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MÁS CONDIÇÕES DE TRABALHO GERAM INDENIZAÇÃODoença degenerativa agravada pelas condições de trabalho gera indenizações por danos morais e materiais

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DECISÃO:  * TRT-MG  –  Um reclamante, portador de doença degenerativa da coluna vertebral agravada pelas condições de trabalho ao longo de 18 anos de relação de emprego, teve reconhecido pela Justiça do Trabalho o direito a ser indenizado por danos morais e materiais. É que as tarefas que lhe eram atribuídas exigiam que ele carregasse peças de até 50 quilos, o que acabou por agravar o seu quadro de saúde. Dessa forma, ao analisar o recurso da empresa contra a condenação imposta em 1º Grau, a 6ª Turma do TRT-MG, com base em voto do juiz convocado João Bosco Pinto Lara, entendeu que, nesse contexto, surge a obrigação de indenizar, embora a causa da doença não esteja diretamente ligada às atividades profissionais desempenhadas pelo reclamante.

No caso, tanto o perito oficial quanto a médica assistente da empresa manifestaram-se no sentido de que o reclamante é portador de moléstia de natureza degenerativa. Por isso, a empresa defendeu que o trabalho não teria sido o causador da doença. Contudo, o perito oficial apontou as situações decorrentes do trabalho em condições ergonômicas inadequadas como uma das causas que concorreram para o agravamento do quadro clínico do autor. Foi constatado que há mais de 15 anos ele já vinha apresentando queixas e atestados médicos relacionados à sua doença. Durante este período, a empresa não tomou providências no sentido de propiciar ao empregado condições de trabalho compatíveis com o seu estado de saúde.

Assim sendo, o relator concluiu que houve culpa da empresa, ainda que parcial ou leve, por negligenciar o estado de saúde do empregado, submetendo-o a condições de trabalho inadequadas e incompatíveis com a sua doença. “Mais grave ainda, já próximo dos 60 anos, sem aposentadoria e sem possibilidade de recolocar-se no mercado de trabalho” – frisou o relator, mantendo os valores das indenizações fixados pela sentença, sendo 20 mil reais por danos morais e 10 mil reais a título de danos materiais.  (RO nº 01007-2007-026-03-00-0)


FONTE:  TRT-MG,  04 de junho de 2008.

DEMISSÃO ABUSIVA GERA DANOS MORAISUniversidade é condenada a indenizar por danos morais professor dispensado por justa causa

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DECISÃO:  * TRT-MG  –  A Justiça do Trabalho de Minas Gerais condenou uma universidade do interior do estado a pagar indenização por danos morais no valor de 50 mil reais a um professor dispensado por justa causa, já que ficou comprovada a conduta abusiva da empregadora no ato da sua dispensa. O ex-empregado foi dispensado sob a acusação de ter cometido difamação e calúnia contra dirigentes da fundação mantenedora da instituição. Mas, conforme a decisão da 1ª Turma do TRT-MG, que manteve a indenização deferida pela sentença, houve abuso de autoridade e equívoco na dispensa imotivada do reclamante. 

Nos sete anos em que atuou como professor na universidade, o reclamante nunca havia sofrido qualquer penalidade, tendo sido, inclusive, designado para criar um novo curso superior na instituição. Segundo explica o relator do recurso, juiz convocado Fernando Luiz Rios Neto, esse fato leva à conclusão de que o reclamante gozava de bom conceito profissional na universidade.

A alegação da defesa foi de que a manifestação verbal do professor durante reunião do colegiado, feriu a discrição pessoal, o decoro, o respeito e as regras da boa convivência. No entanto, ficou comprovado que a reunião transcorreu em absoluta normalidade, com pronunciamentos da maioria dos presentes, todos devidamente registrados em ata. Ainda conforme relatos de testemunhas, em nenhum momento foi feito qualquer comentário, positivo ou negativo, sobre os dirigentes da fundação ou sobre a própria instituição. “Como se vê, a imputação ao reclamante de ato de difamação, e até mesmo de calúnia, revelou-se destituída de qualquer amparo e ressonância no âmbito da própria universidade” – frisa o relator, acrescentando que a aplicação da mais grave penalidade ao trabalhador não se mostrou devidamente fundamentada e não foi feita de forma criteriosa, pois a defesa sequer apontou de forma objetiva o enquadramento da justa causa nos itens do artigo 482, da CLT.

Para o relator, houve conduta abusiva da empresa, já que a motivação apresentada para a dispensa foi vaga e imprecisa, sendo certo que o afastamento por justa causa trouxe repercussão negativa na vida pessoal e, em conseqüência, na esfera íntima do reclamante. “O dano moral evidenciado, no caso, não resultou propriamente do uso do poder disciplinar pela reclamada na aplicação da justa causa, mas na exacerbação desse poder de que derivaram danos à imagem, à honra e à dignidade do reclamante” – concluiu o relator, negando provimento ao recurso da reclamada.  (RO nº 00561-2007-059-03-00-0) 


FONTE:  TRT-MG,  03 de junho de 2008.

EXPOSIÇÃO INDEVIDA DE FOTOS GERA DANOS MORAISCasal sofre abalo moral com foto íntima exposta na internet

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DECISÃO:  * TJ-SC  –  Um estúdio fotográfico de Videira teve condenação mantida pelo Tribunal de Justiça após permitir que fotos pornográficas de um casal, reveladas naquele estabelecimento, ganhassem o mundo através da internet.

A 3ª Câmara de Direito Civil do TJ, em processo sob relatoria do desembargador Fernando Carioni, manteve sentença da Comarca de Videira que condenou o estúdio ao pagamento de R$ 20 mil de indenização por danos morais em benefício de um casal, cujas fotos íntimas foram veiculadas através da internet.

Consta nos autos que o casal revelou um filme de 36 poses com fotos de sexo explícito no estabelecimento da ré e, após um ano, e-mails com algumas daquelas fotos começaram a se propagar pela rede mundial de computadores. O fato prejudicou a vida pessoal e profissional dos autores, que foram motivo de chacota e sofreram preconceito nos seus locais de trabalho.

A mulher foi transferida para outra cidade e o homem teve contrato rescindido na universidade onde lecionava. Os arquivos anexados nas mensagens digitais continham a mesma denominação gerada pelo computador do laboratório do estúdio. Após a sentença, o réu sustentou a inexistência do nexo de causalidade e ressaltou que a culpa foi do próprio casal, pois se não tivesse revelado as fotos nada teria ocorrido.

Os autores, por sua vez, pleitearam majoração da quantia indenizatória. O relator do processo esclareceu que, a partir da instauração de um inquérito policial, peritos confirmaram que todo o processo de cópia e divulgação foi realizado nos computadores do estúdio fotográfico. Além disso, depoimentos de funcionários do laboratório enfatizaram a facilidade do acesso às fotos, por meio da rede interna. Inclusive muitos empregados do estúdio afirmaram terem visto as fotos. Confirmou-se, portanto, o dever de indenizar.

Quanto à majoração da reparação moral, o magistrado ressaltou que pelos documentos anexados aos autos não há como comprovar que a rescisão do contrato ou a transferência para outro local foi conseqüência do fato. Desse modo, julgou-se a quantia razoável e atenta aos princípios de proporcionalidade. FONTE:  TJ-SC, 29 de maio de 2008.

 


 

 

PESQUISA COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIASSTF libera pesquisas com células-tronco embrionárias

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DECISÃO:  *STF  –  O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu  que as pesquisas com células-tronco embrionárias não violam o direito à vida, tampouco a dignidade da pessoa humana. Esses argumentos foram utilizados pelo ex-procurador-geral da República Claudio Fonteles em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3510) ajuizada com o propósito de impedir essa linha de estudo científico.

Para seis ministros, portanto a maioria da Corte, o artigo 5º da Lei de Biossegurança não merece reparo. Votaram nesse sentido os ministros Carlos Ayres Britto, relator da matéria, Ellen Gracie, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Joaquim Barbosa, Marco Aurélio e Celso de Mello.

Os ministros Cezar Peluso e Gilmar Mendes também disseram que a lei é constitucional, mas pretendiam que o Tribunal declarasse, em sua decisão, a necessidade de que as pesquisas fossem rigorosamente fiscalizadas do ponto de vista ético por um órgão central, no caso, a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). Essa questão foi alvo de um caloroso debate ao final do julgamento e não foi acolhida pela Corte.

Outros três ministros disseram que as pesquisas podem ser feitas, mas somente se os embriões ainda viáveis não forem destruídos para a retirada das células-tronco. Esse foi o entendimento dos ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Ricardo Lewandowski e Eros Grau. Esses três ministros fizeram ainda, em seus votos, várias outras ressalvas para a liberação das pesquisas com células-tronco embrionárias no país.

Veja abaixo os argumentos de cada ministro, na ordem de votação da matéria.

Carlos Ayres Britto (relator)

Relator da ADI 3510, o ministro Carlos Ayres Britto votou pela total improcedência da ação. Fundamentou seu voto em dispositivos da Constituição Federal que garantem o direito à vida, à saúde, ao planejamento familiar e à pesquisa científica. Destacou, também, o espírito de sociedade fraternal preconizado pela Constituição Federal, ao defender a utilização de células-tronco embrionárias na pesquisa para curar doenças.

Carlos Britto qualificou a Lei de Biossegurança como um “perfeito” e “bem concatenado bloco normativo”. Sustentou a tese de que, para existir vida humana, é preciso que o embrião tenha sido implantado no útero humano. Segundo ele, tem que haver a participação ativa da futura mãe. No seu entender, o zigoto (embrião em estágio inicial) é a primeira fase do embrião humano, a célula-ovo ou célula-mãe, mas representa uma realidade distinta da pessoa natural, porque ainda não tem cérebro formado.

Ele se reportou, também, a diversos artigos da Constituição que tratam do direito à saúde (artigos 196 a 200) e à obrigatoriedade do Estado de garanti-la, para defender a utilização de células-tronco embrionárias para o tratamento de doenças.

Ellen Gracie

A ministra acompanhou integralmente o voto do relator. Para ela, não há constatação de vício de inconstitucionalidade na Lei de Biossegurança. “Nem se lhe pode opor a garantia da dignidade da pessoa humana, nem a garantia da inviolabilidade da vida, pois, segundo acredito, o pré-embrião não acolhido no seu ninho natural de desenvolvimento, o útero, não se classifica como pessoa.”

Ela assinalou que a ordem jurídica nacional atribui a qualificação de pessoa ao nascido com vida. “Por outro lado, o pré-embrião também não se enquadra na condição de nascituro, pois a este, a própria denominação o esclarece bem, se pressupõe a possibilidade, a probabilidade de vir a nascer, o que não acontece com esses embriões inviáveis ou destinados ao descarte”.

Carlos Alberto Menezes Direito

De forma diversa do relator, o ministro Menezes Direito julgou a ação parcialmente procedente, no sentido de dar interpretação conforme ao texto constitucional do artigo questionado sem, entretanto, retirar qualquer parte do texto da lei atacada. Segundo Menezes Direito, as pesquisas com as células-tronco podem ser mantidas, mas sem prejuízo para os embriões humanos viáveis, ou seja, sem que sejam destruídos.

Em seis pontos salientados, o ministro propõe ainda mais restrições ao uso das células embrionárias, embora não o proíba. Contudo, prevê maior rigor na fiscalização dos procedimentos de fertilização in vitro, para os embriões congelados há três anos ou mais, no trato dos embriões considerados "inviáveis", na autorização expressa dos genitores dos embriões e na proibição de destruição dos embriões utilizados , exceto os inviáveis. Para o ministro Menezes Direito, “as células-tronco embrionárias são vida humana e qualquer destinação delas à finalidade diversa que a reprodução humana viola o direito à vida”.

Cármen Lúcia

A ministra acompanhou integralmente o voto do relator. Para ela, as pesquisas com células-tronco embrionárias não violam o direito à vida, muito pelo contrário, contribuem para dignificar a vida humana. ”A utilização de células-tronco embrionárias para pesquisa e, após o seu resultado consolidado, o seu aproveitamento em tratamentos voltados à recuperação da saúde, não agridem a dignidade humana constitucionalmente assegurada.”

Ela citou que estudos científicos indicam que as pesquisas com células-tronco embrionárias, que podem gerar qualquer tecido humano, não podem ser substituídas por outras linhas de pesquisas, como as realizadas com células-tronco adultas e que o descarte dessas células não implantadas no útero somente gera "lixo genético".

Ricardo Lewandowski

O ministro julgou a ação parcialmente procedente, votando de forma favorável às pesquisas com as células-tronco. No entanto, restringiu a realização das pesquisas a diversas condicionantes, conferindo aos dispositivos questionados na lei interpretação conforme a Constituição Federal.

Eros Grau

Na linha dos ministros Menezes Direito e Ricardo Lewandowski, o ministro Eros Grau votou pela constitucionalidade do artigo 5º da Lei de Biossegurança, com três ressalvas. Primeiro, que se crie um comitê central no Ministério da Saúde para controlar as pesquisas. Segundo, que sejam fertilizados apenas quatro óvulos por ciclo e, finalmente, que a obtenção de células-tronco embrionárias seja realizada a partir de óvulos fecundados inviáveis, ou sem danificar os viáveis.

Joaquim Barbosa

Ao acompanhar integralmente o voto do relator pela improcedência da ação, o ministro Joaquim Barbosa ressaltou que a permissão para a pesquisa com células embrionárias prevista na Lei de Biossegurança não recai em inconstitucionalidade. Ele exemplificou que, em países como Espanha, Bélgica e Suíça, esse tipo de pesquisa é permitida com restrições semelhantes às já previstas na lei brasileira, como a obrigatoriedade de que os estudos atendam ao bem comum, que os embriões utilizados sejam inviáveis à vida e provenientes de processos de fertilização in vitro e que haja um consentimento expresso dos genitores para o uso dos embriões nas pesquisas. Para Joaquim Barbosa, a proibição das pesquisas com células embrionárias, nos termos da lei, “significa fechar os olhos para o desenvolvimento científico e os benefícios que dele podem advir”.

Cezar Peluso

O ministro Cezar Peluso proferiu voto favorável às pesquisas com células-tronco embrionárias. Para ele, essas pesquisas não ofendem o direito à vida, porque os embriões congelados não equivalem a pessoas. Ele chamou atenção para a importância de que essas pesquisas sejam rigorosamente fiscalizadas e ressaltou a necessidade de o Congresso Nacional aprovar instrumentos legais para tanto.

Marco Aurélio

Ele acompanhou integralmente o voto do relator. Considerou que o artigo 5º da Lei de Biossegurança, impugnado na ADI, “está em harmonia com a Constituição Federal, notadamente com os artigos 1º e 5º e com o princípio da razoabilidade”. O artigo 1º estabelece, em seu inciso III, o direito fundamental da dignidade da pessoa humana e o artigo 5º, caput, prevê a inviolabilidade do direito à vida. Ele também advertiu para o risco de o STF assumir o papel de legislador, ao propor restrições a uma lei que, segundo ele, foi aprovada com apoio de 96% dos senadores e 85% dos deputados federais, o que sinaliza a sua “razoabilidade”.

O ministro observou que não há, quanto ao início da vida, baliza que não seja simplesmente opinativa, historiando conceitos, sempre discordantes, desde a Antiguidade até os dias de hoje. Para ele, “o início da vida não pressupõe só a fecundação, mas a viabilidade da gravidez, da gestação humana”. Chegou a observar que “dizer que a Constituição protege a vida uterina já é discutível, quando se considera o aborto terapêutico ou o aborto de filho gerado com violência”. E concluiu que “a possibilidade jurídica depende do nascimento com vida”. Por fim, disse que jogar no lixo embriões descartados para a reprodução humana seria um gesto de egoísmo e uma grande cegueira, quando eles podem ser usados para curar doenças.

Celso de Mello

O ministro acompanhou o relator pela improcedência da ação. De acordo com ele, o Estado não pode ser influenciado pela religião. “O luminoso voto proferido pelo eminente ministro Carlos Britto permitirá a esses milhões de brasileiros, que hoje sofrem e que hoje se acham postos à margem da vida, o exercício concreto de um direito básico e inalienável que é o direito à busca da felicidade e também o direito de viver com dignidade, direito de que ninguém, absolutamente ninguém, pode ser privado”.

Gilmar Mendes

Para o ministro, o artigo 5º da Lei de Biossegurança é constitucional, mas ele defendeu que a Corte deixasse expresso em sua decisão a ressalva da necessidade de controle das pesquisas por um Comitê Central de Ética e Pesquisa vinculado ao Ministério da Saúde. Gilmar Mendes também disse que o Decreto 5.591/2005, que regulamenta a Lei de Biossegurança, não supre essa lacuna, ao não criar de forma expressa as atribuições de um legítimo comitê central de ética para controlar as pesquisas com células de embriões humanos.

 

FONTE:  STF, 29 de maio de 2008.


DIREITO CONSTITUCIONAL DE DIREITO À SAÚDEEstado terá que custear tratamento de idoso

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DECISÃO:  * TJ-RN  –  O Estado do Rio Grande do Norte foi obrigado, em primeira e segunda instância, a fornecer medicamento a um paciente idoso, que não dispõe de recursos financeiros para arcar com as despesas do tratamento.  

A decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte foi tomada com base no artigo 196 da Constituição Federal, que confere ao Estado, enquanto ente federativo, a responsabilidade pela concretização de políticas sociais e econômicas, que visem ao acesso universal e igualitário das ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde.

O ente público terá que disponibilizar os medicamentos denominados ‘Alois 10mg’, utilizado contra o Mal de Alzheimer, o antidepressivo ‘Donaren 50mg’, além do ‘Novasc 5mg’, ‘Anlodipino 5mg’ e ‘Doxazonina 2mg , na forma e quantidade determinadas, fixando multa diária de mil reais em caso de descumprimento.

O Estado rebateu, alegando que o Poder Judiciário não pode intervir na política pública de saúde e que a pretensão autoral fere a reserva do possível, a legalidade orçamentária e a autonomia dos Estados.

No entanto, os desembargadores definiram, com base no mesmo artigo 196 da CF, que o Estado tem o dever constitucional de garantir a saúde de todos, “mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos”.


FONTE:  TJ-RN, 30 de maio de 2008.

PRISÃO DO DEPOSITÁRIO INFIELSó ação dolosa do depositário justifica prisão civil

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DECISÃO:  * TJ-MT  –  A prisão civil somente se justifica quando demonstrada a infidelidade do depositário, ou seja, sua ação dolosa voltada para fazer desaparecer os bens depositados. Com esse entendimento, a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso concedeu ordem ao habeas corpus interposto em favor de um depositário, que teve sua prisão decretada sob o argumento de quebra de compromisso. A decisão foi por unanimidade e em consonância com o parecer ministerial (habeas corpus nº. 31601/2008).

No HC, os advogados do depositário argumentaram que a prisão civil mostra-se arbitrária, porque o bem depositado (feijão soja) foi objeto de Seqüestro e Remoção nos autos nº. 376/2005, em trâmite perante a 3ª Vara Cível da Comarca de Campo Verde. Em Primeira Instância, o magistrado afirmou que não havia como se afirmar que há identidade entre os produtos contidos nestes autos e na referida ação cautelar, "levantando sérias duvidas acerca da idoneidade das alegações do fiel depositário. (…) O fiel depositário, apesar de devidamente intimado para, em 48 horas, entregar o bem ou o seu equivalente em dinheiro, não o fez".

De acordo com o relator do recurso, desembargador Donato Fortunato Ojeda, a prisão do depositário infiel está prevista no texto constitucional, mas a partir do Decreto Presidencial nº. 592/92, passou a fazer parte do sistema jurídico brasileiro o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos que, em seu art. 11, dispõe que "ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir uma obrigação contratual". Segundo ele, em 9 de novembro de 1992, através do Decreto nº. 678/92, também passou a integrar o direito pátrio "Pacto de São José da Costa Rica" que, em seu art. 7º, § 7º, determina que ninguém deve ser detido por dívidas.

"À guisa de informação, o Tribunal Pleno do STF está analisando a constitucionalidade da prisão civil de depositário infiel, sendo que a orientação prevalecente, até o momento, é pela incompatibilidade deste meio de coerção com o Pacto de São José da Costa Rica (…) As regras que limitam direitos devem ser interpretadas restritivamente, sendo esta a orientação do STJ. No caso dos autos não ficou demonstrada a infidelidade do depositário, ou seja, sua ação dolosa voltada para fazer desaparecer os bens depositados, haja vista que os grãos, os quais estavam sob sua guarda, foram objeto de outra medida judicial, motivo pelo qual é impossível qualificá-lo como infiel depositário", salientou. 

A desembargadora Maria Helena Gargaglione Povoas (1ª vogal) e a juíza substituta de 2º grau Clarice Claudino da Silva (2ª vogal convocada).


FONTE:  TJ-MT,  29 de maio de 2008.

DIREITO À SAÚDE: Município deve garantir transporte e estadia de mulher com câncer

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DECISÃO:  * TJ-MT  –  O município de Peixoto de Azevedo (a 691 km ao Norte de Cuiabá) foi condenado a garantir a uma paciente com câncer no sistema linfático o fornecimento de transporte, bem como pagamento de diária para custear a estadia dela em Cuiabá quando for necessário seu deslocamento para a realização de sessões de quimioterapia e demais consultas. Ela deve comprovar a data do exame e/ou da sessão de quimioterapia, devendo avisar a Secretaria de Saúde do município com antecedência de pelo menos 48 horas, a fim de que sejam programados e fornecidos os meios necessários para seu deslocamento e estadia na capital. A antecipação de tutela foi concedida pelo juiz Tiago Souza Nogueira de Abreu, da 2ª Vara da Comarca de Peixoto de Azevedo (processo nº. 163/2008).

O magistrado determinou que a estadia da paciente seja preferencialmente na Casa de Apoio Irmã Adelis, visto que existe convênio entre a instituição e o município de Peixoto de Azevedo que prevê a disponibilização de quartos para estadia de pacientes carentes quando estes são obrigados a passar por alguma intervenção médica na Capital. Em caso de descumprimento da decisão foi fixada multa diária de R$ 5 mil.

Informações contidas nos autos revelam que a mulher ajuizou ação de obrigação de fazer cumulada com antecipação de tutela em face do município. Ela alegou que é portadora de uma grave doença (Linfoma não Hodgkin EC IX A) e que por conta desta anomalia precisa fazer tratamento quimioterápico, realizado somente em Cuiabá. Ela disse que não possui condições financeiras de custear seu deslocamento e sua manutenção na Capital durante o tratamento.

Na decisão, o magistrado justificou a concessão da liminar, dizendo que "o perigo da demora do provimento jurisdicional está evidenciado no prejuízo de que possa resultar a não concessão da liminar pleiteada, visto que é notório que se a paciente não for atendida em um estabelecimento hospitalar adequado, poderá sofrer dano irreparável, sendo que este estabelecimento só encontra-se disponível em Cuiabá/MT, na capital deste Estado, conforme evidencia os documentos atrelados à inicial, notadamente o relatório médico", assinalou. 

Segundo o juiz Tiago de Abreu, o município de Peixoto de Azevedo não possui condições, em seu estabelecimento hospitalar, de atender a paciente. "É notório nesta comunidade que o referido estabelecimento convive diariamente com a falta de profissionais qualificados bem como de estrutura física para atender a população do município e da região".


FONTE:  TJ-MT, 30 de maio de 2008.

BANALIZAÇÃO DO DANO MORALMinistro José Delgado defende cuidado ao estabelecer dano moral

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OPINIÃO:  O ministro José Augusto Delgado, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), defendeu nesta quinta-feira (29 de maio), em palestra proferida no Auditório do Fórum de Cuiabá, a não banalização do dano moral. O magistrado veio a Mato Grosso a convite da Escola Superior da Magistratura (Esmagis/MT) e elogiou a iniciativa da Escola de promover o debate do assunto ainda sem legislação específica e jurisprudência que dê parâmetros para a quantificação das indenizações. O ministro afirmou que todos os agentes jurídicos precisam se conscientizar de que a responsabilidade civil por dano moral não deve ser causa de enriquecimento ilícito.  

"A quantificação da responsabilidade civil por dano moral deve ser feita dentro dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade. Nós, agentes de Direito, temos a responsabilidade de encontrar os delineamentos que satisfaçam tendências jurídicas e que se harmonizem com o querer da Constituição Federal", afirmou.  

Por não haver parâmetros para a quantificação do dano moral, ele aconselha que os magistrados, ao fixar o valor da indenização, devem seguir o caminho da horizontalidade, ou seja, que em situações iguais, as decisões também sejam semelhantes. O ministro ressaltou que ao proferir sentença, o magistrado deve considerar a repercussão econômica da ofensa, o tamanho da dor experimentada pela vítima e o grau de dolo do agressor. Para ilustrar contou um caso de uma mãe que entrou com recurso junto ao STJ por danos morais pelo filho que foi morto e lhe foi concedida a indenização de 300 salários mínimos. O relator deste caso ressaltou em seu voto que a dor da perda de um filho é maior que aquela sentida pela morte de um pai ou cônjuge.

O auditório do Fórum de Cuiabá ficou lotado na noite desta quinta-feira (29). Participaram desembargadores do TJMT, magistrados, servidores, advogados e acadêmicos de direito. Para o diretor da Esmagis, desembargador Márcio Vidal, é mais uma satisfação poder promover debates. "Estamos empenhados no papel institucional da escola em capacitar e aperfeiçoar os magistrados. Um encontro como esse, numa noite de outono, é enriquecer o espírito. Enche-nos de esperança de que a sociedade jurídica está em processo de transformação", afirmou.

História – Durante a palestra, o ministro José Delgado traçou o histórico da evolução da responsabilidade civil por dano moral, desde o Código de Hamurabi (século XXII a.C.), primeiro documento que dispôs a respeito do assunto. Ele disse também que o Código Ur-Nammu (século XXIII a.C.), mais antigo código de direito que se tem notícia, trazia noção abstratas sobre a reparação por dano moral. O ministro lembrou ainda que no Código de Manu, instituído na Índia, também é encontrada a presença da responsabilidade por dano moral.

O ministro listou a evolução no Direito Brasileiro, desde a época em que o dano moral não era reconhecido pelos Tribunais até os dias de hoje, e apresentou as sete categorias de dano moral: dano ao crédito de uma pessoa, à honra de um ser humano, aos direito de personalidade, à moral e aos bons costumes, ao ser humano com repercussão na sua vida social e profissional, de natureza estética e ao meio ambiente. Além disso, citou diversos exemplos atuais de jurisprudência e comentou os erros e acertos dos magistrados, dos Tribunais e do próprio STJ, na fixação da indenização por dano moral. 

O magistrado lembrou que a responsabilidade civil por dano moral é uma conquista recente, consagrada pela Constituição de 1988 e que ainda não alcançou a maturidade. Por isso, ainda há muito a ser discutido pela doutrina e jurisprudência sobre o assunto.

 

Esse é o caso do questionamento apontado pelo juiz substituto de 2º grau José Mauro Bianchini Fernandes, que tem determinado que empresas concessionárias de serviços públicos não acrescentem em suas planilhas de custo (usadas para calcular a tarifa cobrada dos clientes) os valores decorrentes de indenizações fixadas pela Justiça. Em suas decisões, ele tem determinado que a empresa retire o valor da sua margem de lucro. Para o ministro José Delgado, que não conhecia iniciativa como essa, a idéia do juiz mato-grossense é inovadora e corajosa, e deve ser aperfeiçoada.

 


 

FONTE:  TJ-MT, 30 de maio de 2008.

Células-tronco embrionárias: o STF, a Ciência e a religião

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* Atahualpa Fernandez  e   Marly Fernandez

Em 1859 Charles Darwin publicou sua teoria sobre a origem das espécies, que integrou ao homem no mundo animal e transformou para sempre o modo de pensar de todas as pessoas ilustradas do planeta. Um fato que seria qualificado por Freud como “a segunda maior ofensa da humanidade”. Cinco anos depois, o papa Pio IX editou um anatema contra a modernidade no qual se condenavam os horrores perpetrados pelo homem contra Deus, entre eles a teoria da evolução das espécies. A obra teve, como se sabe, uma repercussão enorme e ainda hoje se enfrenta a opositores viscerais.

Por quê? Porque existe certa concepção teológica da vida que defende um criacionismo plano, de muito escassa consistência para além dos limites da fé. Segundo essa concepção, posto que Deus é criador, as criaturas devem manter-se sujeitas em tudo a Sua vontade, de modo que qualquer intervenção em sua “obra” já  é  sintoma de pecado.

A tacanhez desta concepção teve conseqüências nefastas em muitos campos: no terreno político serviu durante muito tempo para opôr-se a qualquer sistema democrático, porque parecia que a democracia limitava o poder de Deus sobre a sociedade; no terreno moral se usou para estrangular a consciência individual e para submetê-la à autoridade religiosa como expressão da vontade de Deus; e, no terreno da ciência, não é nada estranho que tenha sido utilizada para jugular – por perverso e manipulável receio – os descobrimentos ligados a um melhor conhecimento sobre o que significa ser humano e paliar o sofrimento das pessoas.

O certo é que os opositores do caminho percorrido a partir de Darwin são contrários, de fato, a uma idéia fundamental da época moderna: a da autonomia da pessoa frente a qualquer tipo de controle religioso e ideológico. Daí que a ciência, que tem ajudado de forma extraordinária a construir sociedades seculares e democráticas, continue a sofrer alguma oposição. Afortunadamente, esta visão teológica não é a única existente, ainda que por vezes seja responsável por uma atitude medrosa, pusilânime e defensiva ante qualquer avanço científico ligado à natureza humana. Não foi este o caso, definitivamente, do recente julgamento levado a cabo pelo Supremo Tribunal Federal (STF) acerca da possibilidade da utilização de células-tronco embrionárias para pesquisas com fins científicos e terapêuticos: venceu a ciência, uma moral sem Deus e o bom senso.

A decisão do STF vulnerou a fundo um dos efeitos mais perniciosos da religião: a tendência a divorciar a moral da realidade do sofrimento dos seres humanos. Com essa decisão, o STF optou pela proposta de melhora da condição humana por meio dos conhecimentos da genética molecular (entendida em um sentido amplo) e as técnicas e práticas associadas com ela, destinada não somente a minimizar o sofrimento de indivíduos portadores de determinadas enfermidades como a carga social que essas enfermidades ou defeitos supõem. A alternativa consistia em negar a cura aos já nascidos e deixar-lhes que sofram ou morram, algo por completo inaceitável em termos éticos.

Nenhuma razão moral, filosófica e nem política avalizava tal postura.  Qualquer pessoa que creia que os interesses de um blastocisto podem prevalecer sobre os interesses de uma criança com uma lesão na espinha dorsal está com seu senso moral cegado pela metafísica religiosa. O vínculo entre religião e a moral – tão proclamado e tão poucas vezes demonstrado – fica aqui totalmente desmascarado, tal como acontece sempre que o dogma religioso prevalece sobre o raciocinio moral e a compaixão genuína.

Quando o espermatozóide de um homem penetra no óvulo maduro de uma mulher e os núcleos haplóides de ambos gametos se fundem para formar um novo núcleo diplóide, se forma um zigoto que (em circunstâncias favoráveis) pode converter-se no início de uma linhagem celular humano, de um organismo que em suas diversas etapas pode ser – em termos simplificados – mórula, blástula, embrião, feto e, finalmente, um humano em ato, homem ou mulher. Ainda que estágios de um mesmo organismo, um zigoto não é uma blástula, e um embrião não é um humano. Um embrião é um agrupamente celular, que vive em um meio líquido e é incapaz por si mesmo de ingerir alimentos, respirar ou excretar – isso para não dizer que “lhe” resulta absolutamente impossível sentir ou pensar.

Por certo que encerra a portentosa potencialidade de desenvolver-se durante meses até converter-se em um homem ou mulher. Mas não passa de uma vida em potencial. Uma criança é um ancião em potencia, mas uma criança não é um ancião nem tem direito à aposentadoria. Um homem vivo é um cadáver em potência, mas um homem vivo não é um cadáver. Enterrar a um homem vivo é algo muito distinto e de muita diversa gravidade que enterrar a um cadáver. Aos vegetarianos, aos que está proibido comer carne, lhes está permitido comer ovos, porque os ovos não são galinhas, ainda que tenham a potencialidade de chegar a sê-lo. Um embrião não é um homem, e portanto manipulá-lo ou descartá-lo não é matar a um homem. O uso de células-tronco embrionárias em pesquisas não é um assassinato. Os embriões humanos que são destruídos nas pesquisas com células-tronco não têm cérebro, nem sequer neurônios. Não há razão para acreditar que eles possam sentir qualquer tipo de sofrimento com a sua destruição, de maneira alguma.

De fato, parece que a única razão que justifica a proibição desse tipo de prática é o tabú imposto pelo fundamentalismo religioso. E é precisamente aqui que reside o problema, pois discutir acerca de princípios e valores éticos absolutos baseados em crenças ou mitos religiosos é inútil porque seus interlocutores, que não são poucos, se negam terminantemente a admitir qualquer tipo de argumento que ponha em causa suas fantasias teológicas fundadas em mandamentos “divinos”, isto é, que priorize o sofrimento humano em detrimento da vontade de um Deus onipotente e misericordioso. Quando a postura moral alude a valores que alguém tem por universais, divinos e eternos, esse algúem não vai dar o braço a torcer baixo nenhuma circunstância: assim se lhe torture, se lhe dê argumentos razoáveis ou se lhe enfrente com as necessidades de outras pessoas; seus valores supremos não sofrerão nenhum câmbio.

Entrar em polêmicas com devotos de qualquer facção religiosa resulta uma perda de tempo e até um absurdo de raiz. Se se pensa que cada embrião humano tem uma alma merecedora de preocupação moral, que existe alma em cada um dos blastocistos e que os interesses de uma alma – digamos, a alma de uma criança afetada por uma doença genética degenerativa – não podem predominar sobre os interesses de outra alma, mesmo que essa alma viva dentro de um tubo de ensaio, então apaga tudo e vámo-nos descansar. Nada do que sustentem os cientistas, os políticos e os juristas esclarecidos (amém de alguns Ministros do STF), fará mover nem um milímetro a opinião dos devotos dessa aterrorizante combinação de um dogma religioso com uma grande estupidez, para dizer o mínimo.

Resulta até inútil recordar que os valores eternos e absolutos não se mostram nem absolutos, nem por vezes eternos. A consideração de “ser humano”, de “dignidade humana”, foi cambiando ao longo da história inclusive, por exemplo, por parte da própria Igreja. E, se não fora inútil, seria coisa de recordar algumas encíclicas como aquela na qual o papa Paulo III, referindo-se aos protestantes, assegurava que “enforcarei, matarei de fome, ferverei, esfolarei, estrangularei e enterrarei vivos a esses hereges infames; desgarrarei os estômagos e os úteros de suas mulheres e esmagarei as cabeças de seus filhos contra a parede”. E nem sequer eram embriões.

Salvo que as mulheres e os filhos dos hereges, deixando de lado aos próprios hereges, claro, não sejam considerados seres humanos, parece que há aí um pequeno problema enquanto ao absoluto dos valores. Certo é que sucedia em 1576, mas os valores que querem ser eternos, porque atemporais, não entendem de séculos. Se não fora inútil, caberia argumentar que os papas fundadores do Santo Ofício tinham suas razões para obrar como obraram, na medida em que os valores não são nem tão eternos nem tão absolutos como para rechaçar os matizes. Opôr-se a Galileu era até razoável em 1633, quando se lhe obrigou a enunciar sua cérebre retratação. Mas não o é hoje, nem ninguém na Igreja católica, que eu tenha notícia, pretende fazê-lo. Sucede que desde 1633 até hoje hão passado quase quatro séculos. Talvez, pois, dentro de quatro mais a Igreja católica e as demais facções fundamentalistas – se é que existirão no Brasil, porque os sacerdotes e pastores seguro que sim – entendam que as pesquisas em células-tronco embrionárias com fins científicos e terapêuticos não somente é admissível senão que desejável (como o de que a existência de alienígenas e que o universo pode ter vida inteligente fora da Terra não contradiz a fé em Deus, segundo o Pe. José Gabriel Funes, principal astrônomo do Vaticano).

O que se espera é que com a decisão do STF se deixe de lado essas discussões inúteis acerca de valores eternos e absolutos fundados em idiossincrasias religiosas. Qualquer devoto religioso que insista na defesa de argumentos irracionais é um perigo para o futuro da ciência e para a própria sobrevivência da humanidade. E em que pese sigam imperando entre as altas instâncias da hierarquia dominante brasileira os esquemas que relacionam de maneira estreita a natureza do homem e uma determinada ideologia religiosa, o melhor e mais prudente será, a partir de agora, centrar-nos diretamente nas razões éticas, jurídicas e sociais das pesquisas em células-tronco e reservarmos a questão dogmática para os assuntos próprios do dogma. Como a oportunidade de devolver às mulheres a alma. Porque não recordamos quando, nem por parte de quem, mas sim que nos parece que lhes foi negada por razões teológicas.

Restituamos aos que sofrem, aos que padecem de alguma enfermidade ou defeito, sua condição completa de ser humano, reconhecendo direitos e garantias que até agora lhes têm sido negados, direitos que assegurem (de forma inviolável, autônoma e digna) a capacidade à esse coletivo humano concreto de plena e livre realização pessoal e social, isto é, de pôr, no que se refere aos seus legítimos interesses, os avanços da ciência ao efetivo serviço da eliminação ou minimização da infelicidade e do sofrimento que padecem: que não se produza sofrimento quando seja possível preveni-lo, e que o sofrimento inevitável se minimize e afete com moderação aos membros individuais da sociedade, aos cidadãos. Ainda que somente seja por respeito aos valores absolutos.

Por certo que em um terreno tão delicado como este a prudência parece ser sempre uma boa atitude. Mas não deveríamos ser prudentes por medo às pesquisas científicas senão mais bem pela vontade de assegurá-las a qualquer custo em benefício daqueles que as necessitam. Como agudamente observou o ministro Joaquim Barbosa – ao aderir ao grupo de integrantes da Corte que votaram pela constitucionalidade da lei, sem restrições -, “proibir a pesquisa é fechar os olhos para o desenvolvimento científico”.

E porque neste ponto são legítimos os interrogantes e as dúvidas morais e jurídicas, parece razoável considerar a necessidade de se desenhar um modelo normativo e institucional (de parâmetros para as pesquisas e criação de órgãos de fiscalização) que, desde já, trate não somente de viabilizar o acesso de todos por igual aos benefícios provenientes dessas pesquisas, como, e muito especialmente, de evitar que alguns (ou muitos) possam sair enormemente prejudicados por um particular uso e aplicação tendencialmente direcionada a interesses espúrios. Isto é, de um modelo normativo e institucional que, assegurando a equidade da distribuição de benefícios e cargas como uma questão de justiça social, trate de disciplinar eticamente essas pesquisas na busca de encontrar pontos de equilíbro para acomodar as expectativas (éticas, de validade jurídico-social e de legitimidade substancial) de uma comunidade de indivíduos diante da qual a qualidade de suas normas será medida por sua humanidade, pela precisão de sua adesão à natureza e às necessidades humanas.

O certo é que a recente decisão do STF desmascarou a tese daqueles que invocam o direito supremo à vida sem entrar em matizes acerca da qualidade dessa vida e o que se está pagando, em termos de sofrimento, por ela. As células-tronco embrionárias se converteram, assim, em uma bandeira defendida curiosamente por aqueles que parecem não ter, ou se negam a ter quando o tema ronda a impessoalidade, uma dimensão real do sofrimento humano. Isto é, de que aos devotos a quem afeta tal decisão não lhes importam muito esse tipo de preocupação, desde que, no fundo, saiam beneficiados aos olhos e aos caprichos de Deus. Afinal, algumas vezes a maldade e a crueldade também podem disfarçar-se com uma proposta “divinamente ética”.

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA  

ATAHUALPA FERNANDEZ: Pós-doutor  em Teoría Social, Ética y Economia pela Universidade Pompeu Fabra; Doutor em Filosofía Jurídica, Moral y Política pela Universidade de Barcelona; Mestre em Ciências Jurídico-civilísticas pela Universidade de Coimbra; Pós-doutorado e  Research Scholar do Center for Evolutionary Psychology da University of California,Santa Barbara;Research Scholar da Faculty of Law/CAU- Christian-Albrechts-Universität zu Kiel-Alemanha;Especialista em Direito Público pela UFPa.; Professor Colaborador Honorífico (Livre Docente) da Universitat de les Illes Balears/Espanha (Etologia, Cognición y Evolución Humana / Laboratório de Sistemática Humana); Membro do MPU (aposentado) ; Advogado.

MARLY FERNANDEZ: Doutora em Filosofía Moral/ Universitat de les Illes Balears- UIB/Espanha; Mestra em Cognición y Evolución Humana/ Universitat de les Illes Balears- UIB/Espanha; Mestra em Teoría del Derecho/ Universidad de Barcelona- UB/ Espanha ;Research Scholar  da Universitat de les Illes Balears/ UIB-Espanha (Etología, Cognición y Evolución Humana / Laboratório de Sistemática Humana).


Crítica da razão técnico-jurídica

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* Paulo Queiroz

Como é sabido, a tecnicização do direito e, por conseqüência, a tecnicização daqueles que operam com o direito, visou atender a uma demanda de segurança jurídica, por se considerar que as questões complexas e difíceis de que cuida a dogmática jurídica contemporânea deveriam competir a especialistas: advogados, promotores, juízes, enfim pessoas com formação especializada. A técnica do direito e dos seus operadores respondeu, assim, a uma mesma pretensão de segurança e correção das decisões, a evitar a improvisação e o domínio das paixões na administração da justiça1. A tecnicização representou o triunfo da razão no direito.

De acordo com Hans Welzel, a ciência sistemática dá base para uma administração da justiça uniforme e justa, pois só o conhecimento das relações internas do direito impede o acaso e a arbitrariedade. É que a renúncia a uma teoria do delito, tanto generalizadora com diferenciadora em favor de uma valoração individual qualquer, são palavras de Claus Roxin, faria retroceder a nossa ciência a vários séculos, ou seja, àquela situação de acaso e arbitrariedade. O sistema, portanto, implica segurança, previsibilidade e certeza, conclui García-Pablos2.

Apesar disso, a tecnicização não se deu de forma absoluta, porque ainda existem aqui e ali instituições jurídicas cuja composição toca a leigos em direito, a exemplo do Tribunal do Júri, a quem compete decidir alguns dos crimes mais importantes: os crimes dolosos contra a vida (homicídio doloso etc.).

Mas a tecnicização e profissionalização no direito têm uma série de limitações e, pois, acarretam vantagens e desvantagens.

1) Uma primeira questão diz respeito à própria especialização, isto é: os juristas são realmente especialistas, isto é, peritos nos assuntos de que tratam?3

Parece-nos que em grande parte a especialização dos juristas é um mito. Sim, porque são chamados a se manifestarem sobre praticamente tudo e, portanto, sobre temas os mais diversos e nos quais é ou pode ser ignorante: imprudência técnica (de médicos, engenheiros etc.), sistema financeiro etc., por vezes assumindo o papel de economistas, de administradores ou de todos conjuntamente.

Não raro a maior especialização do jurista é assim um simples preconceito, porque, apesar de sua formação técnica numa área específica (a lei e o direito), tem em tese competência para todo e qualquer assunto, dada a onipresença do fenômeno jurídico: medicina, psiquiatria, finanças etc.; são, paradoxalmente, especialistas sem especialidade. Exatamente por isso, certas interpretações jurídicas podem eventualmente parecer ridículas aos olhos de um autêntico especialista/perito.

Além disso, tem razão Feyerabend quando afirma que não especialistas frequentemente sabem mais do que os especialistas e deveriam, portanto, ser consultados. 4

2) Outra questão é que decisões tecnicamente corretas não são necessariamente decisões justas, assim como decisões tecnicamente incorretas não são necessariamente decisões injustas. Imagine-se, para ficar num único exemplo (o caso é real), que a esposa queira matar seu marido em virtude dos maus tratos que sofre sistematicamente; para tanto, adiciona veneno na sua refeição, a qual, por desgraça, vem a ser provada pelos filhos que morrem. Pois bem, de acordo com a técnica fria do Código Penal, houve um homicídio doloso consumado contra o marido, que está vivo e que voltaria a viver com ela tempos depois. Enfim, trata-se de uma tragédia real lida como ficção.

Convém notar ainda que o subsistema penal está assentado sobre uma estrutura econômica e social profundamente desigual, e, por isso, é arbitrariamente seletivo e assim recruta a sua clientela entre os grupos mais vulneráveis, a revelar que a pretensão de justiça está grandemente comprometida desde a sua concepção. Em sua majestática igualdade, dizia Anatole France, a lei proíbe tanto ao rico quanto ao pobre dormir embaixo das pontes, esmolar nas ruas e furtar pão.5 E isto sem falar na descontextualização e despolitização dos conflitos que resultam da tecnicização.

Assim, pode ocorrer inclusive de ser aconselhável não apenas ignorar determinada regra, por mais racional, mas adotar a regra oposta.6 É que a questão fundamental não reside em produzir decisões tecnicamente perfeitas, mas decisões minimamente justas e razoáveis. Afinal, e conforme assinala Castanheira Neves, uma boa interpretação não é aquela que, numa perspectiva hermenêutico-exegética, determina corretamente o sentido textual da norma; é antes aquela que numa perspectiva prático-normativa utiliza bem a norma como critério da justa decisão do problema concreto.7

Quanto às decisões tecnicamente incorretas, mas nem por isso injustas, bastaria lembrar certas decisões do Tribunal do Júri, formado que é por leigos, e cujos jurados são chamados a decidir, não segundo a lei, mas conforme “a consciência e os ditames da justiça” (CPP, art. 464).

3) Também por isso (distinção entre técnica e justiça), segue-se que uma boa formação técnico-jurídica não constitui garantia de profissionais (juízes, promotores, advogados etc.) justos, mesmo porque podem ser, não obstante a excelência técnica, corruptos, preguiçosos, insensíveis etc. E uma boa interpretação, na arte como no direito, além de técnica e razão, requer talento e sensibilidade. É que tais atividades demandam habilidades que estão muito além da simples técnica: maturidade, experiência, coragem, capacidade de trabalho.8 E decidir não é exclusividade dos juízes, afinal todos nós decidimos permanentemente, como filhos, irmãos, pais, profissionais, membros de órgão de classe etc.

4) É certo ainda que as decisões estão de um modo geral predeterminadas ou pré-condicionadas por nossos preconceitos, e, portanto, na sua origem prescindem da formação técnico-jurídica, de sorte que um conhecimento formal do direito parece servir apenas para justificar decisões tomadas a partir de certas experiências e pré-juízos, que independem da técnica e que lhe precedem necessariamente. Enfim: a interpretação é o resultado do seu resultado; o meio interpretativo e, pois, a forma técnico-jurídica, só se escolhe depois do resultado já estabelecido9; decidimos, primeiro; classificamos depois.

5) Não infreqüentemente, os técnicos do direito (a doutrina em especial) se põem a criar e sofisticar conceitos e institutos com absoluta independência da realidade, sem nenhuma relevância prática ou mesmo teórica ou acadêmica. A técnica, que deveria assim ser um meio a serviço da justiça, converte-se em um fim em si mesmo por meio de um diálogo (às vezes um monólogo) entre diletantes do direito, os quais elegem os temas considerados importantes e lançam, por assim dizer, a moda no direito.

6) Outro problema grave reside no ensino jurídico que, ligado a um modelo pedagógico autoritário, no mais das vezes privilegia a memória, a repetição e a uniformidade de pensamento, em prejuízo da inteligência, da imaginação e da diversidade, e assim desencoraja a formação crítica e aniquila a individualidade.10 Falta com freqüência o essencial: a formação de espíritos capazes de pensar por conta própria, mesmo porque ensinar não é só transmitir informação, mas criar as condições para produção do conhecimento.11

Não surpreende assim que ensinar/aprender direito significa hoje, basicamente, preparar alguém para ser aprovado em concurso público, e, pois, obter um emprego estável e bem remunerado, de modo que o bom aluno, o bom profissional, é aquele que obtém aprovação em concurso público, concurso que em geral se limita a cobrar informação de leis e códigos12; e indiretamente estimula a subserviência e o conservadorismo. Por conseqüência, o bom juiz, o bom promotor, é também aquele que se conforma com a orientação dominante ditada pelo tribunal ou instituição a que pertence. E o “êxito” na carreira jurídica é um continuum desse processo de domesticação, que precede à formação jurídica inclusive.

Não é preciso dizer o quanto essa cultura da lei e da ordem favorece a legitimação de estruturas elitizadas de poder (instituições, tribunais, conselhos) facilmente criticáveis e eventualmente extinguíveis fosse outro o ambiente.

7) Numa confusão mais ou menos consciente entre lei e direito, ignora-se que o direito, assim como justiça, ética, estética etc., é, em última análise, uma metáfora associada ao que julgamos bom e razoável, e que por isso tem conteúdo grandemente indeterminado; afinal, o direito e o torto não preexistem à interpretação, mas é dela resultado. Pressupõe-se enfim que a interpretação depende da lei e do direito e não o contrário, que é a lei e o direito que dependem da interpretação. Exatamente por isso, a lei, por mais clara, pode ser interpretada de formas diversas e, portanto, conduzir a diversos resultados.

Notas de rodapé

1Segundo Salo de Carvalho, “ o homem teórico, forjado na cultura helênica ocidental por Sócrates, narcotizado pela busca da verdade, atribuiu ao saber científico a capacidade de distinguir o erro, de separar essência e aparência. No entanto este otimismo na razão sistematizadora ofuscou a pluralidade dos fenômenos existentes na realidade e as infinitas formas de interpretá-lo, ou seja, impediu perceber inúmeras formas de manifestação das verdades: de verdades marginais que transpõem os horizontes da moral”. Antimanual de Criminologia. Rio: Lúmen Juris, 2008, p. 179/180.

2Derecho Penal. Parte general. Madrid: Universidad Complutense, 1995, p. 386. As citações anteriores constam do mesmo livro e página.

3Uso a expressão “jurista” no sentido de pessoa versada na lei.

4Contra o Método. S. Paulo: Editora UNESP, 2007, p. 17.

5Citado por Gustav Radbruch. Introdução à ciência do direito. S.Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 107.

6Paul Feyerabend. Contra o Método. S. Paulo: Editora UNESP, 2007, p. 37/38.

7Metodologia jurídica. Coimbra: Coimbra editora, 1993, p. 84.

8Já Radbruch afirmava que “o novo direito penal não poderá vingar sem um juiz totalmente novo. Exige, portanto, uma inversão da formação criminalista. O que vale para o juiz em geral vale particularmente para o juiz penal: para meio centavo de doutrina deveria corresponder um real de conhecimento da natureza humana e da vida. Por isso a formação do futuro juiz penal não poderá ser uma formação meramente jurídica, deverá estender-se a técnica criminal, psicologia criminal, teoria carcerária, antes de tudo também experiência prática em instituições de todos os tipos. Tudo isso é necessário para o juiz penal, mas de modo algum suficiente, pois, afinal, o bom juiz penal o é de nascença. O coração bondosamente compreensivo e a mão que conduz com firmeza, que não lhe podem faltar, não lhe poderão ser dados por nenhuma formação. Introdução à ciência do direito. S.Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 123.

9Radbruch, Gustav, citado por Arthur Kaufmann. Filosofia do Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, p. 121.

10E a ciência precisa de pessoas que sejam adaptáveis e inventivas, não rígidos imitadores de padrões comportamentais estabelecidos. Feyerabend, cit.

11 Paulo Freire. Pedagogia da Autonomia. Paz e Terra: S. Paulo, 2004. Freire chama isso de concepção “bancária” da educação, que consiste em transmitir informação sem nenhum senso crítico. Pedagogia do oprimido. S. Paulo: Paz e Terra, 2004.

12Salo de Carvalho chama a atenção inclusive para o fato de que os currículos e livros didáticos de direito penal são pensados e estruturados a partir da disposição dos temas e dos institutos apresentados pelo Código Penal, sendo certo que a codificação determina o conteúdo programático dos cursos. Antimanual, cit., p. 24.

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

PAULO QUEIROZ:  Doutor em Direito (PUC/SP), é Procurador Regional da República, Professor do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) e autor do livro Direito Penal, parte geral, S. Paulo, Saraiva, 3ª edição, 2006. Website: www.pauloqueiroz.net