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Planejamento Patrimonial da Família

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William Pereira dos Santos Júnior, Advogado especialista em Planejamento Patrimonial da Família. OAB/SP 273.743. 

 

Ultimamente estamos passando por um momento de crise e instabilidade econômica em decorrência de diversos fatores, internos e externos que vem ocorrido no Brasil e no mundo.

O mais notório e intenso foi o ocorrido em razão da pandemia, nos pegou de surpresa e abalou o mundo todo, nos forçando, por razões de saúde, a se isolar seguindo protocolos legais advindos de Organismos mundiais.

Mesmo tomando todas as cautelas necessárias muitos de nós perderam entes queridos de maneira repentina deixando as famílias em maus lençóis.

E muitas dessas famílias possuem um patrimônio que fora conquistado ao longo dos anos graças ao trabalho honesto que ao longo da vida foi exercido com dignidade para assegurar um conforto as suas famílias.

Porém, por conta desses incidentes ocorridos e por infortúnios da vida, muitas famílias tiveram que se valer de ferramentas dispostas no ordenamento Jurídico para efetuar a transferência do patrimônio daquele que nos deixou para os eventuais herdeiros; no entanto, muitos não tem noção do quanto é oneroso se submeter a tais procedimentos para transmissão de bens.

O referido instrumento é o inventário, todo aquele que falece, fato que não podemos fugir, tem que se submeter a esta ferramenta jurídica, que é extremamente oneroso e muito demorado, muitas vezes perdurando por anos a fio, fora os encargos que necessariamente tem que ser arcado.

Assim, muitas famílias ficam em situação bem complicada, tendo que se rebaixar de nível social por conta dos encargos, além de ter que se desfazer de bens para arcar com os custos do inventário, fora o risco de acarretar uma instabilidade familiar ocasionando desavenças das mais diversas situações.

Porém, há uma solução, em nosso ordenamento jurídico há um método absolutamente legal que viabiliza a transferência de patrimônio para os herdeiros com uma considerável economia de encargos, trata-se do planejamento patrimonial familiar.

Muitos entendem que o planejamento patrimonial familiar é feito através de testamento, ledo engano, o testamento é um instrumento absolutamente arcaico e não há qualquer economia nos encargos a serem cobrados e muitas vezes pode demorar muito para ser transferido o patrimônio, fala-se do inventário extrajudicial, também não há qualquer economia utilizando-se desse método, é absolutamente arcaico e oneroso.

Pois bem, o Planejamento Patrimonial da família, consiste em utilizar institutos do Direito Civil, do Direito Empresarial e do Direito Tributário para viabilizar a transferência do patrimônio e se valer de economia com encargos.

Mas como é executado esse Planejamento Patrimonial da Família?

O instituto é bem complexo, por isso há de se valer de um especialista para poder ter efetividade e que a ferramenta seja útil as Famílias.

Em um primeiro momento é feita uma análise da situação das famílias, pois o planejamento deve ser feito em vida, pois a finalidade é evitar o inventário, é um trabalho artesanal e personalíssimo, valendo-se da realidade de cada família.

Basicamente é criada uma empresa, sim uma empresa, pois as pessoas falecem já as empresas não falecem elas se mantem e só se extinguem por vontade dos proprietários; essa empresa é uma holding, instituto totalmente lícito e previsto em nosso ordenamento sendo utilizado pois muitas famílias que têm a pretensão de proteger seu patrimônio e seus descendentes.

Após criada essa empresa, todo o patrimônio é transferido para ela da pessoa física para a pessoa jurídica, ficando esta proprietária do patrimônio e sendo ela de propriedade de quem a criou.

Transferido todo o patrimônio para a empresa começa a execução do planejamento patrimonial sendo utilizados dos institutos dispostos na lei e aplicados as empresas, para viabilizar a transferência dos bens aos herdeiros, bem como a proteção do patrimônio; além de aplicar os institutos do Direito Tributário para viabilizar a economia de encargos tributários referente a impostos etc.

O patrimônio dentro da holding é transformado em quotas, sendo a elas aplicadas regras de direito empresarial, se valendo o proprietário da holding de todos os mecanismos legais para ter todos os poderes e muitas vezes além daqueles que tinha quando proprietário do patrimônio.

Pois bem, assim instituída a holding e aplicada todas as ferramentas dispostas em nosso ordenamento jurídico para que possa o proprietário dela se valer dos benefícios a ela inerente é feita a doação das quotas aos herdeiros, porém a doação é feita com reserva de usufruto.

O que seria essa doação com reserva de usufruto?

Trata-se de uma cláusula disposta no instrumento de doação que transfere as quotas aos herdeiros, porém eles só irão ter direito a elas depois de um acontecimento futuro que seria o falecimento do proprietário delas, com essa cláusula o proprietário terá plenos direito de fazer o que bem entender com o seu patrimônio que está continho na holding sem que os herdeiros possam tomar qualquer partido.

Assim que efetivados os institutos os herdeiros somente irão adquirir o patrimônio com o falecimento do proprietário da holding, desse modo as quotas serão transferidas aos herdeiros sem a realização do inventário, é feita a efetivação da doação com o falecimento.

Qual a vantagem disso?

Inúmeras são as vantagens, os herdeiros já sabem o que irão herdar, não terão que se valer o inventário, que é demorado e muito caro para ser executado e os bens são transferidos no exato momento do falecimento.

Trata-se de um instrumento absolutamente lícitos e que tem todos os meios para serem executados em nosso ordenamento jurídico, utiliza-se dessas ferramentas, pois como já foi dito acima, a empresa não falece como a pessoa física, para ela se extinguir depende da vontade de uma pessoa, podendo ser eterna.

Assim, tendo em vista todos os acontecimentos que estão ocorrendo em nosso país e no mundo, podendo ocorrer acontecimentos imprevisíveis que pode repercutir de maneira intensa em nosso meio, nada mais prudente que desde já as famílias se valerem do Planejamento Patrimonial da Família utiliazando da holding como ferramenta, trata-se de um mecanismo lícito e totalmente válido em nosso ordenamento.

Devemos pensar em nossos entes queridos e em todo o trabalho desenvolvido ao longo de nossas vidas que com muito suor para adquirir um bem e tudo isso é feito e pensado em nossos entes queridos, ninguém em sã consciência quer vê-los em situação de dificuldade e passando por maus lençóis, por isso executar uma prevenção pensando no futuro é o mais prudente e inteligente, assim existe a Holding como ferramenta de um Planejamento Patrimonial da família.

a família é a célula “mater” da sociedade e com unhas e dentes devemos protegê-la e mantê-la saudável para que nossos descendentes não passem por situações desnecessárias.

Modelos de Peças Processuais dos Remédios Constitucionais

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Disponibilizamos 5 modelos de peças processuais dos principais remédios constitucionais, como contribuição da Professora Gisele Leite, colaboradora e associada do PROLEGIS INSTITUTO DE PESQUISA E ENSINO JURÍDICO.

 

Modelos:

MODELO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA

MODELO DE MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL

MODELO DE MANDADO DE INJUNÇÃO COM PEDIDO DE LIMINAR

MODELO DE AÇÃO POPULAR

MODELO DE HABEAS DATA

 

MODELO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA

 

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da ____ Vara da Infância e Juventude da Comarca de_____.

 

Espaçamento de 10 linhas

 

O Ministério Público do Estado de _____, através de seu representante legal, no uso de suas atribuições legais e com fundamento nos artigos 129, II e III e artigo 227 da Constituição Federal de 1988, nos artigos 1 ao 5, artigo 87, incisos II e III, artigo 88, I, III, V e VI, artigos 13, 56, caput, 88, inciso II, 89, 90, parágrafo único, 91, 95, 131 a 140, 148, inciso IV, 201, inciso V, 209, 210, inciso I, 260, §2º e 261, parágrafo único, todos da Lei Federal 8.069/1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, vem, à presença deste juízo propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido de liminar e preceito cominatório da OBRIGAÇÃO DE FAZER, em face do Município de _______, pessoa jurídica de direito público interno, com sede à _____, nesta cidade, pelos fatos e fundamentos seguintes:

 

DOS FATOS

 

O Ministério Público do Estado de ____, via do procedimento anexo, averiguou que o Município de não vem cumprindo completamente com suas obrigações com suas crianças e adolescentes, negando-lhes sua proteção integral preconizada na legislação pátria, notadamente no estatuto menorista.

Vislumbrou-se que o Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, o Conselho Tutelar e o Fundo da Infância e Juventude – instrumentos obrigatórios na defesa dos direitos de nossas crianças e adolescentes não foram implementados, o que vem trazendo grandes e irreparáveis prejuízos àqueles, aos seus respectivos país, e, consequentemente, a toda a comunidade local.

Inicialmente, foi requisito pelo Parquet do Município de _____ que informasse a existência de tais órgãos e fundo, obtendo-se a resposta negativa anexada a esta peça.

O Município-Requerido informou que não possui os Conselhos de Direitos e Tutelar nem o Fundo da Infância e Juventude funcionando e não soube esclarecer algum motivo plausível para tal omissão o que prejudica plenamente o atendimento à criança e ao adolescente que se encontram em alguma das hipóteses do artigo 98, I, do ECA.

A omissão do Município-Requerido é tamanha que a inexistência de tais órgãos simplesmente deixou a população local órfã de atendimento que o Estatuto da Criança e do Adolescente determina à criança e ao adolescente.

De nada adiantaria ao Requerido contra argumentar que a implementação de tais organismos é de difícil atendimento, visto que tal omissão explicita a falta de atendimento à infância e juventude como PRIORIDADE ABSOLUTA – que é princípio constitucional cogente. (explicitar casos específicos de sua comarca – averiguados no inquérito civil público – por exemplo, falta de atendimento à criança/adolescente, falta de fiscalização e recebimento de denúncias de fatos contra crianças e adolescentes, falta de encaminhamento de notícias de infração administrativa, de representação contra omissão aos direitos da criança e do adolescente, inclusive com a transcrição de eventuais depoimentos colhidos no procedimento investigatório respectivo, etc.).

DA LEGITIMIDADE AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O legislador pátrio erigiu ao Ministério Público, elencando outras entidades, o instrumento judicial consubstanciado na AÇÃO CIVIL PÚBLICA que é ora operacionalizada para fins de obrigar o Requerido a cumprir com suas obrigações constitucionais e infraconstitucional, notadamente in casu, para a implantação e manutenção dos programas protetivos destinados a crianças e a adolescentes em situação de risco.

Há nítida visualização de que os interesses difusos e coletivos da infância e juventude, neste caso formada por aqueles que, em razão de suas condutas censuráveis ou por serem vítimas de situação de abandono ou risco, está ferida de morte, sendo carecedores da implementação dos prefalados órgãos e fundo municipal.

A legitimidade ad causam do Ministério Público para o presente instrumento brota cristalino do artigo 129, incisos II e III da Constituição Federal e artigos 201, inciso V e 210, inciso I, da Lei nº 8.069/90, sendo patente que o objeto dela – direitos difusos e coletivos atingidos – alcança reflexamente toda a comunidade local, pelo que resta plenamente autorizada a atuação do Parquet.

A própria doutrina leciona que a “…defesa de interesse de um grupo determinado ou determinável de pessoas pode convir à coletividade como um todo, como quando a questão diga respeito à saúde ou à segurança das pessoas, ou quando haja extraordinária dispersão de interessados, a tornar necessária ou, pelo menos, conveniente sua substituição processual pelo órgão do Ministério Público, ou quando interessa à coletividade o zelo pelo funcionamento correto, como um todo, de um sistema econômico, social ou jurídico. Tratando-se, porém, de interesses disponíveis de crianças e adolescentes, de interesses coletivos ou difusos, sua defesa interessará sempre à coletividade como um todo.”.

DA COMPETÊNCIA

O Estatuto da Criança e do Adolescente determina que o Juízo competente para processar as causas em que houver interesse de criança e adolescente seria o do Juízo onde ocorrer o dano e nesse sentido dita que:

“Art. 209. As ações previstas neste capítulo serão propostas no foro do local onde ocorreu ou deve ocorrer a ação ou omissão, cujo Juízo terá competência absoluta para processar a causa, ressalvadas a competência da Justiça Federal e a competência originária dos Tribunais Superiores.”

 

 

E:

“Art. 148. A Justiça da Infância e Juventude é competente para: IV. conhecer de ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente, observando o disposto no art. 209.”

Está mais que provado nos autos que a inexistência dos Conselhos Municipal de Direitos e Tutelar e do FIA impõe a esta comunidade imenso prejuízo na defesa dos direitos e interesses infanto-juvenis.

DO DIREITO

A Carta Magna pátria erigiu a título de direitos fundamentais – cujos credores são os cidadãos brasileiros – bens inalienáveis como a saúde, a segurança, a educação e o lazer.

A doutrina da proteção integral foi abraçada pelo legislador menorista ao ditar no artigo 1º, do ECA que esta “…lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”, e a Constituição da República dita que:

“Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição…

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

A execução de programas e ações governamentais – notadamente na área social – serão de atribuição para fins de organização da União, devendo os Estados membros e os Municípios implementarem aquele, via de dotação orçamentária para o cumprimento de tais obrigações constitucionais (art. 224, CF).

Na esteira do presente raciocínio, o legislador menorista – implementando na legislação infra constitucional o espírito da descentralização da política de atendimento – dita que:

“Art. 88. São diretrizes da política de atendimento:

I – a municipalização do atendimento;

III – a criação e manutenção de programas específicos, observada a descentralização político-administrativa;

V – a integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social, preferencialmente em um mesmo local, para efeito de agilização do atendimento inicial a adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional;

VI – a mobilização da opinião pública no sentido da indispensável participação dos diversos segmentos da sociedade.”

Reza o artigo 91, caput, que as entidades não-governamentais somente poderão funcionar depois de registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, o qual comunicará o registro ao Conselho Tutelar e à autoridade judiciária da respectiva localidade.

Tal dispositivo inicia a indicação da importância desses organismos no sistema do ECA, demonstrando cabalmente que as entidades não-governamentais que tanto auxiliam o Poder Público, nesta área, somente podem funcionar após ter seu registro autorizado pelo CMDCA, sendo fiscalizada, entre outros órgãos, pelo Conselho Tutelar (art. 95, ECA).

Consoante frisou-se acima, a importância do CMDCA vem explícita na entabulação das políticas públicas na área, e o Conselho Tutelar foi criado como órgão autônomo e permanente, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente (artigo 131, ECA).

Importante frisar-se a este Juízo que a presente pretensão não fere direta ou indiretamente o poder discricionário do administrador público, ou seja, macular a permissão legal daquele em praticar o ato administrativo conforme sua conveniência e oportunidade.

Ocorre que o sistema legal pátrio exige do agente político que atenda convenientemente às mínimos garantias e direitos constitucionalmente assegurados, notadamente aqueles que são credores a criança e do adolescente.

 

Os doutos lecionam que:

“Ao criar Direitos Constitucionais da Criança e do Adolescente, a Constituição, por injunção de movimentos populares dos municípios junto aos constituintes, deu aos municípios direitos e deveres públicos para com seus filhos adultos. Deu também ao município o poder municipal de assumir as decisões de tudo quanto se faça no âmbito governamental para a defesa dos direitos de suas crianças e adolescentes…Esse poder municipal de definir a política peculiar local para a infância e a adolescência está regulado no Estatuto da Criança e do Adolescente, criado pela Lei Federal nº 8.069/90, de 13 de julho de 1990.”

Sob a ótica crítica dos doutrinadores, os agentes políticos “…nas três esferas, federal, estadual e municipal não têm considerado a educação e a saúde como prioridades sociais básicas, preocupando-se mais em executar obras faraônicas dispensáveis, como sambódromos, autódromos, memoriais, etc…, onde são gastas somas fabulosas, enquanto não destinam verbas aos setores necessitados. Isso sem falar nas verbas gastas em propagandas pessoais…omissis…nos programas dos governantes as prioridades só constam em épocas de eleições, quando as promessas são feitas de maneira generosa, mas basta-lhes assumir o poder para esquecerem o prometido e aplicar as verbas públicas em obras supérfluas…”.

A realidade de nossa nação, infelizmente, indica que várias prioridades – tais como a infância e juventude – são atacadas com o ‘hábito’ de adiamento ou de transferência de tais questões para mandatos futuros, e seu sucessor nem sempre continua ou toma para si tal responsabilidade, principalmente se o antecessor pertencia a legenda adversária.

Entretanto, a filosofia da PRIORIDADE ABSOLUTA na área da infância e juventude – preconizada no artigo 227 da Constituição Federal – se funda no entendimento pacífico de que os agentes políticos devem dedicar à criança e ao adolescente prioritariamente a destinação de verbas públicas, orçadas responsavelmente, pelo que poderia o Requerido – caso tivesse real interesse nesta área – criar e implementar os programas de atendimento com estrutura eficaz ao alcance de sua pretensão.

 

DAS MEDIDAS PROTETIVAS E DOS PROGRAMAS DE ATENDIMENTO E A INEXISTÊNCIA DOS CONSELHOS MUNICIPAL DE DIREITOS E TUTELAR E FIA

Inicialmente, transcreve-se a regra legal pertinente à aplicação de medidas protetivas (Art. 101, do Estatuto da Criança e do Adolescente):

“Art. 101 – Verificada qualquer das hipóteses previstas no Art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:

I – encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;

II – orientação, apoio e acompanhamento temporários;

III – matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;

IV – inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente;

V – requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;

VI – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;

VII – abrigo em entidade;

VIII – colocação em família substituta.”

A inexistência do Conselho Municipal de Direitos, diante de sua primeira destinação (artigo 88, inciso II, ECA), indica que dificilmente haverá participação da comunidade nas decisões do Executivo Municipal para fins da elaboração da política pública para a área da infância e juventude.

As decisões de elaboração da política pública terão unicamente o Executivo Municipal como ‘órgão pensante’, excluindo, como determina o Estatuto da Criança e do Adolescente, que entidades organizadas da comunidade também tenham acesso a tal estudo e discussão.

 

Por outro turno, a inexistência do Conselho Tutelar impede, claramente, que haja atendimento à criança e ao adolescente que esteja em alguma situação de risco elencada no artigo 98 e incisos do ECA.

A nova sistemática jurídica, implementada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, determina claramente que, para atendimento e fiscalização do cumprimento dos direitos infanto-juvenis, é necessária a existência de um órgão autônomo, permanente e não-jurisdicionalizado, composto por cidadãos locais escolhidos pela própria sociedade.

Basta dizer que a inexistência de Conselho Tutelar, neste município, tem inviabilizado o atendimento de milhares de famílias que buscam, em outros órgãos, a proteção dos direitos de seus filhos, isto quando não desistem de procurar tais direitos pela falta de outros instrumentos mais próximos que recebam tais denúncias e tomem as providências iniciais necessárias

Por outro turno, vislumbra-se que – na inexistência de Conselho Municipal de Direitos e Conselho Tutelar – as inscrições de entidades que prestarão atendimento às crianças/adolescente no município, bem como TODAS as FUNÇÕES do CT deverão ser analisadas e exercidas pela autoridade judiciária (artigos 261 e 262, ambos do ECA).

Verifica-se que a omissão do Município-Requerido ainda traz sobrecarga indevida ao Poder Judiciário que, diante de suas variadas funções relevantes, fica obrigado a prestar tais funções – de carga não-jurisdicional – que certamente impedem a prestação de suas atribuições legais com a celeridade e o êxito que a sociedade exige.

A omissão do Município-Requerido é tamanha que desconhece sua obrigação de encaminhar projeto de lei ou de cumprir a legislação federal e municipal que assim dita:

“Artigo 259…

Parágrafo único – Compete aos Estados e Municípios promoverem a adaptação de seus órgãos e programas às diretrizes e princípios estabelecidos nesta Lei.”

E, diante da inexistência de tais órgãos e do Fundo Municipal da Infância e Juventude, resta flagrante lesão aos direitos constitucionais de nossas crianças e adolescentes, assim como de toda a comunidade, em não estarem sendo atendidos e possuindo seus casos devidamente encaminhados para fins da proteção integral preconizada na legislação infraconstitucional (artigo 1º, Lei Federal nº 8.069/90).

 

DA MEDIDA LIMINAR INAUDITA ALTERA PARTE

Analisando-se as provas colhidas nos autos, diante da realidade local, tem se que estão presentes os requisitos para a concessão da medida liminar, inaudita altera parte, consoante requisita o artigo 12, da Lei nº 7.347/85 e artigo 213, parágrafo 1º, do ECA, tendo em vista a presença do fumus boni iuris, frente à manifesta omissão do requerido em criar e implementar efetivamente o CONSELHO MUNICIPAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, o CONSELHO TUTELAR DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE e o FUNDO MUNICIPAL DA INFÂNCIA E JUVENTUDE.

Resta presente, também, o periculum in mora, visto que os fatos comprovam que resta insustentável a presente situação, estando a cada minuto agravando-se as condições de nossas crianças e adolescentes que necessitam do devido atendimento e de que a comunidade comece a deliberar, em conjunto com o Poder Público, sobre as políticas públicas municipais de atendimento à criança e ao adolescente.

E o que dizer do inevitável prolongamento de várias situações lesivas à criança e ao adolescente (abuso sexual, agressões físicas de terceiros e dos pais, não recebimento de alimentos, falta de vagas nas escolas etc.) que, diante da inexistência dos organismos supracitados dificultam inclusive que o Ministério Público e o Poder Judiciário recebam tais denúncias e tomem as providências legais (urgentes) para a solução dos mesmos.

Nesse sentido, mister se faz que medida liminar seja deferida por este Juízo, sob pena de perecimento do direito e graves prejuízos às crianças e aos adolescentes desta comunidade, visto que o Requerido não tem dado a esta área a devida atenção na forma da lei.

DOS PEDIDOS

Destarte, o Ministério Público, via da sua exposição, vem requerer a Vossa Excelência PELO EXPOSTO, restando evidente a violação aos direitos e interesses da infância e da adolescência do Município de, pela omissão do Requerido em criar e manter o CMDCA, o CT e o FIA previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, requer:

  1. a concessão da medida liminar, na forma da legislação vigente, para compelir o Município-Requerido a elaborar e remeter, em trinta dias, projeto de lei municipal criadora do Conselho Municipal de Direitos, do Conselho Tutelar e do Fundo Municipal da Infância e Juventude;
  2. a concessão de medida liminar, na forma da legislação vigente, para que – uma vez sancionada a lei municipal citada no item anterior, promova, também em trinta dias, o procedimento legal para a convocação e nomeação do Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, dando posse a seus membros titulares e providenciando local adequado para seu funcionamento, além da sua manutenção com funcionário e material de expediente;
  3. a concessão de medida liminar, na forma da legislação vigente, para que, uma vez nomeado o Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, o Município-Requerido seja compelido em auxiliar aquele com todo material necessário à realização do pleito de escolha dos membros do Conselho Tutelar, providenciando, até a posse destes, local adequado, funcionário e material para trabalho do Conselho Tutelar;
  4. a concessão de medida liminar, na forma da legislação vigente, para que no prazo máximo de trinta dias após a entrada em vigor da lei municipal citada no item “1”, o Município-Requerido providencie a elaboração e publicação de decreto municipal regulamentando o Fundo Municipal da Infância e Juventude, ressaltando que o Poder Executivo somente fará a gerência contábil do mesmo, estando a aplicação de suas receitas condicionadas às deliberações do Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente;
  5. A cominação ao requerido, em liminar, de multa diária equivalente a R$ 5.000,00 (cinco mil reais), para o caso de descumprimento de qualquer dos prazos a serem estabelecidos por este Juízo – consoante itens anteriores (art. 213, parágrafo 2º, do ECA), revertendo os valores cobrados sob este título ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, conforme preceitua o art. 214, do Estatuto, fazendo o recolhimento à conta vinculada a este Juízo, caso o Fundo Municipal da Infância e Juventude ainda não esteja regulamentado, com o repasse posterior com a sua implementação;
  6. a citação do requerido, na pessoa de seu representante legal, para contestar, querendo, a presente ação, no prazo que lhe faculta a lei, cientificando-lhe que a ausência de defesa implicará revelia e reputar-se-ão como verdadeiros os fatos articulados nesta inicial;
  7. após a produção da mais ampla prova, seja julgada procedente a presente ação, para efeito de tornarem definitivas as liminares que forem concedidas, julgando-se procedentes todos os presentes pedidos e condenando-se o Município-Requerido no ônus de sucumbência.

Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (hum mil reais), para efeitos meramente fiscais.

 

Nestes Termos

Pede Deferimento

 

Local e Data

Assinatura

 

 

Obs.: É necessário esclarecer-se que o presente modelo de Ação Civil Pública diz respeito ao Município, omisso, que sequer possui lei municipal criadora do Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, do Conselho Tutelar e do Fundo Municipal da Infância e Juventude.

No que se refere aos municípios que possuem lei municipal nesse sentido, mister se faz que a ação civil pública – também cabível – seja manejada no sentido de obrigar o município a criar todos os organismos supracitados ou, nos casos em que, por exemplo, haja somente Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente funcionando, para que implemente o Conselho Tutelar e o Fundo Municipal da Infância e Juventude ou, se possui aqueles implementados, para que seja obrigado a regulamentar e efetivar o Fundo da Infância e Juventude.

Nesse sentido, a ação civil pública é instrumento idôneo, no dizer pacífico da jurisprudência nacional, para acionar o Município que esteja omitindo-se no cumprimento desses direitos constitucionais de nossas crianças e adolescentes.

Ressalte-se, finalmente, a possibilidade da utilização da Ação Civil Pública para fins de obrigar o Município, por exemplo, a dar condições de trabalho ao Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente ou ao Conselho Tutelar, o que infelizmente vem ocorrendo com certa frequência em nosso Estado

 

 

MODELO DE MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL

 

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da _____ Vara Cível da Comarca de _______.

Espaço de dez linhas.

Nome completo do impetrante, nacionalidade, estado civil, profissão, RG nº___, CPF ___,

residente e domiciliado à _____, por meio de seu advogado in fine assinado, vem, respeitosamente,

à presença de Vossa Excelência impetrar o MANDADO DE SEGURANÇA com base no artigo 5, LXIX da CFRB/1988

e artigo 1 da Lei 12.016/2009, contra o ato praticado pelo Fulano de Tal, nome completo, qualificação,

pelos fatos e fundamentos a seguir expostos:

DOS FATOS

O Impetrante teve seu direito líquido e certo (descrever o direito) violado pela conduta da autoridade coatora

(descrever a conduta).

Dessa forma, o Requerente encontra-se impossibilitado de exercer seu direito, não restando alternativa  senão a impetração do presente remédio constitucional.

DO DIREITO

De acordo com a Constituição Federal de 1988, conceder-se-á Mandado de Segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público (art. 5º, LXIX). De modo que, cabe ao impetrante demonstrar a lesão a direito líquido e certo, ou seja, direito que se considera incorporado definitivamente ao patrimônio de alguém e sobre o qual não paira dúvida ou contestação possível.

Igualmente, o artigo 1º, da Lei nº 12.016/09 institui que será concedido o mandado de segurança “para proteger direito líquido e certo, não amparado por ‘habeas corpus’ ou ‘habeas data’, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte

de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça”.

Conclui-se que o ato coator viola direito líquido e certo do Impetrante, fazendo jus à concessão da ordem para que explicar a ordem desejada para que cesse a violação ao seu direito.

Nesse sentido, citar doutrina e jurisprudência.

DO PEDIDO

Diante do exposto, espera que a ordem seja concedida, assegurado ao impetrante o direito de especificar e que se suspenda o ato impugnado até decisão da causa

Requer-se a notificação da autoridade coatora, que pode ser encontrada no endereço supra referido, do inteiro conteúdo desta inicial, entregando-lhe a segunda via acompanhada de todos os documentos anexos para que preste as informações que julgar necessárias no prazo de quinze (10) dias, nos termos do artigo 7º, inciso I, da Lei nº 12.016/09.

Ademais, requer que se dê ciência do fato ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que, querendo, ingresse no feito, nos moldes do artigo 7º, inciso II, da Lei 12.016/09.

 

Findo o prazo para informações, e ouvido o Ministério Público, devem os autos irem à conclusão para a decisão definitiva que será comunicada à autoridade coatora.

Requer, ainda, a condenação do Impetrado no pagamento das despesas processuais na forma da lei.

 

Dá-se à presente ação o valor de Valor em reais.

Nesses Termos,

Pede Deferimento.

Local, dia de mês de ano.

 

Assinatura do Advogado

Número de Inscrição na OAB

 

 

 

MODELO DE MANDADO DE INJUNÇÃO COM PEDIDO DE LIMINAR

 

Excelentíssimo (a) Doutor(a) Juiz(a) de Direito da ____ Vara Cível da Comarca de ________.

Espaçamento de 10 linhas

 

___________(Pessoa Jurídica), firma individual inscrita no CPNJ nº _____, sediada à _______, CEP ____,

através de seu advogado in fine assinado, com escritório situado à __, e-mail ________,vem, com o

devido acatamento perante a presença de Vossa Excelência, ajuizar o presente

MANDADO DE INJUNÇÃO

em face do Município de _________, pelos motivos fáticos e jurídicos adiante citados.

OS FATOS E FUNDAMENTOS JURÌDICOS DO PEDIDO

A requerente, empresa prestadora de serviços de transportes via motocicleta, teve indeferido pela autoridade impetrada

em ____, pedido de ALVARÁ DE LICENÇA para a exploração da atividade denominada “moto-táxi”.

Tal fato ocorreu por causa desta atividade não ter sido regulamentada neste município, tendo em vista a Resolução

do CETRAN/  nº ______, de ____, e publicado no Diário Oficial ___________, que, em seu artigo 1º que estabeleceu

o seguinte:

Fica proibido o serviço de transporte individual de passageiros prestados por motocicletas, de forma remunerada, no Estado

de ______ até que seja regulamentado nos termos do artigo 43 do Código Nacional de Trânsito.

Por seu turno, apregoa o artigo 42 do CTN, atual 107:

“art. 42. Os veículos de aluguel, destinados ao transporte individual de passageiros, ficarão subordinados ao regulamento baixado pela autoridade local e, nos Municípios com população superior a cem mil habitantes, adotarão exclusivamente o taxímetro como forma de cobrança do serviço prestado.”

Corolário disso, o Secretário do Planejamento, Sr. Brandão, atendendo a requerimento da Secretaria Municipal de Obras e Serviços Urbanos desta cidade, expediu parecer (doc. anexo) contrário à concessão do ALVARÁ DE LICENÇA pleiteado pela requerente, tendo nele deixado consignado o seguinte:

“Para conceder alvará é preciso a criação do serviço no âmbito do Município, o que ainda não foi feito.”

Cumpre-nos lembrar, Exa., que este não foi o primeiro requerimento pleiteando ALVARÁ DE LICENÇA para possibilitar o exercício da atividade mencionada.

Com efeito, já em 24 de julho de 1997, foi denegado um pedido no mesmo sentido (doc. anexo), desta vez levado a efeito pela empresa “XXXXXXXXXX”.

Na época, a referida empresa  “XXXXXXXXX” tentou, junto ao Poder Executivo e Legislativo local, a regulamentação de tal serviço, não tendo logrado o mínimo de êxito em razão do “lobby” efetivado pelos taxistas locais, que se sentiram e se sentem, até hoje, ameaçados com a possibilidade da referida atividade ser regulamenta, haja vista que em ocorrendo tal fato a população desta cidade não mais precisaria se submeter aos preços não acessíveis cobrados pelos mesmos, que malgrado, acreditamos, sejam lícitos, estão distantes do importe permitido pela lógica e pelo bom senso.

Estes obstáculos, é da sabença geral, não são exclusivos desta cidade. Tal resistência é e foi percebida em todas as cidades brasileiras onde se tentou regulamentar tal ofício.

Ora, a bem do Estado Democrático de Direito e dos mais comezinhos preceitos constitucionais, o Poder Judicante não pode permitir que a requerente seja prejudicada por esta omissão, que acreditamos voluntária, por parte principalmente do Poder Legislativo local, que, “no passo que anda”, pode chegar ao segundo milênio sem ter possibilitado o exercício desta profissão em nossa urbe, enquanto que na cidade de Dourados, Campo Grande e em várias outras de nosso Estado e de todo o país, tal atividade já é comum, sendo certo que tem em muito beneficiado a população, notadamente a mais carente, pois, se por um lado propicia uma prestação de serviço eficiente e de baixos custos, por outro oferece empregos.

A requente, cumpre lembrar, vem bater às portas do Poder Judiciário no escopo único e exclusivo de conseguir a chance de exercer a função que, segundo brocardo antigo, “dignifica o homem”, o trabalho. Isto quando, é forçoso reconhecer, muitos neste país tentam, e no mais das vezes conseguem, viver do ilícito, à margem da lei.

Com efeito, não nos permite o bom senso deixar de olvidar as palavras da Lex Legum pátria, que preconiza:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Município e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – soberania;

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;…” (grifo nosso)

Ainda, sob o título de DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS, reza a CF/88:

“art. 5º. (Omissis)

“XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;” (grifo nosso)

E incisivamente estabelece o seguinte:

“Art. 5º (omissis)

  • 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.” (grifo nosso)

Outrossim, o art. 6º da CF erige o direito ao trabalho como um direito social, senão vejamos:

“Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (grifo nosso)

Em seu art. 170 e 193, prega a CF:

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e da livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,..”. (grifo nosso)

“Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.” (grifo nosso)

No celebrado “Curso de Direito Constitucional Positivo”, do ilustre JOSÉ AFONSO DA SILVA, 8ª edição, Ed. Malheiros, 1992, encontramos os seguintes ensinamentos:

“O art. 6º define o trabalho como direito social, mas nem o art. 7º trazem norma expressa conferindo o direito ao trabalho. Este, porém, ressai do conjunto de normas da Constituição sobre o trabalho. Assim, no art. 1º, IV, se declara que a República Federativa do Brasil tem como fundamento, entre outros, os valores sociais do trabalho; o art. 170 estatui que a ordem econômica se funda na valorização do trabalho, e o art. 193 dispõe que a ordem social tem como base o primado do trabalho. Tudo isso tem o sentido de reconhecer o direito social ao trabalho, como condição da efetividade de uma existência digna (fim da ordem econômica) e , pois, da dignidade da pessoa humana, fundamento, também, da República Federativa do Brasil (art. 1º, III). E aqui se entroncam o direito individual ao livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, com o direito social ao trabalho, que envolve o direito de acesso a uma profissão, à orientação e formação profissional, à livre escolha do trabalho, …” (grifo nosso)

Outrossim, como para cada direito há uma ação correspondente e como, também, a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito, a Carta da República previu que quando um direito, in casu o direito ao trabalho, não puder ser exercitado em função da ausência de uma norma regulamentadora, é cabível o MANDADO DE INJUNÇÃO, senão vejamos.

A Carta da República, em seu art. 5º, inciso LXXI, estabelece o seguinte:

“art. 5º … (omissis)

LXXI – conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;”

A respeito, encontramos respaldo, dentre outros, nos sábios ensinamentos de HELY LOPES MEIRELLES, in MANDADO DE SEGURANÇA, Ed. Malheiros, 14ª edição, onde ensina:

“Mandado de injunção é o meio constitucional posto à disposição de que se considerar prejudicado pela falta de norma regulamentadora, que torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania (CF, art. 5º, LXXI).”

“O objeto, portanto, desse mandado é a proteção de quaisquer direitos e liberdades constitucionais, individuais ou coletivos, de pessoa física ou jurídica, e de franquias relativas relativas à nacionalidade, à soberania popular e à cidadania, que torne possível sua fruição por inação do Poder Público em expedir normas regulamentadoras pertinentes.”

“Entendemos cabível, eventualmente, até mesmo a medida liminar como providência cautelar para evitar lesão a direito do impetrante do mandado de injunção, desde que haja possibilidade de dano irreparável se se aguardar decisão final da Justiça. Se tal medida é cabível para a defesa de direito individual ou coletivo amparado por lei ordinária, com mais razão há de ser para proteger os direitos e prerrogativas constitucionais asseguráveis pelo mandado de injunção, desde que ocorram os pressupostos do fumus boni iuris e do periculum in mora.”

“A liminar não é uma liberalidade da justiça, é medida acauteladora do impetrante, que não pode ser negada quando ocorrem os seus pressupostos”.

 

O E. Ministro Eduardo Ribeiro, ainda no TRF, nos agracia com o ensinamento seguinte:

“Consoante tenho explicitado em diversos outros casos, a lei estabelece que a liminar será deferida, uma vez presentes os pressupostos exigidos. (MS n. 121.078 / fls. 202)

Isto posto, MM. Juiz, comprovado que está que a requerente teve e tem restringido seu direito ao trabalho pela injustificável inação do Poder Público local em regulamentar tal atividade, é de rigor a concessão do MANDADO DE INJUNÇÃO LIMINARMENTE, inaudita altera parte, a fim de que possa a mesma, desde já, exercer sua atividade.

OS REQUISITOS PARA CONCESSÃO DA MEDIDA LIMINAR

É de se reconhecer, MM. Julgador, que presentes estão todos os requisitos para a concessão da medida liminar, senão vejamos:

“Fumus boni iuris

Se revela nas normas invocadas e está assentado no direito ao trabalho agasalhado por preceitos constitucionais, in casu restringidos pela falta de uma norma regulamentadora da atividade da requerente, consoante já demonstrado.

Periculum in mora

Reside na possibilidade de lesão irreparável ou de difícil reparação caso não seja deferido liminarmente o mandamus requerido, haja vista que em razão da mora do Poder Legislativo local, não pode a requerente laborar e colher os frutos de sua atividade, ainda mais após ter montado toda uma estrutura para servir de modo proficiente a população desta cidade e circunvizinhas, sendo que é certa, ainda, a presença do lucro cessante.

Se consubstancia, ainda mais, na impossibilidade de exercício dos direitos fundamentais previstos na carta magna, o direito ao trabalho.

 

O PEDIDO e requerimentos

 

Ante ao todo exposto, requer:

seja concedida a medida liminar, “inaudita altera parte”, autorizando a requerente a exercer sua atividade (“moto-táxi”) até que seja a mesma regulamentada; seja o presente mandado de injunção julgado procedente, condenando-se a suplicada nas custas processuais, honorários advocatícios e demais cominações legais; seja citado o representante legal da suplicada para, querendo, contestar a presente;

Provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos;

Dá-se a causa o valor de R$ 100,00 (cem reais).

Nesses Termos,

Pede e Espera Deferimento.

Local, …….. de ,,,,,,,,,,,,, de …………..

Advogado

OAB….. nº ………….

 

 

MODELO DE AÇÃO POPULAR

Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito da Vara da Fazenda Pública da Comarca de _________.

ou

Excelentíssimo Juízo da Fazenda Pública da Comarca de __________.

 

Espaçamento de dez linhas

 

Fulano de Tal, nacionalidade, estado civil, profissão, portador de identidade nº_____, CPF ____, residente e domiciliado à ______, CEP___, Título de Eleitor nº _____, vem, por seu advogado que esta subscreve (instrumento de mandato incluso) com endereço profissional sito à ________________________, local indiciado para receber as devidas intimações nos termos de artigo 39, inciso I do CPC, vem, perante Vossa Excelência com base no artigo 5º, LXXIII da Constituição Federal e na Lei 4.717/1965 propor

 

Ação POPULAR

 

em face do Município ____, pessoa jurídica de direito público interno com sede na _______, do Prefeito do Município X, Siclano de Tal, qualificação, e do Secretário de Administração, Beltrano de Tal, qualificação e de PARE CERTO LTDA., pessoa jurídica de direito privado, devidamente inscrita no CNPJ nº____, com sede à ____, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos:

  1. Dos Fatos

O Município, ora primeiro réu, inaugurou novo Estádio para ser utilizado durante um grande evento esportivo.

Acontece que, embora mencionado evento esportivo apenas fosse acontecer um ano depois, a inauguração do novo Estádio foi feita às pressas, e logo após tal evento, o respectivo Prefeito, juntamente com o Secretário de Administração, respectivamente, segundo o réu e terceiro réu, resolveram liberar um terreno municipal próximo ao mencionado estádio para o quarto réu.

A liberação do terreno ao quarto réu ocorreu para que este viesse a explorar por um período de quatro anos, serviços de estacionamento para veículos. Vale consignar que os referidos acontecimentos aconteceram em virtude do segundo réu acolher uma resolução exarada pelo terceiro réu informando que em razão da urgência não havia necessidade de realização de licitação.

A autora requereu a cópia do contrato de concessão, assim como da Resolução Administrativa, mas estas lhe foram negadas pelo terceiro réu.

Tendo em vista que a liberação do terreno municipal será efetivada nos próximos dias, não resta alternativa à autora senão o presente ajuizamento da presente Ação Popular.

II – Do Direito

  1. a) Do cabimento da Ação Popular.

O artigo 5º, LXXIII da CRFB/1988 admite a impetração da Ação Popular, por qualquer cidadão, visando anular o ato lesivo ao patrimônio público ou se entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico-cultural.

A Lei 4.717/1965 estabelece ainda o rito da presente ação. E, conforme a redação da previsão constitucional vigente, a celebração de contrato de concessão, sem  a devida licitação, é contrato administrativo que ofende gravemente a moralidade administrativa, além de ser ato lesivo ao patrimônio público.

Assim, o ajuizamento da presente Ação é absolutamente cabível.

  1. B) Da Legitimidade Ativa e Passiva.

A ação popular tem previsão no artigo 5º, da CRFB/1988, garantindo o seu ajuizamento a todos, que como cidadão esteja em regular gozo de seus direitos políticos, o que é o caso do autor, conforme de plano comprovado pelo Título de Eleitoral nº______ e, Certidão de Obrigações Eleitorais nº___.

Os réus apontados nesta pela vestibular são efetivamente os responsáveis pela produção de ato ilegal e lesivo ao patrimônio público, conforme aduz o artigo 6º da Lei 4.717/1965: A ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no artigo 1º, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários direitos do mesmo.

 

  1. c) Do Ato Lesivo ao Patrimônio Público e à Moralidade Pública.

A argumentação dos réus é no sentido de que a ausência da licitação se justifica pelo fato da urgência. Como se verifica, tais fatos afrontam diretamente os dispositivos legais do artigo 173 CRFB/1988, artigo 1º, alíneas A, C e E da Lei 4.717/1965 e o artigo 2º, II da Lei 8.987/1995.

É a dicção da Lei 8.987, a considerar a necessidade de prévio procedimento licitatório, inclusive, para as concessões de serviços públicos.

Assim, em se tratando de concessão de serviços públicos, sua formalização se dará mediante contrato com precedente licitação pública. Note-se ainda que a licitação deverá ser na modalidade de concorrência.

Tem-se, então, que a referida contratação sem o devido procedimento licitatório, ato lesivo ao patrimônio municipal, pois não houve escolha da proposta mais vantajosa para a Administração, bem como atentatório aos princípios da moralidade, probidade e legalidade.

 

Portanto, por tudo isso, é nulo o ato praticado, nos termos do artigo 2º, alíneas A, C e D da Lei 4.717/1965.

É aplicável também o artigo 4º, inciso III, alínea A, da mesma lei, que considera a nula a empreitada, a tarefa e concessão do serviço público, quando o respectivo contrato hovuer sido celebrado sem prévia concorrência pública ou administrativa, sem que essa condição seja estabelecida em lei, regulamento ou norma geral.

Requer-se, desde já, anulação do contrato de concessão celebrado com o quarto réu.

  1. d) Da Requisição de Documentos

A autora requereu ao terceiro réu, a cópia dos documentos necessários para a propositura da presente ação; esse pedido, no entanto, foi negado.

Requer-se, ainda, com base no artigo 1, §§6º e 7º, inciso I, alíneas A e B, todos da Lei 4.717/1965, que este juízo requisite a documentação necessária ao ser despachada a inicial.

 

III. Do Pedido de Liminar

A relevância do fundamento invocado reside nos argumentos fáticos e jurídicos acima expostos, mormente nos documentos colacionados à presente ação, os quais dão conta de que existe o bom direito ora vindicado, notadamente, em face das violações às normas e aos princípios supramencionados.

O periculum in mora, a seu turno, afigura-se como óbvio e patente uma vez que natural demora do processo causará lesão grave à municipalidade, ante a realização da concessão sem a escolha da proposta mais vantajosa para a Administração.

Requer-se a concessão de liminar para a suspensão dos efeitos do contrato prorrogado e que seja determinada a imediata instauração de procedimento licitatório para escolha do concessionário, nos termos do artigo 5º, §4º da Lei 4.717/1965.

  1. Dos Pedidos.

Pelo exposto, requer a Vossa Excelência:

  1. a) a citação dos Réus, para, querendo, contestar a presente ação, no prazo de vinte dias, sob pena de aplicação dos efeitos da revelia;
  2. b) a citação do Município X em separado, na forma prevista do artigo 6º, §3º da Lei 4.717/1965;
  3. c) a Intimação do ilustre representante do Ministério Público;
  4. d) a Procedência dos pedidos para decretar a invalidade do ato lesivo ao patrimônio público e à moralidade,

condenando o Réu no pagamento de perdas e danos;

  1. e) a Condenação dos Réus no pagamento ao autor, de custas judiciais e demais despesas judiciais e extrajudiciais,

bem como nos honorários de advogado;

  1. f) a confirmação de LIMINAR, nos termos em que foi requerida;
  2. g) a produção de todas as provas em Direito admitidas, especialmente, a documental;
  3. e) a Juntada dos documentos em anexo.

Dá-se à presente causa o valor de __________

 

Termos em que

Aguardo Deferimento

Local, Data

Adv.

OAB

 

 

MODELO DE HABEAS DATA

 

Excelentíssimo Senhor Ministro Presidente do Superior Tribunal de Justiça

 

 

Fulano de Tal, brasileiro, solteiro, contabilista, portador de RG nº___, CPF nº___, residente e domiciliado à ____, CEP ____, por seu advogado in fine assinado, vem, respeitosamente, a presença de Vossa Excelência, com fulcro nos termos do artigo 5º, LXXII da CFRB/1988 e da Lei 9.507/1997 impetrar o presente

 

HABEAS DATA

 

Em face do Ministro da Defesa, com sede funcional à ___, aduzido para tanto os fatos e fundamentos abaixo:

 

Dos Fatos

 

Em 1964, o impetrante participou ativamente de movimentos políticos que faziam oposição ao governo da época e, em decorrência de tais atividades, fora preso por agentes estatais em diversas ocasiões para averiguações. Além disso, seus movimentos foram ciosamente monitorados por órgãos de inteligência vinculados aos órgãos de segurança do Estado brasileiro.

 

Em 2015, o impetrante, requereu acesso à sua ficha de informações pessoais, e teve seu pedido negado em todas as instâncias administrativas, tendo seu pedido indeferido por fim até mesmo pelo Ministro da Defesa, que fundamentou seu ato decisório na necessidade de preservação de sigilo das atividades estatais, o que viola explicitamente a intimidade e a vida privada do impetrante e fundamenta a presente impetração do Habeas Data.

 

  1. Da Prova da Recusa à informação

 

Conforme mencionado acima, o impetrante teve seu pedido indeferido, em todas as instâncias administrativas, conforme a documentação em anexo, comprovando-se o requisitoe essencial para a impetração do presente Habeas

Data, conforme preceitua o artigo 8º, I da Lei 9,507/1997 e a Súmula 2 do STJ.

 

III. Dos Fundamentos Jurídicos

O artigo 5º, LXXXII da CRFB/1988 dispõe que o Habeas Data é o remédio constitucional responsável pela defesa em juízo dos dados pessoais que se pretende conhecer ou retificar. Também encontra fundamento na Lei 9.507/1997 que ampliou as hipóteses de cabimento para a complementação de dados pessoais conforme o artigo 7º, III do referido diploma legal.

 

Afirma o artigo 7º: Conceder-se-á habeas data:

III – para a anotação nos assentamentos do interessado, de contestação ou explicação sobre dado verdadeiro, mas justificável e que esteja sob pendência judicial ou amigável.

Cumpre recordar que o direito à informação é um direito fundamental consagrado pelo vigente texto constitucional brasileiro previsto no artigo 5º, X que menciona, in litteris: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra, a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”.

 

Concernente à competência para julgamento do Habeas Data é fixada conforme a autoridade coatora segundo os termos artigo 105, I, b da CRFB/1988 e artigo 20, I, b da Lei 9.507/1997. É competente o Superior Tribunal de Justiça.

Tendo em vista o presente caso, a autoridade coatora é o Ministro da Defesa, portanto, o foro competente para julgamento da ação é o STJ. Ressalte-se, ainda, que o impetrante é o titular do dado pessoal que se pretende conhecer por meio da presente ação, o que está de acordo com a natureza personalíssima do Habeas Data.

 

IV- Dos Pedidos

 

Em face do exposto, vem, requerer a Vossa Excelência:

  1. a) Que seja notificada a autoridade coatora para que preste informações que julgar necessárias;
  2. b) A intimação do ilustre representante do Ministério Público;
  3. c) A procedência do pedido de Habeas Data, para que seja assegurado ao impetrante o acesso às informações

de seu interesse;

  1. d) Juntada de documentos.

 

Dá-se à presente causa o valor de R$ 500,00(quinhentos reais) para efeitos procedimentais.

 

Termos em que,

Aguarda Deferimento

Local, data

Adv.

Oab.

 

 

 

MODELO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA

 

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da ____ Vara da Infância e Juventude da Comarca de_____.

 

Espaçamento de 10 linhas

 

O Ministério Público do Estado de _____, através de seu representante legal, no uso de suas atribuições legais e com fundamento nos artigos 129, II e III e artigo 227 da Constituição Federal de 1988, nos artigos 1 ao 5, artigo 87, incisos II e III, artigo 88, I, III, V e VI, artigos 13, 56, caput, 88, inciso II, 89, 90, parágrafo único, 91, 95, 131 a 140, 148, inciso IV, 201, inciso V, 209, 210, inciso I, 260, §2º e 261, parágrafo único, todos da Lei Federal 8.069/1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, vem, à presença deste juízo propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido de liminar e preceito cominatório da OBRIGAÇÃO DE FAZER, em face do Município de _______, pessoa jurídica de direito público interno, com sede à _____, nesta cidade, pelos fatos e fundamentos seguintes:

 

DOS FATOS

 

O Ministério Público do Estado de ____, via do procedimento anexo, averiguou que o Município de não vem cumprindo completamente com suas obrigações com suas crianças e adolescentes, negando-lhes sua proteção integral preconizada na legislação pátria, notadamente no estatuto menorista.

Vislumbrou-se que o Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, o Conselho Tutelar e o Fundo da Infância e Juventude – instrumentos obrigatórios na defesa dos direitos de nossas crianças e adolescentes não foram implementados, o que vem trazendo grandes e irreparáveis prejuízos àqueles, aos seus respectivos país, e, consequentemente, a toda a comunidade local.

Inicialmente, foi requisito pelo Parquet do Município de _____ que informasse a existência de tais órgãos e fundo, obtendo-se a resposta negativa anexada a esta peça.

O Município-Requerido informou que não possui os Conselhos de Direitos e Tutelar nem o Fundo da Infância e Juventude funcionando e não soube esclarecer algum motivo plausível para tal omissão o que prejudica plenamente o atendimento à criança e ao adolescente que se encontram em alguma das hipóteses do artigo 98, I, do ECA.

A omissão do Município-Requerido é tamanha que a inexistência de tais órgãos simplesmente deixou a população local órfã de atendimento que o Estatuto da Criança e do Adolescente determina à criança e ao adolescente.

De nada adiantaria ao Requerido contra argumentar que a implementação de tais organismos é de difícil atendimento, visto que tal omissão explicita a falta de atendimento à infância e juventude como PRIORIDADE ABSOLUTA – que é princípio constitucional cogente. (explicitar casos específicos de sua comarca – averiguados no inquérito civil público – por exemplo, falta de atendimento à criança/adolescente, falta de fiscalização e recebimento de denúncias de fatos contra crianças e adolescentes, falta de encaminhamento de notícias de infração administrativa, de representação contra omissão aos direitos da criança e do adolescente, inclusive com a transcrição de eventuais depoimentos colhidos no procedimento investigatório respectivo, etc.).

DA LEGITIMIDADE AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O legislador pátrio erigiu ao Ministério Público, elencando outras entidades, o instrumento judicial consubstanciado na AÇÃO CIVIL PÚBLICA que é ora operacionalizada para fins de obrigar o Requerido a cumprir com suas obrigações constitucionais e infraconstitucional, notadamente in casu, para a implantação e manutenção dos programas protetivos destinados a crianças e a adolescentes em situação de risco.

Há nítida visualização de que os interesses difusos e coletivos da infância e juventude, neste caso formada por aqueles que, em razão de suas condutas censuráveis ou por serem vítimas de situação de abandono ou risco, está ferida de morte, sendo carecedores da implementação dos prefalados órgãos e fundo municipal.

A legitimidade ad causam do Ministério Público para o presente instrumento brota cristalino do artigo 129, incisos II e III da Constituição Federal e artigos 201, inciso V e 210, inciso I, da Lei nº 8.069/90, sendo patente que o objeto dela – direitos difusos e coletivos atingidos – alcança reflexamente toda a comunidade local, pelo que resta plenamente autorizada a atuação do Parquet.

A própria doutrina leciona que a “…defesa de interesse de um grupo determinado ou determinável de pessoas pode convir à coletividade como um todo, como quando a questão diga respeito à saúde ou à segurança das pessoas, ou quando haja extraordinária dispersão de interessados, a tornar necessária ou, pelo menos, conveniente sua substituição processual pelo órgão do Ministério Público, ou quando interessa à coletividade o zelo pelo funcionamento correto, como um todo, de um sistema econômico, social ou jurídico. Tratando-se, porém, de interesses disponíveis de crianças e adolescentes, de interesses coletivos ou difusos, sua defesa interessará sempre à coletividade como um todo.”.

DA COMPETÊNCIA

O Estatuto da Criança e do Adolescente determina que o Juízo competente para processar as causas em que houver interesse de criança e adolescente seria o do Juízo onde ocorrer o dano e nesse sentido dita que:

“Art. 209. As ações previstas neste capítulo serão propostas no foro do local onde ocorreu ou deve ocorrer a ação ou omissão, cujo Juízo terá competência absoluta para processar a causa, ressalvadas a competência da Justiça Federal e a competência originária dos Tribunais Superiores.”

 

 

E:

“Art. 148. A Justiça da Infância e Juventude é competente para: IV. conhecer de ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente, observando o disposto no art. 209.”

Está mais que provado nos autos que a inexistência dos Conselhos Municipal de Direitos e Tutelar e do FIA impõe a esta comunidade imenso prejuízo na defesa dos direitos e interesses infanto-juvenis.

DO DIREITO

A Carta Magna pátria erigiu a título de direitos fundamentais – cujos credores são os cidadãos brasileiros – bens inalienáveis como a saúde, a segurança, a educação e o lazer.

A doutrina da proteção integral foi abraçada pelo legislador menorista ao ditar no artigo 1º, do ECA que esta “…lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”, e a Constituição da República dita que:

“Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição…

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

A execução de programas e ações governamentais – notadamente na área social – serão de atribuição para fins de organização da União, devendo os Estados membros e os Municípios implementarem aquele, via de dotação orçamentária para o cumprimento de tais obrigações constitucionais (art. 224, CF).

Na esteira do presente raciocínio, o legislador menorista – implementando na legislação infra constitucional o espírito da descentralização da política de atendimento – dita que:

“Art. 88. São diretrizes da política de atendimento:

I – a municipalização do atendimento;

III – a criação e manutenção de programas específicos, observada a descentralização político-administrativa;

V – a integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social, preferencialmente em um mesmo local, para efeito de agilização do atendimento inicial a adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional;

VI – a mobilização da opinião pública no sentido da indispensável participação dos diversos segmentos da sociedade.”

Reza o artigo 91, caput, que as entidades não-governamentais somente poderão funcionar depois de registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, o qual comunicará o registro ao Conselho Tutelar e à autoridade judiciária da respectiva localidade.

Tal dispositivo inicia a indicação da importância desses organismos no sistema do ECA, demonstrando cabalmente que as entidades não-governamentais que tanto auxiliam o Poder Público, nesta área, somente podem funcionar após ter seu registro autorizado pelo CMDCA, sendo fiscalizada, entre outros órgãos, pelo Conselho Tutelar (art. 95, ECA).

Consoante frisou-se acima, a importância do CMDCA vem explícita na entabulação das políticas públicas na área, e o Conselho Tutelar foi criado como órgão autônomo e permanente, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente (artigo 131, ECA).

Importante frisar-se a este Juízo que a presente pretensão não fere direta ou indiretamente o poder discricionário do administrador público, ou seja, macular a permissão legal daquele em praticar o ato administrativo conforme sua conveniência e oportunidade.

Ocorre que o sistema legal pátrio exige do agente político que atenda convenientemente às mínimos garantias e direitos constitucionalmente assegurados, notadamente aqueles que são credores a criança e do adolescente.

 

Os doutos lecionam que:

“Ao criar Direitos Constitucionais da Criança e do Adolescente, a Constituição, por injunção de movimentos populares dos municípios junto aos constituintes, deu aos municípios direitos e deveres públicos para com seus filhos adultos. Deu também ao município o poder municipal de assumir as decisões de tudo quanto se faça no âmbito governamental para a defesa dos direitos de suas crianças e adolescentes…Esse poder municipal de definir a política peculiar local para a infância e a adolescência está regulado no Estatuto da Criança e do Adolescente, criado pela Lei Federal nº 8.069/90, de 13 de julho de 1990.”

Sob a ótica crítica dos doutrinadores, os agentes políticos “…nas três esferas, federal, estadual e municipal não têm considerado a educação e a saúde como prioridades sociais básicas, preocupando-se mais em executar obras faraônicas dispensáveis, como sambódromos, autódromos, memoriais, etc…, onde são gastas somas fabulosas, enquanto não destinam verbas aos setores necessitados. Isso sem falar nas verbas gastas em propagandas pessoais…omissis…nos programas dos governantes as prioridades só constam em épocas de eleições, quando as promessas são feitas de maneira generosa, mas basta-lhes assumir o poder para esquecerem o prometido e aplicar as verbas públicas em obras supérfluas…”.

A realidade de nossa nação, infelizmente, indica que várias prioridades – tais como a infância e juventude – são atacadas com o ‘hábito’ de adiamento ou de transferência de tais questões para mandatos futuros, e seu sucessor nem sempre continua ou toma para si tal responsabilidade, principalmente se o antecessor pertencia a legenda adversária.

Entretanto, a filosofia da PRIORIDADE ABSOLUTA na área da infância e juventude – preconizada no artigo 227 da Constituição Federal – se funda no entendimento pacífico de que os agentes políticos devem dedicar à criança e ao adolescente prioritariamente a destinação de verbas públicas, orçadas responsavelmente, pelo que poderia o Requerido – caso tivesse real interesse nesta área – criar e implementar os programas de atendimento com estrutura eficaz ao alcance de sua pretensão.

 

DAS MEDIDAS PROTETIVAS E DOS PROGRAMAS DE ATENDIMENTO E A INEXISTÊNCIA DOS CONSELHOS MUNICIPAL DE DIREITOS E TUTELAR E FIA

Inicialmente, transcreve-se a regra legal pertinente à aplicação de medidas protetivas (Art. 101, do Estatuto da Criança e do Adolescente):

“Art. 101 – Verificada qualquer das hipóteses previstas no Art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:

I – encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;

II – orientação, apoio e acompanhamento temporários;

III – matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;

IV – inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente;

V – requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;

VI – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;

VII – abrigo em entidade;

VIII – colocação em família substituta.”

A inexistência do Conselho Municipal de Direitos, diante de sua primeira destinação (artigo 88, inciso II, ECA), indica que dificilmente haverá participação da comunidade nas decisões do Executivo Municipal para fins da elaboração da política pública para a área da infância e juventude.

As decisões de elaboração da política pública terão unicamente o Executivo Municipal como ‘órgão pensante’, excluindo, como determina o Estatuto da Criança e do Adolescente, que entidades organizadas da comunidade também tenham acesso a tal estudo e discussão.

 

Por outro turno, a inexistência do Conselho Tutelar impede, claramente, que haja atendimento à criança e ao adolescente que esteja em alguma situação de risco elencada no artigo 98 e incisos do ECA.

A nova sistemática jurídica, implementada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, determina claramente que, para atendimento e fiscalização do cumprimento dos direitos infanto-juvenis, é necessária a existência de um órgão autônomo, permanente e não-jurisdicionalizado, composto por cidadãos locais escolhidos pela própria sociedade.

Basta dizer que a inexistência de Conselho Tutelar, neste município, tem inviabilizado o atendimento de milhares de famílias que buscam, em outros órgãos, a proteção dos direitos de seus filhos, isto quando não desistem de procurar tais direitos pela falta de outros instrumentos mais próximos que recebam tais denúncias e tomem as providências iniciais necessárias

Por outro turno, vislumbra-se que – na inexistência de Conselho Municipal de Direitos e Conselho Tutelar – as inscrições de entidades que prestarão atendimento às crianças/adolescente no município, bem como TODAS as FUNÇÕES do CT deverão ser analisadas e exercidas pela autoridade judiciária (artigos 261 e 262, ambos do ECA).

Verifica-se que a omissão do Município-Requerido ainda traz sobrecarga indevida ao Poder Judiciário que, diante de suas variadas funções relevantes, fica obrigado a prestar tais funções – de carga não-jurisdicional – que certamente impedem a prestação de suas atribuições legais com a celeridade e o êxito que a sociedade exige.

A omissão do Município-Requerido é tamanha que desconhece sua obrigação de encaminhar projeto de lei ou de cumprir a legislação federal e municipal que assim dita:

“Artigo 259…

Parágrafo único – Compete aos Estados e Municípios promoverem a adaptação de seus órgãos e programas às diretrizes e princípios estabelecidos nesta Lei.”

E, diante da inexistência de tais órgãos e do Fundo Municipal da Infância e Juventude, resta flagrante lesão aos direitos constitucionais de nossas crianças e adolescentes, assim como de toda a comunidade, em não estarem sendo atendidos e possuindo seus casos devidamente encaminhados para fins da proteção integral preconizada na legislação infraconstitucional (artigo 1º, Lei Federal nº 8.069/90).

 

DA MEDIDA LIMINAR INAUDITA ALTERA PARTE

Analisando-se as provas colhidas nos autos, diante da realidade local, tem se que estão presentes os requisitos para a concessão da medida liminar, inaudita altera parte, consoante requisita o artigo 12, da Lei nº 7.347/85 e artigo 213, parágrafo 1º, do ECA, tendo em vista a presença do fumus boni iuris, frente à manifesta omissão do requerido em criar e implementar efetivamente o CONSELHO MUNICIPAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, o CONSELHO TUTELAR DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE e o FUNDO MUNICIPAL DA INFÂNCIA E JUVENTUDE.

Resta presente, também, o periculum in mora, visto que os fatos comprovam que resta insustentável a presente situação, estando a cada minuto agravando-se as condições de nossas crianças e adolescentes que necessitam do devido atendimento e de que a comunidade comece a deliberar, em conjunto com o Poder Público, sobre as políticas públicas municipais de atendimento à criança e ao adolescente.

E o que dizer do inevitável prolongamento de várias situações lesivas à criança e ao adolescente (abuso sexual, agressões físicas de terceiros e dos pais, não recebimento de alimentos, falta de vagas nas escolas etc.) que, diante da inexistência dos organismos supracitados dificultam inclusive que o Ministério Público e o Poder Judiciário recebam tais denúncias e tomem as providências legais (urgentes) para a solução dos mesmos.

Nesse sentido, mister se faz que medida liminar seja deferida por este Juízo, sob pena de perecimento do direito e graves prejuízos às crianças e aos adolescentes desta comunidade, visto que o Requerido não tem dado a esta área a devida atenção na forma da lei.

DOS PEDIDOS

Destarte, o Ministério Público, via da sua exposição, vem requerer a Vossa Excelência PELO EXPOSTO, restando evidente a violação aos direitos e interesses da infância e da adolescência do Município de, pela omissão do Requerido em criar e manter o CMDCA, o CT e o FIA previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, requer:

  1. a concessão da medida liminar, na forma da legislação vigente, para compelir o Município-Requerido a elaborar e remeter, em trinta dias, projeto de lei municipal criadora do Conselho Municipal de Direitos, do Conselho Tutelar e do Fundo Municipal da Infância e Juventude;
  2. a concessão de medida liminar, na forma da legislação vigente, para que – uma vez sancionada a lei municipal citada no item anterior, promova, também em trinta dias, o procedimento legal para a convocação e nomeação do Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, dando posse a seus membros titulares e providenciando local adequado para seu funcionamento, além da sua manutenção com funcionário e material de expediente;
  3. a concessão de medida liminar, na forma da legislação vigente, para que, uma vez nomeado o Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, o Município-Requerido seja compelido em auxiliar aquele com todo material necessário à realização do pleito de escolha dos membros do Conselho Tutelar, providenciando, até a posse destes, local adequado, funcionário e material para trabalho do Conselho Tutelar;
  4. a concessão de medida liminar, na forma da legislação vigente, para que no prazo máximo de trinta dias após a entrada em vigor da lei municipal citada no item “1”, o Município-Requerido providencie a elaboração e publicação de decreto municipal regulamentando o Fundo Municipal da Infância e Juventude, ressaltando que o Poder Executivo somente fará a gerência contábil do mesmo, estando a aplicação de suas receitas condicionadas às deliberações do Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente;
  5. A cominação ao requerido, em liminar, de multa diária equivalente a R$ 5.000,00 (cinco mil reais), para o caso de descumprimento de qualquer dos prazos a serem estabelecidos por este Juízo – consoante itens anteriores (art. 213, parágrafo 2º, do ECA), revertendo os valores cobrados sob este título ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, conforme preceitua o art. 214, do Estatuto, fazendo o recolhimento à conta vinculada a este Juízo, caso o Fundo Municipal da Infância e Juventude ainda não esteja regulamentado, com o repasse posterior com a sua implementação;
  6. a citação do requerido, na pessoa de seu representante legal, para contestar, querendo, a presente ação, no prazo que lhe faculta a lei, cientificando-lhe que a ausência de defesa implicará revelia e reputar-se-ão como verdadeiros os fatos articulados nesta inicial;
  7. após a produção da mais ampla prova, seja julgada procedente a presente ação, para efeito de tornarem definitivas as liminares que forem concedidas, julgando-se procedentes todos os presentes pedidos e condenando-se o Município-Requerido no ônus de sucumbência.

Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (hum mil reais), para efeitos meramente fiscais.

 

Nestes Termos

Pede Deferimento

 

Local e Data

Assinatura

 

 

Obs.: É necessário esclarecer-se que o presente modelo de Ação Civil Pública diz respeito ao Município, omisso, que sequer possui lei municipal criadora do Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, do Conselho Tutelar e do Fundo Municipal da Infância e Juventude.

No que se refere aos municípios que possuem lei municipal nesse sentido, mister se faz que a ação civil pública – também cabível – seja manejada no sentido de obrigar o município a criar todos os organismos supracitados ou, nos casos em que, por exemplo, haja somente Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente funcionando, para que implemente o Conselho Tutelar e o Fundo Municipal da Infância e Juventude ou, se possui aqueles implementados, para que seja obrigado a regulamentar e efetivar o Fundo da Infância e Juventude.

Nesse sentido, a ação civil pública é instrumento idôneo, no dizer pacífico da jurisprudência nacional, para acionar o Município que esteja omitindo-se no cumprimento desses direitos constitucionais de nossas crianças e adolescentes.

Ressalte-se, finalmente, a possibilidade da utilização da Ação Civil Pública para fins de obrigar o Município, por exemplo, a dar condições de trabalho ao Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente ou ao Conselho Tutelar, o que infelizmente vem ocorrendo com certa frequência em nosso Estado

 

Energia eólica e seu impacto ambiental no Brasil

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EDUARDO MIRABILE – Mestre em Direito Difusos e Coletivos. Advogado. Professor de direito Constitucional, Ambiental, Civil e Biodireito dos cursos de graduação e pós-graduação.

 

 

A energia eólica, tipo de energia renovável obtida da força dos ventos, vem rapidamente ganhando espaço em todo o mundo e notadamente no Brasil não tem sido diferente.

Sua fama de energia limpa, já que não gera emissão de poluentes na atmosfera além de ser considerada uma alternativa barata em relação às demais é a grande razão de seu sucesso no atual contexto.

Apenas para nos posicionarmos, a energia eólica é hoje a segunda maior fonte da matriz energética do Brasil, respondendo por 10,8% de toda a energia produzida no país e nos colocando em 6º lugar entre todos os países do mundo. Não é pouca coisa.

Porém, na medida em que ela vai ganhando porções maiores na fatia da matriz energética brasileira, os holofotes começam a dirigir-se a ela com maior atenção revelando alguns aspectos que até então tem passado desapercebido por boa parte da sociedade que vê nela, o futuro energético do país.

De antemão vale a pena lembrar que no Brasil, foram feitos investimentos pesados, desde décadas passadas na construção de usinas hidrelétricas, vistas na ocasião também como uma solução limpa de energia. Porém, tempos depois, mostrou-se o quão são danosas ao meio ambiente natural, especialmente o preço que fauna e flora pagaram e os pesados custos ambientais que requerem sua construção.

Justiça seja feita, essas hidrelétricas foram peça fundamental de alavancagem do crescimento econômico de nosso país, permitindo a infraestrutura energética necessária para movimentar a expansão da atividade econômica, com a consequente geração de milhões de empregos e melhor qualidade de vida para os brasileiros.

O momento, sem a menor duvida, é o da energia eólica. E assim, como não poderia deixar de ser, começam a surgir a surgir, estudos, pesquisas e trabalhos de especialistas no assunto que apontam que ela também causa impacto ao meio ambiente natural.

No nordeste brasileiro, responsável pela maior parte dessa energia em nosso país, onde já existiam em 2022, mais de 8.000 torres de energia eólica apurou-se que essas construções, feitas aos poucos, em diferentes tempos e regiões também tem causado impacto ao meio ambiente que devem ser observados e estudados.

Estudos tem revelado que além de produzirem um ruído elevado, causando poluição sonora desconfortável às moradias próximas das instalações, as turbinas dessas torres tem causado um grande número de mortes de aves e morcegos que colidem com elas em movimento.

Mais ainda, a instalação e preparo para o início da implantação dessas torres obrigam muitas vezes a abrir estradas em regiões ainda inexploradas, com a necessidade de desmatar a vegetação existente para a passagem de caminhões pesados.

Observou-se ainda uma impermeabilização do solo, prejudicando o abastecimento dos aquíferos obrigando a população a buscar água em lençóis freáticos mais profundos, e portanto, mais dificultosos para a população que necessita dessa água.

A instalação das torres mostrou ainda uma redução da movimentação das dunas existentes, alterando a dinâmica natural dessas dunas, eis que necessário para sua construção a injeção de muito concreto para as bases, afetando as propriedades naturais do solo.

Os casos acima, são apenas alguns exemplos de como essa inovação tecnológica impacta o meio ambiente.

Estamos, na verdade, diante dos chamados danos ambientais cumulativos, que não podem ser estudados de forma isolada no tempo e no espaço, já que os danos sócioambientais são sentidos na medida que avançam as construções por todo o país.

Com tudo isso somado, haverá um preço que a natureza certamente cobrará de nós.

Há uma expressão muito conhecida utilizada pelos economistas quando eles tentam, em linguagem simples explicar, que quando algo parece muito bom, precisamos ver a que custo se obterá isso. É a famoso “não existe almoço grátis”.

E é exatamente disso que estamos falando.

São inegáveis as vantagens da energia eólica, que deve ser incentivada pelos governos como uma boa solução, porém não podemos deixar de lado as preocupações que poderão ser trazidas por essa solução.

Sem dúvida estamos diante do grande desafio que é o meio ambiente natural e o meio ambiente artificial. Este último vai nos garantir a geração de empregos, o crescimento econômico e a melhor qualidade de vida. Isto deve ser perseguido pelas políticas governamentais, porém sem esquecer a preocupação em reduzir ao máximo, os possíveis prejuízos ambientais advindos desses avanços tecnológicos.

Já falamos em ocasiões anteriores que a única forma de harmonizarmos esses dois meios ambientes, o natural e o artificial, é através da sustentabilidade, a fim de garantirmos uma sadia qualidade de vida para a presente e futuras gerações, conforme o mandamento constitucional.

Políticas públicas oriundas através de um atento poder executivo, devidamente municiado com legislações protetivas ambientais, certamente reduzirão a possibilidade de práticas danosas que podem afetar severamente a qualidade de vida da população próxima, com resultados nefastos para o meio ambiente natural.

Um país não pode ficar refém de um passado, mas sim, deve olhar para o futuro sem jamais esquecer lições amargas que devem ser aprendidas para que nunca mais se repitam, como terríveis desastres ambientais plenamente evitáveis.

Sem qualquer intenção de obstruir ou dificultar os necessários avanços tecnológicos para subirmos nos degraus da civilidade humana, o que pretendemos é chamar a sociedade civil para que fique atenta e cobre de nossas autoridades políticas públicas e fiscalização para que os impactos ambientais sejam mitigados em prol da modernidade e qualidade de vida de cada cidadão em nosso país.

Remédios Constitucionais.

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Resumo:
Os remédios constitucionais zelam pelas garantias fundamentais, é um tema extremamente relevante do estudo do Direito Processual Constitucional. No método histórico e comparativo desses remédios no Brasil e na América Latina. Expõe o instituto do amparo, remédio fundamental de origem mexicana e difundido por toda América Latina, ressaltando similitudes e diferenças com as garantias constitucionais brasileiras.
Palavras-chave: Direito Constitucional. Remédios Constitucionais. Cidadania. Estado Democrático de Direito. Garantias Fundamentais.

A temática dos remédios constitucionais no Brasil e na América Latina em uma perspectiva histórica e comparada. Após abordar a polissemia de expressões como garantias fundamentais, garantias constitucionais e análogas, far-se-á um breve histórico do surgimento e aperfeiçoamento dos remédios constitucionais na ordem jurídica brasileira, desde a Constituição brasileira do Império de 1824 até a vigente Constituição Federal brasileira de 1988.
São os remédios constitucionais: -Habeas Corpus – artigo 5º, LXVIII da CF; artigo 647 do CPP; -Mandado de Segurança – artigo 5º, LXIX e LXX da CF e Lei 12.016/2009; -Mandado de Injunção – artigo 5º, LXXI da CF; – Habeas Data – artigo 5º, X da CF e Lei 9.507/1997; -Ação Popular – artigo 5º, LXXIII da CF; Lei 4.717/65; -Ação Civil Pública – artigo 129, III, da CF e Lei nº 7.347/1985. E, o direito de petição.
A terminologia da doutrina constitucionalista não é pacífica quanto ao conceito de garantias constitucionais ou garantias fundamentais, bem como de remédios constitucionais, há imprecisão conceitual e pluralidade terminológica.
Vale lembrar que a terminologia “remédios constitucionais” é uma construção doutrinária e não legal, pois a legislação contempla cada remédio com nome específico. Dito isso, passaremos à análise de cada um desses remédios, que a saber são: habeas corpus; habeas data; mandado de segurança; mandado de injunção, ação popular e ação civil pública.
As garantias fundamentais os instrumentos jurídicos de tutela dos direitos fundamentais. O conceito de garantia fundamental corresponde os mecanismos e institutos jurídicos especificamente destinados à tutela dos direitos fundamentais como writs constitucionais clássicos, abrangendo ainda os mecanismos de tutela extrajudicial dos direitos fundamentais, como o direito de petição.
Existe a íntima conexão entre os direitos e garantias fundamentais e, inerentemente das discussões que permeiam a temática relativa à conceituação dos direitos fundamentais, examinando-se nesse momento, os seus princípios e caracteres que serão particularmente relevantes para a análise de sua tutela judicial e extrajudicial e, portanto, para o estudo de garantias fundamentais.
O princípio da tutela jurídica que se traduz na exigência de que o Estado proveja meios eficazes e satisfatórios para prevenir ou reparar violações aos direitos fundamentais.
E, tal princípio implica, para além de mero acesso aos tribunais, um direito à tutela jurisdicional efetiva, através do due process of law em sua dupla dimensão, a saber: a substantiva e a processual, considerando a verdadeira materialização do princípio estruturante do Estado de Direito como ensina J.J. Canotilho.
A doutrina aponta que as funções dos direitos fundamentais, destaca-se, especialmente, a função da prestação social e a função de proteção perante terceiros. Da primeira decorre que a tutela satisfatória dos direitos fundamentais, quaisquer que sejam, dependerá não apenas de abstenções, mas especialmente de ações e de prestações estatais.
A função de proteção perante terceiros conduz ao delicado tema da eficácia horizontal ou interprivada dos direitos fundamentais.
A partir da constatação da possibilidade e das concretas violações de direitos fundamentais por particulares, a doutrina tem desenvolvido e a jurisprudência em certa medida acolhido a possibilidade da oponibilidade de direitos e garantias fundamentais a particulares, e da incidência de direitos fundamentais em relações entre particulares.
Portanto, a criação de instituições e a disponibilização de meios e recursos necessários à tutela eficaz dos direitos fundamentais revelam-se imprescindíveis à prevenção ou reparação, quando possível de sua violação.
Daí a importância de algumas características dos remédios fundamentais que serão analisadas adiante, como a gratuidade, a eventual derrogação da exigência de capacidade postulatória, a sumariedade, a prioridade, a simplicidade ou informalidade, e, a adequada estruturação de tribunais e a criação de órgãos como a defensoria pública.
Há diversas correntes doutrinárias em torno da eficácia interprivada dos direitos fundamentais, estruturando-se em torno de concepções teóricas como as que sustentam a eficácia mediata dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, as que sustentam sua aplicabilidade imediata, bem como as teorias da imputação ao Estado e outas teorias ecléticas.
Ainda sobre a temática, cabe citar Steinmetz e Canaris entre outros. O problema da eficácia perante particulares é relevante não apenas para os direitos fundamentais, mas também para as garantias fundamentais, dentro de certos limites.
Assim, exemplificativamente, a possibilidade excepcional de impetração de habeas corpus contra ato de particular ou a admissão do amparo constitucional contra os particulares são questões interessantes.
Vide os julgados do TJSP e TJMG em RT 574/40 e 577/329, acerca de recusa em autorizar a saída de paciente de hospital onde estava internado antes do pagamento da conta e internação em clínica geriátrica, pelo filho, de pais idosos, contra a vontade destes, respectivamente.
Na América do Sul, particular destaque, cabe ao famoso precedente conhecido como caso Samuel Kot, julgado na Argentina no ano de 1958. (PIZZOLO, 2006); (FERRER MACGREGOR, 2006, p. 174-198).
Direito de Petição.
As origens dele remontam ao Bill of Rights, de origem inglesa, de 1689, sendo difundido para diversos diplomas legais como a Declaração da Pensilvânia de 1776 e as Constituições francesas de 1791 e 1793.
Em nosso país, já se encontrava previsto na Constituição Imperial de 1824, em seu artigo 179, inciso XXX. E, o referido remédio foi mantido em todas as Constituições brasileiras posteriores, sendo previsto na de 1891(artigo 72, §9º), de 1934 (art.141, §37), de 1969 (art. 153, §30), e na de 1988 (art. 5, XXXIV, a).
O direito de petição na faculdade de se dirigir a qualquer autoridade pública apresentando petições, representações, reclamações e queixas em defesa de direitos, da Constituição, das leis ou do interesse geral.
O direito de petição comporta as modalidades individual e coletiva, tendo cabimento contra a ilegalidade ou abuso de poder e, como prerrogativa democrática que é caracterizada pela gratuidade e informalidade.
A função da garantia constitucional e de seu caráter extrajudicial, a capacidade postulatória revela-se desnecessária, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federa. Porém, a jurisprudência brasileira posiciona-se no sentido de que o direito de petição não pode constituir sucedâneo de ação penal, nem de ação rescisória, sendo inconfundível com o direito de ação.
Nesse sentido, diferentemente do direito de ação, o qual possui caráter jurisdicional – e não administrativo, como no direito de petição em questão-, o peticionário não tem o dever de demonstrar lesão ou ameaça de lesão a interesse, pessoal ou particular.
Esse direito, de caráter universal, pode ser exercido por qualquer pessoa física ou jurídica, nacional ou estrangeira, ou até mesmo a entes não dotados de personalidade jurídica, podendo ser exercido individual ou coletivamente.
Essa petição deverá ser destinada ao órgão ou à autoridade competente. As petições dirigidas a entidade incompetente devem ser reenviadas ou, pelo menos, deve-se dar ao competente órgão a ciência da existência do pleito.
O direito de petição, embora não contemple reserva legal expressa, não impede a adoção de medidas que confiram maior eficácia a esse direito pelo legislador.
Exemplo dessas medidas é o fato de que certas pessoas submetidas a determinados regimes, como os carcerários de segurança máxima, podem ficar proibidas de comunicar-se com o exterior por determinado período.
A restrição desse direito a essas pessoas se dá pelo fato de esse direito conflitar-se com outros princípios constitucionais como o da segurança pública, previsto no art. 144 da Constituição Federal.
Após a análise pelo órgão competente da referida petição, o texto constitucional não se refere a nenhum direito ao titular da petição de ser informado sobre o resultado dessa apreciação. No entanto, subentende-se que essa informação decorre desse direito, mas caso a mesma não seja feita, é cabível a utilização do mandado de segurança para a obtenção de algum pronunciamento do Poder Público.
A Lei de Procedimento Administrativo – Lei federal n. 9.784/99, art. 48- deu maior eficácia a esse direito. A mesma estabeleceu que a Administração deve emitir decisão de seus processos administrativos, dispondo de trinta dias para decidir, salvo por prorrogação expressamente motivada.
Tal disposição legislativa tutela outra garantia como o direito à razoável duração do processo nos âmbitos judicial e administrativo, previsto no Artigo 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal.
A Constituição Federal possibilita ainda, como desdobramento do Direito de Petição, a obtenção, por qualquer pessoa, de certidões em repartições e órgãos públicos, desde que voltada ao interesse pessoal do requerente.
Este assunto é regulado pela Lei 9051/95, que fixou o prazo improrrogável de 15 (quinze) dias para que os órgãos da administração centralizada ou autárquica, às empresas públicas, às sociedades de economia mista e às fundações públicas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, expeçam as certidões, contado do registro do pedido no órgão expedidor.
Mas este direito tem sido sistematicamente desrespeitado, ou por não cumprimento do prazo legal, ou por cobrar taxas indevidamente. Através de uma interpretação analógica, este prazo poderá ser aplicado ao direito de petição, no qual o órgão público terá 15 (quinze) dias para se manifestar a respeito, se for necessário e útil.
O direito de petição deve ser apresentado de forma escrita, não podendo ser solicitada oralmente. Pode ser exercido individual ou coletivamente. Um exemplo de um Direito de Petição de forma coletiva é o abaixo-assinado.
O direito de petição e o direito de aquisição de certidões em repartição pública são, portanto, totalmente reconhecidos pela Constituição Federal. Integram o conjunto de direitos e garantias presente na Carta Magna, da qual não podem ser retirados sequer por emenda constitucional. Cabe ao cidadão estar ciente e fazer valer cada um de seus direitos.
O STF decidiu que viola o direito de petição, previsto no art. 5º da Constituição Federal, a exigência de recolhimento de taxa para emissão de certidão em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal, porquanto essa atividade estatal está compreendida por regra imunizante de natureza objetiva e política.
A imunidade refere-se a certidões solicitadas objetivando a defesa de direitos ou o esclarecimento de situação de interesse pessoal, uma vez que a expedição de certidões voltadas à prestação de informações de interesse coletivo ou geral não recebe o mesmo tratamento tributário.
Tal direito, sem dúvida, tem como objetivo precípuo assegurar o exercício das prerrogativas típicas de um Estado Democrático de Direito, que não tolera abusos ou arbitrariedades, permitindo ao cidadão a possibilidade de vislumbrar, igualmente, os direitos e obrigações a que está submetido, de forma delimitadamente objetiva, pelas Leis (que o protegem e as quais deve se subordinar) – para então tornar-se, de fato, “um sujeito de direitos e obrigações”.
De maneira prática, cumpre observar que o direito de petição deve resultar, na prática, em uma manifestação do Estado, normalmente dirimindo (resolvendo) uma questão proposta, em um verdadeiro exercício contínuo de delimitação dos direitos e obrigações que regulam a vida social e, desta maneira, quando “dificulta a apreciação de um pedido que um cidadão quer apresentar” (muitas vezes, embarcando-lhe o acesso à Justiça); “demora para responder aos pedidos formulados” (administrativa e, principalmente, judicialmente) ou “impõe restrições e/ou condições para a formulação de petição”, traz a chamada insegurança jurídica, que traz desesperança e faz proliferar as desigualdades e as injustiças.
A doutrina aponta ainda duplo caráter do direito de petição, a saber: o de uma queixa, reclamação e o instrumento de manifestação de liberdade de opinião. O titular de tal garantia constitucional é qualquer pessoa, podendo, sê-lo, inclusive os estrangeiros; o destinatário, por sua vez, é qualquer autoridade pública.
O direito de petição corresponde a uma resposta em prazo razoável, esteja tal disposição expressa, como é o caso da Constituição da República portuguesa de 1976, em seu artigo 52, I, ou não, sob pena de descaracterização do instituto. E, a doutrina considera a omissão sanável por meio de mandado de segurança.
Convém recordar ainda que o direito de petição se vincula com uma importante instituição do Direito Processual Constitucional, a reclamação constitucional.
A doutrina aponta o direito de petição, bem como o princípio da competência da competência como fundamentos daquele instituto de origem pretoriana e posterior consagração constitucional e legal, cuja finalidade é preservar a autoridade das decisões dos Tribunais ou combater a invasão de suas competências, cassando e anulando decisões de órgãos inferiores que incidam nas referidas condutas. Constituição Federal, art. 102, I, ”l”, art. 105, I,”f” e, ainda, art. 103-A, § 3º, bem como Lei n. 8.038/90, arts. 13 a 18.
Habeas Corpus
Trata-se de writ constitucional cuja origem remonta a Inglaterra medieval, sendo considerado o primeiro remédio constitucional e seu amplo escopo tornava-o cabível, até mesmo, em matéria cível, inclusive no direito inglês.
É o remédio constitucional do habeas corpus é um dos mais antigos do ordenamento jurídico brasileiro e em vários países latino-americanos.
Em verdade, o habeas corpus fora adotado por nosso país com escopo vasto e amplo tanto que originou a chamada doutrina brasileira do habeas corpus que o compreendia como um remédio tutelar de direitos subjetivos de qualquer natureza, doutrina esta, que tanto influenciou outros países latino-americanos.
E, foi a partir de 1926 que, em face de uma Emenda à Constituição então vigente, que o instituto conheceu uma redução em seu escopo, passando a ser compreendido como remédio dirigido a tutelar apenas a liberdade de locomoção, e, passando a ser considerado instituto com natureza jurídica de uma ação constitucional.
Atualmente, o objeto tutelado é a liberdade de locomoção em face de coação de qualquer natureza e, ele ostenta diversas características relevantes para a compreensão e reflexão sobre os remédios constitucionais em geral. Uma nota importante peculiar é a sua oponibilidade a autoridade pública ou particular.
Diversamente do mandado de segurança que é cabível contra órgãos públicos ou a estes legalmente equiparados, o habeas corpus tem sido admitido inclusive contra particulares, ainda que excepcionalmente, registrando a jurisprudência casos concretos interessantes.
Destaca-se que não se exige o requisito do interesse de agir para a legitimação ativa, podendo ser impetrado por qualquer pessoa em favor do paciente, além de existir a possibilidade de concessão ex officio, características decorrem de sua natureza de ação popular.
Ainda há que se observar que tal remédio constitucional dispensa a capacidade postulatória, o que visa favorecer a tutela judicial da liberdade, justamente com as características do informalismo e da urgência que caracterizam o instituto.
O menor rigor formal decorre da natureza da ação e de seu objeto, a saber, a ação penal constitucional visando à tutela preventiva ou reparadora de ameaça ou lesão ao direito de ir e vir constitucionalmente tutelado por ato abusivo ou ilegal.
Mandado de segurança
Consiste em remédio constitucional criado pela Constituição brasileira de 1934, em seu artigo 113, inciso 33, estando presente praticamente em todas as demais, com exceção com a Constituição de 1937.
Os mandados de segurança seguiam o mesmo procedimento do habeas corpus até o ano de 1936, quando, a partir da entrada em vigor da Lei 191/36 passaram a observar o procedimento próprio nela previsto. Sob a Constituição de 1937, silente a seu respeito, o remédio constitucional permaneceu em vigor, regulado seu procedimento pela Lei n. 191/36 e, posteriormente, regulado pelo Código de Processo Civil, Lei n. 1.608/39. Após passou a ser regulado pela Lei n. 1.533/51 e, mais recentemente, pela Lei n. 12.016/2009.
A Constituição de 1988 reiterou a previsão do mandado de segurança individual em seu art. 5º, inciso LXIX, e inovou na matéria, ao instituir uma nova modalidade do remédio, a saber, o mandado de segurança coletivo, no mesmo art. 5º, inciso LXX (SILVA, 2011).
Há importantes precedentes relativamente à criação do mandado de segurança individual pelo constituinte em 1934, nomeadamente a doutrina da proteção possessória dos direitos pessoais e a já referida doutrina brasileira do habeas corpus. Trata-se da célebre tese sustentada por Rui Barbosa no interdito possessório manejado no caso da Escola Politécnica do Rio de Janeiro em 1896.
Trata-se de uma ação constitucional especial de tutela de direitos individuais ou coletivos cujo objetivo é a proteção de direito líquido e certo.
Ostenta natureza jurídica de ação civil constitucional que visa obter a concessão de segurança, consistente em ordem judicial para fazer cessar coação ilegal ou abusiva, lesiva a direito líquido e certo, ou impedir sua ocorrência.
O mandado de segurança individual possui como legitimados ativos as pessoas naturais ou jurídicas, de direito público, ou privado, desde que sejam as próprias titulares do direito líquido e certo violado ou ameaçado.
Exerce a doutrina, fundamental papel na conceituação de direito líquido e certo, elucidando as dúvidas deixadas pela legislação sobre o tema.
De forma majoritária, a doutrina brasileira apresenta como definição de direito líquido e certo o entendimento que este se trata de direito o qual possa ser demonstrado de plano, sem a necessidade do auxílio de instrução probatória, portanto, os fatos que derem causa a impetração do mandado de segurança devem estar de maneira antecipada, devidamente provados.
O conceito de direito líquido e certo é tipicamente processual, pois atende ao modo de ser de um direito subjetivo no processo: a circunstância de um determinado direito subjetivo realmente existir não lhe dá a caracterização de liquidez e certeza; esta só lhe é atribuída se os fatos em que fundar puderem ser provados de forma incontestável, certa, no processo. E isto normalmente só se dá quando a prova for documental, pois está é adequada a uma demonstração imediata e segura dos fatos.
A legitimidade passiva compreende as autoridades públicas ou agentes de pessoa jurídica no exercício de atribuições públicas, ou ainda, pessoas naturais atuando no exercício de atribuições do Poder Público, conforme prevê o artigo 1, §1º da Lei 12.016/2019 sendo o remédio constitucional considerado inoponível contra atos de particulares. Pode ser manejado contra atos comissivos ou omissivos podendo ser preventivo ou repressivo.
O mandado de segurança preventivo exige, para seu cabimento, que reste evidenciado justo receio ou ameaça concreta, e não meras ilações, conjecturas ou temores do titular do direito.
A jurisprudência consolidada não admite mandado de segurança contra lei em tese (Súmula 266 STF), e considera que o remédio constitucional não pode ser usado como sucedâneo de recurso.
Quanto ao mandado de segurança coletivo, debate-se a doutrina sobre a eventual necessidade de autorização dos associados, nos termos do art. 5º, inciso XXI da Constituição.
A melhor orientação parece consistir naquela que considera a autorização necessária para a tutela de direitos subjetivos individuais, mas dispensável para a tutela de direitos coletivos. Quanto aos partidos políticos, legitimados para a propositura do mandado de segurança coletivo, há discussão sobre serem legítimos para a propositura do remédio apenas na defesa do interesse de seus membros ou de qualquer cidadão.
No que diz respeito a tal problema, parece mais adequado sustentar tratar-se de instrumento hábil para a defesa dos direitos subjetivos dos associados assim como de direitos difusos ou coletivos.
A sentença proferida em sede de mandado de segurança ostenta natureza executória e mesmo quando presente conteúdo declaratório possui consequência ou objetivo executório, como, por exemplo, os mandados de segurança envolvendo matéria tributária.
A Lei nº. 12.016/2009 prevê prazo decadencial de 120 (cento e vinte) dias para a impetração do mandado de segurança, salvo relações jurídicas continuativas ou de trato sucessivo, cujos períodos se renovam periodicamente.
O Supremo Tribunal Federal já pacificou o entendimento sobre a constitucionalidade do prazo decadencial, editando a Súmula n. 632.
Referida lei estabelece um procedimento sumaríssimo e escrito, com prioridade sobre todos os demais, exceto habeas corpus (art. 7º, § 4º e 20), na esteira do que já previa a legislação anterior.
O mandado de segurança não comporta dilação probatória, tampouco a produção de prova testemunhal, tendo sido admitida apenas e tão-somente prova exclusivamente documental.
Há a previsão de concessão de liminar, desde que presentes os requisitos do fumus boni juris e do periculum in mora.
Os efeitos da liminar não cassada nem revogada produzem-se até a superveniência de sentença concessiva ou denegatória da segurança, e a liminar se sujeita a perempção ou caducidade a ser declarada ex officio ou a requerimento do Ministério Público. V. arts. 2º e 7º III e § 3º, bem como o art. 15 e §§ 1º e 2º da Lei 12.016/2009.
A sentença concessiva da segurança ostenta natureza mandamental, consistindo em ordem para fazer cessar a coação ou se abster de praticar o ato – ou para praticá-lo, caso objete omissão ilegal ou abusiva.
Observe-se a exceção constante do art. 14 § 4º da Lei de regência do instituto. Em virtude da natureza mandamental da ação, sua execução se dá ex officio e independente de caução.
Quanto à natureza jurídica desta ação constitucional, debate-se a doutrina. Para Pontes de Miranda, adepto da teoria quádrupla de Kuttner e Goldschmidt, a ação ostentaria natureza mandamental.
Há quem entenda que o pedido que define a natureza, que pode ser declaratória, constitutiva ou condenatória, mas parece ser correto entender que o teor mandamental prevalece sobre eventual teor declaratório, constitutivo ou condenatório secundário, pois a prestação jurisdicional pretendida com o manejo do writ é exatamente a obtenção de um mandamento cujo descumprimento caracteriza crime de desobediência, ensejando além da responsabilidade penal, responsabilidade administrativa, civil e, eventualmente, político-administrativa, podendo caracterizar crime de responsabilidade.

 

Habeas Data
Consiste em garantia fundamental criada pela Constituição Federal de 1988, que o previu em seu artigo 5, inciso LXXII, ao lado de outras inovações, como o mandado de segurança coletivo e o mandado de injunção.
O remédio tem cabimento com vistas ao conhecimento de informações sobre a pessoa do impetrante, a retificação de tais informações, ou ainda, a anotação de explicação ou contestação sobre fatos constantes do registro, sempre relativamente a bancos de dados públicos ou de caráter público.
A legitimidade ativa cabe à pessoa a quem se referirem as informações entendendo a doutrina, tratar-se de ação personalíssima e, portanto, intransmissível. Pode o habeas data ser manejado por pessoa natural ou jurídica Súmula 227 STJ seja brasileira ou estrangeira.
A Lei 9.507/1997 regula o procedimento do habeas data em seus artigos 8 a 15, estabelecendo procedimento escrito, concentrado e sumaríssimo, análogo ao do mandado de segurança.
Os processos de habeas data gozam de prioridade sobre todos os demais exceto habeas corpus e mandado de segurança.
O manejo deste remédio constitucional exige prova pré-constituída, com a comprovação documental de plano, não admitindo dilação probatória.
O habeas data caracteriza-se pela gratuidade, constitucionalmente prevista (art. 5º, LXVII) e extensiva ao procedimento administrativo por disposição expressa da Lei 9.507/1997, art. 21. 36 A Lei n. 9.507/1997 foi omissa quanto ao cabimento de liminar, o que gera dissenso doutrinário. Paulo Roberto Gouvêa Medina entende possível eventual antecipação de tutela (art. 273, I do Código de Processo Civil).
A natureza do habeas data é mandamental, vez que a impetrante objetiva obter a prolação de ordem judicial que dispensa atos processuais executórios e cujo descumprimento enseja a responsabilidade da autoridade coatora.
Mandado de Injunção.
Trata-se remédio constitucional que foi uma inovação da Constituição brasileira de 1988, encontrando assento em artigo 5, LXXI. A modalidade coletiva é construção pretoriana foi aos poucos consagrada, inclusive na jurisprudência do STF.
MI n. 20 e MI 361 (1994). A doutrina costuma apontar como as origens remotas do instituto a Inglaterra do século XIV, especialmente a atuação da jurisdição da Equity, exercida pelo Tribunal da Chancelaria, a partir da valoração dos elementos do caso e princípios de justiça material.
Alguns buscam suas origens próximas Origens no writ of injunction, ação existente nos Estados Unidos da América, assim como na garantia da Equal protection clause (14ª Emenda à Constituição norte-americana de 1787).
A despeito de suposta inspiração no instituto denominado writ of injunction norte-americano e da semelhança nominal com este, a melhor orientação parece ser aquela que afirma serem inconfundíveis os institutos.
O mandado de injunção pode ser proposto pelo titular de direito, liberdade ou prerrogativa constitucional obstada por omissão inconstitucional relativa ao dever de regulamentar, seja pessoa natural, pessoa jurídica de direito público ou privado, e até mesmo entes despersonalizados.
Trata-se de mecanismo do controle difuso de constitucionalidade, cujo escopo é o de sanar a violação de direitos decorrente de omissão inconstitucional no dever de regulamentar e ostentando, portanto, efeitos inter partes ou eventualmente coletivos, mas não gerais.
O objeto do mandado de injunção consiste na falta de norma regulamentadora de preceito constitucional e o objetivo do remédio é assegurar o pleno exercício de direitos, liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à soberania, à cidadania e à nacionalidade.
Entre as posições doutrinárias a respeito dos efeitos do mandado de injunção, há a posição não concretista e as concretistas, mediata e imediata. Entende-se por acertado, o entendimento no sentido de que ao mandado de injunção deve ser conferida função normativa e concretizadora.
A doutrina prevalecente entende que o mandado de injunção, por sua natureza, não comporta liminar, embora haja dissidência na doutrina. Os efeitos do julgamento no sentido da procedência do remédio constitucional em comento, são ex nunc, ou seja, irretroativos, no que tange ao seu caráter constitutivo.
Devido à ausência de regulamentação, até a presente data, o artigo 5, inciso LXXI, do texto constitucional vigente, o procedimento adotado para o processo e julgamento do mandado de injunção tem sido o da Lei 12.026/2009, por analogia, e por disposição expressa da Lei 8.038/1990, nesse sentido, conforme o artigo 24.
Em síntese, o Direito Processual Constitucional brasileiro conta com um conjunto de remédios ou garantias, a maioria de natureza processual que tutelam diversos direitos e liberdades fundamentais. A maioria desses remédios ostentam características comuns a diversas instituições equivalentes no Direito Comparado, como a sumariedade, a informalidade, a prioridade e a gratuidade.
Contudo, existe, algumas limitações no que tange à dispensa de capacidade postulatória, oponibilidade contra particulares e outros aspectos, que ficam ressaltados especialmente ao se examinar remédios constitucionais estrangeiros, como o Amparo latino-americano, que será objeto do item sucessivo.
O instituto do amparo origina-se no Direito Constitucional mexicano, sendo que posteriormente conheceu grande difusão pela América Latina, Europa e, mais recentemente, África e Ásia. Indicam-se comumente como seus antecedentes e inspiração o Habeas Corpus Act inglês de 1679, além da influência da Constituição norte-americana de 1781 e do célebre leading case Marbury versus Madison, de 1803. (FERRER MAC-GREGOR, 2006).
A despeito de tal origem ser bastante difundida e celebrada, e sem recusar a evidente influência do Direito Constitucional norte-americano sobre o Direito Constitucional mexicano, há quem advirta para a influência de outros sistemas jurídicos na criação do instituto.
Héctor Fix-Zamundio, por exemplo, aponta para origens hispânicas da denominação do instituto, derivado, segundo ele e com base em Felipe Tena Ramírez, de instituições homônimas do direito castelhano e, ainda, nos processos forais do direito aragonês, institutos protetores dos direitos dos governados (FIXZAMUNDIO, 1993).
A criação do amparo é atribuída a Manuel Crescencio García Rejón y Alcalá (1799-1849), jurista mexicano que foi autor do projeto de constituição do Estado de Yucatán de 1840, aprovado em 1841, e que previa e regulava o instituto em seus artigos 8º, 9º e 62.
Posteriormente, o instituto foi estabelecido em nível federal pelo artigo 25 do ato de reformas de 1847 e, posteriormente, na Constituição Federal de 1857 (arts. 101 e 102) e, finalmente, na atual Constituição de 1917 (arts. 103 e 107) (FERRER MAC-GREGOR, 2006; FIX-ZAMUNDIO, 1993).
O amparo foi recepcionado na América Central e na Espanha em um primeiro momento (século XIX e primeira metade do século XX), sendo recepcionado posteriormente em países da América do Sul, nomeadamente Argentina, Venezuela, Bolívia, Equador e Paraguai (décadas de 1950 e 1960) e, por fim, Peru, Chile, Uruguai, Colômbia e República Dominicana (décadas de 1970 a 1990). Mais recentemente conheceu difusão pelo leste europeu, África e Ásia (FERRER MAC-GREGOR, E. 2006).
O instituto mexicano é extremamente amplo em seu escopo, sendo possível identificar atualmente ao menos cinco dimensões, a saber, o denominado amparo liberdade – instituto que faz as vezes do habeas corpus – o amparo contra decisões judiciais – instituto equivalente ao recurso de cassação – o amparo contra leis – instituto de impugnação de inconstitucionalidade – o amparo como contencioso administrativo e, por fim, o amparo social, instrumento de proteção de camponeses e populações rurais, existente após o ano de 1963.
Alguns países latino-americanos em lugar de recepcionar o amparo acolheram acepção ampla do habeas corpus, como é o caso do Peru. Em outros países da América Latina o instituto não foi introduzido por ato legislativo, mas passou-se a depreendê-lo a partir da cláusula de recepção automática, como fazem a Argentina e República Dominicana, sendo que em alguns países, como a República Dominicana, o amparo constitui construção pretoriana. A maioria dos países que o adotam, porém, constitucionalizou e legalizou o instituto. (FERRER MAC-GREGOR, E. 2006).
Fix-Zamundio identificou o amparo nos ordenamentos jurídico constitucionais latino-americanos mais variados, como, por exemplo, os da Argentina, da Bolívia, da Costa Rica, de El Salvador, da Guatemala, de Honduras, da Nicarágua, do Panamá, do Paraguai, do Peru, do Uruguai e da Venezuela, além, é claro, do México (FIX-ZAMUNDIO, 1993).
O doutrinador acima citado identifica, ainda, influência do instituto de origem mexicana sobre diversos documentos e instrumentos internacionais de proteção de direitos humanos.
Cita especificamente a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem de 1948 (art. XVIII), a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 (art. 8º), o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966 (art. 2ª, 3) e, ainda, a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 (art. 25) (FIXZAMUNDIO, 1993).
A nomenclatura do instituto é variada, havendo registro das expressões ação de amparo, recurso de amparo, juízo de amparo, garantia de amparo, direito de amparo, assim como recurso de proteção (Chile) e ação de tutela (Colômbia) (FERRER MAC-GREGOR, 2006).
Sua natureza jurídica é controvertida, havendo autores que o classificam como ação, meio de impugnação, recurso, instituição política, instituição de controle, interdito, quase-processo, processo jurisdicional autônomo, entre outros (FERRER MAC-GREGOR, 2006; PIZZOLO, 2006).
No México, a instituição em estudo ostenta uma tutela omnicompreensiva, não existindo nenhuma outra garantia constitucional direta e específica.
Ou seja, no direito mexicano a garantia constitucional em exame serve, de modo geral, para a tutela de todos os direitos e liberdades fundamentais. Calogero Pizzolo observa que em países como o México e a Venezuela o amparo é genérico, sendo que o habeas corpus é considerado um subtipo do amparo. (PIZZOLO, 2006).
Na maioria dos países que o adotam, no entanto, a liberdade ambulatória, que é tutelada em geral pelo habeas corpus concebido como remédio constitucional autônomo.
Em alguns casos também se exclui a tutela relativa a dados pessoais, tendencialmente reservada ao habeas data, como na Argentina, consagrando-se o que alguns denominam de tríade garantista (amparo, habeas corpus e habeas data).
No que tange à legitimidade ativa, esta é tende a ser reconhecida, de modo geral, a qualquer pessoa natural ou jurídica que seja titular dos direitos fundamentais objeto de proteção.
Verifica-se, ainda, uma tendência em reconhecer a legitimidade de outros órgãos, na qualidade de legitimados extraordinários, como o Ombudsman e as associações, registrando-se, ainda, casos de amparo coletivo, como na Argentina (FERRER MAC-GREGOR, 2006).
São legitimados passivos, de modo geral, tanto autoridades públicas quanto agentes privados. Isso faz com que o amparo desempenhe o papel de importante instrumento para a proteção horizontal ou interprivada dos direitos fundamentais (FERRER MAC-GREGOR, 2006).
A ação de amparo ostenta a sumariedade que é típica das instituições integrantes da jurisdição constitucional das liberdades, evidenciada pela previsão de prazos bastante reduzidos (PIZZOLO, 2006).
Com efeito, Calogero Pizzolo identifica alguns princípios processuais regentes do amparo, notadamente a brevidade dos prazos, a gratuidade, o cumprimento imediato das decisões, a não-suspensão em estado de exceção, entre outros, como a oralidade, a publicidade de a informalidade.
Ensina Eduardo Ferrer Mac-Gregor que em princípio são impugnáveis pelo amparo todo ato de ameaça ou violação concretos de direitos e liberdades fundamentais.
No entanto, há que se observar a existência do que Calogero Pizzolo denomina requisitos materiais, que podem ser expansivos ou limitativos do remédio, como, por exemplo, poder ou não ser manejado contra atos passados, presentes ou futuros, ou ainda, a existência de exigências como as de “lesão grave” ou “arbitrariedade manifesta”, conforme cada ordenamento jurídico positivo particular (PIZZOLO, 2006).
A despeito disso, registram-se poucos casos de cabimento contra normas de caráter geral, notadamente em alguns países da América Central (FERRER MACGREGOR, 2006), diversamente do que ocorre quanto a alguns institutos análogos existentes na Europa (Verfassungsbeschwerde alemã, notadamente).
Como observa Pizzolo (2006), a legitimação ativa pode ser interpretada ampliativa ou restritivamente em diferentes sistemas jurídicos nacionais. Sobre outros aspectos referentes à legitimação ativa em diferentes países latino-americanos remete-se ao estudo do doutrinador. Cabe citar, como precedente célebre, o caso “Samuel Kot”, julgado na Argentina no ano de 1958.
Ressalve-se que da análise comparativa depreendem-se três possibilidades, quais sejam, amparo contra atos de autoridades públicas apenas e amparo contra atos de autoridades públicas ou de agentes privados, que outorga, sem dúvida, proteção mais ampla. Enquadram-se na segunda hipótese a Argentina, o Paraguai, a Bolívia e o Peru, entre outros.

Ação Popular
A ação popular permite ao cidadão recorrer à Justiça na defesa da coletividade para prevenir ou reformar atos lesivos cometidos por agentes públicos ou a eles equiparados por lei ou delegação. Há também a possibilidade de uma ação popular ser aberta quando a administração pública for omissa em relação a atos que deveria praticar.
Todos os eleitores brasileiros, incluindo os menores de 18 anos, têm legitimidade para propor uma ação desse tipo. Há, no entanto, a necessidade de se demonstrar a lesividade ou ameaça ao direito provocada pelo ato da administração pública ou pela omissão desta.
Esse instrumento processual é regido pela Lei 4.717, de 29 de junho de 1965, com aplicação do Código de Processo Civil, somente naquilo que não contrarie as disposições da referida lei. A ação pode ser proposta para resguardar a moralidade administrativa, o meio ambiente e o patrimônio público, histórico e cultural. Cabe uma ação popular, por exemplo, quando é considerado abusivo o reajuste sobre o salário de vereadores de determinada câmara municipal.
Ação Civil Pública
Regida pela Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, a Ação Civil Pública pode ser proposta pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela União, estados, municípios, autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de economia mista e associações interessadas, desde que constituídas há pelo menos um ano.
Conforme a lei, a ação civil pública, da mesma forma que a ação popular, busca proteger os interesses da coletividade. Um dos diferenciais é que nela podem figurar como réus não apenas a administração pública, mas qualquer pessoa física ou jurídica que cause danos ao meio ambiente, aos consumidores em geral e a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
Cabe uma ação pública, por exemplo, quando uma comunidade é atingida pelo rompimento de uma barragem. Nesse caso, os responsáveis podem ser condenados a reparar financeiramente os danos morais e materiais da coletividade atingida. Esse tipo de ação também pode ser movido com o objetivo de obrigar o réu a corrigir o ato praticado ou, no caso de omissão, a tomar determinada providência.
A ação civil pública também é regida pelo Código de Processo Civil, mas somente naquilo que não contrarie a Lei 7.347/1985. Em regra, esse instrumento processual deve ser proposto no primeiro grau de jurisdição da Justiça Estadual ou Federal. Após a sentença, as partes poderão apresentar recursos ao segundo grau de jurisdição.
Como todas as garantias fundamentais, os remédios constitucionais cooperam para a manutenção do Estado Democrático de Direito. Afinal, tais instrumentos foram criados para combater o arbítrio estatal, que é manifestado por abusos e/ou ilegalidades.
É importante rememorar que para que haja ofensa a direitos fundamentais não é essencial que a ofensa a direitos fundamentais emane de órgãos públicos, e que talvez seja o caso de temperar as restrições da legitimidade passiva quando isso for necessário para obter tutela judicial adequada para ameaças ou lesões graves a direitos fundamentais não sanáveis por habeas corpus ou por habeas data.
Ao que parece algumas das teorias da eficácia horizontal ou erga omnes dos direitos fundamentais poderiam servir de supedâneo teórico para justificar, em casos excepcionais, o cabimento do writ of mandamus tendo por coator um agente privado.
De todo modo, diversos aspectos importantes relativos aos diversos aspectos processuais dos institutos aqui brevemente cotejados foram deixados de lado, por impossibilidade de seu tratamento no presente estudo.
Tais aspectos parecem ainda reclamar e merecer atenção em pesquisas científicas que aprofundem aspectos importantes e particulares de tais instituições, no sentido de aprofundar sua compreensão e, quiçá, aprimorar os remédios constitucionais nacionais.
Logo, é indiscutível a relevância delas em um Estado Democrático de Direito, já que os remédios constitucionais dividem as suas funcionalidades para obstruir as brechas que impedem o efetivo exercício dos direitos fundamentais.
Com efeito, pode-se concluir que o Habeas Corpus (HC) garante o direito à locomoção; o Habeas Data (HD) o direito à informação; o Mandando de Segurança garante o exercício de direitos líquidos e certos não amparados pelo HC e HD; o Mandado de Injunção garante a aplicabilidade dos direitos fundamentais, prejudicada pela ausência de norma; e por fim, a Ação Popular garante a proteção dos direitos difusos e coletivos diante de atos lesivos.

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A proteção do direito à saúde por mandado de segurança.

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Resumo: A judicialização da saúde por via de mandado de segurança divide a doutrina e a jurisprudência do Brasil, mas, infelizmente faz-se necessária para a defesa do direito à saúde e o direito à saúde, endossando o princípio basilar da preservação da dignidade humana.
Palavras-Chave: Direito à Saúde. Direito à Vida. Dignidade Humana. Mandado de Segurança. Garantias constitucionais.

O direito à saúde, o direito à vida e a uma sobrevivência digna cada vez mais é levado até a apreciação do Judiciário e, diversos pedidos englobam as mais aperfeiçoadas tecnologias não previstas entre os atos normativos do SUS.
Igualmente, entre os pedidos há a previsão de medicamentos, produtos e procedimentos que não seguem padrões anteriores de impetração do writ. Procurou-se analisar a adequação do mandado de segurança como a via processual apropriada para se tutelar o direito à saúde e seus corolários.
Devido à ausência de dilação probatória, há que observe que o mandado de segurança não seria o instrumento processual mais adequado, devendo, em regra, ser escolhida a via ordinário, em respeito ao contraditório, a ampla defesa, sem haver prejuízo do acesso à justiça.
É recorrente o tema do direito à saúde ser submetido à apreciação do Judiciário brasileiro e, são muitos os debates em face de sua vasta complexidade. E, a discussão passa sobre o controle judicial de políticas públicas, a separação de poderes, o mínimo existencial, a reserva do possível, o modelo institucional e constitucional do Sistema único de Saúde, entre outros pontos.
De certa forma a judicialização da saúde revela a grande preocupação do judiciário e seus reflexos, voltada para o uso de tecnologias avançadas em saúde, bem como medicamentos e produtos e procedimentos terapêuticos mais eficazes.
Apesar das críticas a respeito dos parâmetros definidos pelo Judiciário brasileiro, não é possível deixar de reconhecer o efeito positivo que é a maior previsibilidade decisória bem como a segurança jurídica. Entre os mais relevantes exemplos estão os julgamentos onde se fixou os requisitos cumulativos para fornecimento de medicamentos não previstos em atos normativos do SUS. Bem como a concessão judicial de fármaco sem registro sanitário prévio, também estabelecendo requisitos cumulativos.
De toda sorte as teses expostas e assumidas pelos tribunais vêm conferindo maior racionalidade e contribuindo para o bom tratamento coletivo da temática. Principalmente, em face da grande procura pelo SUS, diante da crise econômica e social vivenciada pelo país. Obviamente que o aumento da procura do SUS significa igualmente o crescimento do número de demandas judiciais da saúde. E, nesse contexto, observar a farta utilização do mandado de segurança para manter e obter o medicamento ou outra tecnologia.
Considerando a especificidade do procedimento e, ainda, a necessidade de celeridade e, ainda, pela ausência de instrução probatória, verifica-se que o mandado de segurança é meio inadequado para tal tutela.
Em 2018, STJ fixou tese sobre a concessão de medicamentos não padronizados REsp nº 1.657.156/RJ, fixando a seguinte tese: A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência.
Modula-se (sic) os efeitos do presente repetitivo de forma que os requisitos acima elencados sejam exigidos de forma cumulativa somente quanto aos processos distribuídos a partir da data da publicação do acórdão embargado, ou seja, 4/5/2018.
É importante destacar que os requisitos acima citados são cumulativos e, a parte deve demonstrar sua incapacidade financeira em adquirir o medicamente e, ainda comprovar a existência de registro na ANVISA. É de suma importância o laudo médico que precisa ser fundamentado e circunstanciado, apontando para a imprescindibilidade e total necessidade do medicamento não padronizado, bem como a sua respectiva ineficácia do medicamento fornecida pela rede pública de saúde.
E, também o relatório deve ser expedido e assinado por médico responsável pelo tratamento terapêutico do paciente, não importante se vinculado ou não ao SUS. Como é sabido, o ônus da prova é do autor da ação, afirmando que a prova deve ser idônea e conclusiva. E, assim o laudo médico deverá conter obrigatoriamente alguns elementos, não se tratando de mera prescrição ou receituário. Tal relatório deve ser fundamentado e completo, explicado e detalhado.
E, o documento ainda deverá ser circunstanciado, no sentido de apresentar características dos pacientes, exames clínicos realizados e acompanho, preferencialmente, de cópia do prontuário.
Deve também comprovar que o médico subscritor do laudo efetivamente conhece e assiste o paciente. Deve-se verificar se o laudo está no original, devidamente datado e com a identificação do médico e atualizado. O médico poderá ser profissional público ou privado. A lei não exige que a prescrição do medicamente seja feita apenas por médico vinculado ao SUS.
A Primeira Jornada de Direito da Saúde, promovida pelo Conselho Nacional de Justiça foi estabelecido o Enunciado 15 da qual se pode destacar elementos essenciais das prescrições médicas: o tratamento ou medicamento precisa ser identificado por sua denominação comum brasileira (DCB), ou então, por sua Denominação Comum Internacional (DCI), seguida de seu princípio químico ativo.
Destacam-se ainda: posologia (dosagem), modo e tempo de administração. Caso a prescrição médica seja distinta daquela expressamente indicada pelo fabricante, deve o profissional apresentar justificativa técnica.
O Estado do Rio de Janeiro opôs embargos declaratórios em face de acórdão proferido no REsp 1.657.156/RJ, justamente para que fosse obrigatória a observância do Enunciado 15 da Primeira Jornada de Direito da Saúde.
Não foram acolhidos tais embargos, sob o fundamento de que não cabe ao STJ definir a prova a ser recebida pelos juízes das instâncias ordinárias. E, segundo o Relator Benedito Gonçalves, incumbe ao juiz verificar, cada caso concreto, se as informações consignadas no laudo médico são suficientes para instrução e formação de seu convencimento. Se entender que o laudo em questão for insatisfatório, poderá solicitar outras provas, de acordo com o artigo 370 CPC. Salientou-se, também, que o laudo médico não é vinculativo, devendo ser necessariamente submetido ao contraditório.
Através do meio de embargos de declaração fora trazida a pretensão de que o requisito da ineficácia do medicamento fornecido pelo SUS fosse absoluta. Noutros termos, pretendeu-se a fixação de requisito segundo o qual o fármaco fornecido pela rede pública não produzisse qualquer efeito terapêutico ao paciente.
O STJ afastou tal pedido, sustentando que, com certeza, algum efeito deve produzir o medicamento fornecido pela rede pública.
Do contrário, nem seria produzido ou comercializado. E, firmou-se que caberá ao julgador analisar se o medicamento pretendido traz ou não alguma melhoria na resposta terapêutica, quando comparado com o fármaco fornecido pelo SUS.
A respeito da ineficácia do tratamento terapêutico fornecido pela rede pública de saúde é tratado no Enunciado 12 das Jornadas de Direito da Saúde, com expressa referência ao REsp retromencionado.
Observou-se que a decisão do STJ ora em comento, está restrita ao fornecimento de medicamentos não padronizados, não abrangendo, portanto, a dispensação de produtos de interesse para a saúde (órteses, próteses e, etc.), nem a realização de procedimentos terapêuticos.
Enquanto não existam julgamentos específicos, tal tese pode ser reconhecida como relevante para a fase instrutória e decisória nas ações de saúde que não envolvam medicamentos, de modo a ser abrangido todo o espectro da assistência terapêutica integral.
E, nesse sentido, há também o Enunciado 75 da Terceira Jornada de Direito da Saúde que fixou os requisitos estabelecidos no julgamento do REsp 1.657.156. se aplica a quaisquer pedidos de tratamentos de saúde não previstos em políticas públicas.
É indispensável tecer considerações sobre o mandado de segurança que está previsto no artigo 5, LXIX de CF/1988, sendo disciplinado pela Lei 12.016/2009, sendo destinado a proteger o direito líquido e certo, ofendido por ilegalidade ou abuso do poder praticado por autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.
Sublinhe-se sua subsidiariedade já que só pode ser usado nas hipóteses de não cabimento de habeas corpus ou habeas data. Destacando-se a sumariedade e a celeridade do procedimento. Em geral, o momento de produção de prova pelo impetrante corresponde à própria propositura do writ, por meio de documentação pré-constituída e anexada à exordial.
E, as provas demonstram tanto a existência concreta do direito líquido e certo, quanto a prática de ilegalidade ou abuso de poder que devem acompanhar a petição inicial, não havendo a possibilidade posterior apresentação.
No entanto, há duas exceções, a saber: a) quando a documentação não estiver ao alcance do impetrante, hipótese em que deve ser requerida sua exibição em juízo; e b) quando as informações da autoridade coatora ou a resposta da pessoa jurídica interessada vierem acompanhadas de outros documentos, situação em que, em respeito ao contraditório, o impetrante terá direito à contraprova por meio de novos documentos, conforme artigo 435, caput, do Código de Processo Civil.
A autoridade coatora e a pessoa jurídica interessada, por sua vez, poderão apresentar documentos quando apresentada as informações e resposta à demanda.
Conveniente esclarecer o que vem a ser o direito líquido e certo. E, em geral, líquido e certo é aquele direito que pode ser comprovado de plano, por meio de prova documental pré-constituída. E, a liquidez e certeza dizem respeito ao fato, sobre o qual a prova deve se dedicar. E, verifica-se que a principal discussão no writ possui natureza fática. Não importa a complexidade da tese jurídica.
O direito líquido e certo é considerado como uma condição especial da ação, de modo que uma vez ausente a prova pré-constituída da situação fática, o mandado de segurança deverá ser extinto sem julgamento de mérito.
E, as condições da ação devem ser suficientemente aferidas, examinando-se as alegações da peça exordial. E, as condições além de analisadas devem ser mantidas ao longo de todo processo, ainda que estejam sujeitas a alterações. E, assim, o julgador avaliará tais modificações com fulcro em provas existentes nos autos. E, assim, notar que o fato e as condições da ação ao serem analisadas seja no momento intermediário ou final do processo, não as transformam em mérito.
É equivocado afirmar que as condições da ação não podem ser avaliadas com base em prova dos autos, sendo certo que a rejeição da pretensão por inobservância de requisito de ordem instrumental não resulta em solução do mérito da causa. Assim, o direito líquido e certo, condição especial da ação mandamental, é verificado pelo julgador em duas ocasiões basicamente: ao despachar a petição inicial e ao sentenciar.
E, se a ausência de direito líquido e certo já for constatado logo no início, o processo deverá ser extinto por carência de ação. A cognição é sumária, realizando-se um juízo de aparência. E, nessa etapa, basta plausabilidade de existência da liquidez e da certeza. Posteriormente, quando da prolação de decisão final, realiza-se um juízo de certeza, em cognição exauriente. E, nesse segundo estágio, o juiz confirma ou não, a plausabilidade de existência do direito líquido e certo.
Isto é, completado o contraditório, o juiz volta a apreciar as provas documentais trazidas pelas partes. E, se as provas permitirem um juízo de certeza quanto à existência ou inexistência do direito do impetrante, será proferida uma sentença de mérito. Por outro viés, se as provas foram insuficientes, a segurança será negada sem resolução do mérito, ou seja, o processo será extinto por carência de ação, por faltar uma condição especial de procedibilidade.
Em tempo, convém recordar que a coisa julgada estará diretamente referente ao direito líquido e certo. E, caso haja prova suficiente sobre a existência ou não do direito líquido e certo que foi alegado pelo impetrante, o feito é extinto com julgamento de mérito, produzindo coisa julgada material.
E, por outro viés, se a aludida prova for insuficiente, não se analisa o mérito, produzindo apenas a coisa julgada formal. E, assim, respeitado o prazo decadencial de cento e vinte dias, o pedido mandamental poderá ser renovado, conforme prevê o artigo 6, §6º da Lei 12.016/2009. Afora isso, poderá se optar pelas vias ordinárias, seja ultrapassado ou não o lapso temporal decadencial.
Eis que o artigo 196 do texto constitucional brasileiro vigente traz a previsão do direito à saúde, sendo frequentemente declarado nos mais diversos meios e, lendo o enunciado, verifica-se que tal direito é previsto de forma qualificada, e, não se refere a um simples e absoluto direito à saúde.
Sendo direito de todos e dever do Estado, deve se entender e conjugar todos os elementos contidos no dispositivo legal. O direito à saúde será garantido através de políticas sociais, econômicas, isto é, políticas públicas. E, deve haver políticas públicas direcionadas à redução de risco de doenças e ao acesso universal e igualitário dos pacientes cidadãos.
Traduz-se que há o direito à saúde tutelado em sua face coletiva, o que não pode deixar de ser notado. E, pode ser intuído que o direito à saúde, em geral, refere-se àquilo que resta previsto nas políticas públicas respectivas. E, caso haja negativa, devidamente documentada, seja de algum medicamento ou tecnologia prevista no programa oficial do SUS, não resta dúvida que o indivíduo tem direito líquido e certo violado podendo se valer do writ para se afastar da ofensa.
E, nesse sentido, há o Enunciado 96, da Terceira Jornada de Direito da Saúde, promovida pelo CNJ, em março de 2019, que fixou o seguinte teor:
“Somente se admitirá a impetração de mandado de segurança em matéria de saúde pública quando o medicamento, produto, órtese, prótese ou procedimento constar em lista RENAME, RENASES ou protocolo do Sistema Único de Saúde – SUS. 21”
Por outro lado, em se tratando de tecnologia não incorporada em lista oficial, a situação precisa ser analisada de maneira distinta, havendo diversos fatos a serem conjugados, exigindo maior cautela por parte do intérprete-aplicador do direito. Com efeito, um primeiro ponto que merece destaque corresponde a uma possível controvérsia científica sobre a tecnologia pretendida.
Não é aceitável que a discussão científica seja solucionada pelo simples argumento de que o direito à saúde é previsto constitucionalmente, sob pena de esvaziamento da análise. A verificação das evidências científicas a respeito da eficácia, efetividade e segurança do medicamento, produto ou procedimento em análise, comparando-o, em termos de custo-benefício, com as tecnologias já existentes, tratando-se de atribuição do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional da Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC).
Não olvidar a escassez de recursos, bem como o crescente número de usuários e tecnologias disponíveis no mercado.
E, assim, cada gestão coletiva dos recursos procura dar maior número de atendimento aos usuários em prestígio da igualdade e universalidade.
Diante da grande multiplicidade de tecnologias ligadas a saúde, é preciso haver padronização, sem o que se torna impossível atender os milhões de usuários do SUS. Ao lado da autonomia prescritiva do médico, também existe o direito dos pacientes à escolha do produto, medicamente ou procedimento mais conveniente e mais eficaz. Assim, se vislumbra inúmeras possibilidades de escolha. E, assim, é preciso que o Judiciário deixe de considerar a inquestionável prescrição médica, equilibrando os interesses antagônicos envolvidos e contribuindo para a integração do sistema de saúde.
Assim, é necessário que existam as listas oficiais do SUS, referentes aos medicamentos, produtos e procedimentos, sejam vistas como a regra de dispensação, podendo, inclusive, servirem de parâmetro objetivo de decisão por parte do Judiciário.
Tais atos normativos também não podem ser tidos como absolutos, incontestáveis e, nas hipóteses em que seja contestada a padronização, é preciso, minimamente, que se observe o devido processo legal, com instalação do contraditório e garantia da ampla defesa.
Noutros termos, não se pode aceitar a existência de direito líquido e certo ao medicamento, produto ou procedimento terapêutico não previsto nas listas oficiais do SUS. E, pode haver o direito, mas este não se reveste de liquidez e certeza.
E, dessa forma, a demanda for levada à apreciação do Judiciário, deve-se seguir a via processual que preveja a dilação probatória, a fim de que sejam devidamente analisadas tanto a necessidade da tecnologia não padronizada quanto à ineficácia da tecnologia padronizada à luz da tese firmada pelo STJ em 2018.
Diante da propositura de ação ordinária, é possível a realização de prova pericial, permitindo a colheita de maiores informações sobre o quadro de saúde do impetrante. E, com isso, não há dúvida que a sentença a ser proferida se mostra mais qualificada, já que poderá cotejar os documentos médicos trazidos pelo requerente com as conclusões do perito, tendo, assim, maiores e melhores condições de acolher ou não, o pedido exordial.
Relevante sublinhar que a padronização terapêutica do SUS não é absoluta. E, também suscita discussão. Mas, é fundamental que tal debate ocorre em adequado ambiente, permitindo que todos conheçam e se contraponham à parte contrária, sobretudo, com a possibilidade de produção de prova.
Em território mandamental, tal cenário é impróprio. Não sendo possível realizar perícia e nem espaço para isento profissional técnico esclarecer se a tecnologia pedida é realmente necessária, se o tratamento oferecido pelo SUS é ineficaz, se o medicamento é adequado à doença, se o fármaco poderá ser substituído por outro já disponível em rede pública, ou ainda, se existem alternativas menos onerosas.
Ainda que haja laudo médico circunstanciado e fundamentado, não se mostra escorreito impedir que o ente público tenha oportunidade de se contrapor, de forma adequado, ao pleito de medicamento, produto ou procedimento terapêutico não padronizado.
Parte da doutrina aponta que o mandado de segurança é inadequado para postular direito individual à saúde, pois os fatos dependem de provas e, tais alegações de ausência de atendimento do SUS e o risco de morte. Para este, não há direito líquido e certo a determinado medicamento não previsto em política pública, sobretudo, quando prescrito por médico particular. E, o fornecimento é possível desde que precedido de dilação probatória.
O mandado de segurança é inadequado por não prever fase instrutória, limitando, de forma sumária, a discussão e ofendendo, simultaneamente, o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, além do acesso igualitário e universal ao SUS.
Igualmente, mostra-se inadequado o mandado d de segurança como instrumento próprio para urgência típica das demandas da saúde. Pois, há a tutela provisória de urgência, a ser proposta em ação ordinária, lastreada em laudo médico anexado à peça exordial. E, assim, afasta-se a eventual demora no provimento jurisdicional, sem que se tenha afetado o devido processo legal.
Aliás, a tutela provisória da evidência também pode ser utilizada. De acordo com o artigo 311, inciso II, do Código de Processo Civil, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, a tutela da evidência será deferida se os fatos dependerem de comprovação documental e se houver tese fixada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante.
Vide o caso. O REsp nº 1.657.156/RJ foi julgado sob a sistemática dos recursos repetitivos, sendo originada tese de observância obrigatória. Assim, caso o laudo médico seja fundamentado e circunstanciado acerca da tecnologia não padronizada e da ineficácia da alternativa padronizada, é possível a concessão de tutela da evidência.
Sintetizando a explanação acima, o direito à saúde, mais precisamente o direito à tecnologia não prevista em listas oficiais, deve ser discutido no bojo de ações ordinárias, com possibilidade de produção probatória, a fim de que haja um equilíbrio entre o acesso à justiça, o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.
Um levantamento jurisprudencial nos Tribunais de Justiça de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro demonstra que não há consenso sobre a inadequação do mandado de segurança como instrumento processual para se tutelar o direito à saúde, com destaque para a dispensa de medicamentos.
O tema não é pacífico e, há decisões em ambos os sentidos. E, constata-se certo crescimento da corrente jurisprudencial que considera inadequada, dada a ausência da dilação probatória.
Vide o Mandado de Segurança nº 1.0000.18.021395-1/000 (fornecimento de sonda), entendeu-se que a liquidez e a certeza do direito não foram verificadas com base nas provas juntadas pelo impetrante, mostrando-se imprescindível a dilação probatória. Diante disso, julgou-se inadequada a via do mandado de segurança no caso em apreço, cassando-se a liminar anteriormente concedida e denegando-se a segurança, sem prejuízo da discussão nas vias ordinárias.
No Mandado de Segurança nº 1.0000.18.029194-0/000 (fornecimento de medicamentos e insumos), a despeito de voto divergente, considerou-se o relatório médico particular como um documento unilateral, afastado do contraditório constitucional, não constituindo prova exaustiva do fundamento fático sustentado pela impetrante. Tal documento foi visto como mero indício da alegação, não
possuindo autoridade suficiente para embasar direito líquido e certo. Assim, não ficou comprovada a superioridade do tratamento pleiteado em relação ao padronizado pelo gestor público, nem não ficou demonstrada a inexistência de tratamento similar com a mesma eficácia. Nessa linha, acolheu-se a preliminar de inadequação da via eleita.
No Mandado de Segurança nº 1.0188.17.012213-2/001 (fornecimento de medicamento), consignou-se que, em ações ordinárias, o relatório médico particular poderia servir de fundamento para antecipação da tutela jurisdicional, caso atestasse a urgência do tratamento e a impossibilidade de substituição por tecnologia fornecida pelo SUS.
Porém, considerando a natureza do laudo apresentado (particular), entendeu-se imprescindível a dilação probatória para a efetiva elucidação do fato. Anotou-se que o contraditório e a ampla defesa deveriam ser garantidos ao Poder Público nos processos em geral, o que incluiria, por óbvio, as ações sobre direito à saúde. Diante da necessidade de dilação probatória, a via eleita foi considerada inadequada.
Na Apelação Cível nº 1001645-65.2019.8.26.0038, pontuou-se a falta de relatório médico nos moldes da tese fixada pelo STJ, não bastando a mera prescrição acerca dos fármacos a serem utilizados. Afirmou-se que o direito líquido e certo não estava demonstrado, mostrando-se necessária a dilação probatória com a realização de perícia. Diante disso, julgou-se inadequada a via eleita (mandado de segurança), confirmando-se a sentença de extinção do feito sem julgamento do mérito.
Na Apelação Cível nº 1001729-30.2018.8.26.0514 (fornecimento de certa insulina, medidor, tiras reagentes e agulhas), entendeu-se que não ficara comprovado que o tratamento pleiteado era imprescindível e não poderia ser substituído pelas tecnologias já incorporadas ao SUS. Inexistente tal prova e tendo em vista a impossibilidade de dilação probatória em sede mandamental, denegou-se a ordem.
Na Apelação Cível nº 1004923-37.2018.8.26.0482 (tratamento de asma e alergia), considerou-se que, dada a especificidade do tratamento pleiteado, o caso comportava dilação probatória. Salientou-se que haveria uma análise mais adequada se o procedimento previsse tal fase instrutória, permitindo aferir a real necessidade do tratamento. Como a via eleita não permitia dilação probatória, denegou-se a segurança.
Na Remessa Necessária nº 1006138-19.2017.8.26.0309, destacou-se que o relatório médico apresentado era breve e não esclarecia se o fornecimento pretendido era o único eficaz no tratamento da doença.
Salientou-se que o protocolo clínico não deveria ser visto como um entrave burocrático, podendo ser superado desde que houvesse prova técnica inequívoca em sentido contrário. Concluiu-se que a necessidade dos medicamentos não ficara provada. Tendo em vista a especificidade do rito mandamental, denegou-se a ordem, podendo a impetrante buscar o fornecimento pela via adequada.
Na Apelação Cível nº 1004961-65.2018.8.26.0024, também foi reconhecida a inadequação da via eleita. Fundamentou-se com a constatação de que não ficara comprovada, de plano e de acordo com a tese definida pelo STJ, a ineficácia dos medicamentos fornecidos pelo SUS para tratamento da moléstia. Considerou-se controvertida a questão, não havendo liquidez e certeza do direito invocado.
Todos os julgados acima são recentes e estão no sentido da necessidade de produção de prova, dilação não permitida na sede mandamental. Diante disso, impôs-se a extinção dos processos, sem julgamento de mérito e sem prejuízo de nova discussão (de preferência, pelas vias ordinárias).
O direito à saúde é disciplinado qualificadamente pela Constituição Federal brasileira de 1988 devendo ser garantido por meio de programas socioeconômicos direcionados à redução de riscos de doenças e ao acesso universal e igualitário dos usuários.
A revisão e execução de políticas públicas visam a atingir o maior número possível de usuários, com o fornecimento progressivo de ações e serviços de saúde.
Assim, utilizam-se as listas oficiais que apresentam os instrumentos fundamentais de implementação das referidas políticas públicas, prestigiando a universalidade e a igualdade entre os usuários do sistema de saúde. E tais programas devem ser a regra, e a dispensa de medicamentos, produtos e terapias, a exceção para não haver comprometimento de tratamento coletivo das diversas necessidades de saúde da população.
Por não permitir ciosa verificação do fato alegado, o mandado de segurança não se apresenta como via processual adequada para se pleitear medicamento, produto ou terapia não previstos nas listas oficiais do SUS. Diferentemente, é o caso do mandado de segurança coletivo que visa assegurar direito coletivo, que é o que pertence a uma coletividade ou categoria, representada por partido político, organização sindical ou entidade de classe, bem como associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, na forma da Constituição Federal de 1988.
O STJ diferenciou a natureza jurídica da representação na ação coletiva da no Mandado de Segurança Coletivo, in litteris:
Art. 5º (…)
XXI – as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;
LXX – o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados; (Constituição Federal, 1988)
Na análise conjunta do artigo 5º, inciso XXI e LXX, “b”, ambos da Constituição Federal, é possível observar que, no Mandado Coletivo, a associação é substituta processual, ou seja, a associação “atua em nome próprio defendendo direito alheio pertencente aos associados ou parte deles”
É preciso que a imprescindibilidade da tecnologia pretendida e a ineficácia da alternativa disponível em rede pública de saúde seja inconteste, conforme tese já fixada pelo STJ, devendo ser aferidas satisfatoriamente em cada caso concreto.
Desta forma, a via ordinária seria o procedimento mais adequado, já que, ao permitir a dilação probatória, conjuga o necessário acesso à justiça com o respeito ao contraditório, ampla defesa, sem prejuízo da urgência reclamada em muitos casos e, mais, sem comprometimento das políticas públicas de saúde.
Em julgamento finalizado em 08.06.2022 a Segunda Seção do STJ entendeu ser taxativo, em regra, o rol de procedimentos e eventos estabelecido pela ANS, não estando as operadoras de saúde obrigadas a cobrirem os tratamentos não previstos na lista.
Porém, o colegiado fixou parâmetros para que, em situações excepcionais, os planos custeiem os procedimentos não previstos na lista, a exemplo de terapias com recomendação médica, sem substituto terapêutico no rol, e, que tenham comprovação de órgãos técnicos e aprovação de instituições que regulam o setor.
A decisão ocorreu por maioria de votos e, a seção definiu as seguintes teses, a sabe:
1. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar é, em regra, taxativo;
2. A operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do rol da ANS se existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol;
3. É possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extra rol;
4. Não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do rol da ANS, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente, desde que (i) não tenha sido indeferido expressamente, pela ANS, a incorporação do procedimento ao rol da saúde suplementar; (ii) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; (iii) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como Conitec e Natjus) e estrangeiros; e (iv) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS.
Em relação às quatro condicionantes do item “4”, a seção citou os enunciados 23, 33 e 97 das Jornadas de Direito em Saúde.
Prevaleceu na sessão a posição do relator, ministro Luis Felipe Salomão, que incorporou em seu voto acréscimos trazidos em voto-vista pelo ministro Villas Bôas Cueva, apresentado nesta quarta. Também votaram com o relator os ministros Raul Araújo, Isabel Gallotti, Marco Buzzi e Marco Aurélio Bellizze.
Ficaram vencidos no julgamento a ministra Nancy Andrighi, e os ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Moura Ribeiro, para os quais o rol da ANS teria caráter meramente exemplificativo.
Com base nas balizas estabelecidas no julgamento, a Segunda Seção entendeu, no EREsp 1.886.929, que o plano de saúde é obrigado a custear tratamento não contido no rol para um paciente com diagnóstico de esquizofrenia, e, no EREsp 1.889.704, que a operadora deve cobrir tratamento para uma pessoa com transtorno do espectro autista, porque a ANS já reconhecia a terapia ABA como contemplada nas sessões de psicoterapia do rol de saúde suplementar.
Ainda que a lista seja taxativa, Salomão salientou que, em diversas situações, é possível ao Judiciário determinar que o plano garanta ao beneficiário a cobertura de procedimento não previsto pela agência reguladora, a depender de critérios técnicos e da demonstração da necessidade e da pertinência do tratamento.
O Ministro Salomão também reforçou que, em nenhum outro país do mundo, há lista aberta de procedimentos e eventos em saúde de cobertura obrigatória pelos planos privados pelo sistema público. Ele lembrou, ainda, que a lista da ANS é elaborada com base em profundo estudo técnico, sendo vedado ao Judiciário, de forma discricionária, substituir a administração no exercício de sua função regulatória.
Em seu voto-vista, ao apresentar parâmetros para que a taxatividade do rol seja excepcionalmente mitigada, o ministro Villas Bôas Cueva lembrou que a ANS, ao elaborar a lista, deve considerar que a assistência suplementar à saúde compreende todas as ações necessárias para a prevenção da doença e a recuperação, manutenção e reabilitação física, mental e psicológica do paciente, observados os termos da lei e o contrato firmado entre as partes.
Segundo o ministro, a agência reguladora define o rol a partir de sucessivos ciclos de atualização, em prazo que foi reduzido de dois anos para seis meses. Para essa atualização, apontou, são levadas em consideração análise técnicas e de impacto orçamentário, além de receber sugestões de órgãos públicos e da sociedade civil.
“O que consta no rol da ANS – atualizado periodicamente, com auxílio técnico e participação social e dos demais atores do setor –, são procedimentos mínimos obrigatórios para tratar doenças catalogadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e que devem, necessariamente, ser oferecidos pelas operadoras de planos de saúde. Todavia, essas são exigências mínimas obrigatórias, não sendo vedada a contratação de coberturas ampliadas”, afirmou.
Para o magistrado, o modelo de saúde suplementar adotado pela legislação brasileira é de um rol taxativo mínimo, devendo o consumidor ser esclarecido dessa limitação em todas as fases da contratação e da execução dos serviços para, assim, decidir entre as opções disponíveis no mercado.
Entretanto, o ministro Cueva apontou que essa posição não deve ser considerada absoluta. Ele destacou que a atividade administrativa regulatória é sujeita ao controle do Judiciário, a quem compete combater eventuais abusos, arbitrariedades e ilegalidades no setor.
“Desse modo, o Judiciário não pode ser conivente com eventuais ineficiências da ANS, devendo compatibilizar, em casos específicos, os diversos interesses contrapostos: operadora e usuário desassistido, saúde de alguns e saúde de outros (mutualidade), vigilância em saúde suplementar e atendimento integral a beneficiários doentes”, completou o ministro. Vide os EREsp 1886929 e EREsp 1889704.).
É importante entender qual a diferença entre um rol de procedimentos taxativo ou exemplificativo:
Taxativo: segue uma lista definitiva (limitada) definida pela agência legisladora. Neste caso, a lista usada será a Resolução Normativa (RN) Nº 465, de 24 de fevereiro de 2021, que incorporou 69 (sessenta e nove) novos procedimentos ao rol;
Um rol exemplificativo é aquele que lista procedimentos mínimos obrigatórios, porém, contempla procedimentos mais modernos e técnicas específicas, assim como indicações médicas não constantes no rol de procedimentos.
Algo importante a se entender quando falamos do rol exemplificativo, o que atualmente está em vigência, é que ele é passível de interpretação. Isso significa que podem ser concedidos procedimentos além dos previstos.
A Lei 14.307/2022, referente ao processo de atualização das coberturas do rol de procedimentos da ANS. A legislação em questão trata da obrigatoriedade no custeio de tratamentos orais e de uso domiciliar para o câncer.
Ela aborda ainda novos prazos para a atualização do rol de procedimentos da ANS, bem como a criação de uma comissão para análise de novos procedimentos e outros pontos. Sendo assim, a agência reguladora segue sendo responsável pela elaboração do rol de procedimentos de cobertura mínima pelos planos de saúde e já se posicionou favorável a taxatividade da lista.
O entendimento do STJ é de que a lista, embora taxativa, admita algumas exceções, como terapias recomendadas expressamente pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), tratamentos para câncer, portadores de HIV ou algum tipo de mutação genética que atinge mais pessoas, também terão continuidade no tratamento.
Há ainda a previsão para caso não haja substituto terapêutico ou depois que os procedimentos incluídos na lista da ANS forem esgotados, o plano arca com a cobertura de tratamento fora do rol, indicado pelo médico ou odontólogo assistente. Aquelas situações que atingem a maioria das pessoas, situações normais e comuns continuarão sendo atendidas.

Referências
ANS. Esclarecimentos da ANS sobre taxatividade do Rol de Coberturas Obrigatórias. Disponível em: https://www.gov.br/ans/pt-br/assuntos/noticias/sobre-ans/esclarecimentos-da-ans-sobre-taxatividade-do-rol-de-coberturas-obrigatorias Acesso em 14.6.2022.
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CARPANEZ, Luiz Mário Araújo Camacho. Mandado de Segurança Coletivo beneficia todos os associados. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/82783/mandado-de-seguranca-coletivo-beneficia-todos-os-associados Acesso em 14.6.2022.
CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 15.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
DALLARI, Sueli Gandolfi; NUNES JR., Vidal Serrano. Direito sanitário. São Paulo: Verbatim, 2010.
DALLARI, Sueli G.; AITH, Fernando; MAGGIO, Marcelo P. Direito Sanitário- Aspectos Contemporâneos da Tutela do Direito à Saúde. Curitiba: Juruá, 2019.
GOMES, Josiane Araújo. Contratos de Planos de Saúde: a Busca Judicial Pelo Equilíbrio de Interesses entre Usuários e as Operadoras de Planos de Saúde. Belo Horizonte: JH Mizuno, 2020.
MELQUÍADES, Luciana Gaspar Duarte; VIDAL, Victor Luna. Direito à Saúde. Judicialização e Pandemia do Novo Coronavírus. São Paulo: RT, 2020.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Ações Constitucionais. 2.ed. São Paulo: Método, 2013.
Notícias STJ. Rol da ANS é taxativo, com possibilidades de cobertura de procedimentos não previstos na lista. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/08062022-Rol-da-ANS-e-taxativo–com-possibilidades-de-cobertura-de-procedimentos-nao-previstos-na-lista.aspx Acesso em 14.6.2022.
RESOLUÇÃO NORMATIVA – RN Nº 465 DE 24 DE FEVEREIRO DE 2021 Disponível em: https://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=raw&id=NDAzMw== Acesso em 14.6.2022.
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 37ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2014.
SILVA, Júlio César Ballerini. Direito à Saúde Na Justiça. Teoria e Prática. São Paulo: Imperium, 2020.
THEODORO JUNIOR, Humberto. Lei do Mandado de Segurança Comentada. Artigo por artigo. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

TJRJ condena mulher a pagar indenização de R$ 20 mil a vítima de insultos homofóbicos

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3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – TJRJ manteve a sentença que condenou uma mulher a pagar indenização por danos morais em R$ 20 mil por proferir insultos homofóbicos contra um homem. O entendimento do colegiado é de que a doença mental, alegada pela ré, não justifica a agressão a homossexuais.

De acordo com os autos, a mulher abordou a vítima em um posto de gasolina com suas compras de supermercado. As ofensas verbais proferidas em seguida foram filmadas por ele. Pela atitude, ela foi condenada em primeira instância, mas, na apelação, pediu a anulação do processo, alegando que sofre de esquizofrenia paranoide.

Diretora nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a desembargadora Andréa Pachá, relatora do caso, apontou que, a partir do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), quem tem deficiência intelectual ou mental é considerado plenamente capaz de ser citado no processo, desde que seu grau de comprometimento não afete a capacidade de expressar a própria vontade.

Assim, mesmo a apelante sendo acometida de doença psiquiátrica, “tem preservada sua capacidade civil, exceto se a curatela for requerida, e comprovada a sua necessidade”, destacou a magistrada. Já a família, “que poderia e deveria ter buscado a nomeação de curador, nada fez”, ressaltou.

Além de a doença mental não justificar atos homofóbicos, a ré não comprovou que as ofensas contra o homem ocorreram em razão de sua condição, como frisou Pachá. “Infelizmente tem sido comum que réus, quando responsabilizados pela prática do racismo e da homofobia, preconceitos incompatíveis com o estado democrático de direito, tentem associar as agressões a doenças mentais, o que não é razoável”, pontuou.

“Não se desconsidera a intensidade da dor de quem convive com uma doença psiquiátrica, com consequências que atingem não apenas a própria pessoa, mas os familiares e a sociedade. Não existe, no entanto, doença mental direcionada a ofender e discriminar homossexuais”, concluiu a desembargadora.

Processo 0023001-78.2018.8.19.0066

FONTE:  IBDFAM, 27 de maio de 2022.

 

Terceira Turma entende que valor de previdência privada aberta deve ser partilhado na separação do casal

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​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria de votos, firmou o entendimento de que o valor existente em previdência complementar aberta, nas modalidades PGBL e VGBL, deve ser partilhado na separação do casal. Em fevereiro deste ano, a Quarta Turma havia adotado posição no mesmo sentido.

No julgamento da Terceira Turma, prevaleceu o voto da ministra Nancy Andrighi. Ela lembrou que, no ano passado, o colegiado já havia analisado questão semelhante e concluído que, no momento da dissolução do casamento – no caso dos autos, a morte de ambos os cônjuges –, seria necessário colacionar no espólio os valores existentes na previdência privada aberta.

A ministra destacou que o regime de previdência privada aberta é substancialmente distinto da previdência fechada. No sistema aberto, apontou, a previdência é operada por seguradoras autorizadas pela Superintendência de Seguros Privados e pode ser contratada por qualquer pessoa física ou jurídica, havendo grande flexibilidade e liberdade na gestão do fundo.

“Os planos de previdência privada aberta, de que são exemplos o VGBL e o PGBL, não apresentam os mesmos entraves de natureza financeira e atuarial que são verificados nos planos de previdência fechada e que são óbices à partilha, pois, na previdência privada aberta, há ampla flexibilidade do investidor, que poderá escolher livremente como e quando receber, aumentar ou reduzir contribuições, realizar aportes adicionais, resgates antecipados ou parcelados a partir da data que porventura indicar”, completou.

Acumulação da previdência aberta é semelhante a fundo de investimento comum

Segundo Nancy Andrighi, a natureza securitária e previdenciária complementar desses contratos é mais marcante no momento em que o investidor passa a receber, a partir de data futura e em prestações periódicas, os valores que acumulou ao longo da vida, como forma de complementação da previdência pública e com o objetivo de manter determinado padrão de vida.

Por outro lado, no período que antecede o recebimento desses valores – ou seja, durante a fase das contribuições –, a magistrada ressaltou que a formação do capital investido é bastante semelhante ao que ocorreria se os aportes fossem realizados em fundos de renda fixa ou na aquisição de ações – os quais seriam objeto de partilha no momento da dissolução do vínculo conjugal.

“Sublinhe-se que o hipotético tratamento diferenciado entre os investimentos realizados em previdência privada complementar aberta (incomunicáveis) e os demais investimentos (comunicáveis) possuiria uma significativa aptidão para gerar profundas distorções no regime de bens do casamento, uma vez que bastaria ao investidor direcionar seus aportes para essa modalidade para frustrar a meação do cônjuge”, afirmou a ministra.

Precedentes da Segunda Seção e das turmas de direito público não se aplicam aos autos

Em seu voto, Nancy Andrighi afastou a aplicabilidade, ao caso, do precedente firmado pela Segunda Seção no EREsp 1.121.719, por considerar que naquele recurso se discutiu questão diferente (a possibilidade de penhora de fundo de previdência complementar por dívida contraída com terceiro), a qual não envolvia propriamente a relação jurídica familiar.

A ministra reconheceu, ainda, a existência de precedentes das turmas de direito público no sentido da natureza puramente securitária dos valores depositados em previdência complementar aberta, para fins de incidência tributária. Entretanto, enfatizou que não há, nesse cenário, incoerência ou divergência de entendimento entre os colegiados, tendo em vista a dinâmica própria da relação jurídica familiar, em razão do esforço do casal para a constituição do patrimônio destacado e a sua característica preponderante de investimento financeiro.

“De outro lado, também é possível afirmar, sem que haja nenhuma incompatibilidade ou incoerência, que, sobre os valores aportados na previdência privada aberta, não incide um determinado tributo, seja porque, na relação jurídica dos cônjuges perante o fisco, sobressai a natureza securitária e mais protetiva da entidade familiar, seja porque não estão presentes todos os requisitos para a incidência do fato gerador do tributo”, concluiu a ministra.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

FONTE:  STJ, 31 de maio de 2022.

 

Anulado flagrante obtido por policiais que forçaram entrada alegando ter visto arma e drogas no interior da casa

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​A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus para anular o flagrante obtido por policiais após ingresso forçado em residência, com base exclusivamente em denúncia anônima sobre tráfico de drogas no local. Os agentes relataram ter visto uma arma e drogas quando ainda estavam do lado de fora; entretanto, para o colegiado, a dinâmica dos fatos leva à conclusão de que só seria possível essa confirmação se os policiais já estivessem dentro da casa.

De acordo com os ministros, embora os agentes da polícia tenham encontrado itens que indicassem a traficância no local, foi comprovado nos autos que eles não fizeram investigação prévia para averiguar se a denúncia era atual e robusta – o que transformou a descoberta da situação de flagrante em mero acaso.

Após o recebimento da denúncia anônima, os policiais foram ao endereço e abordaram o acusado na saída da residência, encontrando com ele quase R$ 3 mil em espécie. Os agentes afirmaram ter visto durante a abordagem, pela porta entreaberta, a arma de fogo e os entorpecentes sobre uma mesa, o que motivou o ingresso no domicílio, onde disseram ter encontrado também uma balança de precisão e mais dinheiro em espécie.

Policiais não podem agir à margem da Constituição

Para o relator no STJ, ministro Sebastião Reis Júnior, ao contrário do entendimento das instâncias ordinárias, não ficou demonstrado nos autos que a suspeita dos policiais tenha sido devidamente justificada. Segundo ele, a foto da casa apresentada pela defesa indica que seria bastante difícil que os policiais, do lado de fora, enxergassem a arma e a droga no interior.

“É consabido que a existência de denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos da prática de crime, não constitui fundada suspeita e, portanto, não legitima o ingresso de policiais no domicílio indicado”, argumentou.

O objetivo de combate ao crime, declarou o magistrado, não justifica a violação “virtuosa” da garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio (artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal); do mesmo modo, a apreensão de drogas e arma não legitima a ação policial à margem da Constituição.

Crime permanente não justifica, por si só, a busca domiciliar sem mandado

Sebastião Reis Júnior mencionou, ainda, precedentes do STJ no sentido de que, nos crimes permanentes – como o tráfico de drogas –, o estado de flagrância avança no tempo, mas esse fato não é suficiente para justificar a busca domiciliar desprovida de mandado judicial. O ministro lembrou que é essencial a demonstração de indícios mínimos de que, naquele momento, dentro da residência, há uma situação de flagrante delito.

“O constrangimento ilegal suportado pelo paciente é manifesto, tendo sido demonstrada a ilicitude da busca domiciliar”, afirmou o relator ao anular o flagrante, reconhecer a nulidade das provas e revogar a prisão preventiva.  Acórdão no HC 721.911.

FONTE:  STJ,  31 de maio de 2022.

O papel do STJ na garantia da atuação isenta do juiz – parte 2

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A suspeição e o impedimento são institutos do ordenamento jurídico criados para preservar a atuação isenta do magistrado, sem a qual não se pode esperar uma decisão correta e justa.

Nesta segunda matéria sobre a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e a garantia da imparcialidade do juiz, são apresentados precedentes que revelam a interpretação da corte quanto às hipóteses legais de impedimento, abordando alguns dos questionamentos mais frequentes nos recursos submetidos à sua apreciação.

Regulado pelo artigo 144 do Código de Processo Civil (CPC) e pelo artigo 252 do Código de Processo Penal (CPP), o impedimento está vinculado a aspectos objetivos das relações do magistrado e se configura como matéria de ordem pública – podendo, portanto, ser arguida em qualquer fase processual. Uma vez configurado, o juiz está proibido de exercer a jurisdição no processo.

A preocupação com a atuação isenta no processo levou o STJ a desenvolver, em 2017, uma ferramenta eletrônica para a identificação automática das situações de impedimento dos seus ministros.

Leia mais: STJ aprimora sistema que aponta impedimentos de ministros

O magistrado não pode, por exemplo, participar de processos em que tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive como defensor ou advogado, membro do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da Justiça ou perito (artigo 144, inciso I, do CPC).

Emissão de juízo de valor sobre o processo impede o magistrado em instâncias superiores

Ao analisar o HC 172.009, os ministros da Sexta Turma reconheceram a nulidade do julgamento da apelação de um réu, em razão de um juiz ter participado como magistrado convocado no tribunal de segunda instância, mesmo tendo proferido a sentença condenatória em primeiro grau.

Para a relatora, ministra Maria Thereza de Assis Moura, a redação do artigo 252, e seu inciso III, do CPP – que proíbe a atuação do juiz em processo do qual tenha participado em outra instância – procura evitar, “com olhos no princípio maior, o da imparcialidade, que um mesmo juiz que tenha se pronunciado sobre o fato e o direito postos, ou seja, que tenha emitido juízo de valor e convencimento sobre o quanto produzido no processo, sob o crivo do contraditório, se pronuncie novamente, em outra instância, sobre a mesma questão”.

Na avaliação da ministra, era justamente essa a hipótese em análise, pois o juiz que presidiu todo o processo e condenou o réu, em primeiro grau de jurisdição, atuou, em grau de recurso, julgando a apelação, como um dos membros do colegiado que confirmou a sentença.

“A nulidade é flagrante, pois, em tal caso, o convencimento desse magistrado, para o caso concreto, já está devidamente formado e direcionado ao fim que, anteriormente, já havia colimado, não havendo, então, a necessária e exigível imparcialidade no julgamento – que, ademais, é, por excelência, de ampla revisão”, disse a relatora.

Decisão sem exame de mérito não gera impedimento de parentes

Por outro lado, ao julgar o REsp 1.673.327, a Terceira Turma concluiu que o fato de um magistrado proferir decisão sem apreciação de mérito não impede que seu cônjuge ou parente, também magistrado, possa atuar nas fases seguintes do processo.

O colegiado rejeitou a alegação de impedimento de um desembargador para participar do julgamento de apelação no Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC). Anteriormente, a esposa do magistrado – que também era desembargadora naquele tribunal – havia decidido pela extinção, por perda de objeto, de um agravo de instrumento originário do mesmo processo.

Para a relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, não havia motivo para declarar o impedimento do desembargador, nos termos do artigo 136 do CPC de 1973 (aplicável ao caso) e do artigo 128 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional.

Segundo ela, na decisão proferida pela desembargadora, não houve pronunciamento sobre o mérito da questão suscitada ou algum tipo de manifestação que pudesse influenciar o julgamento da apelação, o que inviabilizou a exceção de impedimento.

Rol de causas de impedimento do julgador é taxativo

Ao julgar o HC 646.746, a Quinta Turma reafirmou que o rol de causas de impedimento de magistrado é taxativo, não podendo ser ampliado por interpretação. Os ministros negaram pedido de um investigado para reconhecer o impedimento de uma juíza em razão de ela ter expedido ofício ao Ministério Público comunicando o fato que veio a ser objeto da ação penal.

A defesa alegou que os princípios da imparcialidade e do juiz natural não estariam sendo respeitados, visto que a magistrada já teria emitido um juízo de valor sobre o caso em questão.

O relator, ministro Joel Ilan Paciornik, ressaltou que a jurisprudência é firme no sentido de que as causas de impedimento e suspeição de magistrado estão dispostas taxativamente nos artigos 252 e 253 do CPP, “não comportando interpretação ampliativa”.

Acúmulo de jurisdição cível e criminal não caracteriza impedimento

Seguindo essa mesma orientação, a Quinta Turma, no julgamento do REsp 1.288.285, entendeu que a regra do inciso II do artigo 252 do CPP – segundo a qual o magistrado não pode exercer a jurisdição no caso em que tiver funcionado como juiz de outra instância – não se aplica à situação do julgador que atuou em ação civil pública e depois, na mesma comarca, recebeu uma denúncia criminal relativa aos mesmos fatos.

Os ministros mantiveram o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) de que essa circunstância não torna o juiz impedido de exercer a jurisdição na esfera criminal, porque a expressão “outra instância”, no CPP, não tem o alcance pretendido pelos recorrentes e, por serem específicas e excepcionais, as hipóteses de impedimento não permitem interpretação analógica.

Para o relator, o desembargador convocado Campos Marques, a regra do inciso II do artigo 252 do CPP cuida de hipótese diversa, ou seja, quando o magistrado tiver “funcionado como juiz de outra instância”, de modo que não se enquadra na situação do processo, em que a atuação ocorreu no mesmo juízo, mas o seu titular acumulava a jurisdição cível e criminal.

Situações que geram impedimento não abarcam esferas de natureza distinta

Diante da taxatividade das hipóteses de impedimento listadas no artigo 252 do CPP, o conceito de “jurisdição” não pode ser estendido para alcançar a atuação do mesmo magistrado em esferas de naturezas distintas, ainda que sobre os mesmos fatos.

Com esse entendimento, no HC 131.792, os ministros da Quinta Turma mantiveram a ação penal contra uma magistrada estadual, que teve a denúncia contra ela recebida pelo Órgão Especial do TJSP.

A defesa da magistrada alegou nulidade na sessão de julgamento, em razão de oito dos desembargadores integrantes do Órgão Especial terem votado a favor da aplicação da pena de remoção compulsória contra ela, pelos mesmos fatos, em procedimento administrativo instaurado no âmbito da Corregedoria-Geral da Justiça de São Paulo.

O relator explicou que, em se tratando de processos administrativo e criminal, julgados pela Corregedoria-Geral e pelo Órgão Especial do TJSP, respectivamente, não viola o dispositivo legal a participação de magistrados que componham os dois colegiados e tenham atuado em ambos os feitos, dada a essência diversa das esferas.

Despachos ordinatórios não comprometem a imparcialidade

A participação no julgamento, em segundo grau, de magistrado que atuou no processo durante a tramitação na instância anterior só gera impedimento se o julgador proferiu atos com natureza decisória. Despachos meramente ordinatórios, em que o juiz não se vincula a qualquer tese minimamente influenciadora do resultado da causa, não possuem esse efeito.

Com esse entendimento, a Segunda Turma negou provimento ao REsp 1.378.952, no qual uma empresa pediu a declaração de impedimento de uma magistrada, em razão de ela ter sido convocada a participar do julgamento de um recurso interposto no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) contra decisão proferida na vara da qual é titular.

A empresa argumentou que a juíza proferiu decisão durante o trâmite da ação em primeiro grau e, dessa forma, não poderia participar do julgamento do recurso, ainda que a decisão atacada não tenha sido prolatada por ela.

Segundo o relator, ministro Og Fernandes, o despacho tido pela empresa como motivador do impedimento tem evidente caráter ordinatório, e não decisório. Assim, não configura causa de impedimento, nos termos do artigo 134 do CPC de 1973 – aplicável ao caso.

O ministro citou diversos precedentes segundo os quais a decisão geradora de impedimento deve ser entendida “como aquela com potencial jurídico para, de algum modo, influenciar o juízo do julgador, vinculando-o, em maior ou menor grau, à tese eventualmente submetida à sua apreciação”.  HC 172009REsp 1673327HC 646746REsp 1288285HC 131792REsp 1378952

FONTE:  STJ, 29 de maio de 2022.

O papel do STJ na garantia da atuação isenta do juiz – parte 1

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No processo judicial, um dos aspectos mais importantes para a garantia de decisões corretas e justas é a atuação de um magistrado isento, que não tenha relação questionável com as partes nem qualquer interesse na causa e que possa analisar o litígio com o distanciamento necessário.

Para a preservação dessa garantia, o ordenamento jurídico brasileiro prevê os mecanismos da suspeição e do impedimento. Enquanto o impedimento é regulado pelo artigo 144 do Código de Processo Civil (CPC), a suspeição é disciplinada pelo artigo 145 e tem contornos mais subjetivos.

Tanto as situações de suspeição como as de impedimento são frequentemente analisadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Esta é a primeira de duas matérias especiais sobre a interpretação do STJ em casos nos quais foram discutidos a suspeição e o impedimento de magistrados.

O instituto da suspeição abrange as hipóteses em que o magistrado fica impossibilitado de exercer sua função no processo devido a vínculo subjetivo (relacionamento) com algumas das partes, fato que poderia comprometer seu dever de imparcialidade.

Por exemplo, considera-se suspeito, entre outras situações, o juiz que tem relação próxima com pessoa que participa do processo sob sua jurisdição, seja por amizade ou inimizade; que a aconselhou ou que é seu credor ou devedor.

As hipóteses de suspeição também estão previstas no artigo 254 do Código de Processo Penal.

Autodeclaração de suspeição não tem efeitos retroativos

Quando o juiz se declara suspeito em razão de algum motivo superveniente, isso não compromete a validade dos atos praticados anteriormente ao fato que gerou a suspeição, pois, em tais circunstâncias, não há efeitos retroativos.

Esse entendimento foi confirmado pela Primeira Seção ao indeferir o pedido de anulação dos atos processuais anteriores praticados pelo ministro relator de um recurso repetitivo (PET no REsp 1.339.313).

Segundo a ministra Assusete Magalhães, autora do voto que prevaleceu no julgamento do pedido de anulação, a autodeclaração de suspeição foi feita pelo relator originário quase dois anos após o julgamento do recurso, por motivo superveniente – momento em que o processo estava na vice-presidência para análise da admissibilidade de recurso extraordinário.

Citando precedentes da corte (AgRg no AREsp 763.510 e RHC 43.787), a ministra destacou que a suspeição por situação superveniente não opera retroativamente, não implicando, por si só, a nulidade dos atos processuais anteriores a esse fato.

Suspeição não pode ser alegada contra instituição

Em decisão unânime, a Terceira Turma negou provimento ao recurso especial interposto por uma mulher que pretendia que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) fosse, em sua totalidade, declarado suspeito para julgar um processo.

REsp 1.469.827 decorreu de uma ação reivindicatória de propriedade movida pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contra os ocupantes da área conhecida como Vila Domitila, em Curitiba.

De acordo com a mulher, que era uma das rés na ação, foram afixadas placas nas quadras da Vila Domitila com os dizeres: “Área de interesse da Justiça Federal”. Segundo ela, isso comprovaria o interesse do TRF4 no julgamento da causa em favor do INSS.

O TRF4 não acolheu a exceção de suspeição. Segundo o acórdão, além de não ser possível o reconhecimento de suspeição em relação à figura do juízo como um todo, a alegação de interesse da Justiça Federal seria infundada.

No STJ, a relatora, ministra Nancy Andrighi, manteve a decisão. Segundo ela, o reconhecimento da suspeição exige que fique evidenciada uma prévia parcialidade do julgador para decidir o processo, o que não foi demonstrado no caso.

De acordo com a ministra, além da exceção de suspeição não ser cabível contra uma instituição, “a alegação de parcialidade, na realidade, constitui mera conjectura, destituída de qualquer elemento objetivo de prova, pois não há nenhuma evidência de que a atividade jurisdicional restou comprometida pelos fatos narrados pela recorrente”.

Juiz tem legitimidade para recorrer de decisão que o declara suspeito

O magistrado, apesar de não ser parte na ação submetida à sua jurisdição, é parte no incidente de suspeição que possa surgir no processo – situação em que poderá defender interesses próprios.

Com esse entendimento, manifestado no julgamento do REsp 1.237.996, a Quarta Turma cassou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que não conheceu dos embargos de declaração apresentados por um magistrado contra a decisão que o afastou de um processo.

O ministro Marco Buzzi, relator do recurso especial do juiz, explicou que, com base nos princípios tradicionais que regem o direito processual, o magistrado, os auxiliares da Justiça e os demais sujeitos imparciais do processo não são parte nem terceiros nas ações que tramitam sob sua jurisdição ou supervisão. Por esse motivo, em tese, não estariam legitimados a interpor recursos.

Entretanto – ponderou –, existem deliberações judiciais que podem afetar diretamente o patrimônio financeiro desses sujeitos, a exemplo do julgamento procedente de exceção de suspeição ou impedimento, em que o juiz é condenado a pagar despesas processuais.

Por essas razões, atualmente, segundo o relator, há uma tendência de distanciamento da concepção clássica da chamada “parte”, pois os titulares da relação jurídica material submetida ao Judiciário não se confundem, necessariamente, com os sujeitos da relação jurídica processual.

No caso da exceção de suspeição, Buzzi apontou que o juiz excepto, embora não seja parte na relação jurídica material da demanda, figura como parte legítima no incidente, tanto que, caso não reconheça a sua suspeição, pode apresentar defesa.

Segundo o ministro, o CPC/2015, no artigo 146, parágrafo 5º, afastou qualquer dúvida sobre a possibilidade de o juiz interpor recurso contra a decisão que julga a exceção procedente.

Para o ministro, o juiz tem legitimidade para impugnar, por meio de recurso, a decisão que julga procedente a exceção de suspeição, ainda que ele não seja condenado ao pagamento de custas ou honorários advocatícios, pois também pode haver reflexos em seu patrimônio moral.

Erro em publicação não configura suspeição

Para a Segunda Seção, a publicação equivocada do resultado de um julgamento, antes de sua realização, não leva à conclusão de que o relator seja suspeito. O entendimento foi firmado na análise da Exceção de Suspeição 198. O colegiado concluiu que o caso poderia revelar a ocorrência de uma falha procedimental, que eventualmente resultaria na cassação do acórdão, mas esse objetivo não poderia ser buscado pela via da exceção de suspeição.

De acordo com a seção de direito privado, as hipóteses de suspeição do magistrado previstas no artigo 145 do CPC/2015 devem ser interpretadas de forma restritiva. Entre essas hipóteses legais, estão a existência de relação de amizade íntima ou inimizade com qualquer das partes ou seus advogados, o recebimento de presentes de pessoas com interesse na causa e o fato de uma das partes ser credora ou devedora do magistrado.

No incidente, uma empresa apontou que o resultado do julgamento de seu agravo interno na Terceira Turma foi publicado, embora o feito tivesse sido adiado para a sessão virtual posterior, o que revelaria parcialidade na condução do processo. A suspeição, segundo a empresa, deveria ser estendida aos demais ministros daquele colegiado, pois o resultado publicado antecipadamente expressaria a posição de todos eles.

O ministro Villas Bôas Cueva, relator, refutou a suspeição e determinou a autuação do incidente em separado, tendo sido distribuído na Segunda Seção ao ministro Marco Aurélio Bellizze.

Segundo Bellizze, a exceção de suspeição – que não apontou nenhuma das hipóteses legais previstas no CPC – estaria sendo usada pela parte como sucedâneo recursal, o que é manifestamente inviável diante da falta de respaldo legal.

“É relevante ressaltar que as hipóteses taxativas de cabimento da exceção devem ser interpretadas de forma restritiva, sob pena de comprometimento da independência funcional assegurada ao magistrado no desempenho de suas funções”, concluiu.

Suspeição por motivo de foro íntimo não pode ser questionada

É ilegal e abusiva a intervenção do conselho de magistratura de um tribunal ao invalidar a manifestação do julgador que se declarou suspeito por motivo de foro íntimo, uma vez que essa declaração é dotada de imunidade constitucional e, por isso, é ressalvada de censura ou de crítica da instância superior.

Para o ministro Raul Araújo, relator do RMS 33.531, a declaração de suspeição por motivo de foro íntimo se relaciona com os predicamentos da magistratura (artigo 95 da Constituição Federal), que funcionam como asseguradores de um juiz independente e imparcial, o que é inerente ao devido processo legal (artigo 5º, LIV, da CF).

A decisão foi dada pela Quarta Turma. Em ação de indenização por dano moral, o juiz de direito afirmou suspeição por motivo de foro íntimo, com base no artigo 135, parágrafo único, do CPC, e comunicou sua decisão por ofício ao conselho da magistratura de seu tribunal.

Entretanto, o conselho, em votação unânime, “não conheceu” da suspeição, devolvendo os autos da ação ordinária ao juiz, o qual, prosseguindo no feito, designou audiência de conciliação.

O réu na ação de indenização contestou a decisão do conselho em mandado de segurança e, não obtendo êxito no tribunal local, recorreu ao STJ, alegando ter sido violado seu direito líquido e certo relacionado ao devido processo legal, que garante às partes um julgador isento, imparcial e independente.

Para Raul Araújo, a decisão do conselho da magistratura constrangeu o juiz, subtraindo-lhe a independência, ao obrigá-lo a conduzir processo para o qual não se considerava apto, por razões de foro íntimo – as quais não tinha que declinar, mas certamente comprometiam a indispensável imparcialidade.

FONTE: STJ, 22 de maio de 2022.