set. 2001. 

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão Teoria do Garantismo Penal. Tradução Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. 

FOUCAULT, Michel. A Verdade e as Formas Jurídicas. 3. ed. reimp. Tradução Roberto Cabral de Melo Machado e Eduardo Jardim Morais. Rio de Janeiro: Nau Editora, 2005. 

GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à Prova no Processo Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997.

HESSEN, Johannes. Teoria do Conhecimento. Tradução João Vergílio Gallerani Cuter. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

LOPES JR., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). 3. ed. rev. atual. e aum. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

VIDAL, Luís Fernando Camargo de Barros. Notas sobre o inquérito policial, o juiz e a verdade real. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, São Paulo, v. 12, n. 139, p. 12, jun. 2004.

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

GISÉLLE MARIA SANTOS POMBAL SANT’ANNA:

 

Conflito de teses: O defensor não está restrito a tese do acusado no proceidmento do Júri

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*Edson Pereira Belo da  Silva 

01. Considerações iniciais. 

Um dos mais sagrados princípios constitucionais que rege o procedimento do Tribunal do Júri é a plenitude de defesa, o qual está esculpido no artigo 5.º, inciso XXXVIII, “a”, da Constituição Federal. Esse princípio do processo penal constitucional é muito mais completo e perfeito do que o da ampla defesa, aplicável aos demais procedimentos processuais, e também previsto na mesma Carta Política (artigo 5.º, inciso LV).

 Para o saudoso Professor José Frederico Marques, (1) plena é a defesa exercida com todos os meios e recursos que lhe sejam essenciais; e ampla é a que abrange esses meios e recursos, bem como outros, que, no caso do júri, estão intimamente ligados à instituição, como prerrogativa do réu.

 O efetivo exercício do princípio da plenitude de defesa, em nosso sistema jurídico contemporâneo, é destinado ao acusado de praticar crimes dolosos contra a vida (artigo 121 a 127, do Código Penal), o qual é representado em juízo por uma defesa técnica exercida, exclusivamente, por defensor constituído (advogado de confiança do acusado), dativo (nomeado pelo juiz da causa) ou público (fornecido pelo próprio Estado-Acusador).

 A renunciabilidade do direito de defesa não é permitida no nosso sistema jurídico vigente. Ainda que não queira exercer esse direito, o acusado não pode renunciar ao direito de ser defendido por um defensor (constituído, dativo ou público (2)). Aliás, a própria Lei Processual Penal, em seu artigo 261, reza que “nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor”. No mesmo passo, dispõe o artigo 8.º, 2, “e”, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, referendada pelo Decreto n.º 678/1992. E não é só isso, cabe ao juiz zelar pela qualidade da defesa técnica (artigos 261, caput, e 497, inciso V, do CPP). O Supremo Tribunal Federal, por seu turno, editou a Súmula 523, asseverando que a falta de defesa no processo penal constitui nulidade absoluta.

 Por sua vez, a Instituição Defesa (3) é constituída pela “defesa técnica” e pela “autodefesa”. A primeira modalidade de defesa é exercida por advogado ou defensor público, sendo estes indispensáveis à administração da Justiça, a teor dos artigos 133 e 134, da Carta da República e das Leis Complementar n.º 80/1994 e Ordinário n.º 8.906/1994. Já a segunda modalidade é desempenhada pelo próprio acusado, por meio dos seus interrogatórios tomados no inquérito policial e nas primeira e segunda fase do procedimento do Tribunal do Júri (artigos 6.º, inciso V, 185, 304 e 465, do CPP, respectivamente).

 No exercício da Defesa, devem os seus atores – defensor e acusado – manter uma quase que perfeita harmonia entre as teses por eles erguidas, com o fim de se alcançar um resultado processual satisfatório para o defendido, diante da imputação grave constante do libelo-crime acusatório. Essa é a regra no processo penal: defensor e acusado dançam o mesmo tango e tocam o mesmo bolero.

 Destarte, nem sempre essa desejada harmonia é alcançada ou possível dentro do Processo Penal do Júri. E aí as exceções àquela regra são várias. A análise das provas colhidas na fase policial e da instrução processual sempre nos conduz a duas ou mais teses.    

02. Conflito de teses. 

A tarefa do defensor, no processo penal, é mesmo impopular, desgastante e incompreensível aos olhos da opinião pública, mas gratificante para quem exerce este ministério, ainda que seja ele remunerado pelo erário ou pelo acusado a peso de ouro. Prevendo essas situações é que a Lei Federal n.º 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e a OAB) dispõe no seu artigo 31, § 2.º, que: “Nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer outra autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da profissão”.

 Francesco Carnelutti, (4) por seu turno, sempre lecionou que: ”A essência, a dificuldade, a nobreza é esta: sentar-se sobre o último degrau da escada ao lado do acusado. As pessoas não compreendem aquilo que de resto nem os juristas entendem; e riem, zombam e escarnecem. Não é um mister que goza de simpatia do público, ainda do Cirineu”. Realmente, ele tinha razão.

 Os delitos da competência do Tribunal do Júri, sobretudo o homicídio (artigo 121, do CP) e todas as suas circunstâncias, até por uma força natural, tende a provocar uma repulsa na sociedade ou um clamor social. Contudo, isso tende a se agravar quando o caso desperta o interesse da mídia, que passa a pautar o caso pelo seu dever de bem informar. Desde o fato criminoso até a decisão do Conselho de Sentença, o caso é dirigido, redigido, ganha fases ou capítulos, atos, e sempre tem um grande final para a satisfação ou não da opinião pública.

 Dentro desse contexto, a defesa técnica, com olhos de águia, passa analisar detidamente todas as provas produzidas (oral, documental, pericial, reconstituição ou simulação dos fatos), bem como busca produzir outras para consubstanciar suas teses ou confrontar àquelas já encartadas nos autos. Só então é que ela define as teses defensivas a serem defendias perante o Júri.

 Entretanto, pode ocorrer uma dissintonia entre a defesa técnica e a autodefesa – exercida pelo acusado –, desde que a tese daquela venha conflitar com a tese eleita por esta. E aí é que reside à problemática. Estaria o defensor obrigado a sustentar ou restrito a tese argüida pelo acusado (negativa de autoria, legítima defesa, etc.) nos seus interrogatórios? A resposta não é taxativa, nem para o “sim” e nem para o “não”. Há que se ter razoabilidade e muita cautela para lhe dar com essa questão. Vejamos.

 Vislumbrando o defensor que a tese do acusado não encontra qualquer sustentáculo nas provas produzidas, restando ela, portanto, isolada no processo, não está ele obrigado a defendê-la, senão àquelas que realmente encontre respaldo probatório nos autos, evitando assim, inclusive, o defensor de cair no ridículo.

 Adriano Marrey, Alberto Silva Franco e Rui Stoco, (5) asseveram que: ”Pode ocorrer que, praticado um homicídio, ou um outro crime da competência do Júri o réu delibere a negar a sua autoria. Ao produzir-lhe a defesa, o advogado verifica que a negativa sustentada seria contra a evidência dos autos. Existindo, porém em favor do réu circunstâncias ponderáveis, capazes de levar o Conselho de Jurados a decidir por uma pena menos grave, deixa então o defensor de lado a assertiva do acusado e conduza a defesa tecnicamente, logrando o quê não se diria apenas relativo êxito, mas exato beneficiou ao réu, com a eventual desclassificação do delito para a forma simples, ou o reconhecimento de atenuantes”. 

Conclui os eminentes doutrinadores: “Não haverá nenhum excesso, nem violação de ordem ética na conduta do defensor, ao qual compete, no exercício do ‘munus’ da defesa, verificar o que mais convenha ao seu cliente. Em suma, deve-se, em ocorrendo tal hipótese, admitir-se que o advogado agiu bem, e sua defesa técnica teria de prevalecer, em prol do acusado, não obstante a vã negativa de autoria, pelo mesmo repetida”. 

Outro respeitado doutrinador, Guilherme de Souza Nucci, (6) também leciona que: ”Não é demais observar poder haver discrepância entre o aventado pelo o réu e por seu defensor técnico. Este não é obrigado a sustentar uma tese que julgue incoerente, somente porque o réu a levantou em seu interrogatório. Fazendo as necessárias retificações, explanará aos jurados o que entende cabível para proporcionar ao seu cliente a ‘plena’ defesa”.        

No entanto, em sendo possível sustentar também a tese criada pelo acusado, sempre com base no almanaque probatório, como, por exemplo, a “negativa de autoria” ou a “legítima defesa”, deve o defensor assim proceder, apresentando aos jurados as provas que sustentam tal tese, além é claro de defender àquelas em que ele efetivamente acredita existir melhores condições de prosperar.

 Oportuno ressaltar, todavia, que só no caso em concreto é que o defensor poderá analisar a efetiva possibilidade de defender múltiplas teses, bem assim se elas são ou não colidentes ou divergentes. Essa situação é bem subjetiva, mas há que ser razoável, relembrando sempre que a “obrigatoriedade da defesa de acusado não corresponde à necessidade de se postular o impossível”. (7)  

 Como o defensor fala pelo o acusado, representa-o, ele pode expor a tese do réu (negativa de autoria, v. g.) e, de igual forma, dar uma maior ênfase a sua (desclassificação, por exemplo). Do outro lado, para que se evite ou se alegue eventual prejuízo à defesa só com a quesitação das teses do defensor, pode o juiz presidente quesitar a tese desenvolvida pelo acusado em seu interrogatório, alertando, no entanto, aos jurados, no momento da votação na sala secreta, que determinado quesito é tese do réu e não do seu defensor.

 Isso porque, segundo Guilherme de Souza Nucci, o alegado pelo acusado não pode ser deixado de lado, sem a menor atenção, posto ter ele o direito de ser ouvido pelo juiz presidente e suas alegações precisam transformar-se em quesitos para a livre apreciação dos jurados. Não é porque, a primeira vista, sua narrativa é incoerente com a prova que merece ser desprezada. (8) 

Quanto ao entendimento jurisprudencial, este é no sentido de que o defensor ao sustentar somente a tese ou teses que encontra respaldo no conjunto probatório – deixando de lado àquela criada pelo acusado sem o mínimo de prova – não deixa indefeso o cliente ou o assistido. Nesse sentido, são os julgados do Supremo Tribunal Federal e Tribunal de Justiça paulista:

STF: (9) “Se o defensor se convence, antes os elementos colhidos nos autos, de que a alegação de negativa de autoria não trará proveito ao acusado e adota outras teses defensivas, com eficiência e, no caso, até com êxito, não se pode dizer que o réu tenha ficado indefeso”.

TJSP: (10)é incensurável a conduta de defesa deixando de encampar em plenário a tese de legítima defesa real esboçada pelo acusado em seus interrogatórios, depois da pronúncia e em plenário; para alegar a do privilégio da violenta emoção”.

A nosso sentir, o entendimento da jurisprudência não poderia ser diferente. É que o defensor reúne todas as condições técnicas e habilidade para bem defender o acusado ou assistido, de modo que, por vivenciar o caso em concreto, saberá ele decidir pela escolha das teses mais pertinentes e revestidas de provas. Nesse diapasão, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: (11)

“Habeas corpus – Recurso em sentido estrito – Conflito de vontades entre o réu e a defesa técnica – Interposição de recurso. Existindo divergência quanto à interposição de recurso entre o acusado e o seu defensor, prevalece à vontade do último, posto tratar-se de profissional preparado tecnicamente, com melhor domínio sobre a questão jurídica, com mais experiência e condições para decidir sobre a conveniência ou não da impugnação. Precedentes. Ordem concedida para cassar o v. acórdão guerreado”.

Saliente-se, outrossim, que, consoante o magistério do eminente Professor Hermínio Alberto Marques Porto, a inserção de quesitos defensivos no questionário do Júri incumbe à defesa técnica, ou seja, é dela essa iniciativa, tendo conta que a articulação do campo defensivo é matéria entregue ao advogado. (12)

Ainda nessa linha de pensamento, o insigne José Frederico Marques lecionava que “o réu não pode apresentar-se em plenário sem estar acompanhado de defensor perfeitamente habilitado a desenvolver, nos debates da sessão do Júri, todas as questões pertinentes à defesa”. 

03. Conclusão. 

Posta assim a questão, conclui-se que a defesa técnica prevalece sobre a autodefesa; de maneira que o defensor não está vinculado à tese erguida pelo acusado em seus interrgatórios, podendo ele, perante o Conselho de Sentença, sustentar livremente outras teses pertinentes ou mais coerentes com o acervo probatório existente no processo criminal em curso.

 Pode, também, o defensor tentar conciliar a tese da autodefesa com a da defesa técnica, desde que possível, requerendo ao juiz presidente que quesite as teses de ambos para apreciação dos jurados, ressalvando o magistrado, quando da votação na sala secreta, que determinada tese (negativa de autoria ou legítima defesa, etc.) foi formulada pelo réu ao ser interrogado em juízo.   

 A efetividade da defesa técnica, por sua vez, está sob o “controle jurisdicional da eficiência da defesa”, cujo qual autoriza o juiz presidente, de forma motivada, declarar o acusado indefeso caso note que a linha defensiva foi completamente prejudicial ou ineficiente a ele, devendo, também, dissolver o Conselho de Sentença e designar nova data para o julgamento, além de conceder prazo para o acusado constituir novo patrono de sua confiança, pois, no silêncio, ser-lhe-á nomeado defensor dativo, caso não seja possível à atuação de defensor público.

 O defensor está habilitado para o exercício pleno da defesa técnica. Como visto, essa é a presunção. Logo, deve ele, paulatinamente, construir em silêncio, de preferência, suas teses e produzir as provas que elas exigem, se for necessário, mesmo que o acusado (autodefesa) esteja insistindo noutra tese dissociada das provas existentes.

 Toda e qualquer tese no Júri clama por, no mínimo, indícios suficientes de provas, os quais são capazes de gerar uma dúvida nos jurados. Sem elas, nenhuma tese prospera, e se prosperar contrariará as provas dos autos (artigo 593, inciso III, “d”, do CPP), levando o Tribunal de Justiça, em sede de apelação, a ter que anular o julgamento manifestamente injusto, determinando que outro se realize. 

 Importante enfatizar, finalmente, que os honorários recebidos do acusado não é uma garantia de absolvição e, muito menos, de que será defendia a tese que ele “bem entender ou determinar”. O advogado deve sempre manter viva e incólume à dignidade da Advocacia e a sua reputação. Aliás, o defensor não deve abrir mão da autonomia que possui no exercício do seu ministério, mesmo que esteja sendo remunerado a peso de ouro. Por isso, se depreender do conteúdo probatório penal a possibilidade de defender outras teses (desclassificação, inexigibilidade de conduta de diversa, erro de fato, erro de tipo, etc.), cujas quais poderão atingir um resultado menos penoso para o acusado, não deve hesitar, senão defendê-las efetivamente.

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Notas

(1) A instituição do júri. São Paulo: Saraiva, 1963. v. 1. p. 301. Também sobre essa questão, Guilherme de Souza Nucci, em Júri: princípios constitucionais, 199, p. 140, assevera que a “defesa ampla é uma defesa rica, cheias de oportunidades, sem restrições; enquanto que a defesa plena é uma defesa absoluta, perfeita e completa”.

(2) Deixamos de incluir a figura do defensor “ad hoc” (para o ato) por acreditar não ser admissível que um defensor que desconhece completamente o processo em curso e, por vezes, a até a área penal, seja nomeado pelo juiz criminal apenas para ratificar um ou mais ato processual, que pode, inclusive, influir na condenação do acusado, tendo em vista a ausência das outras modalidades de defensores. Isso é abominável.     

(3) “Defesa, em sentido amplo, é toda a atividade das partes no sentido de fazer valer, no processo penal, seus direitos e interesses, não só quanto à atuação da pretensão punitiva, como também para impedi-la, conforme sua posição processual”. Fernando da Costa Tourinho Filho. Processo penal. 26.ª ed. São Pulo: Saraiva, 2004. v. 2. p. 473.

(4) Em As misérias do processo penal. 2.ª ed. São Paulo: Bookseller, 2002. p.29.

(5) In Teoria e prática do júri: doutrina, jurisprudência, questionários, roteiros práticos. 7.ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 362-363.

(6) In Código de processo penal comentado. 3.ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 745.

(7) Entendimento exposto em julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, publicado na Revista JTJ 201/306. 

(8)  Ob. cit., p. 745.

(9) RE n.º 105.802-1-PR – Rel. Ministro Sydney Sanches, v.u. – RTJ 124/635.

(10) Rel. Dirceu de Mello, RT 700/312.

(11) HC 25.944/RJ, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUINTA TURMA, julgado em 05.02.2004, DJ 28.06.2004 p. 355.

(12) In Júri: procedimento e aspecto do julgamento: questionários. 12.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 151.

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

EDSON PEREIRA BELO DA SILVA:  advogado penalista, professor de processo penal e do Tribunal do Júri, autor de obras jurídicas, pós-graduado em direito, pós-graduando em Direito Penal e Econômico Europeu, Coordenador do Núcleo Guarulhos da Escola Superior de Advocacia, membro da Comissão de Prerrogativas da OAB/SP, articulista, conferencista e palestrante (edson@edsonbelo.adv.br).

 

 


Mulheres que julguei, apelos, destinos

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*João Baptista Herkenhoff

Na minha vida de juiz procurei ter um olhar de ternura para com a mulher. A reflexão será, a meu ver, tanto mais válida quanto mais carregada do depoimento pessoal daquele que ultrapassou sete décadas de existência, cinco das quais dedicadas ao culto do Direito.

Vou começar pelo caso da empregada doméstica que estava presa sob a acusação de que cometera crime de furto na casa onde trabalhava. Tinha tirado de uma caixa onde havia mais dinheiro apenas o valor de uma passagem de trem para regressar à casa da mãe em Governador Valadares (MG), por se sentir inadaptada em Vitória (ES). Agiu assim depois que os patrões se recusaram a lhe pagar pelo menos os dias trabalhados, alegando que ela só teria direito de receber salário depois que completasse um mês de casa.

Eu a coloquei em liberdade considerando, dentre outras razões, que a acusada era quase uma menor, considerando que o Estado processava uma empregada doméstica que lesava seu patrão em bagatela, mas não processava os patrões que lesavam seus empregados. Lamentei que a Justiça não estivesse equipada para que o caso fosse entregue a uma assistente social que ajudasse a moça a retomar o curso de sua jovem vida. Mas se assistente social não tinha, o verbo eu tinha, acreditava no poder do verbo porque o Verbo se fez carne e habitou entre nós. Pedia a Deus, presente naquela sala, por Neuza, que era o nome da mocinha. Que sua lágrima, derramada na audiência, como a lágrima de Madalena, fosse recolhida pelo Nazareno.

Numa outra decisão, mandei libertar Marislei e Telma, que foram presas como vadias, num dia de sábado. Lembrei Vinicius de Moraes, que consagrou o sábado como dia de ócio.

Numa terceira decisão, libertei Maria Lúcia, meretriz, acusada de suposta tentativa de homicídio contra um "cliente" que quis dela abusar, desrespeitando sua dignidade de pessoa humana.

Numa quarta decisão absolvi uma jovem acusada da prática do crime de aborto. Segundo as testemunhas, toda noite embalava um berço vazia, como se nele houvesse uma criança. Percebi que não era suficiente eximi-la do processo penal, mas libertá-la também do sentimento de culpa que a atormentava. Disse-lhe então que ela era muito jovem, sua vida não tinha acabado. A criança, que ia nascer, não existia mais. Entretanto, ela poderia ter outras crianças que alegrassem sua vida. Eu a absolvia se ela prometesse, como prometeu, não mais embalar um berço vazio.

Numa quinta decisão assegurei visita íntima de companheiro a uma presa provisória que estava sob minha jurisdição. Argumentei, no meu despacho, que a prisão não subtraía da requerente o seu direito ao exercício da sexualidade. Quanto a engravidar, somente à presa competia decidir sobre este tema. Não tinha razão jurídica o óbice que se opunha às visitas íntimas justamente sob a alegação daquilo que indevidamente se chamava de “risco de gravidez”. Gravidez não é risco, é um ato livre.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

 JOÃO BAPTISTA HERKENHOFF:  Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo e escritor. Autor do livro “Mulheres no banco dos réus – o universo feminino sob o olhar de um juiz”, Editora Forense, Rio. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br

COBRANÇA ABUSIVA É PROIBIDABancos proibidos de cobrar taxa para emissão de boletos

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DECISÃO:  *TJ-GO  –  O juiz Aureliano Albuquerque de Amorim, da 4ª Vara Cível de Goiânia, concedeu liminar ao Instituto de Defesa do Consumidor e do Contribuinte (IDCC) e proibiu os Bancos do Brasil, Finasa, Santander, Itaú e ABN Amro Real de cobrar taxas para emissão de boletos de pagamento ou carnê. As instituições têm 30 dias para cumprir a liminar e, a partir de então, poderão pagar multa de 500 reais para cada consumidor que sofra a cobrança.

A medida foi requerida pelo IDCC em ação civil pública na qual alegou que a cobrança não tem previsão legal e, portanto, é lesiva aos direitos do consumidor. Ao analisar o pedido, o juiz lembrou julgados do Supremo Tribunal Federal (STF) que de fato consideram abusivas cláusulas de contratos bancários que obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação para com a instituição com a qual contraiu financiamento.

Com relação à urgência da concessão da liminar, o magistrado ponderou: “São milhares, talvez milhões os consumidores de contratos bancários de financiamento. A cobrança de valores, ainda que pequenos, mas multiplicados pelos inúmeros pagantes, gera vultosa quantia, a qual resta de difícil ou praticamente impossível devolução, posto que os custos para isso seriam superiores aos valores que cada consumidor teria direito.”

 


 

FONTE:  TJ-GO,  06 de maio de 2008.

NEGATIVAÇÃO INDEVIDA RESULTA EM INDENIZAÇÃOConstrangimento no posto de gasolina resulta em indenização

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DECISÃO:  *TJ-SC  –    A 3ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça, em processo sob relatoria do desembargador Marcus Túlio Sartorato, considerou ilegal a demora das instituições bancárias para desbloquear cartões de créditos após quitação de dívidas e manteve sentença da Comarca de Brusque que condenou o Bradesco ao pagamento de R$ 3 mil por danos morais a Samuel Müller.

A instituição bancária bloqueou o cartão de Müller por inadimplência, porém o débito foi liquidado e o correntista, ao utilizar o cartão para abastecer seu carro, depois de oito dias, soube que o bloqueio persistia.

O Banco, por sua vez, sustentou que a liberação do cartão demora cerca de 15 dias e que estava no exercício regular de seus direitos. Segundo os autos, a instituição não apresentou qualquer prova para confirmar o prazo de desbloqueio do cartão de crédito.

Para o relator do processo, o bloqueio do cartão estava previsto pelo contrato bancário, porém o Banco agiu de forma ilícita ao não afastar a restrição ao crédito logo após o pagamento da dívida, colocando-o em situação constrangedora perante funcionários do posto de gasolina.

“Não há dúvidas sobre o dever de indenizar, uma vez que o abalo de crédito em si já presume uma série de efeitos indesejáveis, como discriminação e desvalorização da pessoa", finalizou o magistrado. De acordo com a situação econômico-financeira das partes, com a lesividade do ato e os dias de restrição ao crédito, julgou-se razoável o valor indenizatório. A decisão foi unânime. (Apelação Cível n. 2008.017184-6)

 

FONTE:   TJ-SC,  07 de maio de 2008.