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Dívidas de marido justificam penhora de carro de mulher, que não comprovou regime de bens

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É legítima a penhora de um carro adquirido pela esposa de um devedor trabalhista. O bem constava na declaração do imposto de renda do homem porque ela, a proprietária, está no mesmo documento na condição de dependente. No entanto, a mulher deixou de comprovar o regime de bens capaz de impedir a penhora.

A decisão é da 16ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região – TRT-2, de São Paulo. O acórdão em segunda instância alterou a decisão do juízo de origem, que havia anulado o bloqueio do veículo. O entendimento é de que o carro é parte do patrimônio comum do casal.

Para a desembargadora-relatora Dâmia Ávoli, o fato de se tratar de bem indivisível não impede a penhora, “por não prejudicar a meação”, divisão ideal de bens comuns entre os dois integrantes do casal. Parte do valor obtido com a venda judicial do veículo seria destinado à esposa e outra parte à satisfação da dívida.

“Não resta outra alternativa a não ser a improcedência dos embargos de terceiro, uma vez que a embargante não comprovou inequivocamente a impossibilidade jurídica de constrição sobre o bem litigioso”, concluiu a magistrada.  Processo 1000301-30.2021.5.02.0351

FONTE: IBDFAM, 05 de abril de 2022.

Lei Maria da Penha é aplicável à violência contra mulher trans, decide Sexta Turma do STJ

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Por unanimidade, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que a Lei Maria da Penha se aplica aos casos de violência doméstica ou familiar contra mulheres transexuais. Considerando que, para efeito de incidência da lei, mulher trans é mulher também, o colegiado deu provimento

Pode ser o ato administrativo do qual é preenchido cargo público. Em recursos, a expressão dar provimento é utilizada quando há êxito no recurso da parte.

a recurso do Ministério Público de São Paulo e determinou a aplicação das medidas protetivas requeridas por uma transexual, nos termos do artigo 22 da Lei 11.340/2006, após ela sofrer agressões do seu pai na residência da família.

“Este julgamento versa sobre a vulnerabilidade de uma categoria de seres humanos, que não pode ser resumida à objetividade de uma ciência exata. As existências e as relações humanas são complexas, e o direito não se deve alicerçar em discursos rasos, simplistas e reducionistas, especialmente nestes tempos de naturalização de falas de ódio contra minorias”, afirmou o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz.

O juízo de primeiro grau e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) negaram as medidas protetivas, entendendo que a proteção da Maria da Penha seria limitada à condição de mulher biológica. Ao STJ, o Ministério Público argumentou que não se trata de fazer analogia, mas de aplicar simplesmente o texto da lei, cujo artigo 5º, ao definir seu âmbito de incidência, refere-se à violência “baseada no gênero”, e não no sexo biológico.

Violência contra a mulher nasce da relação de dominação

Em seu voto, o relator abordou os conceitos de sexo, gênero e identidade de gênero, com base na doutrina especializada e na Recomendação 128 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que adotou protocolo para julgamentos com perspectiva de gênero. Segundo o magistrado, “gênero é questão cultural, social, e significa interações entre homens e mulheres”, enquanto sexo se refere às características biológicas dos aparelhos reprodutores feminino e masculino, de modo que, para ele, o conceito de sexo “não define a identidade de gênero”.

Para o ministro, a Lei Maria da Penha não faz considerações sobre a motivação do agressor, mas apenas exige, para sua aplicação, que a vítima seja mulher e que a violência seja cometida em ambiente doméstico e familiar ou no contexto de relação de intimidade ou afeto entre agressor e agredida.

Schietti ressaltou entendimentos doutrinários segundo os quais o elemento diferenciador da abrangência da lei é o gênero feminino, sendo que nem sempre o sexo biológico e a identidade subjetiva coincidem. “O verdadeiro objetivo da Lei Maria da Penha seria punir, prevenir e erradicar a violência doméstica e familiar contra a mulher em virtude do gênero, e não por razão do sexo”, declarou o magistrado.

Ele mencionou que o Brasil responde, sozinho, por 38,2% dos homicídios contra pessoas trans no mundo, e apontou a necessidade de “desconstrução do cenário da heteronormatividade”, permitindo o acolhimento e o tratamento igualitário de pessoas com diferenças.

Quanto à aplicação da Maria da Penha, o ministro lembrou que a violência de gênero “é resultante da organização social de gênero, a qual atribui posição de superioridade ao homem. A violência contra a mulher nasce da relação de dominação/subordinação, de modo que ela sofre as agressões pelo fato de ser mulher”.

Violência em ambiente doméstico contra mulheres

No caso em análise, o ministro verificou que a agressão foi praticada não apenas em ambiente doméstico, mas também familiar e afetivo, pelo pai contra a filha – o que elimina qualquer dúvida quanto à incidência do subsistema legal da Maria da Penha, inclusive no que diz respeito à competência da vara judicial especializada para julgar a ação penal

A ação penal é o direito ou o poder-dever de provocar o Poder Judiciário para que decida o conflito nascido com a prática de conduta definida em lei como crime para aplicação do direito penal objetivo a caso concreto.

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“A Lei Maria da Penha nada mais objetiva do que proteger vítimas em situação como a da ofendida destes autos. Os abusos por ela sofridos aconteceram no ambiente familiar e doméstico e decorreram da distorção sobre a relação oriunda do pátrio poder, em que se pressupõe intimidade e afeto, além do fator essencial de ela ser mulher”, concluiu.

Schietti destacou o voto divergente da desembargadora Rachid Vaz de Almeida no TJSP, os julgados de tribunais locais que aplicaram a Maria da Penha para mulheres trans, os entendimentos do Supremo Tribunal Federal (STF) e do próprio STJ sobre questões de gênero e o parecer do Ministério Público Federal no caso em julgamento, favorável ao provimento do recurso – que ele considerou “brilhante”.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

FONTE:  STJ, 06 de abril de 2022

O pacote anticrime e seus reflexos no código penal De forma didática e descomplicada

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Considerações iniciais: o presente artigo tem a finalidade de apresentar, em apertada síntese: (1) uma visão jurídica que se inicia com a entrada em vigor do nosso Código Penal e a constante atividade do legislador que sempre tentou acalmar os anseios sociais editando leis e mais leis; (2) uma forma simples de calcular a eficácia das leis e a eficiência do sistema penal bem como as tendências das medidas do legislador; (3) apresentar alguns problemas estruturais do Código Penal que, certamente, dificultam o estudo do direito penal, especialmente, dos acadêmicos e daqueles que estão iniciando na carreira jurídica; (4) O pacote anticrime e seus reflexos no Código Penal apresentados de forma sintética, ou seja, deixando-se a devida análise minuciosa para artigos posteriores.

 

Sumário:

1. O projeto original do Código Penal e sua entrada em vigor

2. Cálculo da eficácia das leis e da eficiência do sistema penal

– 2.1 Índice de condenação de não reincidentes

– 2.2 Índice de reincidência

– 2.3 – Tendência das medidas do legislador

3. Alguns problemas que dificultam o estudo do direito penal

– 3.1 Tipos penais vigentes, praticamente em desuso

– 3.2 Temos quatro tipos  penais sobre inutilização ou destruição de documentos

– 3.3 Tipos penais sem o nome jurídico ounomem iuris

– 3.4 Dois Capítulos com a mesma denominação dentro do mesmo Título

– 3.5 Novo Código Penal

4. A Lei 13.964/2019 denominada pacote anticrime

– 4.1 Alterações no Código Penal promovidas pelo Pacote Anticrime

5. Alterações no Código Penal promovidas por Leis Especiais – Lei 13.968/2019.

 

  1. O PROJETO ORIGINAL DO CÓDIGO PENAL E SUA ENTRADA EM VIGOR

Nosso Código Penal atual (Decreto-lei 2.848/1940) teve origem do projeto de Alcântara Machado, que passou pela Comissão Revisora composta por Nélson Hungria, Vieira Braga, Narcélio de Queiroz e Roberto Lira). Entrou em vigor em 01.01.1942, ou seja, já completou 80 (oitenta) anos de vigência. O referido CP incorporou novidades e avanços dos códigos penais italiano e suíço, promulgados quase à mesma época (década de 1940).

Para se ter uma ideia, na década de 1940, os assuntos da moda eram: (1) o holocausto; (2) a entrada dos USA na segunda guerra mundial; (3) as bombas atômicas que destruíram Hiroshima e Nagasaki; (4) o suicídio de Hitler e o fuzilamento de Mussolini; (5) o início da guerra fria entre os USA e União Soviética; (6) a invenção do primeiro computador (ENIAC), do primeiro helicóptero e do primeiro transistor; (7) e a moda feminina (considerada a mais bela e sensual do século XX), contribuiu para o grande destaque no cinema de atrizes como Rita Hayworth, Ingrid Bergman, Ava Gardner e Marilyn Monroe.

Um dos assuntos de hoje é a Petrobrás. Para se ter uma ideia, naquela época (década de 1940) a Petrobras ainda nem existia (criada em 03.10.1953 – governo Getúlio Vargas).

Nestes mais de 80 anos da sua entrada em vigor, tivemos apenas uma relevante reforma da Parte Geral (Lei 7.209/1984) que modernizou  o CP em vários aspectos, como, por exemplo: (1) distinguiu a coautoria da participação; (2) reformulou o erro de tipo e de proibição; (3) excluiu a responsabilidade objetiva; (4) excluiu a presunção de periculosidade etc. Neste mesmo dia foi sancionada a Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) que reuniu toda legislação específica vigente à época.

Neste tempo todo, no desespero, o legislador sempre tentou acalmar os anseios sociais editando leis e mais leis. Para se ter uma ideia, de 1940 até 2019 (período anterior à Lei 13.964/2019, denominada Pacote Anticrime), o legislador criou mais de 174 (cento e setenta e quatro) leis reformando o sistema penal brasileiro.

Depois disso, outras leis foram promulgadas, como, por exemplo, Lei 13.967/2019 (para extinguir a pena de prisão disciplinar para as polícias militares e bombeiros), Lei 13.968/2019 (para modificar o crime de incitação ao suicídio e incluir as condutas de induzir ou instigar a automutilação), Lei 14.964/2020 (para aumentar as penas cominadas ao crime de maus-tratos aos animais quando se tratar de cão ou gato), Lei 14.110/2020 (para dar nova redação ao crime de denunciação caluniosa), Lei 14.132/2021 (para prever o crime de perseguição), Lei 14.155/2021 (para tornar mais graves os crimes de violação de dispositivo informático, furto e estelionato cometidos de forma eletrônica ou pela internet), Lei 14.197/2021 (para acrescentar o Título XII na Parte Especial do CP relativo aos crimes contra o Estado Democrático de Direito), Lei 14.321/202 (para tipificar o crime de violência institucional na lei de abuso de autoridade) etc.

No entanto, observa-se claramente que o grave problema do Brasil não é a ausência de leis (muito pelo contrário), mas, sim, a ineficácia delas. Desta forma, o que nos falta é a certeza do castigo justo. Neste sentido, pregava Beccaria, em 1764: “A certeza de um castigo, mesmo moderado, causará sempre a impressão mais intensa que o temor de outro mais severo, aliado à esperança de impunidade”.[1]

 

  1. CÁLCULO DA EFICÁCIA DAS LEIS E DA EFICIÊNCIA DO SISTEMA PENAL

Com o número de condenações por crimes dolosos (NCCD), o número de condenados não reincidentes (NCNR), e de número de condenados reincidentes (NCRE), podemos calcular dois índices importantíssimos para aferir a eficácia das leis e a eficiência do sistema penal para a ressocialização dos condenados:

2.1Índice de condenação de não reincidentes (ICNR)

Fórmula: ICNR = (NCNR X 100 / NCCD). Problema para exemplo: De 1.700 condenações, 595 condenados não são reincidentes.

Resultado: 595 X 100 / 1.700 = 35 % (quanto menor este resultado, maior é o índice de prevenção especial da pena: eficácia da lei).

 

2.2Índice de reincidência (IDRE)

Fórmula: IDRE = (NCRE X 100 / NCCD). Problema para exemplo: De 1.700 condenações, 1.105 condenados são reincidentes.

Resultado: 1.105 X 100 / 1.700 = 65 % (quanto maior for o resultado, menor é o índice de ressocialização do sistema penal).

2.3Tendência das medidas do legislador

Nos países onde o índice de reincidência é muito alto (acima de 40%), significa que o sistema carcerário não tem programas adequados de ressocialização, a tendência é o legislador tomar medidas paliativas, a exemplo do aumento de pena, redução da menoridade penal etc.

Nos USA, por exemplo, o índice de criminalidade, especialmente, no Estado de Nova York, vem caindo há alguns anos e, como isso, vários Estados têm aumentado ou estão discutindo a possibilidade de aumentar a menoridade, em regra, de 16 para 18 anos. Observa-se, porém, que Nova York (1624) é 70 anos mais nova que São Paulo (1554).

 

  1. ALGUNS PROBLEMAS QUE DIFICULTAM O ESTUDO DO DIREITO PENAL

Saímos, então, de um CP moderno (1940) e chegamos em 2019 (período anterior à Lei 13.964/2019, denominada Pacote Anticrime) com ele bastante ultrapassado, desorganizado, despadronizado e o pior: não acompanhou a evolução social e tecnológica e, consequentemente, não atende às exigências da sociedade brasileira. Para exemplificar, podemos citar alguns problemas que dificultam o estudo da matéria:

3.1 – Tipos penais vigentes, praticamente em desuso: (a) introdução ou abandono de animais em propriedade alheia (CP, art. 164); (b) apropriação de tesouro  (CP, art. 169, parágrafo único, inciso I); (c) escrito ou objeto obsceno (CP, art. 234, caput). Por outro lado, a chantagem (que seria uma espécie de extorsão sem visar nenhuma vantagem indevida de ordem econômica, ou uma espécie de constrangimento ilegal praticado sem violência ou grave ameaça) ainda não foi tipificado como crime pelo legislador;

3.2 – Temos quatro tipos  penais sobre inutilização ou destruição de documentos:  (a) supressão de documento (CP, art. 305); (b)  extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento (CP, art. 314); (c) subtração ou inutilização de livro ou documento (CP, art. 337, caput);  (d) sonegação de papel ou objeto de valor probatório (CP, art. 356). Isso tudo precisa ser muito bem explicado para o leitor não se confundir no momento de uma prova;

 

3.3 – Tipos penais sem o nome jurídico ounomem iuris”: Exemplos: (a) falsidade em prejuízo da nacionalização de sociedade (CP, art. 310)[2]; (b) prevaricação imprópria (CP, art. 319-A). Ambos tiveram o nome jurídico dado pela doutrina;

3.4 – Dois Capítulos com a mesma denominação dentro do mesmo Título: Com o advento da Lei 12.015/2009, passamos a ter dois Capítulos (IV e VII) com a mesma denominação de “Disposições Gerais”, inseridos no Título (VI) que trata dos crimes contra a dignidade sexual.

        3.5 – Novo Código Penal – a reforma do Código Penal é objeto do Projeto de Lei do Senado nº 236/2012, que encontra-se na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, aguardando relatório do Senador Fabiano Contrarato, desde 16.02.2022, acesso em 06.04.2022.

Verifica-se que há muito se espera uma ampla reformulação de toda a legislação criminal que, atualmente, está prevista no direito penal, processo penal, execução penal bem como nas leis penais especiais. Além disso, o ideal seria se promover uma verdadeira consolidação de forma que toda legislação criminal fosse incorporada no Código Penal e no Código de Processo Penal, eliminando-se várias leis especiais.

No entanto, enquanto isso não for possível, torna-se necessário promover alterações pontuais nos referidos códigos bem como em diversas leis especiais, o que ainda é melhor do que não fazer absolutamente nada neste sentido.

 

  1. A LEI 13/964/2019 DENOMINADA PACOTE ANTICRIME

A Lei 13.964, de 24 de dezembro de 2019, denominada Pacote Anticrime, entrou em vigor em 23.01.2020, com exceção do Juiz de Garantias[3] que ficou suspenso (não revogado) por tempo indeterminado. À época, foram vetados 24 (vinte e quatro) dispositivos pelo Presidente da República. Entretanto, em abril de 2021, ocorreram profundas alterações no pacote anticrime após a derrubada de 16 (dezesseis) vetos pelo Congresso Nacional.

O objetivo do pacote anticrime é tornar mais efetivo o combate ao crime organizado, a criminalidade violenta e à corrupção. Para isso, promoveu mudança de diversos artigos do Código Penal, do Código de Processo Penal e de várias leis especiais, tais como: Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal)  Lei 8.702/1990 (Lei dos Crimes Hediondos), Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), dentre outras.

 

4.1 – Alterações no Código Penal promovidas pelo Pacote Anticrime

4.1.1 – Legítima defesa

Legítima defesa é uma causa de exclusão da ilicitude (ou da antijuridicidade) consistente em repelir injusta agressão, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio, usando moderadamente dos meios necessários (CP, art. 25).

A alteração foi a inclusão do parágrafo único no referido artigo, com a seguinte redação: “Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes”.

Entendemos que se trata de um dispositivo redundante e desnecessário, por dois motivos: (a) se estão “observados os requisitos previstos no caput deste artigo” é porque já se caracteriza uma situação de legítima defesa; (b) se existe “vítima mantida refém durante a prática de crimes”, o agente de segurança pública não só pode como também deve repelir agressão ou risco de agressão à vítima refém. Desta forma, nos parece que foi criada, desnecessariamente, uma hipótese de legítima defesa específica para agentes de segurança pública.

4.1.2 – Pena de multa

Com a alteração promovida pela Lei 13.964/2019, o art. 51 do Código Penal passou a ter a seguinte redação: “Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante o juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.”

Desta forma, o legislador deixou bem claro que o juízo competente para executar a pena de multa é o juiz da execução penal em ação promovida pelo Ministério Público, embora se possa utilizar o rito da Lei de Execuções Fiscais.

Com a redação anterior, seria possível, concluir, erroneamente, que a dívida de valor convertida da pena de multa estaria migrando para esfera cível, ferindo o princípio da personalidade da pena, pelo qual “nenhuma pena passará da pessoa do condenado” (CF, art. 5º, XLV, primeira parte). No entanto, “podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido” (CF, art. 5º, XLV, segunda parte).

4.1.3 – Limite de cumprimento de pena

Com a alteração promovida pela Lei 13.964/2019, o art. 75, caput, do Código Penal passou a ter a seguinte redação: “O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 40 (quarenta) anos”.

Na redação anterior, o limite de cumprimento de pena privativa de liberdade era de 30 (trinta) anos, fixados em 1940 (idade do nosso Código Penal). Em 1984, com a reforma da Parte Geral, por meio da Lei 7.209/1984, poderia ter alterado, porém, manteve esse limite.

A Constituição Federal determina que não pode existir pena de caráter perpétuo (CF, art. 5º XLVII, b). Em 1940, o limite de cumprimento de pena privativa de liberdade foi fixado em 30 anos e a expectativa de vida era de 45,5 anos. Em 2019, a expectativa do brasileiro já estava em 76,3 anos, ou seja, a expectativa de vida do brasileiro aumentou, em média, 30,8 anos de 1940 a 2019, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE. [4]

Observa-se, porém, continua a prevalecer o disposto pela Súmula 715 do STF: “A pena unificada para atender ao limite de trinta anos de cumprimento, determinado pelo art. 75 do Código Penal, não é considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional ou regime mais favorável de execução”. Agora, basta substituir os 30 pelos 40 anos. Desta forma, ninguém cumpre em regime fechado, mais de 40 anos. Porém, todos os benefícios relativos à execução penal devem estar relacionados à quantidade total de pena e não os 40 anos previstos para o efetivo cumprimento.[5]

4.1.4 – Livramento condicional

Livramento condicional é a possibilidade de que tem o condenado que já cumpriu certo tempo de pena privativa de liberdade de poder cumprir solto o período restante, mediante determinadas condições que consistem em determinados requisitos objetivos (relativos ao crime) e requisitos subjetivos (relativos ao agente).

Com a alteração promovida pela Lei 13.964/2019, o art. 83, do Código Penal passou a ter a seguinte redação: “O juiz poderá conceder livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, desde que:” (o caput e os incisos I e II permanecem inalterados)

III – comprovado:

  1. a) bom comportamento durante a execução da pena;
  2. b) não cometimento de falta grave nos últimos 12 (doze) meses;
  3. c) bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído; e
  4. d) aptidão para prover a própria subsistência mediante trabalho honesto;

Os incisos IV e V e o Parágrafo único, também permanecem inalterados

Em suma: há duas alterações relevantes trazidas no contexto do livramento condicional: (1) fixa-se no inciso III, a, a exigência de bom comportamento, substituindo o comportamento satisfatório durante a execução da penal; (2) estabelece-se, no inciso III, b, a exigência do não cometimento de falta grave nos últimos 12 meses. Assim, o livramento condicional fica em consonância com o art. 112 da Lei de Execução Penal e com a jurisprudência majoritária que indica justamente essa condição (do não cometimento de falta grave nos últimos 12 meses) para a obtenção do livramento condicional.

4.1.5 – Efeitos da condenação

Efeitos da condenação são todas as consequências que, direta ou indiretamente, recaem sobre a pessoa do condenado por sentença penal transitada em julgado. Resumidamente, eles podem ser efeitos principais e secundários: (a) Efeitos principais: cumprimento de pena privativa de liberdade, restritiva de direitos, de multa, de medida de segurança e do período de prova da suspensão condicional da pena; (b) Efeitos secundários (reflexos ou acessórios) podem ainda ser genéricos (elencados no art. 91 do CP) e específicos (elencados no art. 92 do CP).

São exemplos de efeitos secundários da condenação: obrigação de reparação civil do dano causado pelo crime; confisco de instrumentos do crime, produto ou proveito do delito; perda de cargo, função pública ou mandato eletivo; incapacidade para exercer o poder familiar; inabilitação para dirigir veículo quando usado como meio para cometer a prática de crime doloso.

Com a finalidade de combater o enriquecimento ilícito, introduziu-se pela Lei 13.964/2019, o art. 91-A, do Código Penal, com a seguinte redação:

Art. 91-A. Na hipótese de condenação por infrações às quais a lei comine pena máxima superior a 6 (seis) anos de reclusão, poderá ser decretada a perda, como produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito.

  • 1º Para efeito da perda prevista no caput deste artigo, entende-se por patrimônio do condenado todos os bens:

I – de sua titularidade, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício direto ou indireto, na data da infração penal ou recebidos posteriormente; e

II – transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, a partir do início da atividade criminal.

  • 2º O condenado poderá demonstrar a inexistência da incompatibilidade ou a procedência lícita do patrimônio.
  • 3º A perda prevista neste artigo deverá ser requerida expressamente pelo Ministério Público, por ocasião do oferecimento da denúncia, com indicação da diferença apurada.
  • 4º Na sentença condenatória, o juiz deve declarar o valor da diferença apurada e especificar os bens cuja perda for decretada.
  • 5º Os instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações criminosas e milícias deverão ser declarados perdidos em favor da União ou do Estado, dependendo da Justiça onde tramita a ação penal, ainda que não ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, nem ofereçam sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos crimes.

Tradicionalmente, no Direito Penal brasileiro, o alcance do confisco sempre foi limitado aos instrumentos do crime e ao produto do crime (ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso). Com o dispositivo supra, inserido pela Lei 13.964/2019, buscou o legislador, corretamente, combater o enriquecimento ilícito, com o instituto conhecido como confisco alargado ou ampliado.[6]

4.1.6 – Causas impeditivas da prescrição

Prescrição penal é a perda da pretensão punitiva ou executória do Estado, em face de determinado criminoso, pelo decurso do tempo previsto em lei, sem o seu exercício. A prescrição é uma das causas de extinção da punibilidade (CP, art. 107, V) e está prevista no art. 109 e seguintes do Código Penal.

A punibilidade compreende duas pretensões do Estado: (a) pretensão punitiva – que consiste no direito do Estado de exigir a condenação do infrator penal, aplicando-lhe a pena que a lei violada prevê em abstrato; (b) pretensão executória – que consiste no direito do Estado de executar a pena que foi concretamente aplicada na condenação do infrator.

A pretensão punitiva do Estado inicia-se, em regra, da data do crime e termina com o trânsito em julgado definitivo da sentença condenatória. A pretensão executória, por sua vez, inicia-se com o trânsito em julgado definitivo  da sentença condenatória e termina com o efetivo cumprimento da pena ou com a extinção da punibilidade.

Durante os referidos lapsos temporais, pode ocorrer: (a) causas impeditivas (ou suspensivas) que susta o prazo prescricional, durante um certo período, retomando-se, depois, do ponto em que parou a contagem, ou seja, o prazo volta a correr pelo tempo restante, aproveitando-se o tempo decorrido anteriormente. As causas impeditivas estão previstas no art. 116 do CP e em leis especiais; (b) causas interruptivas que interrompem o prazo prescricional, ou seja, precisa ser reiniciado do zero, desprezando-se o tempo já decorrido. As causas interruptivas estão previstas no art. 117 do CP e em leis especiais.

Com a alteração promovida pela Lei 13.964/2019, acrescentou-se duas outras causas impeditivas da prescrição, inseridas nos incisos III e IV, do artigo 116, do Código Penal.

No inciso III, prevê-se uma das novas causas impeditivas da prescrição “na pendência de embargos de declaração ou de recursos aos Tribunais Superiores, quando inadmissíveis” Somente esta causa já assegura, para a maioria dos casos criminais, o afastamento da impunidade gerada pela prescrição, quando a defesa promove todos os recursos legalmente possíveis, protelando ao máximo o respectivo trânsito em julgado, justamente para provocar a extinção da punibilidade pelo advento da prescrição.

Desta forma, a partir da vigência da Lei 13.964/2019, prolatada a sentença condenatória e havendo embargos de declaração, se forem estes considerados inadmissíveis, a prescrição fica suspensa entre a data da sentença e a data da decisão sobre os embargos. Da mesma forma, prolatado o acórdão, havendo embargos, se inadmissíveis, a prescrição também fica suspensa.

O mesmo procedimento se aplica com os recursos aos Tribunais Superiores, notadamente o recurso especial (STJ) e o recurso extraordinário (STF), em hipóteses nas quais esses instrumentos processuais são claramente procrastinatórios. Assim, havendo recurso, se inadmissíveis, a prescrição também fica suspensa.

No inciso IV, prevê-se a outra nova causa impeditiva da prescrição “enquanto não cumprido ou não rescindido o acordo de não persecução penal”. Acordo de não persecução penal, disciplinado pelo art. 28-A, do Código de Processo Penal, é um instrumento jurídico formalizado por escrito e firmado pelo Ministério Público, pelo investigado e pelo seu defensor cabível nas infrações penais praticadas sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, devidamente homologado pelo juízo competente. Assim, de acordo com o disposto legal, em estudo, a persecução penal fica suspensa durante a vigência do acordo de não persecução penal como também fica suspensa a prescrição penal durante esse período.

4.1.7 – Homicídio qualificado

Homicídio é a eliminação da vida humana extrauterina praticada por outra pessoa. Se a conduta for praticada pela mesma pessoa, o fato é atípico (suicídio); se for eliminação da vida intrauterina, o crime praticado é aborto.

O direito à vida está expresso na Declaração Universal dos Direitos Humanos[7] (ONU, 1948) e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos[8] (Pacto de São José da Costa Rica – 1969), promulgada em nosso país pelo Decreto 678, de 9 de novembro de 1992. A Constituição Federal[9] garante a inviolabilidade do direito à vida, a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil.

São espécies de homicídio: (a) Doloso – que pode ser simples (CP, art. 121, caput), privilegiado (§ 1º) e qualificado (§ 2º); (b) Culposo – que pode ser simples (§ 3º), qualificado (§ 4º) praticado na direção de veículo automotor (Lei 9.503/1997, art. 302).

Homicídio simples é a modalidade básica do delito em que a pena não é nem aumentada nem diminuída, em razão da ausência  de circunstâncias[10] que o tornaria privilegiado ou qualificado. Pena – reclusão, de 6 a 20 anos – (CP, art. 121, caput).

Homicídio privilegiado é aquele que a lei acrescenta alguma circunstância ao tipo básico, para diminuir a pena. Na realidade não se trata de nenhum privilégio e, sim, de uma causa de diminuição de pena, pois, neste caso, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço – (CP, art. 121, § 1º).

Homicídio qualificado é aquele que a lei acrescenta alguma circunstância ao tipo básico para aumentar a pena. Em todos os casos, a pena passa a ser reclusão, de 12 a 30 anos – (CP, art. 121, § 2º). O homicídio qualificado é crime hediondo, qualquer que seja a qualificadora – (Lei 8.072/1990, art. 1º I, última parte).

Com a alteração promovida pela Lei 13.964/2019, inseriu-se no art. 121, § 2º, do Código Penal, uma nova qualificadora, prevista, então, no seguinte inciso: VIII – com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido.

Trata-se de uma norma penal em branco, complementada pela Lei 10.826/2003 (Lei de Armas de Fogo) e por outros atos normativos, tais como: Decreto 9.845/2019 (trata da aquisição, cadastro, registro e posse de armas de fogo e munição); Decreto 9.846/2019 (dispõe sobre o registro, cadastro e aquisição de armas e de munições por caçadores, colecionadores e atiradores); Decreto 9.847/2019 (dispõe sobre a aquisição, cadastro, registro, porte e comercialização de armas de fogo e de munição e sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm – e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas – Sigma) e Decreto 10.030/2019 (aprova o Regulamento de Produtos Controlados).

Resumidamente, podemos fazer a seguinte distinção: (a) arma de fogo de uso restrito – são as armas de fogo automáticas, de qualquer tipo ou calibre, semiautomáticas ou de repetição que não sejam portáteis ou de projéteis de alma raiada[11]; (b) armas de fogo de uso proibido – são as armas de fogo dissimuladas, com aparência de objetos inofensivos.

Esse inciso, objeto do presente estudo, inserido pela Lei 13.964/2019, foi inicialmente vetado pelo Presidente da República. Entretanto, o Congresso Nacional derrubou (corretamente) o referido veto, resultando na implementação de mais uma qualificadora no crime de homicídio: com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido – (CP, art. 121, § 2º, VIII).

Caso o referido veto tivesse sido mantido, terminaria por atenuar a pena do mau agente de segurança, que mata em situação ilícita, como também de todos os agentes criminosos que se valem dessas armas para atingir a polícia e a população em geral. Além disso, muitos delinquentes disputam espaços de tráfico de drogas com muita violência, matando uns aos outros, na maioria das vezes, com o emprego de armas de fogo de uso restrito ou proibido.[12]

4.1.8 – Crimes contra a honra

Inúmeros são os conceitos de honra, podendo, porém, ser simplesmente entendida como sendo o “o conjunto de atributos físicos (como a sanidade mental e a força física), morais (como a honestidade, a lealdade e o altruísmo) e intelectuais (como a inteligência e a cultura) que concorrem para determinar o valor da pessoa humana perante si mesma e diante da sociedade”[13]

A honra, como um conjunto de atributos, pode ser dividida em: (a) honra objetiva – é o sentimento que o grupo social tem a respeito dos atributos físicos, morais e intelectuais de alguém, ou seja, é o que os outros pensam a respeito do sujeito; (b) honra subjetivo – é o sentimento que cada um tem a respeito de seus próprios atributos, ou seja, é o juízo que se faz de si mesmo, o seu amor-próprio, sua autoestima.

Pelo Código Penal os crimes que protegem a honra são: calúnia (art. 138), difamação (art. 139) e injúria (art. 140), sendo que a calúnia e a difamação protegem a honra objetiva e a injúria, a honra subjetiva. Esses crimes são de natureza subsidiária ou residual que, em razão do princípio da especialidade, somente serão aplicados quando o fato não estiver tipificado por leis especiais, tais como o Código Eleitoral (Lei 4.737/1965, arts. 324, 325 e 326) e no Código Penal Militar (Decreto-lei 1.001/1969, arts. 214, 215 e 216).

Constitucionalmente, a honra é um bem considerado inviolável, pelo que dispõe expressamente o texto maior: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente da sua violação” (CF, art. 5º X).

Com a alteração promovida pela Lei 13.964/2019, inseriu-se o § 2º ao art. 141, do Código Penal (que prevê as disposições comuns dos crimes contra a honra), uma nova causa de amento de pena, com a seguinte redação: “Se o crime é cometido ou divulgado em quaisquer modalidades das redes sociais da rede mundial de computadores, aplica-se em triplo a pena”.

Esse referido parágrafo, objeto do presente estudo, inserido pela Lei 13.964/2019, foi inicialmente vetado pelo Presidente da República. Entretanto, o veto foi derrubado (corretamente) pelo Congresso Nacional, resultando na implementação de mais uma causa de aumento de pena, no triplo, quando qualquer dos crimes contra a honra – calúnia, difamação ou injúria – é praticado com a utilização de rede social da internet, como, por exemplo, o Twitter, Facebook, Instagram, WhatsApp, Telegram etc. – (CP, art. 141, § 2º).

4.1.9 – Roubo

O crime de roubo possui duas figuras típicas simples: (a) Roubo próprio – consiste no fato de “Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência” (CP, art. 157, caput); (b) Roubo impróprio – consiste no fato de o sujeito que “logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro” (CP, art. 157, § 1º).[14]

Além das duas figuras simples do crime de roubo (CP, art. 157, caput e § 1º), estão previstas: (a) as causas de aumento de pena de um terço até metade (§ 2º, incisos I a VII); (b) causas de aumento de pena de dois terços (§ 2º-A, incisos I e II); (c) causa de aumento em que a pena se aplica em dobro (§ 2º-B); (d) figuras qualificadas (§ 3º, incisos I e 2).

Com a alteração promovida pela Lei 13.964/2019, inseriu-se no Código Penal: (a) uma nova causa de aumento de pena de um terço até metade: “se a violência ou grave ameaça é exercida com emprego de arma branca” (CP, art. 157, § 2º, VII); (b) uma nova causa de aumento em que a pena se aplica em dobro, “Se a violência ou grave ameaça é exercida com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido” (CP, art. 157, § 2º-B).

O crime de roubo, em regra, não é crime hediondo, exceto quando circunstanciado pela restrição da liberdade da vítima (art. 157, § 2º, V) ou pelo emprego de qualquer arma de fogo (art. 157, § 2º-A, I) ou pelo emprego de arma de uso proibido ou restrito (art. 157, § 2º-B), ou então se qualificado pelo resultado lesão corporal grave ou morte (art. 157, § 3º). E o que se extrai da lei de crimes hediondos (Lei 8.072/1990, art. 1º, II).

4.1.9.1 – Primeira causa de aumento inserida: prevê uma causa de aumento de pena de um terço até metade “se a violência ou grave ameaça é exercida com emprego de arma branca” (CP, art. 157, § 2º, VII).

O conceito de arma branca é obtido por exclusão, ou seja, considera-se arma branca aquela que não é arma de fogo[15]. Arma branca pode ser: (a) própria – quando produzida para ser utilizada para ataque ou defesa, tal como o punhal, a espada, o soco-inglês, dentre outras; (b) imprópria – quando produzida para variadas finalidades, sem a característica exclusiva de ser utilizada para ataque ou defesa, embora possa servir para isso, como o martelo, a chave de fenda, o machado, a faca de cozinha, dentre outros instrumentos.

O porte de arma branca, por si só, constitui contravenção penal: “Trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade” (Lei das Contravenções Penais – Decreto-lei 3.688/1941, art. 19). O referido dispositivo não se refere à arma branca, mas a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido da possibilidade de tipificação da conduta de porte de arma branca como contravenção penal.

No entanto, quando o roubo é praticado com o emprego de arma branca, ao agente será imputado unicamente o delito em estudo, tipificado no art. 157, § 2º, VII, que absorve a referida contravenção penal de acordo com o princípio da consunção.[16]

4.1.9.2 – Segunda causa de aumento inserida: prevê uma nova causa de aumento em que a pena se aplica em dobro “Se a violência ou grave ameaça é exercida com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido” (CP, art. 157, § 2º-B).

Trata-se de uma norma penal em branco, complementada pela Lei 10.826/2003 (Lei de Armas de Fogo) e por outros atos normativos, tais como: Decreto 9.845/2019 (trata da aquisição, cadastro, registro e posse de armas de fogo e munição); Decreto 9.846/2019 (dispõe sobre o registro, cadastro e aquisição de armas e de munições por caçadores, colecionadores e atiradores); Decreto 9.847/2019 (dispõe sobre a aquisição, cadastro, registro, porte e comercialização de armas de fogo e de munição e sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm – e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas – Sigma) e Decreto 10.030/2019 (aprova o Regulamento de Produtos Controlados).

Conforme já estudado, resumidamente, podemos fazer a seguinte distinção: (a) arma de fogo de uso restrito – são as armas de fogo automáticas, de qualquer tipo ou calibre, semiautomáticas ou de repetição que não sejam portáteis ou de projéteis de alma raiada[17]; (b) armas de fogo de uso proibido – são as armas de fogo dissimuladas, com aparência de objetos inofensivos.

Desta forma, se a violência ou grave ameaça for exercida com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido, a pena prevista no caput – reclusão, de 4 a 10 anos, e multa – será aplicada em dobro.[18]

As causas de aumento e diminuição de pena (circunstâncias legais específicas), são consideradas na terceira fase da fixação (ou dosimetria) da pena e a quantidade de aumento ou diminuição está expressamente fixada pelo legislador e, assim, não depende do critério do juiz. Se essas causas estiverem previstas na Parte Geral do Código Penal (do art. 1º ao 120), todas serão de aplicação obrigatória; se estiverem previstas na Parte Especial (do art. 121 ao 361), aplica-se só o maior aumento ou só a maior diminuição (CP, art. 68, parágrafo único). Todavia, nesta fase, a pena pode ficar tanto abaixo do mínimo quanto acima do máximo cominado.

4.1.10 – Estelionato

O crime de estelionato, consiste no fato de o agente “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa” (CP, art. 171, caput).

Na execução do estelionato, a fraude pode ser praticada por meio de: (a) artifício (meio material – truque, dissimulação), como, por exemplo, o conto do bilhete premiado ou venda de bijuteria como se fosse ouro; (b) ardil (meio moral – manha, astúcia), como, por exemplo, quando o agente se faz passar por um representante de uma instituição de caridade; (c) qualquer outro meio fraudulento, como, por exemplo, o silêncio daquele que tem o dever de alertar ou dizer a verdade para que a vítima não seja induzida ou mantida em erro.

De qualquer forma, o meio escolhido deve ser idôneo para enganar a vítima, levando em conta as condições do caso concreto, caso contrário, caracteriza o crime impossível e, desta forma, não se pune nem a tentativa – (CP, art. 17).

O delito de estelionato antes do pacote anticrime, era, em regra, de ação penal pública incondicionada, cujo oferecimento da denúncia para iniciar a ação penal não dependia de qualquer condição de procedibilidade. Entretanto, com a alteração promovida pela Lei 13.964/2019, a ação penal do delito em estudo passou a ser, em regra, condicionada à representação, salvo em ralação às vítimas abaixo mencionadas, onde a ação penal continua sendo pública incondicionada (CP, art. 171, § 5°, I a IV).

Assim, dispõe o § 5º do art. 171, do Código Penal: “Somente se procede mediante representação, salvo se a vítima for:

I – a Administração Pública, direta ou indireta: (a) Administração Pública direta é o conjunto de órgãos ligados diretamente ao Poder Executivo, em nível federal (Presidência da República e seus ministérios, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal), estadual (Governo estadual e suas secretarias, Assembleia legislativa, Ministério Público Estadual e Tribunal de Justiça) e municipal (Prefeitura e suas secretarias, Câmara dos Vereadores e o procurador do município); (b) Administração Pública indireta é o conjunto de órgãos que prestam serviços públicos e estão vinculados a uma entidade da administração direta, mas possuem personalidade jurídica própria, ou seja, têm CNPJ próprio (autarquias[19], fundações públicas[20], empresas públicas[21], sociedade de economia mista[22]).

II – criança ou adolescente: considera-se criança, para os efeitos do Estatuto da Criança e do Adolescente, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade (ECA, Lei 8.069/1990, art. 2º, caput).

III – pessoa com deficiência mental: são as pessoas com autismo, esquizofrenia, transtornos psicóticos e outras limitações psicossociais que impedem a sua plena e efetiva participação na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas[23]; ou

IV – maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz: quanto ao incapaz, entendemos que deve ser aplicado o conceito do absolutamente incapaz, de acordo com a legislação civil, que dispõe: “São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos” – Código Civil – Lei 10.406/2002, art. 3º).

Cabe observar que o não oferecimento da representação no prazo legal leva à extinção da punibilidade, em razão da decadência (CP, art. 107, IV). Desta forma, surge a seguinte questão: A nova sistemática da ação penal no crime de estelionato deve ou não retroagir, visando alcançar os procedimentos investigatórios e os processos em curso antes da entrada em vigor da Lei 13.964/2019? Há posições divergentes:

Em que pese as posições em sentido contrário, mesmo tratando-se de norma de natureza penal mista (penal e processual), entendemos ser inaplicável a retroatividade do § 5º, do art. 171, do Código Penal, às hipóteses onde o Ministério Público tiver oferecido a denúncia antes da entrada em vigor da Lei 13.964/2019, uma vez que naquele momento a norma processual em vigor definia a ação para o delito de estelionato como pública incondicionada, cujo oferecimento da denúncia para iniciar a ação penal não depende de qualquer condição de procedibilidade.

4.1.11 – Concussão

O crime de concussão consiste no fato de o agente “Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.” (CP, art. 316, caput). São quatro os elementos que integram o delito: (a) a conduta de exigir para si ou para outrem; (b) direta ou indiretamente; (c) ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela; (d) vantagem indevida.

O crime de concussão (do latim concutere – verbo empregado quando se queria significar o ato de sacudir uma árvore para fazer cair os frutos). Segundo o conceito tradicional, trata-se de uma espécie de extorsão praticada pelo funcionário público, com abuso de autoridade, contra particular que cede ou vem a ceder em razão do temor de represálias por parte do agente (metus publicai potestatis).[24]

Distinção entre concussão e corrupção passiva: (a) Na concussão, o funcionário público exige a vantagem indevida e a vítima, temendo alguma represália, cede à exigência, em razão dos poderes inerentes ao cargo ocupado pelo agente. Pena (antes do pacote anticrime) – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa; (b) Na corrupção passiva (CP, art. 317), há uma mera solicitação da vantagem indevida. Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

Em suma: a principal diferença entre esses crimes reside no fato da existência ou não da coação, pois ela existe no primeiro, mas não existe no segundo. Assim, na concussão o funcionário público exige a vantagem indevida, havendo, portanto, uma ameaça, intimidação ou imposição; na corrupção passiva ele apenas solicita, recebe ou aceita promessa de tal vantagem.

Conclui-se que a concussão se caracteriza por um fato mais grave em relação à corrupção passiva e, por esse motivo, deveria ter uma pena mais elevada ou, ao menos equiparada, à da corrupção passiva. E foi exatamente o que aconteceu pela reforma promovida pela Lei 13.964/2019, elevando-se a pena do delito de concussão para reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa e, desta forma, restabelecendo-se o princípio da proporcionalidade das penas.

  1. Alterações no Código Penal promovidas por Leis Especiais

5.1 – Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação

5.1.1 – Introdução

A Lei 13.968/2019 alterou o art. 122 do Código Penal com a finalidade de incluir, além, do suicídio, as condutas de induzir ou instigar a automutilação, bem como a de prestar auxílio a quem a pratique.

Suicídio é a deliberada destruição da própria vida. Embora a vida seja um bem jurídico indisponível, o direito não pune aquele que, com sua conduta, tira ou tenta tirar aquilo que tem de mais precioso: sua própria vida. Assim, o suicídio consumado não é crime pela impossibilidade de aplicação de sanção penal, e na forma tentada, por razões de política criminal como também, em ambos os casos, pelo fato do suicida ser, na realidade, considerado vítima e não autor.

Automutilação (ou lesão autoprovocada intencionalmente) consiste em qualquer lesão intencional e direta dos tecidos do corpo provocada pela própria pessoa, sem que esta tenha a intenção de cometer suicídio. O motivo da inclusão da automutilação decorre do fenômeno denominado jogo da baleia azul que pelo qual, indutores ou instigadores, fomentam ideias suicidas ou de automutilação em vários jovens pelo mundo.

O referido jogo da baleia azul é capaz de levar os envolvidos a praticar a automutilação ou até mesmo atingir o suicídio. A baleia azul é encontrada nos oceanos Atlântico, Pacífico, Antártico e Índico e chega a procurar as praias para morrer, por vontade própria. Este jogo tem 50 níveis de dificuldade, sendo o suicídio o resultado maior.[25]

Observa-se que induzir, instigar ou auxiliar, constituem, em regra, atividades de partícipe. No crime de participação em suicídio ou a automutilação, essas atividades constituem o núcleo do tipo penal, ou seja, quem as pratica será autor ou coautor e não partícipe, de acordo com a concepção restritiva, onde autor é somente aquele que realiza a conduta típica.

Mesmo que o agente realize todas as condutas, responde por crime único, pois se trata de crime de ação múltipla ou de conteúdo variado. São as seguintes as condutas que constituem o núcleo do tipo penal, em estudo:

(a)    Induzir – consiste em fazer nascer, criar na mente de alguém, a ideia de autodestruição ou de autolesão até então inexistente. Desta forma, o agente indutor acaba, por qualquer meio, criando em alguém uma vontade que o leva ao suicídio ou a automutilação;

(b)    Instigar – consiste em reforçar, estimular uma ideia de autodestruição ou de autolesão já existente. O agente instigador provoca, por qualquer meio, a vontade já existente da vítima, mas não toma parte nem da execução nem do domínio do fato;

(c)    Auxílio – pressupõe a participação material ao suicídio ou à automutilação, de forma secundária, como, por exemplo, o fornecimento de veneno ou de qualquer objeto ou instrumento para a prática de autolesão, empréstimo do punhal, do revólver, a indicação de um local ideal para o suicídio ou a automutilação etc. Entendemos que o auxílio é sempre prestado por uma ação ou atividade positiva de fazer e, por isso, não é possível prestar o auxílio por omissão.

5.1.2 – Figuras típicas qualificadas

São aquelas em que a lei acrescenta alguma circunstância ao tipo básico com a finalidade de agravar a pena. No crime de participação em suicídio ou a automutilação, em estudo, existem duas figuras qualificadas, a saber:

(a)     Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima – Nos termos do § 1º, do art. 122, do Código Penal, a pena é de reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, “Se da automutilação ou da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 129 deste Código”.

Desclassificação para lesão corporal gravíssima em razão das qualidades da vítima: nos termos do § 6º, do art. 122, do Código Penal, se da automutilação ou da tentativa de suicídio que resulta lesão corporal natureza gravíssima (observa-se que não inclui a lesão de natureza grave) e o delito é cometido contra menor de 14 (quatorze) anos ou contra quem, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, o agente não responde por este crime qualificado de participação em suicídio ou a automutilação (que tem pena prevista de reclusão, de 1 a 3 anos) e, sim, pelo crime de lesão corporal gravíssima (CP, art. 129, § 2º), cuja pena é sensivelmente superior: reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.

(b)      Se resulta morte em razão do suicídio ou da automutilação – Nos termos do § 2º, do art. 122, do Código Penal, a pena é de reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, “Se o suicídio se consuma ou se da automutilação resulta morte”.

Desclassificação para homicídio em razão das qualidades da vítima: nos termos do § 7º, do art. 122, do Código Penal, se o suicídio se consuma ou se da automutilação resulta morte e o delito é cometido contra menor de 14 (quatorze) anos ou contra quem não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, o agente não responde por este crime qualificado de participação em suicídio ou a automutilação (que tem pena prevista de reclusão, de 2 a 6 anos) e, sim, pelo crime de homicídio (CP, art. 121), cuja pena é sensivelmente superior: reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos.

5.1.3 – Causas de aumento de pena

No crime de participação em suicídio ou a automutilação, em estudo, existe e a possibilidade de três aumentos de pena, aplicados distintamente em diversas causas de aumento, a saber:

 

Primeira causa de aumento de pena: Nos termos do § 3º, do art. 122, do Código Penal, “a pena é duplicada: I – se o crime é praticado por motivo egoístico, torpe ou fútil; II – se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência”.  Verifica-se, então, as seguintes hipóteses:

(a)   Motivo egoístico – entende-se o motivo que decorre do exclusivismo que faz o sujeito referir tudo a si próprio, sem consideração aos interesses alheios . Exemplo: agente induz a vítima ao suicídio para ficar com a sua herança, com seu cargo, com sua esposa, para receber o seguro de vida etc. Guilherme de Souza Nucci define o motivo egoístico como sendo o de “excessivo apego a si mesmo, o que evidencia o desprezo pela vida alheia, desde que algum benefício concreto advenha ao agente”.[26]

(b)   Motivo torpe – é aquele baixo, desprezível (que inspira horror do ponto de vista moral) e repugnante que deixa perplexa a coletividade.

(c)   Motivo fútil – é aquele insignificante, banal, sem importância, totalmente desproporcional em relação ao crime praticado.

(d)   Vítima menor – quando a lei fala de vítima menor, está se referindo àquela maior de 14 anos e menor de 18 anos, que ainda não atingiram a maioridade penal (CP, art. 27). Se a vítima for menor de 14 anos, haverá presunção da sua incapacidade de discernimento.

(e)   Vítima com diminuída capacidade de resistência – em razão de enfermidade física ou mental (vítima embriagada, sob o efeito de tóxicos, angustiada, deprimida, com idade avançada, com algum tipo de enfermidade grave etc.)

É necessário que a capacidade de resistência da vítima esteja somente diminuída. Exemplo: sujeito induz ao suicídio alguém embriagado. Entretanto, se a vítima tiver totalmente sem capacidade de discernimento e resistência, estará configurado o crime de homicídio e não de participação em suicídio ou a automutilação qualificada.

Segunda causa de aumento de pena: Nos termos do § 4º, do art. 122, do Código Penal, “A pena é aumentada até o dobro se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social ou transmitida em tempo real”. Verifica-se, então, as seguintes hipóteses:

(a)   Rede de computadores – neste caso, o agente pratica a conduta típica por meio de um conjunto de dois ou mais computadores que usam determinadas regras (protocolo) em comum para compartilhar, especialmente, a troca de mensagens entre si, utilizando-se de uma conexão por meio de fio de cobre, fibra ótica, ondas de rádio ou também via satélite. Exemplos: a internet; a intranet de uma empresa; uma rede local doméstica etc.

(b)   Rede social – é uma estrutura social composta por pessoas ou organizações, conectadas por um ou vários tipos de relações, que compartilham valores e objetivos comuns. Uma das fundamentais características na definição das redes é a sua abertura, possibilitando relacionamentos horizontais e não hierárquicos entre os participantes. Exemplos: Facebook, YouTube, WhatsApp, Messenger, Instagram, Twitter, Snapchat, LinkedIn etc.

(c)   Transmitida em tempo real – é uma expressão utilizada na reportagem, no meio televisivo ou radiofónico para indicar que um programa ou evento está sendo transmitido em tempo real, simultaneamente enquanto ocorre. No caso do delito em estudo, o agente se utiliza de qualquer meio de comunicação (falado ou escrito) para praticar a conduta delituosa em tempo real.

Terceira causa de aumento de pena: Nos termos do § 5º, do art. 122, do Código Penal, “Aumenta-se a pena em metade se o agente é líder ou coordenador de grupo ou de rede virtual”.  Verifica-se, então, as seguintes hipóteses:

(a)   Líder ou coordenador –  é o indivíduo que tem autoridade para comandar ou coordenar outros, ou seja, é a pessoa cujas ações e palavras exercem influência sobre o pensamento e comportamento de outras.

(b)   Grupo ou rede virtual – é um espaço específico na Internet que permite compartilhar, aos respectivos participantes, dados e informações sendo estas de caráter geral ou específico, das mais diversas formas (textos, arquivos, imagens, fotografias, vídeos etc.).

5.1.4 – Observações e casos especiais

(a)     Automutilação – também conhecida como autolesão, não é punida pelas mesmas razões de política criminal em relação ao suicídio, ou seja, não comete crime o sujeito que ofende a própria integridade corporal. Entretanto, a conduta de se auto lesionar, dependendo do propósito do agente, pode ser meio de execução utilizado pelo mesmo para praticar outros crimes.

Assim, se o agente lesa o próprio corpo, ou agrava as consequências da lesão existente, com a finalidade de receber indenização ou valor de seguro, responde por estelionato (CP, art. 171, § 2º, V). Se o agente cria ou simula incapacidade física que o inabilite para o serviço militar, responde pelo crime de criação ou simulação de incapacidade física, previsto no art. 184, do Código Penal Militar (Decreto-lei nº 1.001/1969).

(b)   Greve de fome – especialmente dentro do sistema prisional, o médico tem o dever de zelar pela vida do grevista de fome, ou seja, ele está na posição de garantidor, onde sua omissão o fará responder pela morte do grevista (CP, art. 13, § 2º).

Assim, chegará o momento em que a intervenção médica para ministrar alimentação ou medicamento se torna inevitável para que o grevista não venha morrer ou sofrer lesões irreversíveis. Neste caso, a coação exercida pelo médico para impedir o suicídio do grevista não caracteriza o crime de constrangimento ilegal (CP, art. 146, § 3º, I).

Situação análoga ocorre com as testemunhas de Jeová que, por motivos religiosos, são contra as transfusões de sangue. Assim, a transfusão determinada pelo médico, quando necessária para salvar a vida do paciente, também não caracterizará o crime de constrangimento ilegal (CP, art. 146, § 3º, II).

 

(c)   Pacto de morte – também chamado de suicídio a dois, ocorre quando duas pessoas combinam, por qualquer razão, o duplo suicídio e, para tanto, ficam em um cômodo da casa hermeticamente fechado, com o gás de cozinha aberto. Entretanto, se um ou ambos sobreviverem, teremos as seguintes situações:

Se um sobrevive e foi ele quem abriu o gás, responde pelo crime de homicídio (CP, art. 121), pois realizou o ato executório de matar. Se um sobrevive e não foi ele quem abriu o gás, responde pelo crime de participação em suicídio ou a automutilação (CP, art. 122);

Se os dois sobrevivem, havendo lesão de natureza grave: quem abriu o gás responde por homicídio tentado (CP, art. 121, caput c/c art. 14, II), e quem não abriu responde pelo crime de participação em suicídio ou a automutilação (CP, art. 122);

Se os dois sobrevivem, e não há lesão de natureza grave: quem abriu o gás responde por homicídio tentado (CP, art. 121, caput c/c art. 14, II), e quem não abriu pelo crime de participação em suicídio ou a automutilação (CP, art. 122). Se os dois sobrevivem e ambos abriram a torneira do gás: ambos respondem por homicídio tentado (CP, art. 121, caput c/c art. 14, II).

(d)   Duelo americano ou roleta russa – no duelo americano existem duas armas e só uma delas está carregada e os agentes escolhem uma delas; na roleta russa, a única arma tem um só projétil, devendo ser disparada pelos agentes cada um em sua vez. Nestes casos, o sobrevivente responde pelo crime de participação em suicídio ou a automutilação (CP, art. 122).

(e)   Erro na execução ou aberratio ictus  – ocorre quando o agente pretende atingir determinada pessoa, efetua o golpe, mas, por má pontaria ou qualquer outro motivo, acaba atingindo pessoa diversa da que pretendia. Assim, se um suicida dispara uma arma sobre si mesmo e acaba errando, atingindo e matando uma terceira pessoa, responde pelo crime de homicídio culposo (CP, art. 121, § 3º).

5.1.5 – Competência e anomalia jurídica

Em que pese a boa vontade do legislador, a nova figura típica (Induzimento, instigação ou auxílio a automutilação) acabou caracterizando uma anomalia jurídica porque ficou situada em local topograficamente inadequado do Código Penal, ou seja, entre os “crimes contra a vida”, pois, o correto, seria ao menos ficar como uma variante no capítulo das Lesões Corporais, cuja competência é do juízo singular.

O bem jurídico protegido é a vida (no caso de suicídio) e a integridade corporal (no caso da automutilação). Desta forma, se a conduta do agente consiste em induzir, instigar ou prestar auxílio material ao suicídio, a competência é do Tribunal do Júri que julga os crimes dolosos contra a vida (homicídio, induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, infanticídio e aborto), na forma tentada ou consumada (CF, art. 5º, XXXVIII, alínea d, c/c CPP, art. 74, § 1º).

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BECCARIA, Cesare Bonesana, Marquês de. Dos Delitos e das Penas. Tradução de Lucia Guidicini e Alessandro Berti Contessa. São Paulo: Martins Fontes, 2ª ed., 2000.

HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal – Volume IX. Rio de Janeiro: Forense, 2ª ed., 1959.

MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Infanticídio e a morte culposa do recém-nascido. Campinas, SP: Millenium Editora, 2004.

MASSON, Cleber. Direito Penal – Parte Geral – Volume 1. Rio de Janeiro: Método, 16ª ed., 2022.

____ . Direito Penal – Parte Especial – Volume 2. Rio de Janeiro: Método, 15ª ed., 2022.

____ . Direito Penal – Parte Especial – Volume 3. Rio de Janeiro: Método, 12ª ed., 2022.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. Rio de Janeiro: Forense, 22ª ed., 2022.

____ . Pacote Anticrime Comentado: Lei 13.964, de 24.12.2019. Rio de Janeiro: Forense, 2ª ed., 2021

 

 

 

 

[1].       BECCARIA, Cesare Bonesana, Marquês de. Dos Delitos e das Penas. Tradução de Lucia Guidicini e Alessandro Berti Contessa. São Paulo: Martins Fontes, 2ª ed., 2000, p. 92.

[2].       Na redação original do Código Penal de 1940, a falsidade em prejuízo da nacionalização de sociedade estava prevista no art. 311. Em razão das modificações introduzidas pela Lei 9.426/1996, especialmente pela criação do crime de adulteração de sinal identificador de veículo automotor, o delito foi transferido para o art. 310, porém, o legislador se esqueceu de repetir seu nomen iuris.

[3].       Liminar do Supremo Tribunal Federal: Na Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.299-DF, o Ministro Luiz Fux, em 22.01.2020, suspendeu a vigência dos arts. 3º-A a 3º-F, todos relacionados à nova figura do juiz das garantias. Assim, os referidos artigos estão suspensos, por prazo indeterminado, até que o mérito da causa seja avaliado pelo Plenário do STF.

[4].       Disponível em: https://jornal.usp.br/atualidades/brasileiros-vivem-em-media-30-anos-a-mais-que-em-1940/ – publicado em 11.12.2019, acesso em 01 de abril de 2022.

[5].       NUCCI, Guilherme de Souza. Pacote Anticrime Comentado: Lei 13.964, de 24.12.2019. Rio de Janeiro: Forense, 2ª ed., 2021, pp. 14-15.

[6].       MASSON, Cleber. Direito Penal – Parte Geral – Volume 1. Rio de Janeiro: Método, 16ª ed., 2022, p. 735.

[7].       Declaração Universal dos Direitos Humanos, ONU, 1948. Art. III – “Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”.

[8].       Convenção Americana dos Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), 1969. Art. 4º- 1. “Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente”.

[9].       Constituição Federal de 1988 – “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”. Art. 5º caput: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos:”.

[10].     Circunstância é todo dado acessório (não essencial) que, agregado à figura típica fundamental (ou figura simples), tem a função de aumentar ou diminuir as consequências jurídicas do crime, em especial a pena. As circunstâncias são objetivas, quando relacionadas ao crime; ou subjetivas, quando relacionadas ao agente.

[11].     Nas armas de alma raiada há, na parte interna do cano, estrias helicoidais que fazem com que os projéteis girem em torno do próprio eixo. Essas estrias permitem que o projétil saia girando da arma, detalhe que ajuda a alcançar maiores distâncias com muita precisão.

[12].     NUCCI, Guilherme de Souza. Pacote Anticrime Comentado: Lei 13.964, de 24.12.2019. Rio de Janeiro: Forense, 2ª ed., 2021, p. 26.

[13].     MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Infanticídio e a morte culposa do recém-nascido. Campinas, SP: Millenium Editora, 2004, p. 60.

 

[14].     A distinção entre o roubo próprio e impróprio reside no momento em que o agente emprega a grave ameaça ou violência contra a pessoa: (a) no roubo próprio a grave ameaça ou violência é empregada antes ou durante a subtração; (b) no roubo impróprio, a violência ou grave ameaça contra a pessoa é empregada logo depois da subtração, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro.

[15].     Arma de fogo é um artefato que arremessa projéteis empregando a força expansiva dos gases gerados pela combustão de um propelente confinado em uma câmara que, normalmente, está solidária a um cano que tem a função de propiciar continuidade à combustão do propelente, além de direção e estabilidade ao projétil.

[16].     Princípio da consunção é aquele que se aplica, no conflito aparente de normas, quando o fato definido como crime é praticado na preparação, execução ou exaurimento de um outro crime mais grave. Por este princípio, o agente responde somente pelo crime mais grave que absorve o menos grave, ou seja, o crime-fim absorve o crime-meio;

[17].     Nas armas de alma raiada há, na parte interna do cano, estrias helicoidais que fazem com que os projéteis girem em torno do próprio eixo. Essas estrias permitem que o projétil saia girando da arma, detalhe que ajuda a alcançar maiores distâncias com muita precisão.

[18].     MASSON, Cleber. Direito Penal – Parte Especial – Volume 2. Rio de Janeiro: Método, 15ª ed., 2022, p. 443.

[19].     Autarquias são instituídas por lei, têm autonomia administrativa e financeira, mas estão sujeitas ao controle do Estado. São entidades de direito público e sua atividade fim é de interesse público. Exemplos: Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e o Banco Central do Brasil (BACEN).

[20].     Fundações públicas são criadas por lei e podem ser entidade de direito público ou privado. Sua atividade fim deve ser de interesse público e essas organizações não podem ter fins lucrativos. Exemplos: Fundação Nacional do Índio (FUNAI).

[21].     Empresas públicas são pessoas jurídicas de direito privado, criadas por autorização legal e administradas pelo poder público. O capital das empresas públicas é exclusivamente público. Essas empresas prestam serviço de interesse coletivo e exercem atividades econômicas. Exemplos: Correios e Caixa Econômica Federal.

[22].     Sociedade de economia mista são pessoas jurídicas de direito privado, criadas sob a forma de sociedade anônima e compostas por capital público e privado. A maior parte das ações dessas empresas são do Estado. Assim como as empresas públicas, prestam serviços públicos e exercem atividades econômicas. Exemplos: Banco do Brasil e Petrobras.

[23].     De um modo geral, “pessoa com deficiência: aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” – (Lei 10.098, art. 2º, III).

[24].     HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal – Volume IX. Rio de Janeiro: Forense, 2ª ed., 1959, p. 358.

 

[25].     NUCCI, Guilherme de Souza. Pacote Anticrime Comentado: Lei 13.964, de 24.12.2019. Rio de Janeiro: Forense, 2ª ed., 2021, p. 28.

[26].     NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. Rio de Janeiro: Forense, 22ª ed., 2022, p. 686.

 

Senado mantém veto a projeto de lei que privilegia reinserção familiar em detrimento da adoção

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O Senado Federal manteve o Veto 14/2021, com 44 votos a 15, em sessão na quinta-feira (17). No ano passado, o presidente Jair Bolsonaro barrou o Projeto de Lei 8.219/2014, originado no Projeto de Lei do Senado 379/2012, que visava alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/1990) para prever tentativas de reinserção familiar da criança ou do adolescente.

De acordo com o projeto do Senado, aprovado na Câmara dos Deputados em dezembro de 2019, a adoção de criança ou adolescente só seria concretizada após fracassadas as tentativas de reinserção familiar. Na mensagem de veto, Bolsonaro afirma que a proposta aumentaria, potencialmente, o prazo para adoção.

Ainda de acordo com o Presidente da República, as tentativas de reinserção familiar revitimizariam o adotando, comprometendo as chances de serem adotados em definitivo. Além disso, na justificativa de veto, ressaltou que a medida prejudicaria a construção de vínculos entre a família adotante e a criança.

IBDFAM apoia veto e enaltece manutenção pelo Senado

O Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, por meio de sua Comissão de Adoção, já havia se posicionado, no ano passado, a favor do veto e contra o referido projeto de lei. O entendimento é de que a proposta favorece o biologismo e prejudica a celeridade dos processos de adoção.

Em nota, o IBDFAM enalteceu a manutenção do veto pelo Senado. “Do contrário, estariam sendo corrompidos os princípios da prioridade absoluta e do melhor interesse da criança e do adolescente, insertos no artigo 227 da Constituição da República Federativa do Brasil, bem como estaria sendo desconsiderada a situação peculiar de especial estágio de desenvolvimento dos sujeitos de direitos – criança e adolescente.”

“Há que se registrar a profícua análise tanto do Governo Federal quanto do Congresso Nacional, que, por confirmarem o veto, voltaram a atenção para um problema crônico, fazendo com que fosse possível trabalhar para reduzir ao máximo os prazos para adoção”, prossegue a manifestação do IBDFAM.

Integridade física e psíquica de crianças e adolescentes

Para o Instituto, as diversas tentativas de reinserção a todo custo da criança ou adolescente em sua família biológica, em detrimento ao processo de adoção, “ofendem a integridade física e psíquica das crianças e adolescentes, em conflito com o disposto pelo artigo 227 da Constituição da República, tendo em vista que estes devem ser colocados a salvo de toda forma de negligência”.

“Além disso, as diversas tentativas podem afetar o trabalho dos profissionais e entidades afins que atuam junto ao acompanhamento da situação e a tomada de decisão quanto à reintegração familiar ou encaminhamento para adoção, afetando, ainda, o juízo de convencimento do juiz do caso, tendo em vista não restar claro a quantidade de tentativas a serem suficientes antes de tal decisão de remessa para adoção.”

Tudo isso contribuiria para a delonga dos processos de adoção. “As tentativas de reinserção familiar da criança ou do adolescente poderiam se tornar intermináveis, revitimizando o adotando a cada tentativa de retorno à família de origem, a qual pode comprometer as chances de serem adotados em definitivo.”

FONTE:  IBDFAM, 18 de março de 2022.

Pesquisa Pronta destaca divisão de bens em separação obrigatória e presunção de fraude à execução fiscal

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​A página da Pesquisa Pronta divulgou seis entendimentos do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Produzida pela Secretaria de Jurisprudência, a nova edição aborda, entre outros assuntos, a comunicação dos bens adquiridos durante o casamento no regime de separação legal ou obrigatória e a natureza da presunção da fraude à execução fiscal. 

O serviço tem o objetivo de divulgar as teses jurídicas do STJ mediante consulta, em tempo real, sobre determinados temas, organizados de acordo com o ramo do direito ou em categorias predefinidas (assuntos recentes, casos notórios e teses de recursos repetitivos).

Direito bancário – Operação de crédito 

Operações de crédito. Cobrança de tarifa antecipada. 

“Durante a vigência da Resolução CMN n. 2.303/1996 era lícita a cobrança pela prestação de quaisquer tipos de serviços pelas instituições financeiras, entre eles o de liquidação antecipada de operação de crédito, desde que efetivamente contratados e prestados, salvo àqueles considerados básicos. Em 8 de setembro de 2006 entrou em vigor a Resolução CMN n. 3.401/2006, que dispôs especificamente a respeito da possibilidade de cobrança de tarifas sobre a quitação antecipada de operações de crédito e arrendamento mercantil, matéria que até então vinha sendo disciplinada de maneira genérica pela Resolução CMN n. 2.303/1996. Somente com o advento da Resolução CMN n. 3.516, de 10 de dezembro de 2007, é que foi expressamente vedada a cobrança de tarifa em decorrência de liquidação antecipada de contratos de concessão de crédito e de arrendamento mercantil financeiro.”

AgInt no AREsp 326.312/RJ, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 26/09/2017, DJe 02/10/2017.

Direito civil – Família 

Comunicabilidade de bens adquiridos na constância do casamento por esforço comum. Regime de separação legal ou obrigatória. 

“No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição.”

AgInt nos EDcl no AgInt no AREsp 1.084.439/SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 03/05/2021, DJe 05/05/2021.

Direito tributário – Execução fiscal 

Natureza da presunção da fraude à execução fiscal. 

“[…] esta Corte Superior tem se manifestado sempre no sentido de que, mesmo na hipótese de sucessivas alienações, a presunção de fraude é ‘jure et de jure’, de modo que se mostra irrelevante, por força de lei, para a configuração da fraude à execução a existência ou não de boa-fé na conduta do último adquirente do bem alienado.”

AgInt no REsp 1.882.063/SC, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 12/04/2021, DJe 28/04/2021.

Direito tributário – imposto de renda 

Imposto de renda. Valores pagos a título de auxílio-transporte. 

“O STJ já se manifestou quanto à não incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte – IRRF sobre os valores pagos a título de férias-prêmio e de auxílio-transporte, em razão da natureza indenizatória de tais verbas.”

AgInt no AREsp 1.824.895/SP, Rel. Ministro Manoel Erhardt (Desembargador convocado do TRF5), Primeira Turma, julgado em 27/09/2021, DJe 29/09/2021.

Direito tributário – Tributos 

Crédito não tributário. Suspensão da exigibilidade a partir da apresentação da fiança bancária e do seguro garantia judicial. 

“De acordo com a jurisprudência do STJ, é cabível a suspensão da exigibilidade do crédito não tributário a partir da apresentação da fiança bancária e do seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento, porquanto essas modalidades de garantia equiparam-se a dinheiro.”

AgInt nos EDcl nos EDcl no AREsp 1.689.022/SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 14/02/2022, DJe 18/02/2022.

FONTE: STJ, 16 de março de 2022.

A perda do que nunca se teve: a evicção na jurisprudência do STJ

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O vocábulo “evicção” vem do latim evictio e significa desapossar judicialmente ou recuperar uma coisa. Para o direito civil, evicção é a perda de um bem por ordem judicial ou administrativa, em razão de um motivo jurídico anterior à sua aquisição.

Em outras palavras, é a perda de um bem pelo adquirente, em consequência de reivindicação feita pelo verdadeiro dono. Um exemplo de evicção se dá quando alguém vende um objeto e, posteriormente, descobre-se que ele não pertencia ao vendedor, mas a um terceiro.

Como explicou o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Paulo de Tarso Sanseverino, no Recurso Especial 1.342.345, a evicção, segundo os artigos 447 e seguintes do Código Civil, consiste na perda total ou parcial da propriedade de bem adquirido em virtude de contrato oneroso, por força de decisão judicial ou ato administrativo praticado por autoridade com poderes para a apreensão da coisa – por exemplo, um delegado de polícia ou a Receita Federal.

Segundo Sanseverino, além das hipóteses tradicionais de perda da coisa por decisão judicial, passou-se a reconhecer a ocorrência de evicção também nos casos de apreensão por ato administrativo praticado por autoridade com poderes para isso.

“A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se nesse sentido, exigindo apenas que a apreensão pela autoridade administrativa decorra de fato anterior à aquisição do bem”, afirmou.

Sobre os efeitos da evicção, Sanseverino observou que o artigo 450 do Código Civil estabelece que o adquirente que perdeu o bem pode postular as seguintes medidas: restituição integral do preço pago; indenização dos frutos que tiver sido obrigado a restituir; indenização pelas despesas dos contratos e demais prejuízos resultantes da evicção; e ressarcimento das despesas processuais com custas e honorários de advogado.

Nesta matéria, são apresentados alguns julgados do STJ que permitem compreender com mais clareza quando é possível falar de evicção, quais são as consequências desse instituto e qual é o prazo para pleitear eventual indenização pela perda do bem.

Restituição integral do valor 

A jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que o evicto, pela perda sofrida, tem o direito à restituição integral do valor do bem, calculado ao tempo em que dele foi desapossado – ou seja, ao tempo em que se evenceu.

Com base nesse entendimento, a Quarta Turma, por unanimidade, em setembro de 2020, negou o pedido para analisar recurso especial que defendia que a restituição correspondente a um imóvel, em decorrência do reconhecimento da evicção, considerasse o valor do negócio celebrado entre as partes litigantes, e não o preço de mercado apurado em perícia (AREsp 1.587.124).

No mesmo sentido, foram apreciados o AREsp 363.825 e o REsp 132.012, quando a corte concluiu que a pessoa condenada a fazer o ressarcimento deveria pagar ao evicto o valor do bem apurado no momento em que se deu a evicção, correspondente à perda sofrida, como preceitua o artigo 450, parágrafo único, do Código Civil.

Exercício dos direitos resultantes da evicção  

Para que o evicto possa exercer os direitos resultantes da evicção, na hipótese em que a perda da coisa tenha sido determinada pela Justiça, não é necessário o trânsito em julgado da decisão. Esse foi o entendimento da Quarta Turma ao apreciar o Recurso Especial 1.332.112.

Segundo o relator, ministro Luis Felipe Salomão, há situações em que os efeitos da privação do bem se consumam a despeito da existência de decisão judicial ou de seu trânsito em julgado, desde que haja a efetiva ou iminente perda da posse ou da propriedade, e não uma mera cogitação da perda ou limitação desse direito.

Para o magistrado, embora o trânsito em julgado confira o respaldo ideal para o exercício do direito oriundo da evicção, não se pode ignorar que, muitas vezes, o processo permanece ativo por muitos anos, ocasionando prejuízos consideráveis advindos da constrição imediata dos bens do evicto, que aguarda, “impotente”, o trânsito em julgado da decisão que já lhe assegurava o direito.

Salomão lembrou que o Código Civil de 1916 somente admitia a evicção mediante sentença transitada em julgado. Todavia, o Código Civil de 2002, “além de não ter reproduzido esse dispositivo, não contém nenhum outro que preconize expressamente a referida exigência”.

Dessa forma, “ampliando a rigorosa interpretação anterior, jurisprudência e doutrina passaram a admitir que a decisão judicial e sua definitividade nem sempre são indispensáveis para a consumação dos riscos oriundos da evicção”, concluiu o relator.

Responsabilidade negocial 

Para a ministra Nancy Andrighi, a evicção representa um sistema especial de responsabilidade negocial decorrente da perda total ou parcial de um direito, atribuído, por sentença, a outrem, cujo direito é anterior ao contrato de onde nasceu a pretensão do evicto.

“Se tal direito não existe ou se, existindo, dele não for privado, total ou parcialmente, o reivindicante, não há falar em evicção”, afirmou a magistrada no julgamento do REsp 1.779.055.

No caso julgado pela Terceira Turma, um procurador munido de procuração em causa própria celebrou contrato de compra e venda de imóvel com terceiros, mas a propriedade do mandante foi considerada inexistente por sentença.

Dessa forma, a hipótese de evicção foi afastada, pois o imóvel objeto do contrato celebrado entre o mandatário e os compradores não coincidia com o imóvel cujo domínio foi atribuído a terceiro por sentença judicial transitada em julgado, exarada na ação de reintegração de posse ajuizada pelos compradores.

Assim, para a ministra, se o imóvel objeto do contrato não existia, seu domínio não poderia ter sido transferido, pois isso seria transferir o domínio de nada.

Por outro lado, se o imóvel existe, mas não corresponde ao objeto da ação de reintegração de posse ajuizada pelos compradores, não foram eles privados do bem que consta da escritura. “Em nenhuma das duas hipóteses, portanto, se caracteriza a evicção”, completou a magistrada.

Pagamento de dívida para evitar evicção

Em abril de 2021, o STJ confirmou o entendimento de que, se o adquirente de um imóvel afasta a evicção mediante a quitação da dívida de terceiro, cabe-lhe mover ação de indenização contra quem lhe vendeu o bem, responsável por salvaguardá-lo dos efeitos de uma possível evicção.

REsp 1.907.398, analisado pela Terceira Turma, tratou do caso de uma empresa que adquiriu um imóvel em 2002, não sem antes se certificar de que não havia pendência judicial ou fiscal contra a vendedora.

No entanto, algum tempo depois, ela foi surpreendida com a penhora do bem, determinada em execução fiscal promovida pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contra a proprietária anterior.

Para evitar o leilão, a empresa efetuou o pagamento da dívida previdenciária e, ao ajuizar ação regressiva contra a vendedora, fundamentou seu pedido no instituto da sub-rogação, previsto no artigo 346, II e III, do Código Civil.

O ministro Villas Bôas Cueva, ao analisar o recurso da vendedora do imóvel, reformou o acórdão recorrido e esclareceu que não é adequada a propositura de ação regressiva fundada no instituto da sub-rogação, se o alienante não era o responsável pelo pagamento da dívida quitada pelo adquirente.

O magistrado lembrou que a jurisprudência do STJ entende que, tendo o próprio comprador afastado a evicção mediante a quitação da dívida de terceiro, cabe-lhe mover ação indenizatória contra o alienante, para se ressarcir das quantias desembolsadas.

Isso porque, segundo o relator, “os pressupostos para o reconhecimento do direito de regresso em favor do terceiro que efetiva o pagamento de determinada dívida para não ser privado de direito sobre imóvel são substancialmente distintos daqueles necessários para se reconhecer o dever de indenizar, que pressupõe a existência de dano, culpa e nexo causal”.

Villas Bôas Cueva destacou ainda que, na ação de indenização, o alienante poderia ser responsabilizado diretamente pelos prejuízos causados ao adquirente, especialmente se constar da escritura de compra e venda a inexistência de qualquer ação ou ônus pendente sobre o imóvel.

Transferência livre e desembaraçada de veículo  

Caracteriza evicção a inclusão de gravame capaz de impedir a transferência livre e desembaraçada de veículo objeto de compra e venda. Essa foi a conclusão da Terceira Turma no julgamento do REsp 1.713.096.

Para o colegiado, a inclusão de um gravame capaz de reduzir a serventia do veículo também caracteriza a evicção, mesmo inexistindo a perda da posse ou do domínio do bem por parte do comprador e da agência que intermediou o negócio.

Conforme a relatora, ministra Nancy Andrighi, não se sustentou a tese de que a decisão irrecorrível, que libera o veículo de qualquer restrição em seu cadastro, afasta por completo a alegada evicção, fundamento para o pedido indenizatório.

“Conquanto, realmente, tenha a adquirente se mantido na posse do veículo por determinado período de tempo, o fato de ter sido em seguida constituído o gravame, tornando necessário o ajuizamento de embargos de terceiro para que ela pudesse obter a respectiva liberação para efetuar o registro, evidencia o rompimento da sinalagmaticidade das prestações, na medida em que se obrigou o recorrente – alienante – a promover a transferência livre e desembaraçada do bem à adquirente, sob pena de responder pela evicção”, afirmou a relatora.

Para Nancy Andrighi, é dever do alienante transmitir ao adquirente do veículo o direito sem vícios não consentidos. Dessa forma, fica caracterizada a evicção na hipótese de inclusão de gravame capaz de impedir a transferência livre e desembaraçada do veículo para o novo proprietário.

Diante disso, decidiu a turma, “deve ser a intermediadora do negócio jurídico de compra e venda de veículo ressarcida dos prejuízos causados pelo alienante, em virtude da resolução do contrato por conta da ocorrência da evicção”.

Em seu voto, Nancy Andrighi mencionou ainda que o Código de Processo Civil revogou expressamente o artigo 456 do Código Civil de 2002, dispondo o parágrafo 1º do artigo 125 do CPC que, na hipótese de evicção, o direito regressivo será exercido por ação autônoma quando a denunciação da lide for indeferida, deixar de ser promovida ou não for permitida.

Prazo prescricional para ressarcimento por evicção

“Seja a reparação civil decorrente da responsabilidade contratual ou extracontratual, ainda que exclusivamente moral ou consequente de abuso de direito, a prescrição das pretensões dessa natureza originadas sob a égide do novo paradigma do Código Civil de 2002 deve observar o prazo comum de três anos.”

Com base nesse entendimento, a Terceira Turma julgou o REsp 1.577.229, interposto em ação de ressarcimento de prejuízo decorrente de evicção.

Como o ordenamento jurídico brasileiro não prevê expressamente o prazo prescricional para ações de indenização decorrentes da evicção, o colegiado discutiu qual prazo deveria ser aplicado: o especial, de três anos, baseado no artigo 206, parágrafo 3º, IV ou V, do Código Civil, ou o prazo geral, de dez anos, previsto no artigo 205 e aplicado no acórdão recorrido.

Ao decidir, a relatora, ministra Nancy Andrighi, citou decisão da Segunda Seção, tomada sob o rito dos recursos repetitivos (REsp 1.360.969), na qual o colegiado firmou o entendimento de que “não há mais suporte jurídico legal que autorize a aplicação do prazo geral, como se fazia no regime anterior, simplesmente porque a demanda versa sobre direito pessoal”.

De acordo com Nancy Andrighi, como a garantia por evicção representa um sistema especial de responsabilidade negocial, infere-se que “a natureza da pretensão deduzida nesta ação é tipicamente de reparação civil decorrente de inadimplemento contratual, a qual, seguindo a linha do precedente supramencionado, submete-se ao prazo prescricional de três anos”.

Garantia dos riscos da evicção  

Para a Terceira Turma, o risco da evicção não atinge a instituição financeira que apenas financiou a compra do bem. O entendimento foi adotado pelo colegiado no julgamento do EREsp 1.342.145, que eximiu o Banco Volkswagen da obrigação de ressarcir a empresa compradora de um carro financiado que foi apreendido pela Receita Federal por causa de problemas na importação. A empresa adquiriu o veículo do primeiro comprador, que lhe transferiu o financiamento.

De acordo com o relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, o dever de garantir os riscos da evicção é restrito ao alienante do veículo e não se estende à instituição que concedeu o financiamento sem ter vínculo com o importador.

Inicialmente, um consumidor firmou contrato de alienação fiduciária com o banco para a aquisição de um Porsche Carrera modelo 911. Depois, vendeu o veículo para uma empresa e repassou o financiamento, com a anuência da instituição financeira.

O automóvel, porém, foi apreendido pela Receita Federal devido a irregularidades na importação. A empresa ajuizou ação contra o espólio do vendedor e o banco. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) não reconheceu a ilegitimidade passiva do banco, por entender que todos aqueles que participaram do negócio devem responder pelos prejuízos suportados por terceiro. Em recurso ao STJ, o banco insistiu na alegação de ilegitimidade.

Em seu voto, Sanseverino explicou que a responsabilidade pelos riscos da evicção é do vendedor e, desde que não haja no contrato cláusula de exclusão dessa garantia, o comprador que perdeu o bem poderá pleitear a restituição do que pagou. No caso julgado, entretanto, o ministro concluiu que essa restituição não poderia ser exigida do banco.

Isso porque, de acordo com o magistrado, precedentes do STJ excluem a responsabilidade da instituição financeira em relação a defeitos do produto financiado: no REsp 1.014.547, a Quarta Turma isentou o banco porque ele apenas forneceu o dinheiro para a compra.

“Não há possibilidade de responsabilização da instituição financeira, que apenas concedeu o financiamento para a aquisição do veículo importado, sem que se tenha evidenciado o seu vínculo com o importador”, concluiu Sanseverino.

Boa-fé é requisito essencial

Quando reconhecida a má-fé do comprador de imóvel no momento de fechar o negócio, ele não pode, sob o argumento de ocorrência de evicção, propor ação de indenização para reaver do vendedor o valor gasto na aquisição do bem.

A decisão foi dada pelo ministro Marco Aurélio Bellizze no AREsp 1.597.745, que confirmou acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) no sentido da impossibilidade de aplicar o teor do artigo 449 do Código Civil – segundo o qual “tem direito o evicto a receber o preço que pagou pela coisa evicta, se não soube do risco da evicção” – em caso que envolveu uma fazenda alvo de litígio.

O imóvel rural foi vendido por preço bem abaixo do mercado, por estar pendente de julgamento uma discussão possessória. Após a compra, assumindo o risco de eventual ineficácia no regular exercício da sua posse, o comprador foi expulso do local e entrou com ação indenizatória para ter de volta o valor pago.

O espólio do comprador questionou o acórdão, afirmando que a corte estadual não reconheceu seu direito à restituição do valor pago ao vendedor, que alienou o imóvel e recebeu, mas não transferiu a propriedade. Alegou que nunca se soube que havia invasores na área; portanto, os herdeiros não poderiam sofrer os prejuízos decorrentes da impossibilidade de complementação da transação.

Segundo Bellizze, para a configuração da evicção e a consequente extensão de seus efeitos, exige-se a boa-fé do adquirente; porém, no caso julgado, diante das provas e dos termos contratuais apresentados, o TJMT concluiu pela ausência de boa-fé e pelo conhecimento prévio acerca dos problemas possessórios que envolviam o imóvel.

Dessa forma, entendeu o ministro, a ausência de boa-fé do comprador e o seu conhecimento prévio sobre a situação do imóvel afastaram o direito à restituição do valor com base na evicção. Processos REsp 1342345REsp 1587124AREsp 363825REsp 132012REsp 1332112REsp 1779055REsp 1907398REsp 1713096REsp 1577229REsp 1360969EREsp 1342145REsp 1014547AREsp 1597745

 FONTE:  STJ, 20 de março de 2022.

Secretário-geral do CNJ analisa alterações da nova lei de improbidade administrativa

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Pelo projeto SAE Talks, Valter Shuenquener de Araújo fala sobre inovações da Lei 14.230/2021.

Em evento online promovido, nesta sexta-feira (18), no âmbito do projeto SAE Talks, do Supremo Tribunal Federal (STF), o secretário-geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Valter Shuenquener de Araújo, apresentou palestra sobre a nova Lei de Improbidade Administrativa (Lei 14.230/2021). Ele fez reflexões críticas às inovações da norma e contextualizou o momento em que ela foi editada, analisando as mudanças ponto a ponto.

Jurista e administrativista, Valter Shuenquener lembrou que a antiga lei de improbidade administrativa nasceu em 1992, mas só passou a ter protagonismo nos anos 2000. Devido às grandes operações, como o Mensalão e a Lava Jato, houve uma mudança de compreensão de como o sistema punitivo estatal deve se materializar.

Segundo o secretário-geral do CNJ, antes desse período, havia um reconhecimento de que a punição só poderia ocorrer na área penal, pois não havia uma visão concreta de como enfrentar condutas desonestas no campo administrativo. “A reforma da lei veio para consolidar a evolução do direito sancionador que já está ocorrendo há alguns anos em relação a princípios, regras, diretrizes e isso aparece ao longo da reforma”, afirmou.

Direito penal x direito administrativo

Ao traçar a evolução teórica do direito penal e do direito administrativo sancionador, o jurista mostrou as principais diferenças entre esses dois campos do direito, cujos objetivos são distintos. Na área do direito penal, se busca a função retributiva da pena e, apesar de haver a ideia de ressocialização do réu, há uma característica importante relacionada à necessidade do castigo pelo crime cometido.

Já no âmbito administrativo, o papel da sanção é prevenir comportamentos corruptos e desonestos, a fim de evitar a própria improbidade. Nesse ponto, Shuenquener salientou a preocupação com a economia, com a competitividade e com o desenvolvimento de negócios, pois nenhum país consegue se desenvolver em um ambiente corrupto.

O secretário-geral também comentou diversos princípios do direito penal que, a partir da nova lei, foram adotados pelo administrativo. Entre eles, a individualização da conduta do réu, o contraditório e a ampla defesa, a presunção de inocência, a retroatividade da lei mais benéfica e o princípio da legalidade.

Participações

A abertura da palestra foi apresentada pelo secretário de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação (SAE) do STF, Alexandre Freire, com a moderação do professor e procurador de Estado do Rio de Janeiro Rodrigo Crelier Zambão da Silva.  EC//CF

FONTE:  STF, 18 de março de 2022,

TST discute habeas corpus impetrado por trabalhadores que não aderiram a greve

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A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho (SDI-2) declarou nulos todos os atos praticados no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (BA) num pedido de habeas corpus em que fora garantido o acesso de um grupo de trabalhadores da Petrobras Transportes S/A (Transpetro) ao Terminal Aquaviário de Madre de Deus, durante uma greve realizada em 2015. Embora considerando cabível a impetração de habeas corpus para essa finalidade, o colegiado, por unanimidade, acolheu parcialmente recurso do Sindicato dos Petroleiros do Estado da Bahia (Sindipetro/BA), por considerar que o juízo competente para examinar o caso não era o TRT, mas uma das Varas do Trabalho de Santo Amaro (BA).

Direito de ir e vir

No habeas corpus, o grupo de empregados sustentava que, durante a greve, o Sindipetro havia bloqueado o acesso a todas as unidades da Transpetro na Bahia. Segundo eles, o movimento atentava contra a garantia constitucional do direito de ir e vir, atrasando a escala de turnos, ameaçando e constrangendo empregados e impedindo a circulação de veículos.

Em decisão monocrática, o desembargador relator do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (BA) concedeu liminarmente o salvo conduto em favor dos empregados. A decisão autorizava, caso necessário, a requisição de força policial para o seu cumprimento e fixava multa diária de R$ 50 mil por empregado atingido em caso de descumprimento.

Bloqueio

O sindicato, entretanto, descumpriu a liminar, levando o grupo de empregados a postular a majoração da multa. Foi determinado, então, o bloqueio de R$ 2 milhões do sindicato e fixada a multa em R$ 300 mil por dia de descumprimento. Caso a busca fosse infrutífera, a decisão autorizava o bloqueio da conta pessoal dos dirigentes sindicais.

Ao analisar agravo interposto pelo sindicato, a Seção Especializada em Dissídios Coletivos do TRT extinguiu o habeas corpus, em razão do fim do movimento grevista, mas manteve a condenação do sindicato ao pagamento da multa (astreintes).

Cabimento

No exame do recurso do sindicato, a SDI-2 discutiu, inicialmente, o cabimento do habeas corpus para garantir o direito dos empregados que querem trabalhar. O relator, ministro Dezena da Silva, explicou que, para uma corrente doutrinária, a medida só é cabível contra atos de autoridade, e não de particular (no caso, a entidade sindical). No seu entendimento, porém, o sindicato tem autorização legal para deflagrar a paralisação coletiva, de modo que eventual constrangimento ao direito de locomoção, decorrente de ato praticado por ele, é passível de questionamento por esse meio.

Direito coletivo x direito individual

Ainda de acordo com o ministro, a possibilidade de uso do habeas corpus pelos trabalhadores individualizados que, livremente, resolvem não aderir ao movimento paredista não limita o exercício do direito de greve, cuja natureza é coletiva. Ele lembrou que o habeas corpus não discute a abusividade da greve nem as responsabilidades de eventual abuso. “Cuida-se, unicamente, de se conceder ou não o salvo conduto, mediante configuração do constrangimento ilegal sobre o direito fundamental de locomoção”, assinalou. Esse direito, a seu ver, é uma garantia inalienável, que não pode ser tolhida, mesmo que se contraponha a outro direito fundamental.

Juiz natural

O segundo ponto analisado foi a alegação do sindicato de incompetência funcional do TRT da 5ª Região para julgar o caso. Sobre esse aspecto, o ministro Dezena da Silva observou que o ato questionado no habeas corpus foi praticado por particular, e não por autoridade judiciária, e essa circunstância afeta a definição do juiz natural para sua apreciação.

De acordo com o relator, a competência funcional deriva da hierarquia dos órgãos do Poder Judiciário, estruturada a partir dos graus de jurisdição e das instâncias de conhecimento. Nessa perspectiva, se o habeas corpus for impetrado contra ato de particular, a competência hierárquica será das Varas do Trabalho. O TRT julga habeas corpus contra ato do juiz de primeiro grau, e o TST julga habeas corpus impetrado em face de TRT.

Com a declaração da incompetência do TRT e a anulação de todos os atos praticados no processo, a consequência lógica é a inexigibilidade das multas estipuladas na decisão liminar, em razão de sua natureza acessória, e a liberação dos valores bloqueados.   (DA, CF) – Processo: RO-1031-70.2015.5.05.0000

FONTE:  18 de março de 2022.

STJ julga possibilidade de reconhecimento de parentesco socioafetivo post mortem

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A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ vai definir se é possível o reconhecimento do parentesco socioafetivo post mortem entre “irmãos de criação”. O caso concreto trata-se de irmãos e uma mulher já falecida, criada pelos pais deles, que também já morreram. O julgamento está suspenso após pedido de vista do relator, ministro Marco Buzzi.

O pedido dos autores foi negado em primeiro e segundo grau, com o entendimento de que a “irmã de criação” e os pais não buscaram tal reconhecimento em vida. Para o Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP, a parentalidade socioafetiva “não pode servir unicamente para atribuir direitos sucessórios aos autores”.

O relator no STJ, ministro Marco Buzzi, já havia votado para dar provimento ao recurso dos irmãos. No entanto, na retomada do julgamento na terça-feira (15), sinalizou que pode reajustar o seu voto e, por isso, pediu vista. Já votou o ministro Raul Araújo, para quem não é possível o reconhecimento do parentesco.

Segundo Araújo, a lei civil estabelece que a existência do parentesco colateral exige, necessariamente, o ascendente comum. Pontuou que não há prévio reconhecimento de filiação socioafetiva entre a falecida e os supostos pais, também falecidos, seguindo o mesmo entendimento das instâncias ordinárias.

O ministro divergiu do voto inicial do relator, negando provimento ao recurso. “Ainda que se tenha como possível, em abstrato, a pretensão ao reconhecimento de parentesco socioafetivo, este somente se admite a partir da existência da prévia relação entre ‘pai e filho’ e ‘filho e filha’, com base na posse do estado de filho.”

REsp 1.674.372

Tese de fraternidade socioafetiva

A tese de fraternidade socioafetiva foi apresentada pelo advogado Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, em julgamento de 2006. No caso pioneiro, três irmãs que conviveram durante 30 anos com um “irmão de criação” pediam a declaração de socioafetividade e reconhecimento de última vontade testamental.

Rodrigo lembrou do caso em entrevista concedida em 2020: “Ele era solteiro, não tinha descendentes, ascendentes e nem irmãos biológicos. Ao falecer, seus parentes mais próximos moravam fora do país, e só souberam da morte dele muito tempo depois, pois não tinham nenhum vínculo de afeto. Apesar disto, pela regra do Código Civil, eles seriam os herdeiros desse homem, que mal conheciam”.

Em testamento, o homem havia deixado todos os seus bens para as irmãs socioafetivas, mas não chegou a concluir o documento. “Nós, advogados, devemos entrar em cena para defender o justo, ainda que em detrimento da regra rígida e fria da lei. Aliás, esse é o nosso velho dilema: entre o justo e o legal, nem sempre coincidentes, é nossa posição ética ir atrás daquilo que é justo”.

Socioafetividade já está sedimentada na doutrina e jurisprudência

Segundo o advogado Ricardo Calderón, diretor nacional do IBDFAM, a possibilidade de reconhecimento post mortem de irmandade socioafetiva ainda é uma questão nova sob o ponto de vista jurisprudencial. A conclusão dos ministros do STJ deverá ter grande utilidade para a comunidade jurídica, de acordo com o especialista.

“O reconhecimento de vínculo socioafetivo como passível de estabelecer um parentesco já é algo sedimentado na doutrina e na jurisprudência brasileira há mais de três décadas. Os vínculos mais conhecidos e reiterados certamente são os de paternidade, que deram impulso a essa temática. Também se tornaram mais comuns os casos de maternidade socioafetiva. Usualmente, temos as referências doutrinárias e jurisprudenciais mais atrelados aos laços filiais”, comenta Calderón.

Recentemente, decisões que procuram declarar judicialmente outros vínculos socioafetivos, para além da filiação, têm-se tornado recorrentes. Em janeiro, uma mulher teve reconhecida, na Justiça de Minas Gerais, a avosidade socioafetiva estabelecida com neta biológica de seu marido.

“O consolidado reconhecimento da afetividade como um princípio do Direito de Família brasileiro demonstra que, em abstrato, é possível a postulação de outras espécies de vínculos de parentesco lastreados no mesmo elo, como é o caso de uma irmandade socioafetiva. A doutrina especializada já defende isso e percebemos, agora, que os casos vêm chegando com mais frequência aos tribunais.”

Contornos fáticos da situação sub judice

Merece relevo, no caso concreto em análise pelo STJ, os contornos fáticos dessa situação sub judice. “Em tese, parece que não existem óbices jurídicos para um reconhecimento de outros laços parentais para além da filiação, mas é necessário analisar o caso concreto para que se verifique se a dada situação justifica uma declaração judicial dessa magnitude”, destaca Ricardo Calderón.

“O pedido de reconhecimento post mortem é uma peculiaridade que não pode ser ignorada, de acordo com o advogado. Além disso, há um litígio quanto à declaração desse vínculo, o que também precisa ser observado. Por fim, ao que me parece, não há uma demonstração ou prova clara e contundente da relação declarada nos autos entre os supostos irmãos socioafetivos, nem mesmo da filiação socioafetiva desses irmãos com o pais da falecida.”

O advogado acrescenta: “Essas delineações demonstram a importância da prova fática e da existência dos elementos necessários para o reconhecimento dos vínculos socioafetivos. Esse aspecto é central em casos do estilo em Direito de Família. Ao que se noticia, o STJ está se debruçando sobre as provas e elementos fáticos para dar a deliberação final”.

Há uma preocupação para que a pretensão não tenha como objetivo único e exclusivo a questão patrimonial. “A consolidação dos laços socioafetivos, consagrada no Direito brasileiro, não pode ser utilizada de modo abusivo, distorcido ou apenas a conferir direitos patrimoniais indevidos ou descabidos. Esse pano de fundo noticiado nos contornos dessa causa pode também tensionar a decisão para um lado ou outro.”

“Essa discussão também traz essa temática de uma pretensão patrimonial sucessória, um dos escopos da demanda. O interesse patrimonial também será levado em conta pelos julgadores para verificar a adequação ou inadequação do pleito apresentado. Há uma atenção para se evitar uma patrimonialização excessiva da declaração de vínculos afetivos. O contexto fático vai orientar os ministros no encontro da melhor solução.”

STJ deve dar sinalização importante sobre o tema

O especialista lembra que a possibilidade de reconhecer uma irmandade socioafetiva post mortem vai além desse caso em análise. “Não podemos perder de vista que o STJ julga casos concretos e também fica vinculado à situação que é posta e, em especial, às provas que são ou não apresentadas nos casos sob julgamento”, ressalta Ricardo Calderón.

“A postulação de uma irmandade socioafetiva é certamente inovadora. Traz, a reboque, diversas questões jurídicas profundas que demandam certa reflexão, lembrando que os aspectos fáticos também permeiam o entendimento final sobre essa causa. Tanto é assim que os ministros estão analisando minuciosamente a demanda.”

O pedido de vista apresentado pelo relator, ministro Marco Buzzi, indicando possível mudança de entendimento, demonstra a riqueza do tema. “Em breve, deveremos ter uma sinalização importante sobre um tema novo e que pode servir de orientação para outras causas do estilo.”

FONTE:  IBDFAM,  17 de março de 2022.

Delineamentos do Direito Civil Contemporâneo brasileiro.

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A constitucionalização do Direito Civil funciona como garantia de eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas. Enfim, o principal objetivo é identifica através de estudo exploratório, as características do Direito Civil contemporâneo e, que justificam sua constitucionalização do Direito Civil, bem como a irradiante eficácia dos direitos fundamentais e sua influência na ciência jurídica, permitindo analisar os direitos fundamentais que restringem a manifestação de vontade de particulares.

Enfim, a constitucionalização do ordenamento jurídico consolida a supremacia das Constituições e a força normativa dos princípios e valores  nestes contidos, é um fenômeno que vem sendo observado desde as mudanças sociais que ocorreram no século XX, perfazendo a transição do Estado Liberal para o Estado Social[1].

Cabe destacar que o Estado Liberal[2] surgira exatamente para pôr fim ao Estado Absolutista preconizando a dissociação entre o Estado e a economia e a liberdade política. E, no Estado Social deu-se a disseminação dos ideais e valores de justiça social, igualdade e equidade com o fito de garantir os direitos sociais dos cidadãos.

Somado a isso, os ideias de democracia, o que redunda no Estado Democrático de Direito[3] que pode ser definido como o governo do povo, limitado pelo direito e, com o propósito de concretização dos interesses da coletividade.

Em filosofia política, a teorização do Estado tem como pilares os contratualistas Hobbes, Locke e Rousseau, que, por diferentes linhas de pensamento,  apontavam que o Estado é necessário para manter a ordem social e mediar os conflitos entre indivíduos.

No Estado Democrático de Direito, as leis são criadas por representantes da população e, por conseguinte, da vontade geral. Seu princípio básico é sintetizado por Abraham Lincoln na máxima: “governo do povo, pelo povo e para o povo”.

Assim, o Estado Democrático de Direito vai além da democracia  representativa de escolha periódica dos governantes, ele requer a participação popular efetiva e constante nas decisões políticas, de modo a conduzi-las  a fim promoverem justiça social. Portanto, os valores de liberdade política e de igualdade política, nesse regime, devem caminhar juntos.

A Constituição Federal Brasileira de 1988, construída com base em um amplo debate público envolvendo a participação de muitos segmentos sociais,  em seu Artigo 1º, diz:

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V – o pluralismo político.

Essa Constituição, também chamada de Constituição Cidadã, ampliou de maneira inédita os direitos sociais e políticos dos brasileiros. Todavia, sua efetivação ao longo de sua vigência ainda se apresenta incompleta em muitos aspectos. Ampliá-la requer maior participação nos mecanismos de decisão política para que direitos assegurados em lei tornem-se conquistas concretas.

Segundo a Oriana Piske e Antonio Benites Saracho, in litteris: “O Estado Liberal representou o término do Estado absolutista -, no qual o soberano muitas vezes, abusava do poder-, passando para a busca da liberdade individual burguesa. As desigualdades socioeconômico-culturais, cada vez mais intensas levaram ao surgimento do Estado Social em razão da miséria  gerada pelo extremado liberalismo-burguês.  O liberalismo, não garantiu a liberdade e a igualdade de todos os homens, com sua característica marcante  do individualismo exacerbado, na busca do lucro exagerado e inescrupuloso dos donos das fábricas e das minas em detrimento do trabalho dos operários  e das crianças, não se revelou instrumento de Justiça social”. (In: BARBOSA, Oriana de A. Barbosa e SARACHO, Antonio B. Estado Democrático de Direito – Superação do Estado Liberal e do Estado Social. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/artigos-discursos-e-entrevistas/artigos/2018/estado-democratico-de-direito-superacao-do-estado-liberal-e-do-estado-social-juiza-oriana-piske Acesso em 04.03.2022).

Já por outro lado, no modelo do Estado Social há uma hipertrofia do que é público e uma atrofia do privado. O Estado, nessa modulação, cresce, acentuadamente, para atender às infinitas demandas sociais, para ocupar o espaço que o paradigma liberal havia deixado como esfera de não-intervenção. Desta forma, o público passa a ser identificado como estatal.

O paradigma social passa a entrar em crise por não conseguir atender a toda sorte de demandas sociais, caminhando para o endividamento público,  gerando grave crise de déficit de cidadania e de democracia. O paradigma social propôs a cidadania. Contudo, gerou tudo menos cidadania.

No paradigma do Estado Democrático de Direito, a temática cidadania apresenta inestimável protagonismo e é representada como um processo,  como direito de efetiva participação do cidadão na conformação das decisões públicas.

Sublinhe-se que, para ser considerado Estado Democrático  de Direito, é fundamental que o mesmo tenha uma estrutura política concebida sob a tripartição dos poderes e consagre os direitos e as garantias constitucionais.  Quando o princípio da separação de poderes constitui-se na máxima garantia de preservação da Constituição democrática, liberal,  pluralista e humanista.

As grandes mudanças que surgiram após a revolução industrial do Século XIX, bem como a revolução tecnológica do século XX, foram decisivas na construção  das bases de uma sociedade consumista, ascendendo cada vez mais os interesses coletivos e difusos no confronto com os interesses meramente individuais.

Reflexo desse quadro, os conflitos ganharam novas dimensões, requerendo equacionamentos eficazes, soluções mais efetivas, um processo mais ágil e um  Judiciário[4] mais eficiente, dinâmico e participativo na tutela dos direitos fundamentais do homem.

Sendo curial é a lição deixada por Paulo Bonavides, ao afirmar que os direitos fundamentais[5] são a sintaxe da liberdade nas Constituições. Com eles, o constitucionalismo do Século XX logrou a sua posição mais consistente, mais nítida, mais característica.

Em razão disso, torna-se conveniente introduzir talvez, nesse espaço teórico, o conceito do juiz social, enquanto consectário derradeiro de uma teoria material da Constituição, e sobretudo da legitimidade do Estado Social e seus postulados de justiça, inspirados na universalidade,  eficácia e aplicação imediata dos direitos fundamentais.

Ensinou Paulo Bonavides que “a história dos direitos humanos – direitos fundamentais de três gerações[6] sucessivas e cumulativas, a saber, direitos individuais, direitos sociais e direitos difusos – é a história mesma da liberdade moderna, da separação e limitação de poderes, da criação de mecanismos que auxiliam o homem a concretizar valores cuja identidade jaz primeiro na sociedade e não nas esferas do poder estatal.”

Wolkmer (2001), quando, ao discorrer sobre os quatro ciclos abrangidos pelo paradigma jurídico moderno, esclarece: O Direito escrito e formalizado da moderna sociedade burguês-capitalista alcança o apogeu com sua sistematização científica, representada pela Dogmática Jurídica.

O paradigma da Dogmática Jurídica forja-se sobre proposições legais abstratas, impessoais e coercitivas, formuladas pelo monopólio de um poder Público centralizado (o Estado), interpretadas e aplicadas por órgãos (Judiciário) e por funcionários (os juízes)

O ilustre doutrinador (2001), constata a decadência desse paradigma: nos anos 60/70 do século XX: “Embora a dogmática jurídica estatal se revele, teoricamente, resguardada pelo invólucro da cientificidade, competência, segurança, na prática intensifica-se a gradual perda de sua  funcionalidade e de sua eficácia”.

Celso Fernandes Campilongo (1994), ao asseverar que: “Exagerando na distinção: o Estado liberal formula uma teoria da norma jurídica;  o Estado social constrói uma teoria do ordenamento jurídico; e o Estado pós-social enfrenta o desafio da construção de uma teoria do pluralismo jurídico”.

Em “Objetividade e neutralidade: os limites do possível”, Luís Alberto Barroso(2004) discorre sobre a matéria: Desde que o iluminismo consagrou o primado da razão, com o abandono de dogmas e de preconceitos, o mundo construído pela ciência aspira à objetividade.

As conclusões divulgadas por um membro da comunidade científica devem poder ser verificadas e comprovadas pelos demais. A racionalidade do conhecimento procura despojá-lo das crenças e emoções subjetivas, puramente voluntaristas, para torná-lo impessoal na medida do possível.

A medida do possível variará imensamente e em poucas áreas  enfrentará dificuldades como no direito. É que a ciência jurídica, ao contrário das ciências exatas, não lida com fenômenos que se ordenem independentemente  da atividade do cientista.

E assim, tanto no momento de elaboração quanto no de interpretação da norma hão de se projetar a visão subjetiva, as crenças e os valores do intérprete[7].

Em meio a esse contexto, foi promulgada no país, a Constituição Federal de 1988 que tem o objetivo de instituir o Estado Democrático de Direito destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social.

Tais princípios fundamentais constitucionais têm o condão de constituir uma sociedade mais justa e reduzir as diferenças sociais, sendo o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo primeiro da Carta Magna, sendo um dos principais sustentáculos de todo o ordenamento jurídico brasileiro.

Essa conjuntura influenciou todos os ramos de Direito e, consagrou o texto constitucional como primacial paradigma a ser seguido para promover a efetivação dos direitos fundamentais dos cidadãos, sendo que o Direito Civil igualmente passou a ser interpretado e aplicado à luz dos valores constitucionais vigentes.

Deve-se para melhor esclarecimento sobre o tema prover a leitura de doutrinadores como Paulo Lôbo, Gustavo Tepedino, J.M. Leoni Lopes de Oliveira, Paulo Bonavides, Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho, Flávio Tartuce, Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco e, principalmente, observar atentamente o fenômeno partindo da apreciação da eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas e, sua possível restrição que sua aplicação produz na manifestação de vontade de particular. e

Eis que a máxima “hominum causa omne ius constitutum est”, oriunda do direito romano, ainda continua válido. E, significa que todo o direito é constituído à causa do homem, o que simboliza que a pessoa é o centro das atenções jurídicas, ou seja, o ser humano é o destinatário final e principal de toda norma. Afinal, o direito é pensado e aplicado para todos os homens.

Enfim, as pessoas são criadoras e destinatárias das normas jurídicas. Portanto, são o componente fundamental do Direito que, por sua vez, tem o propósito de reconhecer a dignidade humana prestando a mais completa e incondicional tutela jurídica.

Em verdade, o conceito de dignidade humana é deveras complexo sendo desenvolvido ao longo da trajetória histórica e conforme a diversidade de valores e culturas presentes na sociedade humana. O excelente doutrinador Ingo Sarlet conceitua a dignidade humana à partir de perspectiva jurídica. In litteris:

“Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humana que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas parte de uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”. (In: SARLET, Ingo W. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 5ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p.62).

Segundo André de Carvalho Ramos, a dignidade humana é qualidade inerente ao ser humano, que o protege contra todo tratamento degradante e discriminação odiosa, o assegurando condições materiais mínimas de sobrevivência.

Trata-se, portanto, de um atributo que o indivíduo possui, inerente à sua condição humana, não importando qualquer outra condição referente à nacionalidade, opção política, orientação sexual, credo, etc. Nos diplomas internacionais e nacionais, a dignidade humana é inscrita como princípio geral ou fundamental. Assim, o Estado deve proteger a dignidade humana.

Fundamentação: Artigos 1º, inciso III, 170, 226, § 7º, 227, 230, da Constituição Federal; artigo 1º da Declaração Universal de Direitos Humanos; Artigo 5º da Convenção Americana de Direitos Humanos; “In: RAMOS, André de Carvalho. Curso de direitos humanos. 5. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018).

Ao longo do século XX, a dignidade da pessoa humana se tornou um princípio presente em diversos documentos constitucionais e tratados internacionais, começando pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e se espalhando pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) (1976) e pelas constituições de Itália (1947, art. 3º), Alemanha (1949, art. 1º), Portugal (1976, art. 1º), Espanha (1978, art. 10), Grécia (1975, art. 7º), Peru (1979, art. 1º), Chile (1980), Paraguai (1992, art. 1º), Bélgica (após a revisão de 1994, art. 23) e Venezuela (1999, art. 3º), dentre diversos outros pactos, tratados, declarações e constituições. O conteúdo dos textos é bastante semelhante. Em geral, eles dizem que as pessoas têm a mesma dignidade, que esse é o parâmetro principal da ação estatal e/ou que o objetivo principal do Estado é promover a dignidade humana, como se vê na Constituição Brasileira de 1988.

versão moderna da dignidade se desenvolveu a partir de três marcos fundamentais: (a) o marco religioso, resultado da tradição judaico-cristã; (b) o marco filosófico, a tradição ligada ao Iluminismo; e (c) o marco histórico, uma resposta aos atos da Segunda Guerra Mundial (BARROSO, 2013, p. 14-15). Da primeira tradição vem a ideia de que os seres humanos ocupam um lugar especial na realidade porque foram feitos à imagem e semelhança de um ser superior.

Já o segundo marco fornece a principal justificativa não religiosa da dignidade da pessoa humana, sintetizada pelo filósofo iluminista Immanuel Kant ainda no século XVIII. Segundo ele (KANT, 1980, p. 74-78), o ser humano possui dignidade porque é capaz de dar fins a si mesmo, em vez de se submeter às suas inclinações.

Por isso, ele deve ser visto como um fim em si mesmo, não como meio para a realização de projetos alheios. Essa capacidade de dar normas a si mesmo é a autonomia, em contraposição à heteronomia.

Mas, para que não se reduza às suas inclinações, é preciso agir de acordo com a razão, de acordo com o dever, isto é, segundo o imperativo categórico, de maneira que a máxima de sua vontade possa ser tomada como lei universal (KANT, 1980, p. 74-77).

Segundo Kant, a dignidade é a característica do que não tem preço, isto é, do que não pode ser trocado por nada equivalente. E o fundamento da dignidade é a autonomia, a capacidade de dar leis a si mesmo, em outras palavras, a moralidade entendida como a capacidade de agir de acordo com a lei moral:

Ora a moralidade é a única condição que pode fazer de um ser racional um fim em si mesmo, pois só por ela lhe é possível ser membro legislador no reino dos fins.

Portanto a moralidade, e a humanidade enquanto capaz de moralidade, são as únicas coisas que têm dignidade. A destreza e a diligência no trabalho têm um preço venal; a argúcia de espírito, a imaginação viva e as fantasias têm um preço de sentimento; pelo contrário, a lealdade nas promessas, o bem-querer fundado em princípios (e não no instinto) têm um valor íntimo.

A natureza bem como a arte nada contêm que à sua falta se possa pôr em seu lugar, pois que o seu valor não reside nos efeitos que delas derivam, na vantagem e utilidade que criam, mas sim nas intenções, isto é, nas máximas da vontade sempre prestes a manifestar-se desta maneira por ações, ainda que o êxito as não favorecesse. […] Esta apreciação dá, pois, a conhecer como dignidade o valor de uma tal disposição de espírito e põe-na infinitamente acima de todo o preço. (KANT, 1980, p. 78, grifos nossos).

Para Macklin (2003, p. 1419-1420), a dignidade é um conceito “inútil” para a bioética e pode ser substituído sem qualquer perda de conteúdo pelo conceito de autonomia pessoal, que tem a vantagem de ser mais preciso.

A defesa da dignidade seria “mero slogan” e uma “repetição vaga de noções já existentes”. De acordo com ela, o uso corriqueiro do termo “dignidade” como fundamento para se evitar determinadas práticas médicas permanece apenas por influência da religião, especialmente da Igreja Católica.

Segundo Macklin (2003, p. 1419-1420), nesses casos, o que se consegue com o apelo à dignidade seria conseguido de maneira mais simples apelando-se ao respeito pela autonomia das pessoas, um conceito mais claro do que a dignidade porque não apela a uma propriedade intrínseca sobre a qual não se oferecem explicações adicionais.

Segundo a definição kantiana de dignidade (adotada por Barroso e outros, como se verá abaixo), a autonomia é mesmo o elemento central da dignidade. Contudo, muitos doutrinadores (inclusive Barroso) acrescentam à ideia de autonomia a ideia de valor intrínseco, que é o objeto da crítica de Macklin, pois é a parte mais obscura da noção de dignidade.

A diferença está em que alguns pesquisadores consideram que é possível ter dignidade sem ter autonomia, desde que se considere que a entidade em questão possua valor intrínseco (p. ex., o caso do feto, do cadáver e do paciente em estado terminal), enquanto outros, como Macklin, consideram que só faz sentido falar em dignidade quando há autonomia ou a expectativa dela (como no caso de alguém dormindo ou de uma criança).

Para essa segunda vertente, dado que o segundo conceito é mais claro do que o primeiro, é melhor se restringir ao conceito de autonomia – atitude predominante entre os pesquisadores acadêmicos na área de bioética.

A literatura jurídica contemporânea se alinha a esse mesmo entendimento, ao considerar, de forma pacífica, o princípio da dignidade da pessoa humana como o “valor máximo” ou o “supremo alicerce” do ordenamento jurídico brasileiro (Tepedino, 2001, p. 48; Moraes, 2003, p. 83; Silva, 1998) e da ordem jurídica internacional (Piovesan, 2005).

O problema em utilizar o termo de maneira absoluta é que, ainda que a disposição a sacrificar qualquer coisa em favor da mínima chance de salvar alguém seja adequada no âmbito privado, essa não é a atitude mais adequada para lidar com recursos públicos escassos.

Nesses casos, a relação custo-efetividade e a equidade devem também ser levadas em consideração, sob pena de desperdiçar recursos públicos ou privilegiar alguns cidadãos em detrimento de outros – ofendendo, portanto, a própria igualdade de consideração, a motivação por detrás do respeito à dignidade humana.

Em vista de tais imprecisões conceituais e abusos, Barroso (2013) propõe três elementos para garantir a unidade e a objetividade da dignidade humana: (a) o valor intrínseco, (b) a autonomia e (c) o valor comunitário.

O valor intrínseco, oposto a um valor adquirido, possui caráter ontológico, pois está presente na natureza do ser humano, do ser enquanto ser, independentemente de suas determinações particulares. Essa perspectiva toma o indivíduo como um fim em si mesmo e, em última análise, abstrai o ser humano de seus atributos pessoais (aplica-se tanto a recém-nascidos quanto a pessoas senis ou com determinado grau de deficiência mental). A dignidade é um atributo que nasceria com a pessoa e que não poderia ser perdido, alienado ou renunciado.

O segundo elemento que compõe a dignidade, segundo Barroso (2013), é a já mencionada noção kantiana de autonomia (ou autonomia pessoal), o fato de que as pessoas são capazes de dar normas para si mesmas. Esse elemento dá dignidade às pessoas na medida em que elas são capazes de agir livremente, o que significa buscar realizar seus projetos de vida da forma que melhor desejarem, de acordo com sua visão do que é o bem e o correto, sendo capazes de resistir às tentações, coisa que os animais não humanos supostamente não são capazes de fazer.

O terceiro elemento da dignidade apresentado por Barroso (2013) é o valor comunitário, o papel da comunidade e do Estado no estabelecimento de crenças e metas coletivas[8].

Nesse sentido, a dignidade seria uma restrição à autonomia individual, uma limitação a direitos e liberdades individuais em prol da dignidade de outros e de valores socialmente compartilhados. De acordo com Barroso, essas intervenções do Estado e da comunidade são legítimas apenas quando há um direito fundamental de outras pessoas sendo atingido ou há dano potencial para a própria pessoa, pressupondo que haja consenso social sobre a matéria.

É possível verificar que a Constituição Federal brasileira de 1988 não instituiu o princípio da dignidade da pessoa humana, posto que esta já vinha de construção histórica, porém, veio a consagrar sua relevância ao lhe reconhecer como valor supremo do alicerce de toda ordem jurídica democrática. É um princípio unificador dos direitos fundamentais.

Um importante aspecto do Direito Civil Contemporâneo é o fim da vetusta dicotomia existente entre direito público e direito privado. É sabido que cabe ao direito público regular os interesses gerais da coletividade através do Estado que, em regra, ocupa posição de supremacia. Enquanto o Direito Privado cabe regular os interesses privados, incidindo sobre as relações do cidadão comum, em condições de igualdade entre as partes.

Enfim, na doutrina Norberto Bobbio, colhemos que sendo o direito um ordenamento de relações sociais, a grande dicotomia público/privado duplica-se, primeiramente, na distinção de dois tipos de relações sociais: “entre iguais e desiguais. O Estado, ou qualquer outra sociedade organizada onde existe uma esfera pública, não importa se total ou parcial, é caracterizado por relações de subordinação entre governantes e governados, ou melhor, entre detentores do poder de comando e destinatário do dever de obediência, que são relações entre desiguais; a sociedade natural tal como descrita pelos jusnaturalistas, ou a sociedade de mercado na idealização dos economistas clássicos, na medida em que são elevadas a modelo de uma esfera privada contraposta à esfera pública, são caracterizadas por relações entre iguais ou de coordenação”. (In: BOBBIO, N. A grande dicotomia público/privado. In: Estado, governo sociedade para uma teoria geral política. Tradução por Marco Aurélio Nogueira. 4ª edição. Rio de Janeiro: Paz &Terra, 1995, p. 13-14).

Quando havia o Estado Liberal marcou-se período de crassa liberdade e grande acúmulo de riquezas, e nesse modelo, aqueles em melhores condições financeiras começaram a explorar os menos favorecidos, dando início a fase de grandes desequilíbrios econômicos e grandes injustiças sociais. E, ensinou Paulo Lôbo, houve duas etapas evolutivas do movimento liberal e do Estado Liberal, a saber: a primeira, referente a conquista da liberdade e, a segunda, a da exploração da liberdade.

E, nesse contexto gerou-se expressiva insatisfação pelo mundo inteiro, especialmente, no mundo ocidental, levando o modelo de Estado Liberal ao declínio e, dando início ao Estado Social, no qual o governo passou a intervir nas relações privadas com o fim de reduzir as desigualdades sociais e, então, promover a justiça social.

A noção contemporânea de justiça social é ancorada em princípios morais e em política  fundamentada nos valores de igualdade e solidariedade, começou a se desenvolver a partir do século XIX.

E, tal ideia estava ligada à buscava de equilíbrio social, de forma que todas as pessoas que compõem a sociedade tenham os mesmos direitos. A sociedade justa é aquela comprometida com a garantia de direitos básicos como educação, saúde, trabalho, acesso à justiça e, etc.

Com a globalização, a partir do fim do século XX, um conjunto de problemas sociais ganharam destaque. O processo de integração econômica e cultural de diferentes nações agravou ainda mais as desigualdades sociais.

Portanto, a globalização é reflexo da Terceira Revolução Industrial que está firmada no desenvolvimento da ascensão da tecnologia da informação vêm reduzindo o número de trabalhadores nas empresas, aumentando o desemprego estrutural e a precarização das condições de trabalho. E, tal realidade vem produzindo uma série de problemas sociais, tais como a violência urbana, a pobreza, a vulnerabilidade e a invisibilidade dos necessitados.

A justiça social consiste no compromisso do Estado e instituições não governamentais em buscar mecanismos para compensar as desigualdades sociais geradas pelo mercado e pelas diferenças sociais. Um dos doutrinadores que melhor e definiu os elementos para alcançar esse princípio foi John Rawls e estabeleceu três pontos cruciais para galgar um princípio de equidade: 1. garantia das liberdades fundamentais para todos; 2. igualdade de oportunidades; 3. manutenção de desigualdades apenas para favorecer os mais desfavorecidos.

A ideia de justiça social[9] como um dos principais objetivos para promover o crescimento de uma nação para além das questões econômicas. E, nesse lógica, compreende-se que a justiça social é mecanismo que busca fornecer o que cada cidadão tem por direito, assegurando as liberdades políticas e os direitos básicos, por isso, é curial oferecer transparência no âmbito público e privado e gerar maiores oportunidades sociais.

 

É de extrema relevância que o Código Civil não se confunde com o Direito Civil, em si, sendo que este último é bem mais abrangente. E, segundo Paulo Lôbo (2015), o Código Civil não é propriamente um código e, sim das principais relações de direito privado. É certo que o Direito Civil é o alicerce do Direito Privado, e rege todas as relações jurídicas dos indivíduos desde seu nascimento até sua morte.

A organicidade dos códigos pode ser comparada ao funcionamento do corpo humano, no qual existem órgão responsáveis por fazer o todo funcionar, daí ser primordial que os órgãos funcionem em harmonia entre si.

A codificação é uma tendência que objetiva a facilitar a compreensão total do assunto abordado, organizando e unificando a matéria.  Em verdade, a codificação teve papel destacado no desmoronamento do velho regime, que se ancorava na autoridade e no status social. O Direito da época exigia normas certas, claras e precisas para a segurança dos negócios e para definição das conquistas liberais, conseguidas com a Revolução, em especial, a defesa da propriedade individual, o que resultou na codificação civil moderna.

E, ainda segundo Paulo Lôbo, a codificação teve por pressupostos o sujeito de direitos adquiridos abstraído de suas reais condições de poder, enquanto o constitucionalismo liberal partiu justamente da vontade em limitar os reais detentores do poder político.

Neste cenário, as codificações liberais atuam como transformação revolucionária contra a tradição, sendo que outras civilizações fora da Europa adotaram os códigos modernos europeus para se transformarem em nações mais modernas e progressistas.

A codificação no país foi processo longo que teve início com a Independência em 1822 e, se encerrou tempos depois da Proclamação da República.

Durante longo período, o Brasil não estava absolutamente independente de Portugal, posto que havia legislação que vigeu durante o império que eram as Ordenações Filipinas que eram influenciadas pelo direito romano, direito canônico e os costumes de povos germânicos que invadiram a península ibérica.

Apenas com a Constituição Imperial de 1824, o Brasil passou a ter legislação própria e, já previa a criação de um Código Civil e um Código Criminal. Esse último fora editado em 180 e o Código Processual Criminal, em 1850. Porém, o Código Civil somente fora editado quase um século depois.

Em 1858, Augusto Teixeira de Freitas[10] realizou a Consolidação das Leis Civis que fora tentativa de agrupar as leis civis num complexo que seria responsável por preencher a lacuna do Código Civil.

Foi, inicialmente, contratado pelo governo imperial para elaborar o projeto de Código Civil cujo esboço terminou não sendo aprovado. E, até o final do império, em 1889, o Brasil não possui um Código Civil.

Entretanto, o “Esbôço” do eminente doutrinador foi, lamentavelmente, rejeitado pelo Governo e, em 1872, rescindiu-se o contrato firmado com o jurista.

Mesmo diante deste episódio, em 1876, ele publicou o “Prontuário das Leis Civis”; em 1877, editou um “Aditamento à Consolidação das Leis Civis”; em 1882, o “Formulário dos Contratos e Testamentos” e as “Regras de Direito Civil”. Em 1883, o Brasil termina sendo agraciado com a obra “Vocabulário Jurídico”.

Pronto o “Esboço de Freitas”, a Comissão Revisora composta por Paulino José Soares de Sousa, Nabuco, Ribas, Brás Henriques, Marcelino de Brito, Áreas,

Alberto Soares e Figueira de Mello, teve início incansável debate. Como era comum naquela época (meados do século XIX), a polêmica era acerba, resvalando pelo campo pessoal. A incontinência verbal e o duelar com as palavras eram de tal forma intensa, que já não mais era atacado o trabalho, mas o seu autor.

A cada crítica, Teixeira de Freitas, que não media esforços em defender suas opiniões até às últimas consequências, tinha de elaborar trabalho escrito, defendendo o ponto de vista do Esboço. Esse trabalho fatigou seu corpo e oberou o espírito.

Inconcluso, o Esboço de Freitas continha 4.908 artigos. Em quatro meses de trabalho, tendo o próprio Teixeira de Freitas como integrante,  a Comissão analisou apenas os quinze primeiros artigos. Os debates eram tão estéreis que Teixeira de Freitas tanto que se queixou a Nabuco de Araújo, dizendo que,  a prosseguir naquela marcha, nem em cem anos o trabalho seria concluído, e sequer o Esboço seria convertido em Código Civil.

Malogrado o Esboço enquanto projeto de Código Civil, a Argentina não perdeu tempo. Em 1869, o país vizinho recebeu seu Código Civil, elaborado pelo jurista

Vélez Sársfield que não negou que a sua codificação foi decalcada do Esboço de Teixeira de Freitas. Na verdade, a obra de Teixeira de Freitas era tão completa  que o jurista argentino Vélez Sársfield praticamente traduziu o Esboço de Freitas para o espanhol e apresentou essa tradução como Projeto de Código Civil

Argentino, o qual foi aprovado e vigora na Argentina até hoje. Como se houvesse uma solidariedade sul-americana, e a partir do Código Civil Argentino, o Esboço de Freitas foi seguido por outras nações Latino-Americanas  como o Paraguai e, em parte, o Uruguai.

Essa posição adotada pelo codificador Argentino foi, contudo, alvo de duras críticas baseadas nas concepções de  Montesquieu, que afirmava que as condições físicas em que vivem um povo influenciam sobremaneira a formação do seu direito de modo que seria raro que o  direito de uma nação servisse a outra.

Em 1969, Clóvis Beviláqua foi contratado, justamente com outros juristas para elaborar o Código Civil brasileiro[11], após longo período de tramitação e emendas, o Código fora finalmente aprovado em 1915 e, finalmente, promulgado em 1916.

 

O Código Civil de 1916 sofreu inúmeras alterações, sendo que a primeira delas se deu em 1919. Em decorrência do lugar ocupado pela mulher no mercado de trabalho e da  efetividade dos ideais de igualdade, em 1962 retirou-se a mulher do artigo que classificava os relativamente incapazes, e em 1977 a Lei nº 6.515 incluiu o inciso IV no art. 267, para permitir o divórcio como uma das modalidades da dissolução conjugal.

Com o passar do tempo e a aplicação sistemática de seus regulamentos, tornou-se mais fácil o manejo do Código Civil, e melhor a compreensão de seus princípios.

Todavia, o século XX não assistiu à elaboração de grandes codificações, dado que as obras legislativas deram preferência a regulamentos especiais.

Por outro lado, pode-se afirmar que as duas experiências de elaboração de compilações civis, a de Teixeira de Freitas e a de Clóvis Beviláqua, estiveram sempre no horizonte jurídico nacional como experiências bem-sucedidas,  a orientar a formação de novas comissões para a elaboração de estudos acerca da atualização do Código de 1916 ou de um novo diploma substancial civil.

Assim, em 1975, o projeto do Novo Código Civil da comissão chefiada por Miguel Reale foi apresentado à Câmara dos Deputados e, aprovado em 2001, entrou em vigor com a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

Por outro lado, pode-se dizer que, no caso brasileiro, o Código Civil em parte conseguiu expressar relações já existentes no seio da organização patriarcal brasileira, ao contemplar o pátrio poder, as diferenças entre filhos legítimos e ilegítimos, biológicos e adotados, a figura do marido como chefe da relação conjugal e mais uma significativa quantidade regras e procedimentos de conteúdo moral cristão, bem ao gosto das classes a quem o código se destinava.

Quanto aos contratos, tanto o Código Napoleão quanto o Beviláqua partiram da ideia de que qualquer pessoa, desde que não impedida legalmente, era livre para pactuar, consagrando o princípio da autonomia da vontade e a noção de que os indivíduos têm liberdade plena e sem mediação para contratar.

E, nesse aspecto, o Código Beviláqua pareceu estar dissociado da sociedade brasileira, eminentemente rural, recém-saída de três séculos de escravidão, acostumada a privilegiar a oralidade no ato de pactuar diante dos índices elevados de analfabetismo.

Daí, por que os princípios igualitários que orientaram os artigos relativos aos contratos e ao direito das obrigações permaneceram longo tempo como noção vaga e abstrata.

O Código Civil de 1916 possuía características patrimonialistas e individualista que eram resultantes da autonomia da vontade e da liberdade de ação provenientes dos movimentos sociais da época.

Com a Constituição brasileira de 194, o Código de Beviláqua tornou-se ineficiente diante das demandas sociais, sendo necessário editar grande quantidade de leis esparsas a fim de suprir suas deficiências. Após, muitas tentativas frustradas, uma comissão liderada por Miguel Reale conseguiu elaborar projeto que foi enviado ao Congresso Nacional em 1975 e, aprovado em alterações somente mais de duas décadas depois. O Código Civil de 2002, conhecido como Código Reale, está em vigência até os presentes dias.

O Código Civil atual revogou expressamente o anterior, de 1916, em seu artigo 2.045, promovendo assim a extinção formal da Lei 3.071/1916.

Na época em que vigorava o antigo Código, a Constituição vigente se limitava a definir as competências dos entes federativos, sem qualquer regulação ou interferência no direito privado. Desta forma, o Código Civil não sofria qualquer restrição ao regular sua matéria.

Como toda norma, o antigo Código refletia o momento histórico, bem como os ideais políticos, sociais e econômicos do país. Lembremos que os ideais liberais estavam em seu auge e que a sociedade patriarcal portuguesa ainda era o modelo seguido por grande parte da sociedade.

Prova disso é a admissão da discriminação dos filhos adotivos diante dos biológicos, a constituição da família admitida somente pelo casamento, o qual era indissolúvel e o que os direitos sucessórios do cônjuge eram mitigados, em prol dos ascendentes do de cujus.

O Código Civil de 1916 era extremamente patrimonialista A Lei do Divórcio (Lei 6.515/77) é o marco da mudança do antigo Código

A Constituição Federal de 1988 revogou vários artigos do Código Civil de 1916. O Código Civil de 1916 tinha o patrimônio como principal valor a ser resguardado o patrimônio, de forma que todas as normas giravam em torno dos bens adquiridos pelo indivíduo, como reflexo da necessidade de se proteger os direitos e garantias individuais.

Refletindo a mudança na sociedade brasileira, a primeira norma relevante foi a Lei do Divórcio (Lei 6.515/77). Com o fim da ditadura, a Constituição Federal de 88 assumiu os direitos, garantas e liberdades individuais como principais valores a serem assegurados em suas normas, em resposta ao antigo regime ditatorial.

Neste contexto, a Constituição se tornou também a lei maior no que tange ao direito privado. Como consequência, vários artigos do Código Civil de 1916 foram imediatamente revogados.

O Código Civil de 1916 estava ultrapassado há muito tempo quando do advento do Código Civil de 2002. Muitas de suas normas já eram mitigadas pela jurisprudência, principalmente após o advento da Constituição da República de 1988.

 

O Código Civil de 1916 foi resultado do direito liberal, em que se prestigiava o individualismo, o patrimonialismo, o positivismo.

Segundo Sylvio Capanema de Souza, o Código Civil de 1916 tinha três personagens principais: o marido, o contratante e o proprietário. Era a solidificação dos princípios liberais.

O Código Civil de 2002 inspirou-se em três grandes paradigmas: função social do direito, efetividade ou operacionalidade e equidade ou solidariedade. Preocupou-se com a realização da justiça concreta.

O Código Civil de 2002 rompeu com as características liberais e individualistas e se aproxima mais de uma vertente social pautada em três princípios marcantes, a saber: a eticidade, a operabilidade e a socialidade.

A eticidade consiste na busca de compatibilização dos valores técnicos conquistados na vigência do Código anterior com a participação de valores éticos no ordenamento jurídico, buscando prestigiar a moralidade. Traz à tona a proteção da pessoa enquanto ser de emanação ética. Daí, a devoção à boa-fé objetiva e subjetiva.

Já a operabilidade refere-se à concessão de maiores poderes hermenêuticos ao magistrado, verificando, no caso concreto, as efetivas necessidades a exigir a tutela jurisdicional transformando o Código num sistema mais durável e seguro. Nessa linha, o Código Civil privilegiou a normatização por meio de cláusulas gerais, que devem ser preenchidas no caso concreto.

Em face da característica unificadora dos Códigos, faz-se preciso a atualização periódica da legislação codificada para esta representar a realidade do momento histórico. E, isso não é diferente no Código Civil de 2002.

Assim, com fulcro no princípio de sociabilidade, é imperativo que seja o ordenamento jurídico seja sempre atualizado e condizente com os anseios da sociedade, e uma maneira mais fácil e ágil de se modificar as legislações codificadas é por meio de elaboração de leis esparsas, em geral, usadas para regular pontos isolados previstos no diploma legal. E, algumas leis esparsas são tão amplas que chegam mesmo esgotar a matéria por esta razão, podem ser consideradas como microssistemas, também conhecidos como estatutos.

Existem diversos microssistemas brasileiros tais como o Estatuto da Criança e Adolescente, o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto do Idoso, o Estatuto do Torcedor e, entre outras leis. Por isso, acreditam alguns estudiosos, que experimentamos o processo de descodificação.

Afinal, o Código Civil brasileiro não é mais capaz de disciplinar todas as relações jurídicas entre os particulares, reclamando cada vez mais o auxílio dos microssistemas, mas ainda é considerado o centro do direito privado brasileiro.

Ressalte-se que as Constituições que vieram após a Segunda Guerra Mundial passaram a tratar de temas até então tratados somente pela legislação civil, com o fito de realizar autênticas transformações na sociedade.

No momento, os direitos fundamentais e sociais começaram a ganhar espaço nas Constituições de diversas nações. E, nesse espectro, os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana passaram a ser analisados sob novo prisma, sendo que foi a Constituição de 1988 foi a que mais pretendeu regular e controlar os poderes privados na busca da justiça material, através do estabelecimento de direitos fundamentais.

Este fenômeno foi chamado de constitucionalização do direito civil resultou na constitucionalização do núcleo essencial das relações privadas e surge de uma demanda da sociedade indispensável para consolidação para o Estado Democrático e Social de Direito para a promoção da justiça social e da solidariedade que passou a ser incompatível com o modelo liberal anterior distanciamento jurídico dos interesses privados e valorização dos indivíduos.

Segundo Gustavo Tepedino, a constitucionalização do Direito Civil tem mudado a concepção do Direito Civil e, a ideia de que o Código Civil representa a Constituição do Direito Privado encontra-se ultrapassada. Portanto, todo o ordenamento jurídico deve ser interpretado à luz da Constituição Federal que possui a supremacia sobre todas as demais normas.

O ser humano passou a ser considerado não mais em abstrato, mas na especificidade de seu meio social, resultando em mudanças no reconhecimento da concepção plural de família, incluindo o casamento, a união estável, as famílias monoparentais e, mais recentemente, a união homoafetiva.

Enfim, o princípio da igualdade reflete, hoje, fortemente nas relações de família, pautando a igualdade entre os cônjuges, companheiros, filhos e entidades familiares. O pátrio poder, no qual o homem (pai) detinha o poder de decisão exclusivo na família, foi ultrapassado e, o texto constitucional e o Código Civil de 2002 inaugurou o poder familiar.

Os titulares do poder familiar são os pais, sem distinção, cabendo a eles as responsabilidades inerentes à família com as responsabilidades de criar, educar, guardar, manter e representar os filhos.

Já o direito de propriedade, também matéria tipicamente privada, está previsto no artigo 5º, inciso XXII da Constituição Federal, integram o rol de direitos e garantias fundamentais e, no artigo 170, inciso II. Como direito fundamental e segundo o princípio da ordem econômica, traz consigo o dever intrínseco de cumprimento de sua função social.

A função social da propriedade surge com o condão de promover o bem comum, enfatizando o papel de cada indivíduo para o bem-estar coletivo e, ainda, o respeito aos direitos individuais de cada um. O que acarreta limitações ao exercício de domínio pelo proprietário.

Também o contrato pode ser definido como acordo de vontades que gera obrigações para ambos ou apenas para um dos contraentes. Segundo a boa doutrina, é a mais comum e relevante fonte de obrigação, devido as suas múltiplas formas e inúmeras repercussões no mundo jurídico.

Chega-se até afirmar que, atualmente, não existe propriamente autonomia privada na celebração de contratos nos moldes concebidos pelo legislador, vez que o Estado também impõe limitação à autonomia das vontades.

Deixaram os contratos de serem campos livres exclusivos de atuação da autuação da autonomia da vontade, devendo estes seguir inúmeras e rigorosas regras com o fim de garantir que cumpra sua função social. Deve o Estado intervir no contrato para restaurar o equilíbrio com as partes.

Lembremos que a eficácia dos direitos fundamentais, a necessidade de se proteger o indivíduo dos abusos de poder do Estado, posicionando a pessoa humana como centro de todo ordenamento jurídico.

 

 

Referências

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[1] O Estado social de direito é aquele que se ocupa dos direitos de segunda geração, que exigem atitudes efetivas do Estado. São os direitos culturais,  econômicos e sociais. O Estado de bem-estar social (welfare state) é a postura social e econômica adotada pelo governo com o objetivo de diminuir as desigualdades sociais  através de políticas de distribuição de renda, medidas assistencialistas e fornecimento de serviços básicos. No Estado de bem-estar social, é dever do governo garantir aos indivíduos o que se chama, no Brasil, de direitos sociais: condições mínimas nas áreas  de saúde, educação, habitação, seguridade social, entre outras. Ademais, em momentos de crise e de desemprego, o Estado deve intervir na economia de  forma que se busque a manutenção da renda e do trabalho das pessoas prejudicadas com a situação do país. Isso foi feito, por exemplo, nos EUA,  na década de 1930, em que os níveis de desemprego ultrapassaram a taxa de 25%. Outro ponto central do welfare state é a existência de leis trabalhistas,  que estabelecem regras nas relações entre empregado e empregador, como salário-mínimo, jornada diária máxima, seguro-desemprego, etc.

[2] As principais características do Estado liberal são: Liberdade individual: Em um Estado liberal os indivíduos possuem liberdades que não podem sofrer interferências do governo. Assim, os indivíduos podem se envolver  em qualquer atividade econômica, política ou social em qualquer nível, desde que não viole os direitos de outrem. Igualdade: Em um Estado liberal, a igualdade é obtida através do respeito ao individualismo de cada pessoa. Isso significa que todos devem ser tratados da mesma forma, independente do gênero, idade, religião ou raça, observando-se sempre suas diferenças a fim de proporcionar a todos as mesmas oportunidades. Tolerância: A tolerância é consequência da igualdade com que o governo trata os indivíduos no Estado liberal, no qual todos têm a oportunidade de serem ouvidos e respeitados,  mesmo durante greves e manifestações. Liberdade da mídia: A mídia opera de forma imparcial e não está vinculada ao governo nos Estados liberais. Dessa forma, os meios de comunicação podem publicar informações de forma  livre e não tendenciosa, especialmente sobre assuntos políticos. Livre mercado: Nos Estados liberais predomina a chamada “mão invisível do mercado” que consiste na ausência de intervenção do governo na economia. Assim, qualquer indivíduo  pode exercer atividades econômicas e, dessa forma, o mercado se autorregula. O Estado liberal é o estado garantidor dos chamados direitos de primeira geração, que são de caráter individual e negativo, uma vez que exigem a abstenção  do Estado. Esses direitos são considerados fundamentais e estão relacionados à liberdade, aos direitos civis e políticos.

[3] O Estado de Direito teve início depois da Revolução Francesa, que marcou o fim do absolutismo e a instauração de um sistema de governo parlamentarista.  Durante o antigo regime – o absolutismo -, o governante detinha poder máximo e, dessa forma, não precisava respeitar nenhuma lei vigente. Contudo,  com o fim desse regime e com o advento do parlamentarismo, passou a vigorar o que chamamos de Estado de Direito. Essa forma de Estado foi justificada pelo teórico John Locke em seu livro “Segundo Tratado sobre o Governo”. Para ele, o estado de natureza do ser  humano não era um estado de ausência absoluta de leis como para Hobbes, mas, sem que houvesse um Estado para mediar os conflitos, o homem usaria  a força para satisfazer seus interesses próprios. No momento que isso acontecesse, entraríamos em um estado de guerra que só teria fim com o  estabelecimento de um contrato em que as pessoas renunciassem seus direitos de aplicar a leis para o Estado, para que este, por sua vez,  distribuísse com equidade os direitos de cada um. O Estado Democrático de Direito é uma forma de Estado em que a soberania popular é fundamental. Além disso, é marcado pela separação dos poderes estatais,  a fim de que o legislativo, executivo e judiciário não se desarmonizem e comprometam a soberania popular. Outro ponto importante que caracteriza essa forma  de Estado é o respeito aos Direitos Humanos que são fundamentais e naturais a todos os cidadãos. Assim, é possível perceber a importância do que está escrito

no artigo 1º da Constituição Federal, que foi exposto no início do texto. Ou seja, o Estado Democrático de Direito permite que nos organizemos em uma sociedade  minimamente justa e estável, com relações de poder que tragam mais benefícios que prejuízos.

[4] Como se tem procurado evidenciar, inclusive com o objetivo de assegurar o respeito aos valores fundamentais da pessoa humana, o Estado deve procurar ao máximo de juridicidade. Assim é que se acentua o caráter de ordem jurídica, na qual estão sintetizados os elementos componentes do Estado. Além disso, ganham evidência as ideias da personalidade jurídica do Estado e da existência, nele, de um poder jurídico, tudo isso procurando reduzir a margem de arbítrio e discricionariedade e assegurar a existência de limites jurídicos à ação do Estado. A Jurisdição, sob o prisma constitucional, é o Poder-dever do Estado-Juiz, através de magistrados legal e legitimamente investidos no cargo, de dizer o direito em um determinado território. Cássio Scarpinella Bueno complementa o conceito apresentado acima, em afirmar que “a jurisdição, diferentemente da compreensão que lhe emprestou a doutrina tradicional do direito processual civil, não se restringe, apenas, à declaração jurisdicional do direito. Jurisdição não é só reconhecer, no sentido de declarar quem tem e quem não tem um direito digno de tutela (proteção) perante o Estado, ao contrário do que a etimologia da palavra poderia dar entender. A jurisdição envolve também, pelo menos à luz do modelo constitucional do processo civil brasileiro, as medidas voltadas concretamente à tutela (à proteção) do direito tal qual reconhecido pelo Estado-juiz”.

[5] Cinco dimensões de direitos fundamentais. A primeira dimensão e o Estado Liberal; A segunda dimensão e o Estado-Providência; Terceira dimensão, valor da solidariedade; Quarta e quinta dimensão. quarta geração ou dimensão reputa direitos que concernem ao futuro da cidadania e da liberdade de todos os povos na globalização, referentes ao direito à democracia, ao direito à informação e ao direito ao pluralismo. Nada obstante, o Supremo Tribunal Federal[20], através do Ministro Ricardo Lewandoski, aventou que os direitos de quarta geração são decorrentes do avanço da tecnologia da informação e da bioengenharia, como a proteção contra as manipulações genéticas. De outra banda, há autores, como o próprio Paulo Bonavides, que defendem uma quinta geração ou dimensão de direitos fundamentais.

Esta seria a paz, que é um direito superior e garantidor da sobrevivência digna na terra.

[6] Os direitos de primeira geração constituem-se em direitos da liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente. Os direitos de segunda geração são os denominados direitos sociais, culturais e econômicos, bem como os direitos coletivos ou de coletividade, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado Social depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal do século XX. Nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e os estimula. Os direitos fundamentais de terceira geração são decorrentes da consciência de um mundo partido entre nações desenvolvidas e subdesenvolvidas ou em fase de precário desenvolvimento. Tais direitos permitiram que em seguida fosse buscada uma outra dimensão dos direitos fundamentais, até então desconhecida. Trata-se daquela que se assenta sobre a fraternidade, e provida de uma latitude de sentido que não parece compreender unicamente a proteção específica de direitos individuais ou coletivos. Portanto, os direitos de terceira geração dizem respeito ao: direito ao desenvolvimento, direito à paz, direito ao meio ambiente, direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e direito de comunicação. Os direitos fundamentais de quarta geração dizem respeito ao direito à democracia, ao direito à informação e ao direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta e humanista do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de conveniência.

[7] Na “Velha Hermenêutica” interpretava-se a lei à exaustão, por meio de operações lógicas. Na “Nova Hermenêutica”, concretiza-se o preceito constitucional,  o que significa interpretar com criatividade[1] (BONAVIDES, 2000, p. 585). As regras tradicionais de interpretação, que operam pela “abstração do problema concreto a decidir” e, em seguida, “a subsunção em forma de conclusão silogística com o conteúdo da norma” (ALVARENGA, 1998, p. 90-91), perdem lugar no  contexto da interpretação constitucional. No que pesa à hermenêutica constitucional, a contribuição de Konrad HESSE (1998, p. 61) foi levar o foco do procedimento de realização do Direito Constitucional para as particularidades concretas das condições de vida, aliadas ao contexto normativo. “Interpretação constitucional é concretização.” Nesse panorama da concretização, ou da “Nova Hermenêutica” (BONAVIDES, 2000, p. 544), não há lugar para os métodos tradicionais de interpretação, instituídos  por Savigny (gramatical, sistemático, histórico, teleológico), em si mesmo considerados[3], haja vista a Constituição não oferecer critérios inequívocos,  seguros, que proporcionem diretrizes suficientes: “onde nada de unívoco está querido, nenhuma vontade real pode ser averiguada” (HESSE, 1998).  Sendo a norma indeterminada, ela não pode ser fundamento único para a interpretação (ALVARENGA, 1998).

[8] É preciso reconhecer, entretanto, que compreender o princípio da dignidade humana como respeito à autonomia apenas torna a noção menos controversa, não a torna imune a dúvidas. Ao menos duas delas merecem ser mencionadas. Um problema que aparece ao condicionar a dignidade humana à capacidade de ter autonomia está no fato de que nem todos os seres humanos a possuem, por exemplo, as crianças e os portadores de deficiências mentais graves. Isso implicaria que eles não são dignos, não merecem igualdade de consideração. Por isso, as questões do descarte de embriões e do aborto provocam grande controvérsia sobre o início da personalidade jurídica, pois nesses estágios do desenvolvimento ainda não é biologicamente possível haver as capacidades mentais necessárias para a autonomia (FRIAS, 2012; FRIAS, 2013). Contudo, uma dificuldade ainda maior está no caso dos indivíduos que nunca terão o desenvolvimento cognitivo suficiente para ter autonomia. Esse é um tema bastante controverso entre bioeticistas – McMahan (2002, p. 203-230) apresenta e analisa a literatura pertinente – e não é possível analisá-lo adequadamente aqui. Uma alternativa (não sem problemas) seria reconhecer que a justificativa para dar igualdade de consideração a seus interesses está, não na dignidade, mas sim na compaixão para com seu sofrimento e suas limitações.

[9] As questões básicas da justiça social são:  Por que existem desigualdades?  Elas são justas?  Como lidar com essas desigualdades? Algumas pessoas entendem que para fazer justiça social basta redistribuir recursos materiais na sociedade. Outras pessoas pensam que é preciso garantir a igualdade de oportunidades para todas as pessoas. E há, também, quem ache que a justiça social exige um certo tipo de reconhecimento das identidades, que não ocorre com a mera distribuição de recursos e oportunidades. É no debate entre essas vertentes que surgem as grandes discussões sobre justiça social. Assim, pensar em justiça social é, de maneira geral, aceitar que a sociedade não precisa ser como é e que desigualdades existem não porque o mundo é assim, ou porque é algo natural, mas porque foram e são feitas escolhas. E se é assim, então a sociedade pode ser diferente. A sociedade pode escolher formas para lidar com as desigualdades, as quais passam pela redistribuição, pelo reconhecimento ou pelas duas coisas juntas.

[10] Augusto Teixeira de Freitas (19 de agosto de 1816 — 12 de dezembro de 1883) foi um jurisconsulto brasileiro,  reconhecido como o jurisconsulto do império. Sua obra constitui objeto de profundos estudos acadêmicos até os dias de hoje, no Brasil e no exterior. É denominado de Jurista Excelso do Brasil. Escreveu o Esboço do Código Civil para o Império do Brasil. Chamou de esboço, pois acreditava que faltava ainda muito para torná-lo um código. Misto de Ulpiano, Cujácio e Savigny, Teixeira de Freitas, adotando uma posição intermediária entre a teoria normativo-intelectualista  e a teoria imperativa ou voluntarista, entendendo a lei como um dever-ser imperativo, não provindo propriamente da vontade do legislador,  mas do que o bem comum exige, delineou tanto no Esboço quanto na Consolidação das leis civis o problema dos valores jurídicos fundamentais.  Uma vez que os valores são o fundamento necessário do dever-ser contido nas normas, a lei só pode ordenar positivamente coisas justas e honestas.

[11] Código instituído pela Lei n° 3.071, de 1º de janeiro de 1916, também conhecido como Código Beviláqua. Entrou em vigor em janeiro de 1917 e permaneceu vigente no país até janeiro de 2002. Seus 2.046 artigos aparecem divididos em dois grandes blocos: Parte geral e Parte especial. A primeira parte é composta de três livros intitulados: Das pessoas, Dos bens e Dos fatos jurídicos; quatro livros compõem a Parte especial: Do direito de família, Do direito das coisas, Do direito das obrigações e Do direito das sucessões.