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Afinal, o que é o processo?

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A velha discussão sobre a natureza jurídica do processo.

Resumo: 

O processo deve corresponder ao direito à tempestiva prestação jurisdicional, sem dilações indevidas, delimitando seus liames no contexto do Estado Democrático de Direito. Não é possível, contemporaneamente, cogitar num Direito Processual sem as adequações constitucionais que se impõe para uma pertinente cidadania e uma justiça digna. Revela-se em ser mais que mero procedimento em contraditório, ou uma relação jurídica, nem situação jurídica. É um fenômeno social, histórico, cultural e jurídico que envolve a relação entre as partes e o Estado-Juiz e, através do qual se impõe a tutela jurídica, principalmente, de direitos fundamentais. O processo obtém sua eficácia pelo contraditório efetivo que também legitima a atuação do Poder Judiciário e, a autoridade de seus provimentos judiciais definitivos. 

 

Palavras-Chave: Jurisdição. Legitimação. Processo. Pressupostos Processuais. Relação Jurídica Processual. Procedimento em Contraditório. Contraditório. Estado Democrático de Direito. 

 

A evolução do contraditório representa a superação da teoria do processo como relação jurídica e revela ainda a insuficiência da teoria do processo como procedimento em contraditório. 

 É constatável a evolução do conceito de contraditório que tem como consequência a superação da teoria do processo como relação jurídica que fora idealizada por Oskar Von Bülow e, ainda demonstra a insuficiência da teoria do processo como procedimento realizado em simétrico contraditório conforme idealizado por Elio Fazzalari e Aroldo Plínio Gonçalves. 

De fato, existe a necessidade de se identificar a natureza jurídica do processo diante do modelo comparticipativo de processo e, ainda aponta a necessidade de tutela e concretização das garantias constitucionais do processo. 

Faz muito tempo que a discussão sobre a natureza jurídica do processo atormenta tanto a doutrina como jurisprudência1. E, na longa evolução histórica da processualística, surgiram várias teorias que tentaram definir, um conceito de processo apto a sintetizar os mais diversos pensamentos sobre a temática. 

Lembremos das teorias como a do processo como contrato, como quase-contrato, como situação jurídica, como instituição jurídica, já forma em muito rechaçadas em doutrina. E, os variados motivos foram fartamente enumerados, primeiramente, notou-se a errônea atribuição de caráter privado, facultativo e convencional atribuído à jurisdição; a imposição de obstáculos à independência da magistratura, a dificuldade na definição de elementos conceituais; a mitigação da juridicidade; a possibilidade de arbitrariedade no exercício da jurisdição e, ainda, quanto os métodos alternativos de composição de lides (mediação, conciliação e arbitragem). 

Atualmente, constata-se que há duas teorias muito habitualmente adotados pelos cientistas jurídicos. A primeira é a de Oskar von Bülow, trata o processo como relação jurídica típica de natureza pública. A segunda teoria fora  desenvolvida por Elio Fazzalari e Aroldo Plínio Gonçalves que definiu o processo como um procedimento realizado em simétrico contraditório entre os interessados. 

Apesar de ambas tentarem definir o processo, nenhuma dessas fora hábil de definir com precisão a natureza jurídica do atual estágio do contraditório. Afinal, em Estado Democrático de Direito vige constante necessidade de se obter um embasamento democrático e constitucional à atividade jurisdicional, o que requer a compreensão do contraditório como sendo o próprio fundamento de legitimidade democrática da função jurisdicional. 

Realmente, o processo se divorciou dos tecnicismos teóricos e das formalidades conceituais que não se harmonizam com a real efetivação de um regime democrático. E, ainda dentro de uma perspectiva constitucional, deve-se encarar o processo como sendo direito fundamental ao devido processo legal e cuja estrutura está vocacionada à tutela e à concretização de todas as garantias constitucionais processuais. 

Oskar Von Bülow desenvolveu sua tese na obra intitulada “Teoria das exceções processuais e dos pressupostos processuais”, na Alemanha em 1868 que é a adotada pelo direito pátrio e, também no Código de Processo Civil de 1973 e seu sucesso, o Código de Processo Civil de 2015 (Código Fux). A mencionada tese disciplina o processo como relação jurídica muito particular, isto é, representando elo de direitos e obrigações recíprocos e que determinam faculdades e deveres e ainda, estipulam um mútuo vínculo entre os jurisdicionados e o tribunal. 

A propósito, fora Hélio Tornaghi que Georg Hegel é apontado como o verdadeiro precursor dessa teoria, quando mencionou que o processo põe as partes em condição de fazer valer seus meios de prova e suas razões e permite ao juiz chegar ao  conhecimento da causa, o que fazem exercendo direitos que, por isso mesmo, devem ser regulados em lei.  

Mas, fora Oskar von Bülow o primeiro a afirmar o processo como relação jurídica. Prosseguiu o doutrinador explicando que a teoria se implanta realmente com as obras de Adolph Wach2, “Manual de Direito Processual Civil” alemão (Alemanha, 1885) e de Josef Kohler, “O processo como relação jurídica” (Alemanha, 1888), o primeiro deu sentido publicístico e, o segundo deu um sentido privatístico, encontrando defensores também na Itália, especialmente, em Lodovico Mortara, Giuseppe Chiovenda, Alfredo Rocco e Luigi Ferrara. (In: TORNAGUI, Hélio. A relação processual penal. 2ª.ed. São Paulo: Saraiva, 1987). 

Analisando o brocardo jurídico iudicium est actus trium personarum: iudicis, actoris et rei (Juízo (processo) é ato de três pessoas: juiz, autor e réu), a teoria preconiza a relação jurídica processual (pública) que se diferencia da relação jurídica de direito material (privada), uma vez que demanda o preenchimento de pressupostos processuais relacionados aos três aspectos, a saber: a) sujeitos (autor, réu e Estado-juiz); b) objeto (prestação jurisdicional); c) pressupostos3 (de caráter processual). 

Acreditando-se que o processo consiste em relação jurídica especial de natureza pública, dotada de características próprias, que destacamos, a saber:  

  1. autonomia, pois é independente da relação jurídica substancial, de direito material, deduzida em juízo (res in iudicium deducta);
  2. progressividade ou cinese e dinamismo, posto que a relação jurídica processual se desenvolve gradualmente, e está sempre em dinâmica, ao contrário da relação jurídica de direito material que é se mostra perfeita e acabada desde seu nascimento; 
  3. unidade e complexidade, pois a relação jurídica processual é única e complexa, resultante de fusão de várias outras relações jurídicas, porém, não se confundindo com um conjunto de vínculos ligados por traço comum; 
  4. unicidade, porque cada ato não cria nova relação jurídica, mas alenta a que já é existente;
  5. viva posto que a relação jurídica processual se e morre desenvolve, sendo que desta vida é que resulta sua unidade e identidade, apesar das mutações estruturais e anatômicas; 
  6. pública, pois a validade da relação jurídica processual não depende do acordo entre as partes, mas sim, de preenchimento dos pressupostos processuais apreciáveis pelo juiz, sendo que  a interferência do magistrado na resolução do caso concreto cria vínculo jurídico-processual público entre os jurisdicionados e o Estado-juiz.

Sublinhe-se que a relação jurídica processual se caracteriza pelo vínculo de subordinação entre os jurisdicionados e pelo caráter de exigibilidade da prestação demandada perante o Estado. E, se estrutura com base no enlace normativo, mediante o qual um dos polos litigantes poderá exigir do outro o cumprimento de dever jurídico (exigibilidade da prestação). 

Foi Bülow que construiu em sua tese os pressupostos processuais4 que são entendidos como os requisitos de admissibilidade e as condições prévias para a tramitação de toda relação processual e nas exceções processuais. E, com isso, a relação jurídica processual apenas se aperfeiçoa com a litiscontestação, ou seja, com resposta positiva quanto ao preenchimento dos pressupostos processuais e das condições de existência do processo. 

Assim, forma-se de certo modo “contrato de direito público”, por meio do qual, de um viés, há o tribunal que assume a obrigação concreta de decidir e realizar o direito deduzido em juízo e de outro viés, as partes ou jurisdicionados que ficam obrigadas, para tanto, a prestar uma colaboração indispensável e a submeter-se aos resultados desta atividade comum. 

Nesse diapasão, seguiu Hélio Tornaghi ao explicar que a relação jurídica processual se conclui mediante a litiscontestação5 (mit der Litiscontestation), ou seja, por meio de um contrato de Direito Público graças ao qual o juiz contrai o dever de cuidar, no caso concreto, da declaração e da atuação do direito (pretensão, exigência ou Anspruch) feito valer em juízo. E, por outro lado, as partes também se obrigam a cooperar e a submeter-se ao resultado dessa atividade comum. 

Uma vez proposta a demanda, caberá ao réu (ou demandado) oferecer as exceções dilatórias processuais, isto é, as defesas contra a própria existência dos pressupostos processuais de formação válida e eficaz do processo que são expressados negativamente, em forma de exceção) quais sejam, a coisa julgada material, a litispendência, a perempção, a transação e a convenção de arbitragem. 

Todavia, o preenchimento dos pressupostos processuais e admitido o processo resulta na relação jurídica processual que estará válida e eficaz. 

Depois da análise da res in iudicium deducta, ao réu compete contestar a demanda mediante o oferecimento de exceções relativas ao mérito. Então, a partir dali, o julgador passa a ter condições de resolver a lide, decidindo acerca da existência da relação de direito material litigiosa. 

Em resumo, Bülow propôs que a relação jurídica processual se divide em dois processos, a saber: um prévio, preliminar ou in jure, de viés preparatório e antecedente ao trâmite de mérito, relativo à análise dos pressupostos processuais e à determinação da relação processual, dotado de prejudicialidade e cujo ato final consiste ou em uma litis contestatio, admissão da demanda, ou em uma absolutio ab instantia, recusa da demanda por ser inadmissível, o que os romanos denominavam de denegatio actionis, e outro processo principal ou in judicio, referente à relação de direito material e referente ao exame do mérito da demanda (relação litigiosa material) que redunda em uma condemnatio ou um absolutio ab actione. 

A teoria do processo como procedimento em contraditório fora desenvolvida primordialmente pelo jurista Elio Fazzalari e, aperfeiçoada no Brasil por Aroldo Plínio Gonçalves. Resume-se em: “o processo é concebido como “um procedimento do qual participam (são habilitados a participar) aqueles em cuja esfera jurídica o  ato final é destinado a  desenvolver efeitos: em contraditório, e de modo que o autor do ato não possa  obliterar as suas atividades”. 

Para essa teoria, processo e procedimento são conceitos distintos e inconfundíveis, isto é, são fenômenos distintos apesar de essencialmente conexos. Atente-se que o procedimento não retrata pura concatenação estática de atos e condutas e que exterioriza a relação jurídica processual. Ao revés, o procedimento como estrutura normativa traz a descrição de condutas e a qualificação de direitos e obrigações, consiste em gênero do qual o processo é a espécie mais articulada e complexa e, particularizada pela nota do simétrico contraditório entre os interessados ao provimento jurisdicional final. 

Portanto, o procedimento consiste em uma sequência de normas e de posições subjetivas, que é preparatória de um provimento estatal destinado a produzir efeitos na esfera jurídica de seus destinatários. O procedimento denota uma atividade preparatória a qual, disciplinada por uma estrutura normativa, precede a emanação válida e eficaz de um ato estatal dotado de natureza imperativa e, por isso, denominado de provimento. 

Ressalte-se ainda que também o jurista italiano Enrico Redenti, antes até de Fazzalari, porém de forma incipiente, já laborava na renovação do conceito de procedimento entendendo o processo como atividade destinada à formação do provimento jurisdicional. E, para Redenti, a atividade preparatória do provimento é disciplinada por vários esquemas propostos para as diversas possibilidades de processos e, que devem tomar o nome de procedimento, entendido como o módulo legal do fenômeno abstrato.  

Afinal, cada norma que incide para formar a sequência estrutural do procedimento descreve conduta a ser praticada, e a qualifica como direito ou como obrigação. Quanto mais existentes as normas quantas serão as condutas reguladas, qualificadas como direito ou obrigação, a estrutura do procedimento constitui-se a partir de uma série de normas, cada uma das quais reguladora de uma certa conduta, mas que enuncia como pressuposto da sua própria aplicação, o cumprimento de uma atividade regulada por uma outra norma da série. 

O procedimento, portanto, retrata estrutura normativa preparatória de um provimento e se revela como uma sequência interligada de normas das quais se extraem posições subjetivas. Segundo a ordem estabelecida pela lei, a prática de um ato normativo subsequente é consequente lógico e temporal do exercício de um ato normativo anterior que lhe é pressuposto. Daí, por diante, o procedimento se desenvolve de forma coesa, conectada e integrada e até que se obtenha o ato final conclusivo. 

Ronaldo Brêtas Dias leciona que, por influência da doutrina italiana, a processualística pátria passou a usar o vocábulo provimento com o sentido de decisão jurisdicional. Os italianos se valem com frequência da palavra “provvedimento“(provimento) derivada de provvedere (prover), a fim de melhor expressar o pronunciamento jurisdicional. Nestes termos, o termo provimento ora utilizado tem o sentido de decisão judicial. 

Lembremos que a validade e/ou eficácia de ato posterior, incluindo-se a do ato final, pode ser neutralizada caso não tenha sido observada a sequência precedente de atos determinada pela estrutura normativa correspondente. 

Um dos requisitos de validade e eficácia de um ato inserido na estrutura normativa do procedimento consiste, justamente, no fato de ser o epílogo de um procedimento regular e, portanto, dependente da regularidade ou irregularidade do ato precedente e influente sobre a validade e a eficácia dos atos subsequentes. 

Uma vez posta a definição de procedimento, torna-se plausível conceituar o processo como sendo uma de suas espécies. Assim o processo é espécie do gênero procedimento, devidamente qualificado pelo contraditório e realizado em paridade simétrica. Procedimento sem contraditório não é processo. Assim, o contraditório torna-se essencial para a definição do processo. 

Fazzalari nos ensina que para a compreensão do contraditório como “estrutura dialética do procedimento”, não se confunde com a noção de Piero Calamandrei acerca do caráter dialético do processo.  

Afinal, para Calamandrei a dialeticidade processual se refere ao desenvolvimento do processo, como sendo uma luta de ações e de reações, de ataques e defesas, na qual cada um dos sujeitos provoca, com a própria atividade, o movimento de outros sujeitos e, espera, depois deles um novo impulso para se pôr, novamente, em movimento.  

Essa perspectiva decorre, então da ideia do procedimento como uma concatenação de atos, em que “cada um deles nasce como consequência daquele que tem precedido, e, por sua vez, atua como estímulo do que segue. (In: CALAMANDREI, Piero. Direito Processual Civil: estudos sobre o Processo Civil. Tradução de Luiz Abezia e Sandra Drina Fernandez Barbery. Campinas, SP: Bookseller, 1999, v.1, p.266). 

O contraditório é concebido como a estrutura dialética do processo e que consiste na participação dos destinatários dos efeitos do ato final (sentença), em simétrica paridade de posições, na fase procedimental preparatória do provimento; na mútua implicação das atividades dos destinatários, voltadas a promover (requerente) ou a impedir (requerido) a emanação do provimento; na efetiva relevância e influência de atividades desenvolvidas pelos destinatários perante o autor do provimento final (juiz ou árbitro); na possibilidade de exercício, por cada interessado ou destinatário dos efeitos do ato final (denominados de contraditores), de um conjunto de escolhas, de reações e de controles; na existência de controle não apenas das atividades de cada um dos contraditores, mas também, na necessidade de fiscalização dos resultados da função exercida pelo autor do provimento final. 

Novamente, o contraditório enquanto estrutura dialética do procedimento consista na razão de distinção ou ratio distinguendi do processo. E, além de possibilitar a participação dos interessados na atividade preparatória do provimento, o processo esquematiza um conjunto de normas as quais, contemplando atos e posições jurídicas, projetam-se para os destinatários dos efeitos do provimento final, com o fito de viabilizar-lhes o exercício do paritário contraditório. 

Reprise-se que a essência do contraditório se assenta na participação de ao menos dois contraditores, um afirmando e outro contra-afirmando em posições simetricamente iguais, um destes interessado e o outro contrainteressado na emanação do provimento final que lhes produzirão, respectivamente, efeitos favoráveis e prejudiciais. Ao autor do provimento final (juiz e árbitro) compete guiar o desenvolvimento do contraditório, colocando-se em arranjo, estranho aos interesses em contenda, não sendo parte daquela situação. 

Frise-se que a noção de contraditório como elemento do processo não apareceu apenas com a divulgação da teoria de Fazzalari, nos idos de 1975. Pois, Adolf Wach em 1865 já realçava a relevância do contraditório, ao destacar o caráter dialético do processo, observando que sua finalidade atendia a dois interesses em colisão, o interesse da tutela jurídica afirmada pelo autor e o interesse contraposto sustentado pelo réu. Igualmente, Piero Calamandrei, em 1965, entendia o contraditório como “diálogo” permanente entre os envolvidos, correspondendo a força motriz do processo, seu princípio fundamental6 (apud DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Processo Constitucional e Estado Democrático de Direito. Belo Horizonte, MG:  Del Rey, 2010, p. 94-94). 

Em síntese, o processo consiste no procedimento realizado em simétrico contraditório entre as partes, na busca da construção do provimento jurisdicional por meio da participação dialética dos interessados. O grande insight de Fazzalari e Gonçalves foi destacar o contraditório paritário para que o simples procedimento se transforme em processo. 

De fato, deu-se a evolução do contraditório, notadamente, por conta do Estado Democrático de Direito que já o consagra no artigo 5º,, IV da CRFB/1988, tido como garantia fundamental do jurisdicionado à participação dialética no processo em igualdade de oportunidades, com efetivo poder de influência nos resultados advindos do exercício da atividade jurisdicional. 

Epistemologicamente, a definição de contraditório considera duas dimensões essenciais. A dimensão formal ou estática que retrata a clássica concepção de contraditório como ciência, informação, comunicação e/ou participação das partes no processo, originária do instituto processual austríaco Parteiengehör, o qual é entendido como princípio da audição ou audiência do cidadão interessado. E, a dimensão material, substancial ou dinâmica, contraditório revela o poder de influência e de controle dos destinatários na construção do conteúdo do provimento. 

O contraditório, em dimensão formal, expressa o direito das partes ao conhecimento da demanda, mediante citação, intimação e/ou intimação ou notificação, com garantia de participação no curso do processo. 

E, baseado nos brocardos jurídicos audiatur et altera pars, audita altera parte e audi alteram partem, o aspecto estático do contraditório resguarda ao interessado, tão somente, o direito de ouvir e de ser ouvido (hearings). A garantia de participação na construção da decisão judicial visa a assegurar às partes, colocadas em posição de interessado (autor) e contrainteressado, participar agindo. 

O contraditório formal possibilita que os destinatários do provimento tenham a oportunidade de se pronunciar nos autos e de deduzir alegações e provas que julgarem pertinentes, com a respectiva oportunidade de reação.  

E, assim, se objetiva expor e aclarar ao juiz os fatos e fundamentos jurídicos da demanda, de forma que as partes tenham aumentadas as suas possibilidades de êxito no processo, ao mesmo tempo, em que colaboram para o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional. 

Porém, a partir da teoria de Fazzalari e Gonçalves, o aspecto formal do contraditório supera a sua definição como mero direito das partes ao conhecimento da demanda e à participação no processo. Diante do princípio da isonomia, a participação das partes no processo deve ser qualificada com a nota da igualdade de oportunidades. 

Apesar de que um dos objetivos do contraditório seja o impedimento de prolação de decisões judiciais inaudita altera parte, é relevante sublinhar que, nos casos de provimentos liminares, é possível a edição da ordem jurisdicional antes da audiência da outra parte, desde que haja a devida e circunscrita demonstração do periculum in mora, sendo, que nesses casos, o contraditório resta diferido para momento posterior. 

Afinal, como a expressão do princípio constitucional da igualdade, a participação das partes no processo há de ser concretizada em paridade de posições. O contraditório faz com que os litigantes, em posição de igualdade, disponham das mesmas oportunidades de alegar e provar o quanto estimarem conveniente com vistas ao reconhecimento judicial de suas teses. 

A função do contraditório como garantia de uma simetria de posições subjetivas, além de assegurar aos participantes do processo a possibilidade de dialogar e de exercitar uma série de controles, de reações e de escolhas dentro desta estrutura.  

Enfim, a substância do contraditório estático consiste na igualdade simétrica de oportunidades entre os destinatários dos efeitos do provimento final, não é o mero e simples argumento e contra-argumento, mas sim, o dizer e contradizer7 deduzidos em posição paritária de chances entre os sujeitos processuais. 

Anotou Piero Calamandrei, a posição de paridade das partes no processo não se resume a igualdade meramente jurídica, mas também se refere a uma isonomia técnica e econômica.  

Além da isonomia, há igualmente a liberdade em face da concepção de contraditório como participação das partes em igualdade de oportunidades. E, sendo o contraditório o direito à ciência, ao conhecimento e à informação da demanda, tem-se o correlato direito à liberdade de reação, formando o que se denomina de bilateralidade da audiência.  

Cabe à parte, de acordo com o seu livre alvedrio e dentro dos parâmetros legais, escolher em se manifestar ou não na contenda jurídica, agindo ou omitindo-se em conformidade com conveniência e a oportunidade de sua ampla defesa. 

Verifica-se que a trelada ao aspecto formal, a dimensão material (ou substancial ou dinâmica) do contraditório expressa o poder de influência (ou prerrogativa de influência ou direito de influir) e a prerrogativa de controle na construção do conteúdo da decisão judicial. Enfim, refere-se à conjugação dos direitos das partes ao conhecimento e à participação no processo em simétrica paridade, com a possibilidade de interferir e de fiscalizar os resultados advindos do exercício da função jurisdicional. 

Enfim, às partes é conferida a prerrogativa de interferência material na decisão judicial por meio da apresentação de provas e argumentos no bojo da instrução probatória. E, aos julgadores, por sua vez, caberá o dever de garantia do contraditório, de forma a assegurar que as alegações e as provas produzidas pelas partes serão efetivamente examinadas pelo órgão jurisdicional. 

Eis que o ensinamento de Luigi Paolo Comoglio ao mencionar que o contraditório garante uma tríplice ordem de situações subjetivas processuais, a saber:  

  1. o direito de receber adequadas e tempestivas informações sobre o processo e as atividades realizadas, as iniciativas empreendidas e os atos de impulso realizados pela contraparte e pelo juiz, durante todo o curso do processo; 
  2. o direito de defender-se ativamente, posicionando-se sobre cada questão, de fato ou de direito, que seja relevante para a decisão da controvérsia; 
  3. 3. o direito de pretender que o juiz, a seu turno, considere as suas defesas, suas alegações, suas provas, no momento da prolação da decisão ou provimento final.

Aliás, “a duração razoável do processo é um dos componentes daquilo que Comoglio denominou de processo équo, racional e justo. No Brasil, pode-se afirmar que a garantir do término do processo em tempo justo, embora ainda não conste expressamente no texto constitucional resta implícita na garantia do devido processo legal.” 

Ainda, segundo o doutrinador italiano Luigi Paolo Comoglio que ensinou que, para se alcançar às garantias do devido processo legal e da efetiva tutela jurídica, deve-se considerar que o direito ao processo abrange a garantia de sua duração razoável e que, nesta busca, devem ser reforçadas as questões das partes e dos envolvidos no processo acerca de sua boa-fé e da lealdade processual, com o escopo de preservar a dignidade da justiça. (In: COMOGLIO, Luigi Paolo. Garanzie costituzionali e giusto processo: modelli a confronto. Revista de Processo, São Paulo, nº90, p.95-150, abril/junho de 1998, p. 138). 

Conclui-se que ao julgador não é conferido o poder de simplesmente desconsiderar a atividade dos destinatários do provimento. A decisão judicial, pelo contrário, deve ser o resultado do convencimento racional fundamentadamente construído por um juízo natural, com base nos argumentos e nos elementos probatórios aventados pelos interessados em simétrico contraditório. 

Resultando daí que a motivação decisória é elemento do contraditório. E, ao magistrado compete o dever de apreciar e de examinar todas as alegações e provas deduzidas pelas partes, resolvendo o caso concreto unicamente com base nos resultados decorrentes da atividade dos interessados ao provimento. Já aos destinatários contrapõe-se o direito fundamental de que terão seriamente analisados e considerados os seus argumentos e elementos probatórios, os quais devem ter sido licitamente produzidos como forma de tentativa de convencimento do órgão jurisdicional. 

A doutrina costuma usar a expressão “poder de influência” para designar a dimensão material do contraditório. Contudo, para não deixar dúvidas de que este poder não significa arbitrariedade ou posição de superioridade das partes em relação ao juiz, preferimos as terminologias “prerrogativa de influência” ou possibilidade de influência ou direito de influir8. 

Conclui-se que a motivação decisória é elemento do contraditório e, ao juiz compete o deve de apreciar e de examinar todas as alegações e provas deduzidas pelas partes, resolvendo o caso concreto unicamente com base nos resultados decorrentes da atividade dos interessados ao provimento. Já aos destinatários contrapõe-se o direito fundamental de que terão analisados e considerados os seus argumentos e elementos probatórios, os quais devem ter sido licitamente produzidos como forma de convencimento do órgão jurisdicional. 

Iluminado e lapidar é o entendimento do Ministro do STF Gilmar Mendes proferido no julgamento do Mandado de Segurança 25.787-3/DF. In litteris: 

Há muito vem a doutrina constitucional enfatizando que o direito de defesa não se resume a um simples direito de manifestação no processo. Efetivamente, o que o constituinte pretende assegurar – como bem anota Pontes de Miranda – é uma  pretensão à tutela jurídica (Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1, 1969. T. V, p. 234). (…).  

Não é outra a avaliação do tema no direito constitucional comparado. Apreciando o chamado Anspruch auf rechtliches Gehör (pretensão à tutela jurídica) no direito alemão, assinala o Bundesverfassungsgericht que essa pretensão envolve não só o direito de manifestação e o direito  de informação sobre o objeto do processo, mas também o direito do indivíduo  de ver os seus argumentos contemplados pelo órgão incumbido de julgar (Cf.  Decisão da Corte Constitucional alemã – BverfGE 70, 288-293; sobre o assunto, ver, também, PIEROTH, Bodo; SCHLINK, Bernhard. Grundrechte – Staatsrecht II. Heidelberg, 1988, p. 281; BATTIS, Ulrich; GUSY, Cristoph. Einführung in das Staatsrecht. 3. ed. Heidelberg, 1991, p. 363-364).  

Daí afirmar-se, correntemente, que a pretensão à tutela jurídica, que corresponde exatamente à garantia consagrada no art. 5º, LV, da Constituição, contém os seguintes direitos: 

1) direito de informação (Recht auf Information), que obriga o órgão julgador a informar à parte contrária dos atos praticados no processo e sobre os elementos dele constantes; 

2) direito de manifestação (Recht auf Äusserung), que assegura ao defendente a possibilidade de manifestar-se oralmente ou por escrito sobre os elementos fáticos e jurídicos constantes do processo; 

3) direito de ver seus argumentos considerados (Recht auf Berücksichtigung), que exige do julgador capacidade, apreensão e isenção de ânimo (Aufnahmefähigkeit und Aufnahmebereitschaft) para contemplar as razões apresentadas (cf. PIEROTH; SCHLINK. Grundrechte – Staatsrecht II. Heidelberg, 1988, p. 281; BATTIS; GUSY. Einführung in das Staatsrecht. Heidelberg, 1991, p. 363-364; Ver, também, DÜRIG/ASSMANN.  

In: MAUNZ-DÜRIG. Grundgesetz-Kommentar. Art. 103, vol. IV, nº 85-99). Sobre o direito de ver os seus argumentos contemplados pelo órgão julgador (Recht auf Berücksichtigung), que corresponde, obviamente, ao dever do juiz ou da Administração de a eles conferir atenção (Beachtenspflicht), pode-se afirmar que ele envolve não só o dever de tomar conhecimento (Kenntnisnahmepflicht), como também o de considerar, séria e detidamente, as razões apresentadas (Erwä gungspflicht) (Cf. DÜRIG/ASSMANN. In: MAUNZ-DÜRIGi. Grundgesetz- -Kommentar. Art. 103, vol. IV, nº 97). É da obrigação de considerar as razões apresentadas que deriva o dever de fundamentar as decisões (Decisão da Corte Constitucional – BverfGE 11, 218 (218); Cf. DÜRIG/ASSMANN. In: MAUNZ- -DÜRIG. Grundgesetz-Kommentar. Art. 103, vol. IV, nº 97). 

Supremo Tribunal Federal, MS n.º 25787, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 08/11/2006, DJe-101 DIVULG 13-09-2007 PUBLIC 14-09-2007 DJ 14-09-2007 PP-00032 EMENT VOL-02289-02 PP-00198 RTJ VOL-00205-03 PP-01160 LEXSTF v. 29, n. 345, 2007, p. 217-254, trechos  do voto do Ministro Gilmar Mendes, destaques no original.9 

O contraditório material reflete a prerrogativa de simétrica influência dos interessados na construção do conteúdo da decisão judicial, em harmonia e sintonia com o dever imposto ao juiz, como terceiro imparcial, capaz de assegurar às partes iguais oportunidades de interferência no resultado da atividade jurisdicional, inclusive quanto às questões apreciáveis de ofício. 

Também quanto as questões apreciáveis ex officio pelo juiz devem ser levadas ao conhecimento das partes, para que tenham a oportunidade de se manifestarem a respeito. E, assim, O CPC de 201510 adotou em seu artigo 10, que explicitou que o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes a oportunidade de se manifestar, ainda que se trata de matéria sobre a qual tenha que decidir de ofício11. 

Quanto à perspectiva dinâmica do contraditório, pois, consubstancia expressão da democracia, realizada por meio do controle da motivação das decisões judiciais por parte dos destinatários do provimento, e que impõe uma efetiva comparticipação dos sujeitos processuais em todo o iter formativo das decisões e atua como elemento incentivador ao aspecto dialógico do procedimento. 

De fato, o contraditório reflete a garantia constitucional de fiscalização da atividade jurisdicional através do impedimento da prolação das célebres “decisões-surpresa”, entendidas como pronunciamentos jurisdicionais proferidos com fulcro em alegações e provas que não foram dialeticamente aventadas nos autos do processo12. 

Enfim, o contraditório dinâmico atribui, aos interessados, as possibilidades de participação preventiva em relação aos aspectos fáticos e jurídicos discutidos no processo, o que acarreta à seguinte equação: defesa=contraditório= participação=audição preventiva. 

Evidencia-se que a evolução do contraditório transcende a sua função apenas como ciência ou conhecimento da demanda (informação), para galgar a sua definição também como prerrogativa de influência no conteúdo do provimento jurisdicional.  

O contraditório conjuga os direitos à informação e à participação das partes, as quais, em igualdade oportunidades, possuem prerrogativa de interferência e de controle na construção do conteúdo da decisão judicial. 

Para a noção de efetivo e equilibrado contraditório deve-se partir da necessidade de debate de todas as questões suscitadas nos autos, impede que o juiz, em solitária onipotência, aplique normas ou embase a decisão sobre fatos completamente estranhos à dialética defensiva de uma ou de ambas as partes. 

Com isso, o contraditório se consolida como direito fundamental o qual, em um Estado Democrático de Direito, legitima a jurisdição mediante a participação direta, isonômica e influente das partes na construção da decisão judicial, como forma de expressão da cidadania, da democracia e da soberania popular. 

Indubitavelmente a importância do processo na conceituação da disciplina científica autônoma reconhecendo a teoria do processo como relação jurídico conforme desenvolveu Bülow, mostra-se inapropriada em face da compreensão atual do contraditório em um Estado Democrático de Direito. 

A referida teoria conceituou o processo como uma relação jurídica peculiar de natureza pública que estabelece entre as partes um vínculo de poder e sujeição. Com isso, a teoria traz em si mesma, um busilis da definição da relação jurídica, tendo como base o conceito de direito subjetivo. E, pode ser estendido como o poder de exigir de outrem ações e omissões, ou como o poder de dispor e de criar os meios garantidos pelo ordenamento jurídico contra os recalcitrantes, conforme concebido por Windscheid (A ação do direito romano do ponto de vista do direito civil, Alemanha, 1856). 

O direito subjetivo é o poder de vontade que possibilita a facultas agendi, a um dos sujeitos, exigir ou facultas exigendi de outro o cumprimento de determinada prestação (facere ou omittere). O poder, como expressão subjetiva do mandato, significa a possibilita de mandar, retratando o domínio da vontade alheia, já a sujeição, como o aspecto passivo do mandato, consiste na necessidade de obedecer e denota a impossibilidade de querer com eficácia. 

Surge, então, a pretensão, do titular do direito, de submeter o obrigado à sua vontade e de impor sujeições sobre o seu comportamento, enquanto a este cabe o dever jurídico de realizar a conduta exigida. 

É da essência da conceituação de direito subjetivo a correlatividade entre os sujeitos, tendo em vista que ao poder jurídico (faculdade/pretensão) de um deles corresponde o dever jurídico (sujeição) do outro. O direito subjetivo outorga ao seu titular “a possibilidade de impor judicialmente seus interesses juridicamente tutelados perante o destinatário (obrigado)”. Existe, assim, um vínculo de subordinação entre pessoas, o qual permite, a um dos sujeitos, compelir o outro (poder) ao cumprimento de determinada prestação (dever). 

O conceito de direito subjetivo resultante na definição de relação jurídica como um enlace normativo entre duas pessoas, das quais uma pode exigir da outra o cumprimento de um dever jurídico. A relação jurídica pode ser definida, portanto, como um liame que liga duas ou mais pessoas, estipulado em virtude de certo objeto, por meio do qual uma norma jurídica qualificadora confere direitos, poderes e faculdades a um dos sujeitos, bem como encargos, sujeições, deveres e obrigações ao outro. 

Desta forma, torna-se possível superar a teoria de Bülow já que o vínculo jurídico de sujeição/exigibilidade não se adéqua ao direito fundamental do contraditório, o qual requer a igualdade de oportunidades entre os interessados. 

De fato, a presença do vínculo jurídico de subordinação equivale a admitir que, no bojo da relação jurídica processual, uma das partes pode impor à outra a prática de um ato processual. A predominância da vontade pessoal do titular do direito subjetivo elimina a voluntas do sujeito processual obrigado ao cumprimento  da prestação, além de provocar a subordinação da própria atividade jurisdicional  mediante a imposição de condutas à atuação do juiz. 

Disso resulta a potestade de uma das partes de ditar a conduta processual alheia, o que acarreta na restrição da liberdade individual de ação, da autonomia da vontade, da personalidade, e em última instância, da própria dignidade dos sujeitos processuais, os quais em situação de desigualdade processual, servem de instrumento da manifestação da vontade de outrem. 

A ideia de direito subjetivo é inerente e não pode ser dissociada do conceito de relação jurídico. Porém, alguns doutrinadores, aderem à tese de Oskar von Bülow buscando desvinculá-la do direito subjetivo, o que, desnatura a própria definição de relação jurídica.  

E, no mesmo sentido, Calamandrei afirmou: “A faculdade dada assim às partes de provocar com suas atividades o exercício dos poderes jurisdicionais não se pode, a rigor, fazer entrar no esquema típico do direito subjetivo, ao qual corresponda no órgão judicial uma obrigação de prestação em relação às partes. 

A jurisdição, com todos os poderes preparatórios a ela inerentes, é função eminentemente pública; e o Estado que, através do órgão  judicial, a exercita em interesse geral da justiça, isto é, do próprio interesse, não pode ser reduzido à figura  do obrigado que, com sacrifício do interesse próprio, se vê compelido a cumprir em interesse do titular do  direito. (…).  

Não se pode dizer, que ao poder-dever que o órgão judicial tem de prover sobre as demandas  das partes e de realizar no processo tudo aquilo que é necessário para preparar a providência, correspondam  nas partes verdadeiros e próprios direitos subjetivos no sentido privatista da expressão” (In: CALAMANDREI,  Piero. Direito Processual Civil: estudos sobre o Processo Civil. Tradução de Luiz Abezia e Sandra Drina Fernandez Barbery. Campinas: Bookseller, 1999. v. 1, p. 269-270). 

O direito subjetivo outorga ao  seu titular “a possibilidade de impor judicialmente seus interesses juridicamente  tutelados perante o destinatário (obrigado)”. Há, assim, um vínculo de subordinação entre pessoas, o qual permite, a um dos sujeitos, compelir o outro (poder) ao cumprimento de determinada prestação (dever). 

De tal sorte, o conceito de direito subjetivo resulta na definição de relação jurídica como “um enlace normativo entre duas pessoas, das quais uma pode exigir da outra o cumprimento de um dever jurídico”.  

A relação jurídica pode ser definida, portanto, como um liame que liga duas ou mais pessoas, estipulado em virtude de determinado objeto, por meio do qual uma norma jurídica qualificadora confere direitos, poderes e faculdades a um dos sujeitos, bem como encargos, sujeições,  deveres e obrigações ao outro. 

Sob esse prisma, é possível superar a teoria elaborada por Oskar von Bülow, já que o vínculo jurídico de sujeição/exigibilidade não se adéqua ao direito fundamental do contraditório, o qual requer a igualdade de oportunidades entre os interessados. 

De fato, a presença do vínculo jurídico de subordinação equivale a admitir que, no bojo da relação jurídica processual, uma das partes pode impor à outra a  prática de um ato processual.  

A predominância da vontade pessoal do titular do direito subjetivo elimina a voluntas do sujeito processual obrigado ao cumprimento  da prestação, além de provocar a subordinação da própria atividade jurisdicional  mediante a imposição de condutas à atuação do juiz. 

Resulta em potestade de uma das partes de ditar a conduta processual alheia, o que acarreta na restrição da liberdade individual de ação, da autonomia da vontade, da personalidade e, em última instância, da própria dignidade dos sujeitos processuais, os quais, em situação de desigualdade processual, servem de instrumento da manifestação da vontade de outrem. 

A teoria do processo como relação jurídica, ao se fulcrar em um vínculo jurídico de exigibilidade, termina por atribuir ao processo um caráter que se distancia do princípio democrático da igualdade que é tão essencial à definição do contraditório.  

Afinal, a conferência a um dos sujeitos processuais, de poderes sobre a conduta alheia, não se harmoniza com um contraditório que liga as partes por meio de um elo de coordenação e que prima pela isonomia de chances entre os interessados ao provimento jurisdicional. 

Afora isso, o desenrolar da história da processualística demonstrou que a teoria do processo como relação jurídica ocasionou uma valorização extremada da atividade judicante, em detrimento da garantia da liberdade e da igualdade entre os sujeitos processuais. Porque para essa teoria, o juiz ostenta a exclusividade na construção do provimento decisório e na entrega da prestação jurisdicional, pois este substitui a atividade das partes pela prevalência de sua vontade. 

A comentada teoria possibilitou fortalecimento extremado e exagerado dos poderes judiciais, vez que a vincula as partes ao controle do magistrado. A jurisdição passou a ser entendida como atividade do juiz na criação do direito em nome do Estado com a contribuição do sentimento e da experiência do julgador. É assim que para Bülow é possível a prolação de decisões judiciais mesmo contra legem. 

Então, quando acontece, várias vezes, das decisões dos juízes contrariarem o sentido e a vontade da lei, isso deve ser aceito tranquilamente, como um destino inevitável, como um tributo, o qual os legisladores e juízes prestam à fraqueza do poder de expressão e comunicação humanas. (…). Mesmo a decisão contrária à lei possui força de lei.  

Ela é, como qualquer decisão judicial, uma determinação jurídica originária do Estado, validada pelo Estado e por ele provida de força de lei. Com isso, não se quer dizer outra coisa do que o juiz ser autorizado pelo Estado a realizar determinações jurídicas, por eles criadas, escolhidas e desejadas! 

A superação da teoria do processo como relação jurídica é mesmo necessária bem como para a desconstrução do dogma do protagonismo judicial. A desvinculação do magistrado às alegações das partes origina em exercício arbitrário da jurisdição, pois permite ao juiz, com exclusividade e sem a participação dos jurisdicionados, exercer subjetivamente a judicatura de modo solitário, a partir de suas próprias convicções particulares, como mero instrumento para a positivação do poder. 

De fato, o processo num Estado Democrático de Direito, deve ser gerido por todos os sujeitos processuais, sendo a decisão judicial o resultado da participação isonômica, dialética e influente das partes na construção do provimento judicial.  

E, nessa acepção, a direção do processo deve ser compartilhada igualitariamente entre as partes e o juiz, os quais cooperam com a gestão da atividade processual  (policentrismo processual) destinada a transformar o processo em uma comunidade de trabalho, é necessário que o magistrado assuma a sua posição de interlocutor que dialoga com as partes. 

O contraditório no Estado Democrático de Direito, possui viés eminentemente comparticipativo. O juiz não está sozinho na elaboração do provimento jurisdicional. A prolação da decisão judicial requer a observância da participação direta dos destinatários do ato final, mediante uma comunicação isonômica e permanente entre o juiz e as partes. 

Cabe ao juiz envolver as partes, num diálogo humano construtivo em que o julgador não se limite a ouvir as partes e nem que as partes se limitem a falar sem saber que se estão sendo atentamente ouvidas. 

Diferentemente, o contraditório comparticipativo faz com que a solução da demanda seja construída conjuntamente pelo juiz e pelas partes, o que foi denominado pela doutrina anglo-americana de fair hearing. 

O modelo comparticipativo de processo é baseado na cooperação processual e no policentrismo processual advindo de um contraditório simultaneamente estático, dinâmico, equilibrado e comparticipativo. E, supera assim, a teoria do processo como relação jurídica. Pois, a participação isonômica, coordenada, direta e influente das partes, em um trabalho em conjunto com o magistrado, torna-se essencial para a plena concretização dos ideais democráticos do Estado do Direito. 

A teoria do processo como procedimento em contraditório simétrico entre as partes foi desenvolvida por Fazzalari e  aperfeiçoada por Aroldo Plínio Gonçalves, e inseriu no contraditório a necessidade de igualdade de oportunidade entre os sujeitos processuais, o que evidenciou a impossibilidade de conciliar a ideia do contraditório, como posição de paridade entre as partes, com a noção de vínculo de subordinação entre os sujeitos processuais, por meio do qual um deles exerce poder em face do outro. 

Já ressaltou Ada Pellegrini Grinover que o processo como procedimento em simétrico contraditório não passa e uma “ideia simples e genial”, porém eficaz em afastar o inadequado clichê pandetístico de relação jurídica processual, esquema estático que leva em conta a realidade, mas não a explica. 

Fazzalari e Gonçalves tiveram o notável mérito de renovar estruturalmente o conceito de procedimento e de atribuir viés democrático à concepção de processo, rompendo categoricamente com a teoria processual de Bülow. 

A caracterização do processo como procedimento realizado em contraditório entre as partes não é compatível com o conceito de processo como relação jurídica.  

Ressaltou-se, neste capítulo, o quanto foi possível, a ideia de contraditório como direito de participação, o conceito renovado de contraditório como garantia de participação em simétrica paridade, o contraditório como oportunidade de participação, como direito, hoje revestido da especial proteção constitucional.  

O conceito de relação jurídica é o de vínculo de exigibilidade, de subordinação, de supra e infra-ordenação, de sujeição. Uma garantia não é uma imposição, é  uma liberdade protegida, não pode ser coativamente oferecida e não se identifica como instrumento de sujeição. Garantia é liberdade assegurada.  

Se o contraditório é garantia de simétrica igualdade de participação no processo, como conciliá-lo com a categoria da relação jurídica? Os conceitos de garantia e de vínculo de sujeição vêm de esquemas teóricos distintos. O processo como relação jurídica e como procedimento realizado em contraditório entre as partes não se encontram no mesmo quadro, e não há ponto de identificação entre eles que permita sua unificação conceitual. 

O simétrico contraditório existe entre as partes como evidente forma de isonomia processual. E, a igualdade tida como exigência democrática inerente ao contraditório, resta respeitada quando se define o processo com base na participação paritária dos interessados na atividade preparatória de um provimento cujo autor (juiz ou árbitro) se enxerga materialmente influenciado pelas alegações e provas deduzidas pelas partes no bojo do procedimento. 

Além da igualdade, também a liberdade representa outro sustentáculo da democracia, sendo concretizada quando são conferidas às partes iguais oportunidades de participação no processo.  

A liberdade, manifestada através do direito de participação, significa que cabe às partes a valoração a respeito da conveniência e da oportunidade de exercício do contraditório. A liberdade, assim, se revela na possibilidade de autodeterminação do modo e da intensidade de que se valerão as partes na atividade preparatória do provimento jurisdicional final. 

Na perspectiva da teoria do processo como procedimento em contraditório, o conceito de direito subjetivo se dissocia do vínculo de subordinação entre as partes. Ao revés, as faculdades outorgadas aos interessados são conceitualmente revistas para refletirem eventual “posição de vantagem do sujeito assegurada pela norma”, a qual incide sobre o objeto do comportamento, qualificador da conduta praticada (e não mais sobre o ato de outrem). 

Portanto, a teoria de Fazzalari e Gonçalves está em consonância com o regime jurídico democrático pautado na proteção da igualdade e da liberdade. E, o paritário contraditório entre os jurisdicionados oferece e confere a necessária validade e eficácia de um conceito democrático de processo. 

A crítica à definição de processo formulada pro Fazzalari tida como emanações de vontade dos órgãos públicos ou comandos que declaram manifestações de vontade do juiz, assim, a decisão final que põe termo ao processo não seria um ato subjetivo da vontade do julgador.  

Pelo contrário, o provimento jurisdicional, em face do modelo comparticipativo do processo, é resultante de uma atividade preparatória (processo) realizada com obediência ao simétrico diálogo entre as partes e entre estas e o juiz, com a respectiva prerrogativa de influência dos interessados no conteúdo do pronunciamento judicial decisório. 

Outra crítica exige análise mais apurada, no que se refere ao próprio conceito de contraditório edificado pela mencionada teoria. E, porque se entende que a teoria em apreço adotou visão restritiva e incompleta em face do contemporâneo estágio evolutivo do contraditório.  

Apesar de vê-lo como estrutura dialética, limitou-se a defini-lo como simples característica própria do processo, ainda que seja o seu elemento ou sua ratio distinguendi. E, assim, o contraditório dentro da estrutura de atos e posições subjetivas do processo, parece sustentar a existência, validade e eficácia do provimento judicial final. 

Todavia, o contraditório não pode ser considerado, tão somente, como mera qualidade particular ou simples predicado que diferencia o processo dos vários tipos de procedimento.  

Afinal, o respeito ao contraditório e à estrutural procedimental embasa bem mais do que a existência, validade, e a eficácia do provimento final. Pois, num Estado Democrático de Direito, o contraditório erige-se como direito fundamental constitucional que atua como a própria fonte de legitimação da ordem jurídico-processual. 

O contraditório consubstancia o fundamento de legitimidade da função jurisdicional, cuja inobservância, na atividade preparatória (processo), produz a ilegitimidade absoluta de seu resultado (provimento). 

Portanto, mais do que a conditio sine qua non de existência, de validade e de eficácia do processo e da decisão judicial, o contraditório retrata o próprio fundamento que legitima o procedimento e o provimento daí advindo, como resultado da atividade dialética dos seus destinatários. 

Assim, o contraditório, ao proporcionar a ampla participação dos interessados nos atos preparatórios do provimento final constitui fator de legitimidade do ato estatal, pois representa a possibilidade que as pessoas diretamente envolvidas com o processo têm de influir em seu resultado. 

Sobre a legitimidade do Poder Judiciário surge sempre que se pergunta sobre o alcance da norma constitucional expressa no enunciado de que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente” (art.1º, parágrafo único). Se o poder judicial não é exercido pelo povo diretamente, nem por meio de representantes eleitos, impõem-se investigar o que torna justificável a aceitação das decisões dos juízes por parte da cidadania.  

E, a única possibilidade de conciliar a jurisdição com a democracia consiste em compreendê-la também como representação do povo. Não se trata, obviamente, de um mandato outorgado por meio de sufrágio popular, mas de representação ideal que se dá no plano discursivo, é dizer, uma “representação argumentativa. Essa representação argumentativa é exercida no campo das escolhas políticas cujas deliberações versam (predominantemnte0 sobre o que é bom, conveniente ou oportuno, mas no campo da aplicação do Direito, sob as regras do discurso racional por meio do qual se sustenta e se declara o que é correto, válido ou devido. (ALEXY, 2007). 

A decisão judicial apenas existe e será validade, eficaz e legítima se consentânea com as normas constitucionais que cotejam os ideais democrático, se houver a observância da paridade processual entre as partes. 

Quanto a legitimidade de um poder estatal, esclareceu Bobbio que perpassa a discussão acerca da justificação do poder político com relação à obediência de sua autoridade,  se pela força ou pelo convencimento. A legitimação do poder estatal, no Estado Democrático de Direito, relaciona-se ao seu exercício com observância das normas constitucionais. 

Porque a justificação que possibilita a aceitação da imperatividade estatal, está associada ao respeito aos princípios basilares da democracia, da cidadania, da soberania popular e da dignidade da pessoa humana, bem como aos direitos e às garantias fundamentais. 

Tem-se com crítica derradeira, o conceito restritivo de contraditório adotado pela teoria de Fazzalari que não contemplou a dimensão dinâmica ou substancial do contraditório. Ao revés, a referida teoria limitou-se a abarcar apenas o aspecto formal ou estático do contraditório, pois se restringe a assegurar a participação das partes na elaboração do provimento final, embora com o acréscimo da garantia da igualdade de oportunidades. 

Assim, o contraditório, além da garantia de informação e de participação isonômica dos interessados, resguardou também às partes a prerrogativa de influência material e de controle do conteúdo da decisão judicial. Assim, a edição do provimento final, requer necessariamente estar precedida de atividade preparatória que garanta às partes igualdade de oportunidade de participar e influir no resultado da atividade jurisdicional. 

Portanto, o contraditório13 representa mais do que informação e participação no processo (bilateralidade de audiência), retrata o direito de a parte ter todos seus argumentos séria e efetivamente considerados pelo julgador, por ocasião da prolação de um provimento elaborado em comparticipação com as partes (motivação decisória como elemento do contraditório). 

A democracia e a cidadania atuantes no processo operam-se por meio da participação efetiva dos jurisdicionados na construção da decisão judicial e, a garantia fundamental do contraditório serve de base sólida para o exercício democrático da função jurisdicional e, reflete, igualmente a própria dignidade das partes na atuação processual. 

 

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Aspectos doutrinários da delação premiada no direito processual penal

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Resumo: 

O presente artigo analisa a delação premiada e a colaboração premiada e os benefícios aferidos pelas leis esparsas brasileiras que disciplinam esse meio de obtenção de provas. A natureza jurídica dos institutos fornece elementos investigativos e meios de obtenção probatória, não provas em si, e sim, meios de prova. É controvertido se esses institutos são eficazes no combate a crescente criminalidade. 

Palavras-Chave: Direito Processual Penal. Direito Penal. Delação premiada. Colaboração premiada. Prêmio legal. 

A delação premiada pode ser entendida como o instituto pelo qual o réu aponta os demais autores e partícipes do crime pelo qual está sendo acusado, com o fito de obter prêmios decorrente sua colaboração com a justiça, podendo ser desde redução da pena a um perdão judicial. 

A delação premiada é tida como meio especial para obtenção de prova, onde um integrante da organização criminosa, com interesse de se beneficiar com os prêmios decorrentes de sua confissão, colabora com os órgãos responsáveis pela persecução penal, confessando sua participação no crime e, fornecendo informações relevantes e eficazes para identificar os demais coautores e partícipes da infração penal. 

Renato Brasileiro (2016), por sua vez, utiliza a nomenclatura colaboração premiada e a conceitua da seguinte maneira. Trata-se espécie do direito premial, a colaboração premiada pode ser conceituada como uma técnica especial de investigação por meio da qual o coautor e/ou partícipe da infração penal, além de confessar seu envolvimento no jato delituoso, fornece aos órgãos responsáveis pela persecução informações objetivamente eficazes para consecução de um dos objetivos previstos em lei, recebendo, em contrapartida, determinado prêmio legal. 

Para grande parte dos doutrinadores, delação e colaboração não são expressões sinônimas, conforme destaca Renato Brasileiro (2016), sendo a colaboração premiada uma expressão dotada de maior abrangência. 

Porém, há marcante diferença entre a simples delação com a colaboração premiada. Enquanto na delação o acusado somente confessa sua participação no crime, denunciando os demais autores e partícipes de maneira eficaz e objetiva, na colaboração, além de se ter essa hipótese, o acusado ainda ajuda fornecendo informações acerca da estrutura hierárquica da organização criminosa, ou então, ajuda na localização de uma eventual vítima etc. 

Vladmir Aras conclui existir quatro subespécies de colaboração, encaixando a delação premiada, ou como denominam alguns doutrinadores, o chamamento do corréu como uma das principais formas de colaboração premiada. 

E, o doutrinador ainda destaca a chamada colaboração para libertação, que ocorre quando o acusado informa a localização do cativeiro onde se encontra suposta vítima de crime de sequestro, sendo eficaz para sua libertação; destaca também a colaboração para localização e recuperação de ativos e, por fim, a colaboração preventiva. 

Desta forma, a Lei 12.850/2013 fez a opção pela nomenclatura colaboração premiada englobando todas as formas de colaboração já retromencionadas, não se restringindo apenas à delação. 

A delação premiada no direito estrangeiro e surgiu no mundo com a intenção de reduzir a criminalidade que vinha crescendo e, ainda, combater a máfia. Em alguns países da Europa e nos EUA o instituto teve bastante destaque nessa luta contra o crime organizado. 

A delação premiada na Itália1 ficou famosa na luta contra a máfia, envolvendo o mafioso Tommaso Buscetta, que fez declarações no bojo da operação que ficou conhecida como “operação mãos limpas”. Em que pese já existir leis que disciplinassem o assunto antes das declarações de Buscetta, apenas em 1991 o país sancionou uma lei que protegesse mais colaborador. 

Ensina José Alexandre Marson Guidi, na Itália a delação premiada se divide em penititi e dissociati. A primeira, se, antes da sentença, o criminoso colaborador deixar de fazer parte da organização, fornecendo informações a respeito da estrutura, se confirmada pela justiça, o sujeito terá direito a extinção da punibilidade.  

Enquanto isso, a segunda (dissociati), se antes da sentença, o sujeito impedir ou diminuir as consequências do fato, terá direito a uma diminuição de um terço da pena, ou substituição de uma pena de prisão2 perpétua por uma reclusão de quinze a vinte e um anos. 

Conforme Ada Pelegrini Grinover (1995) existem três figuras relacionadas a colaboração do criminoso: Regime jurídico do “arrependido”, ou seja, do concorrente que, antes da sentença condenatória, dissolve ou determina a dissolução da organização criminosa; retira-seda organização, se entrega sem opor resistência ou abandona as armas, fornecendo, em qualquer caso, todas as informações sobre a estrutura e organização da  societas celeris; impede a execução dos crimes para os quais a organização se formou;  

[…]Regime jurídico do  “dissociado”, ou seja, do concorrente que, antes da sentença condenatória, se empenha com eficácia para elidir  ou diminuir as consequências danosas ou perigosas do crime ou para impedir a prática de crimes conexos e confessa todos os crimes cometidos: 

[…]Regime jurídico do “colaborador”, ou seja, do concorrente que, antes da sentença condenatória, além dos comportamentos acima previstos, ajuda as autoridades policiais e judiciarias na colheita  de provas decisivas para a individualização e captura de um ou mais autores dos crimes ou fornece elementos de  provas relevantes para a exata reconstituição dos fatos e a descoberta dos autores. 

Eduardo Araújo Silva esclarece que pela lei, o arrependido poderia ser beneficiado com hipóteses de não-punibilidade, atenuante e com a suspensão condicional da pena; porém, a proteção poderia ser revogada se as declarações fossem mendazes ou reticentes. Por outro lado, a designação dissociada surgiu na Lei 34/87, que tratava exclusivamente das organizações e dos movimentos de matriz terrorista ou evasiva.  

O artigo 18 dessa lei brasileira previa o “comportamento daquele que, imputado ou condenado por crime com finalidade terrorista ou de reversão ao ordenamento constitucional, admitia as atividades efetivamente desenvolvidas e demonstrava comportamento incompatível com o vínculo associativo e de repudio a violência como método de luta política.  

A diferença entre as duas figuras estava no fato que enquanto para os arrependidos eram exigidas apenas declarações sobre os fatos e os envolvidos no crime, para o dissociado, além dessas informações, exigia-se também sua ruptura com a ideologia política que motivava o seu comportamento criminoso.  

E, por derradeiro, a figura do colaborador da justiça é uma evolução ampliativa dos dois modelos anteriores, prevista primeiramente no artigo 10 da Lei 82/91, abarcando aqueles que genericamente colaboraram com a justiça, ou apresentam declarações úteis no curso das investigações, independentemente de serem coautores ou partícipes dos crimes investigados, testemunhas ou pessoas que colaboram de alguma forma com as autoridades responsáveis pela investigação. 

Os prêmios concedidos aos réus colaboradores na Itália situam-se, principalmente, no âmbito dos crimes contra a segurança interna do Estado. O que se busca com a aplicação do instituto premiada é acabar com as máfias. 

A delação premiada nos EUA 

No direito norte-americano a existência de acordo entre o criminoso e a justiça se dá através da chamada plea bargaining, que é a possibilidade ampla que o membro da acusação tem para realizar acordos com o acusado e seu defensor. Trata-se de autocomposição entre as partes no processo criminal, onde o acusado confessa sua participação no delito e recebe benefícios do Estado, ajudando-o a combater a disseminação criminosa. 

O plea bargaining é amplamente o utilizado no processo penal norte-americano, com os mais espantosos acordos (agreement) e, são inúmeros os casos de disparadas avenças, onde se admite trocar homicídio doloso típico por culposo, tráfico por uso de drogas, roubo qualificado pelo emprego de arma de fogo por furto simples.  

Para os severos críticos, trata-se de prática lúdica quando se identifica que dez crimes variados são trocados pela declaração de culpabilidade (plea of guilty) de apenas um, que pode até ser menos grave. A plea bargaining visa, principalmente, a punição, ainda que abrandada e socialmente injusta. 

E, justificada como poderoso remédio contra a impunidade, diante do elevado número de crimes a exigir a colheita de prova induvidosa da autoria, como a consequente pleitora de feitos e insuportável carga laboral do judiciário. 

Em verdade, a plea bargaining é instituto controvertido no direito americano e, seus críticos atentam para o caráter mui negocial e, que muitas vezes, retira-se publicidade dos acordos pactuados que ocorrem até nos corredores do fórum e nos gabinetes dos membros do órgão acusatório. Destaca-se a utilização do plea bargaining soluciona cerca de oitenta a noventa e cinco por cento dos casos. 

Destaca-se a criação do chamado US Marshall’s Service nos EUA e, que se destinava a proteção de membros do judiciário e testemunhas em crimes federais e, em meados dos anos sessenta, com o aumento do crime organização o órgão passou a compreender também outros delitos, protegendo as pessoas que colaboram com a justiça no combate ao crime organizado em solo norte-americano. 

No direito alemão, a colaboração premiada é chamada de Kronzeugenregelung, transmitindo a ideia de revelação à coroa. O instituto é aplicável, quando o colaborador impede, de forma voluntária, a continuidade da organização criminosa e/ou a denúncia às autoridades. E, o benefício legal corresponde a diminuição ou não aplicação da pena, ou mesmo arquivamento da investigação pode ser obtido mesmo que o resultado desejado pela colaboração não seja galgado, por circunstâncias alheias à sua vontade. 

Na Colômbia, o instituto teve origem na repressão ao narcotráfico, mas não exige que o delator necessariamente confesse a prática de delito. A obtenção do benefício dependerá da delação dos copartícipes e o fornecimento de provas cabais e eficazes e consentâneas com a versão apresentada.  

E, o delator poderá contar com a diminuição de sua pena, a concessão de liberdade provisória, a substituição da pena privativa de liberdade e a inclusão no programa de proteção à vítima e testemunhas. Caso venha a confessar seu envolvimento, poderá ter pena reduzida em um terço. 

Delação Premiada na Espanha é conhecida como arrependimento processual e os benefícios ao réu colaborador pode ser uma diminuição de pena, podendo ser utilizado esse instituto antes, ou após a sentença condenatória, pois o que se preza é eficácia do arrependimento. 

Porém, existem ainda algumas condições que são importantes para a concessão do benefício, como por exemplo, que o réu abandone as atividades ilícitas, que confesse os crimes praticados, que informe a identificação de demais criminosos à justiça para que impeça a prática de novos crimes.  

E, havendo então, a efetiva participação do acusado arrependido, este fara jus aos benefícios, que em regra, são menos vantajosos que em outras legislações, não se permitindo a extinção da punibilidade, e, somente uma atenuação da pena. 

Na Europa e nos EUA a delação premiada surgiu com o intuito de combater além do terrorismo o crime organizado, a máfia. Aqui no Brasil, o intuito desse instituto foi obter uma colaboração por parte dos próprios criminosos, frente a ineficácia dos meios investigativos em vigor no país, corroborado pelo aumento da criminalidade violenta nos anos noventa, para que se tornasse possível o combate a essa criminalidade. 

A delação premiada na história é apontada por alguns doutrinadores nas Ordenações Filipinas3, ou então no período do governo militar em 1964 porém, só fora introduzido no direito positivo brasileiro após advento da Constituição Federal de 1988, por meio de diversas leis, sem ser disciplinada diretamente no Código de Processo Penal. 

O instituto vem sendo disciplinado por várias leis esparsas, de forma que não se encontra sistematizada nem no CPP e nem em nenhuma lei específica. 

A Lei de Crimes hediondos (Lei 8.072/1990) foi a primeira que disciplinou o tema da delação premiada, dispondo em seu artigo 8º, in litteris: Será de três a seis anos de reclusão a pena prevista no artigo 288 do Código Penal, quando se tratar de crimes hediondos, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo. Parágrafo único: O participante ou associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços. 

Todavia, importante destacar que para que haja o benefício da delação premiada, não basta um mero concurso eventual de agentes para a prática de um dos crimes elencados como hediondo, é necessário a demonstração da existência de uma associação criminosa para a prática de crimes hediondos. 

A referida lei também incluiu o quarto parágrafo ao artigo 159 do CP, o que foi alvo de críticos pelo fato de atrelar a delação premiada somente aos crimes cometidos por quadrilho ou bando, que na época, se fazia necessária a presença de pelo menos quatro pessoas. Porém, com o advento da Lei 9.269/1996, o dispositivo passou a ter a seguinte redação: 

Se o crime for cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado terá sua pena reduzida de um a dois terços. 

Observa-se no texto legal que para o acusado colaborador que tenha direito ao prêmio legal de redução da pena4 de um a dois terços é necessária a libertação da vítima do Tribunal de Justiça. (Vide in: STJ- HC 26325 ES 2003/0000257-7, Relator Ministro Gilson Dipp, Data do Julgamento 24.6.2003, T5 Quinta Turma. Data de Publicação: DJ 25.08.2003, p. 337, RT volume 819, p. 533). 

A Lei 9.080/1995 alterou a lei que definia os crimes contra o sistema financeiro nacional (Lei 7.492/1986) e que define os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo (Lei 8.137/90). 

O artigo 25, §2º da Lei 7.492/1986 passou a ter a seguinte disposição: Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha, ou coautoria, o coautor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços. 

Existem muitas críticas quanto a subjetividade da expressão “toda a trama delituosa”, pois dessa maneira, ficaria inviável a possibilidade de qualquer integrante da associação criminosa ser beneficiado como o prêmio legal, visto que toda a trama seria apenas de conhecimento dos agentes superiores hierarquicamente. 

Ademais, nesse sentido, ressalta Paulo José da Costa Júnior (2002): É extremamente difícil e de cunho subjetivo precisar o que seja toda a trama delituosa, em cada caso. Melhor seria que se tivessem adotados parâmetros objetivos para aferir a valia da colaboração doa gente, tais como a indicação comprovada de coautores ou partícipes, a indicação de provas do crime; a narração pormenorizada do modus operandi etc. 

Já com a Lei 8.137/1990, o artigo 16, parágrafo único dispõe o seguinte com a alteração: Qualquer pessoa poderá provocar a iniciativa do Ministério Público nos crimes descritos nesta lei, fornecendo-lhe por escrito informações sobre o fato e a autoria, bem como indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção. Parágrafo único: Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou coautoria, coautor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá sua pena reduzida de um a dois terços. 

A Lei de Lavagem de Capitais (Lei 9.618/1998) prevê a delação premiada foi previsto no quinto parágrafo do artigo 1º mesmo da alteração trazida pela Lei 12.683/2012. 

Com o advento da Lei 12.683/2012, algumas mudanças foram realizadas em relação ao parágrafo que dispunha sobre a delação premiada. E, desse modo, o atual texto normativo do quinto parágrafo estabelece que: 

A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substitui-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzem à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipe ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime. 

Nota-se uma primeira diferença referente a utilização da delação premiada nos crimes de lavagem de dinheiro com relação aos anteriores que é a irrelevância de se ter um crime praticado em concurso de agentes, ou em associação criminosa (antiga quadrilha ou bando). Isso porque, a lei realiza menção à hipótese do autor do crime que, voluntariamente, colabore com a justiça, favorecendo informações relevantes que conduzam a, por exemplo, localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime. 

Outra diferença é quanto ao benefício que o réu colaborador poderá obter confrontando os benefícios que as leis até o momento traziam, restringiam-se a diminuição da pena, de um a dois terços. 

No caso da lei de lavagem de capitais, os benefícios foram ampliados, podendo ser concedido ao réu colaborador, além de redução de pena, um cumprimento em regime semiaberto, ou aberto, e ainda, o que é ainda mais benéfico, pode ser concedido perdão judicial, ou substituição por uma pena restritiva de direitos. 

Em relação a possibilidade de se obter um perdão judicial, alguns autores fazem severas críticas a esse instituto, como é feita por Marcelo Batlouni Mendroni (2016). “Ainda mais, muito mais branda é a possibilidade de aplicação de perdão judicial. É verdadeiro desvirtualmente do instituto, criado para isentar de pena aquele que, com sua conduta, ocasionar dano a terceiro, mas também a si mesmo, de forma a se tornar desnecessária outra punição (…). 

Mas, deixar de aplicar de aplicar pena, qualquer que seja a quem praticou crime de lavagem de dinheiro e, que não sofreu qualquer consequência pela sua conduta, além da eventual, e muitas vezes apenas parcial, recuperação dos valores que resultaram da ação criminosa antecedente, e, portanto, que não lhe eram de direito e jamais deveriam ter ingressado em seu patrimônio (ou de terceiros), é garantir a absoluta impunidade, chegando a desmoralizar a própria justiça se aplicado”. 

Lei de Proteção às Vítimas e Testemunhas (Lei 9.807/1999) estabeleceu normas para a manutenção de programas especiais de proteção às vítimas e às testemunhas ameaçadas, bem como dos acusados ou condenados que tenham colaborado com a justiça para a investigação do crime. 

No entanto, a importância que tem esta lei para a matéria da delação premiada é que esta foi a primeira lei que não vinculou a aplicação do instituto da declaração premiada a determinados crimes, sendo livre sua aplicabilidade para qualquer delito. 

Em seu capítulo II a Lei 9.807/1999 dispõe sobre a proteção aos réus colaboradores, e nesse sentido discorre em seus artigos 13 e 14: Poderá o juiz, o ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a consequente extinção de punibilidade ao acusado que, sendo primário tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal desde que dessa colaboração tenha resultado: 1. a identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa; 2. a localização da vítima com a sua integridade física preservada; 3. a recuperação total ou parcial do produto do crime.  Parágrafo único; 

A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso. 

O artigo 14 O indicado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, caso de condenação terá redução de um a dois terços. 

Para que o acusado colaborador goze do benefício previsto em lei, há algumas condições impostas pela lei, o fato de ter ocorrido concurso de agentes no delito, e com auxílio das declarações do colaborador se faça possível a identificação dos demais criminosos, ser agente primário e ter colaborado de forma eficaz e voluntária para as hipóteses dos incisos II, III do artigo 13 e, por fim, que a personalidade do colaborador, a natureza, circunstância e gravidade e repercussão social do crime sejam favoráveis. 

Porém, a doutrina ainda debate sobre essas condições impostas pela lei, se para a concessão do benefício para o réu colaborador é preciso atender de forma cumulativa ou alternativa. 

Há posicionamentos de ambos os lados, porém, parece ser mais coerente uma outra corrente, da qual esclarece que é necessário observar o caso concreto. Trata-se de uma cumulatividade temperada ou condicionada. 

Havendo concurso de agentes será necessária a identificação dos demais criminosos, bem como se houver vítima, esta deverá ser libertada com sua integridade ressalvada, e por fim, havendo produto do crime, esse terá que ser recuperado. Nesse sentido, se posiciona Renato Brasileiro, in litteris: 

Logo, de modo a se conferir a máxima efetividade ao dispositivo em questão, estendendo sua aplicação a todos os crimes para os quais possa o Estado auferir vantagens da colaboração do acusado, ao lado da efetiva proteção dos bens jurídicos tutelados, se o tipo penal permitir- é o que ocorre em um crime de  extorsão mediante sequestro cometido em concurso de agentes em que o resgate tenha sido pago, mas a vítima não tenha sido libertada- a aplicação do art. 13 da Lei n° 9.807/99 estará condicionada à presença simultânea  dos três incisos: identificação dos demais concorrentes; localização da vítima com a sua integridade física preservada; recuperação total ou parcial do produto do crime.  

Por outro lado, caso o delito praticado não permita a incidência simultânea dos três incisos – possamos pensar num crime de roubo de cargas cometido em concurso de agentes- a incidência do art. 13 da Lei n° 9.807/1999 fica dependendo apenas da identificação dos demais concorrentes e da recuperação total ou parcial do produto do crime, 

Sob o aspecto objetivo das condições, o juiz analisará os aspectos pessoais ou subjetivos que é a primariedade do acusado colaborador, a voluntariedade, do depoimento e, também, os fatores elencados no parágrafo único do artigo 13 da referida lei. 

Se restar demonstrado que o acusado atendeu aos requisitos objetivos que eram possíveis no caso concreto, e juntamente, tiver as condições impostas no parágrafo único do artigo 13 como favoráveis, o juiz no momento da sentença poderá conceder o perdão judicial a esse acusado que colaborou com a justiça. 

Já, por outro lado, caso o acusado apenas tenha a seu favor as condições objetivas, como por exemplo, identificou demais coautores do delito, mas não seja primário, ainda poderá se beneficiar com a redução de um a dois terços da pena a ser aplicada. 

A Lei de Drogas, ou Lei 11.343/20065 traz em seu artigo 41 o instituto da delação premiada não foge do que era disposto nas outras legislações especiais. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação terá pena reduzida de um terço a dois terço. 

Somente os acusados de crimes dessa lei e, que pratiquem em concurso de pessoas farão jus ao benefício mencionado acima. E, outro ponto relevante que merece destaque é o fato de que o acusado que optar voluntariamente por colaborar com a justiça, deve indicar os demais coautores ou partícipes e recuperar o produto do crime. Trata-se de soma de fatores. Na falta de um desses requisitos, não terá direito ao benefício. 

 Aos olhos da doutrina, dentro das possibilidades do colaborador, basta que resulte um dos dois resultados, a saber: a identificação dos demais concorrentes ou recuperação total ou parcial do produto do crime. Evidentemente, se o colaborador tiver conhecimento de ambas as circunstâncias, indicando apenas uma delas, não poderá ser beneficiado pelo prêmio legal constante do artigo 41 da Lei 11.343/2006.  

Todavia, se o colaborador tiver conhecimento apenas da localização do produto do crime, sendo incapaz de identificar os demais integrantes da organização criminosa, de se lembrar que uma das características das organizações criminosas é a divisão hierárquica, de modo que um agente costuma conhecer apenas aqueles que atuam no mesmo ramo de atribuições, não há por que se negar a concessão do benefício, cujo quantum de diminuição de pena deve ser sopesado de acordo com o grau de colaboração. 

A Lei de Organização Criminosa (Lei 12.850/2013) trouxe algumas mudanças quanto à delação premiada e, antes havia a Lei 9.034/1995 que dispunha sobre os meios de prevenção e repressão ao crime organizado que previa a colaboração premiada, mas de modo lacunoso. 

Com essa lei criou-se regras mais evidentes para celebração do acordo, sobre o comportamento do magistrado, os direitos do acusado que colaborar com a justiça, novos benefícios que poderá ser dados, dentre outros pontos. 

No seu artigo 4º afirma: O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2 (dois) terços a pena ´privativa de liberdade e substituí0la por restritiva de direitos daqueles que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados: 

  1. identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; 
  2. a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; 
  3. a prevenção de infrações penais decorrentes de atividades da organização criminosa; 
  4. a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; 
  5. a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

A referida lei fez distinção entre as expressões delação e colaboração. O legislador optou por prever a expressão colaboração premiada, onde compreende também a simples delação, hipótese em que o colaborador identifica os demais coautores e partícipes do crime do qual está sendo acusado. 

Com relação a importância de a lei brasileira prever esse instituto, Renato Brasileiro (2016) salienta os motivos determinantes e que legitimam essa espécie de meio de obtenção de prova. o reconhecimento explícito da ineficácia dos métodos investigativos tradicionais no Brasil, e, consequentemente, a necessidade da colaboração premiada para obtenção de informações relevantes para a persecução penal, está diretamente relacionada ao incremento da criminalidade violenta, a partir da década de noventa direcionada aos segmentos sociais mais privilegiados e que, até então, estavam imunes aos ataques mais agressivos (sequestros, roubos aos bancos, homicídios). o crescimento do tráfico de drogas e o aumento da criminalidade de massa, sobretudo nos grandes centros urbanos, que levou nosso legislador, impelido pelos meios de comunicação e pela opinião pública, a editar uma série de leis penais mais severas. 

Várias as leis especiais passaram a dispor, então, sobre a colaboração premiada, variando apenas quanto a seu objetivo, bem como no tocante aos benefícios concedidos pela lei ao colaborador. 

Esse posicionamento de Cleber Masson e Vinicius Marçal que enxerga a colaboração premiada é uma negociação realizada entre as partes, tanto que rotularam o instituto de caixa-preta, se, necessariamente, o acordo será submetido à homologação judicial, que, inclusive poderá ser recusada se não atender aos requisitos legais (LCO, art. 4º, §§ 7º e 8º). Como tentar emplacar essa pecha tão negativa se em todos os atos de negociação, confirmação e execução da colaboração, o colaborador deverá estar assistido por defensor. 

Cumpre destacar ainda que delação premiada prevista a Lei 12.850/2013 não revogou os demais mecanismos de colaboração que existiam anteriormente. Um dos novos aspectos mais interessantes trazidos pela nova lei de organização criminosa foram os prêmios ainda mais benéficos em comparação aos outros mandamentos legais, como por exemplo, a possibilidade de perdão judicial ao acusado delator, cujo as condições são bem mais prováveis de serem alcançadas em comparação da Lei 9.807/1999 que também previa tal benefício. 

A Lei 12.850/2013 trouxe seis benefícios ao réu colaborador, dentro estes: o perdão judicial, redução da pena em até dois terços, redução da pena até a metade, progressão de regime, substituição da pena restritiva de liberdade por pena restritiva de direito, não oferecimento de denúncia. 

Surge em doutrina certa divergência a respeito da aplicabilidade desses prêmios nos delitos que estejam foram dos previstos na Lei de Organização Criminosa, e Pacelli escreve que a colaboração premiada deve ser apenas usada com relação ao crime de organização criminosa e, não aos demais crimes por esta praticados. 

Por outro viés, Renato Brasileiro (2016) sustenta ser plenamente possível a aplicação dos benefícios da colaboração premiada aos demais delitos que a organização criminosa pratica, pois, do contrário estaria negando a própria essência do instituto. 

Outro ponto de divergência doutrinária é a cumulação ou não dos benefícios retromencionados. Pois, há quem entenda que os prêmios sejam alternativos, devendo ser concedido um ou outro. Por outro viés, há corrente doutrinária que aponta que deve ser cumulativo, podendo ser concedidos mais de um dos benefícios previstos em lei, já que se é possível o não oferecimento da denúncia que o melhor dos benefícios possíveis não haveria razão para poderem ser cumulados os demais, que em tese, são menos benevolentes. 

Outro posicionamento doutrinário é liderado por Afrânio Silva Jardim, onde não cabe às partes preverem os prêmios, não se cogitando em alternatividade ou cumulatividade, pois cabe ao magistrado, no caso de sentença condenatória, estabelecer quais benefícios o acusado colaborador fará jus, em respeito ao princípio da individualização da pena.  

Assim, o doutrinador afirma que o acordo de cooperação premiada, que tem a natureza de negócio jurídico processual, não pode especificar qual dos quatro prêmios o juiz terá de aplicar na sua futura sentença condenatória. Vale dizer, privilegiar um prêmio e excluir os outros, vedando que o magistrado possa fazer a individualização da pena, que é um preceito constitucional. 

Este nosso entendimento, permite que, diante do prêmio aplicado pelo juiz, o Ministério Público e/ou réu possa apelar, levando o tema a um salutar controle pelo duplo grau de jurisdição. 

Diversamente da hipótese da regra do parágrafo quarto do artigo 4, da lei referida, onde apenas se mitiga o princípio da obrigatoriedade, aqui a lei permite que o MP e o indicado possam negociar com o próprio direito material, ou seja, negociar sobre a aplicação da lei penal no caso concreto. 

Como o magistrado não pode deixar de homologar6 o acordo de cooperação, salvo ilegalidades de aspecto formal e como este magistrado fica vinculado a este ato jurídico perfeito, na prática, a sanção penal fica quase totalmente ao alvedrio das partes contratantes, o que é uma verdadeira revolução no sistema jurídico brasileiro. 

Cumpre interpretar a lei de modo a não impedir que o juiz possa aplicar a pena que mais se aproxime de sua convicção. Não podem as partes, via acordo, obrigar o magistrado a uma sentença que noutras palavras, um membro do MP não pode ter o poder de obrigar o órgão jurisdicional a conceber um perdão a quem, dentro de uma organização criminosa, praticou crimes gravíssimos.  

Note-se que, não podendo o juiz deixar de homologar o acordo em razão de avaliação de seu mérito, tal absurda benesse fica sem qualquer controle. Em nenhum país encontramos tal aberração.  

Qualquer que seja a gravidade dos crimes, as partes contratantes estão obrigando o juiz aplicar tal sanção ou não a aplicar (perdão judicial). 

Outra polêmica cinge-se quanto à voluntariedade da prestação de informações por parte do colaborador. Sustentam alguns que a delação não pode ser realizada pelo sujeito que se encontra preso cautelarmente, pois não se teria nessa hipótese a liberdade necessária para cogitar em voluntariedade das declarações. 

Em sentido contrário, outros alegam não haver óbice a prestação de informações por acusados custodiados, e mesmo assim continua presente a voluntariedade.  

Destaque-se que O STF no HC 127 485 afirmou que a liberdade da qual o sujeito deve estar adstrito é à liberdade psíquica, não propriamente, a liberdade de locomoção, e, 

portanto, não existe problema em o acusado estar preso ou acautelado, e decidir, voluntariamente em colaborar com a persecução penal, estando presente no ato seu defensor, e, dando anuência ao ato do acusado de prestar informações. 

Recentemente, com a Operação Lava-Jato, o então juiz Sergio Moro declarou ironicamente que não há irregularidade em delações advindas de réus presos, e destacou inclusive que tais controvérsias não vêm do próprio acusado colaborador, e, sim, de outros, e concluiu que se o réu decidiu colaborar, é meramente em busca de benefício previsto em lei, que não teria direito se submetesse tão somente ao processo judiciário sem colaboração. ele repudia, a uma entrega da prestação jurisdicional exigida por um órgão do MP e um membro da organização criminosa. 

Ainda sobre os benefícios que os réus colaboradores farão jus, uma observação se faz importante e é trazida logo no §1° do art. 4° da lei 12.850/2013. Segundo a lei, para a concessão do benefício será analisada a personalidade do réu, a natureza, circunstâncias, a gravidade e a repercussão do crime, bem como a eficácia das  informações prestadas por ele, que é de maior relevância na hora da análise dos benefícios.  

Diante desses fatores, tem-se a personalidade do colaborador como um fator subjetivo, entendendo que se o agente está diante o poder judiciário revelando os demais coautores e partícipes do delito, (ou os demais meios de colaboração premiada) ele está arrependido de ter feito parte da organização criminosa e, está propício a não mais integrar outras. Por outro lado, os fatores objetivos que são eles a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a recuperação social do delito também devem ser levados em consideração para análise da aplicação dos benefícios ao acusado colaborador. 

Ressalte-se que a lei não impõe limites a quantidade de colaboradores e, portanto, todos que prestarem informações relativas à organização criminosa, e haver concordância do MP em celebrar o acordo de colaboração premiada, poderão se beneficiar, mas é claro que quanto maiores colaboradores, menores serão as chances de se tornarem eficazes as informações que esses trouxerem. 

  

Acordo de Colaboração Premiada 

A Lei 12.850/2013 representou grande progresso quanto ao procedimento dos acordos de colaboração premiada. Nenhuma lei anterior tinha disciplinado o instituto de forma aprofundada, de sorte que eram pactuados acordos de forma verbal e sem a efetiva garantia de se obterem os prêmios legais. 

Trata-se de verdadeiro negócio entre a acusação e defesa e que haja pequena segurança ao réu colaborador, visto que não ficará somente na promessa do órgão ministerial de uma possível diminuição de pena que ainda seria analisada pelo magistrado, sem a garanti de concessão do benefício. 

Conforme determina seis parágrafo do artigo 4º da Lei 12.850/2013, a formalização do acordo se dará sem a presença do juiz, sendo realizado entre o delegado de polícia, o investigado e seu defensor, com manifestação do órgão do Ministério Público, ou, entre o MP e o investigado (ou acusado) e seu advogado. No entanto, tal disposição merece um certo cuidado interpretativo. 

Um dos pontos criticados pela doutrina é a menção a realização do acordo na fase investigativa pelo delegado de política, ainda que com a manifestação do MP. 

Sustentam alguns autores a inconstitucionalidade de tal ato, tendo em vista que o delegado e polícia não possui legitimidade para ser parte em um negócio processual, sendo atividade pertencente ao membro do MP. 

Outrossim, no mesmo momento se posiciona Eugênio Pacelli (2017) sobre a manifesta inconstitucionalidade7 da Lei 12.850/2014 na parte que prevê o delegado como legitimado para propor o acordo de colaboração premiada, isto por que, segundo a ordem constitucional (art. 129, I da CFRB/1988) a legitimidade para propor a ação penal é privativa do MP.  

Diante disso, cabe somente ao parquet a realização dos atos processuais ficando a cargo da autoridade policial a parte investigativa, e, o mais importante, não integra a relação processual, ou seja, não é parte na ação penal. 

Conclui o doutrinador que o MP é, somente ele, a parte ativa da ação penal por expressa previsão constitucional. Portanto, a lei ao dispor que o delegado é legitimado a propor o acordo, figurando como parte no acordo fere o texto constitucional, sendo, portanto, inconstitucional. 

E não é difícil entendimento, basta somente lembrar da vedação que o ordenamento jurídico traz em relação ao delegado que não pode determinar o arquivamento, como poderia nesse caso, ser parte de um acordo que visa estabelecer benefícios até por vezes mais vantajosos? 

Resta evidente que para esse doutrinador que a presente determinação está fora dos parâmetros constitucionais. 

Já uma segunda corrente defende a possibilidade de os delegados de polícia firmarem acordos com os investigados, na presença de seus defensores, e com a manifestação do MP.  

Fundamentam que não se trata de capacidade postulatória do delegado, o que esses autores defendem é que o delegado pode vir a conduzir o acordo de colaboração premiada com a manifestação do parquet, e ainda, podem requerer a concessão do perdão judicial, visto que esse benefício pode ser também concedido e ofício, daí porque, concluem não haver qualquer irregularidade em a autoridade policial requerer ainda em sede inquisitorial o acordo premial. 

Nesse mesmo sentido, deu-se a decisão do STF no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5508, declarou ser constitucional os parágrafos 2º 6º do artigo 4 da Lei de Organização Criminosa, dispositivos diretamente mencionados como objeto da ação. A Corte Suprema considerou que a autoridade policial poderá celebrar os acordos de colaboração premiada, e que tal atuação não fera a norma constitucional brasileira. 

Os Ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso votaram contra o objeto da ação, e entenderam que o delegado poderá analisar os acordos, ainda que sem a manifestação do MP.  

O Ministro Dias Toffoli8, por outro lado, entendeu ser possível a realização do acordo pela autoridade policial, no entanto, ressaltou que o delegado não poderá negociar os benefícios relacionados à pena do colaborador, por não ter competência para tanto.  

O Ministro Luiz Fux e a Ministra Rosa Weber explicaram que o acordo poderá ser celebrado pela autoridade policial mas deverá ter a anuência do MP para eventual homologação judicial. 

Data maxima vênia, ao posicionamento anteriormente colocado, defendido pelos respeitáveis doutrinadores Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto e pela maioria do pleno do STF no julgamento da ADI 5508, filio-me ao voto vencido proferido pelo exímio Ministro Edson Fachin, o qual explica que a colaboração premiada, em um aspecto geral, classifica-se como meio e obtenção de prova, sendo então atrelado as funções constitucionais da atividade policial. 

Por outro viés, o termo de colaboração premiada (e a ação tem como objeto o termo propriamente dito, e não a colaboração premiada como meio de obtenção de prova) tem característica de um negócio processual que envolve a disponibilidade da ação penal e, essa é uma função privativamente designada ao MP pelo texto constitucional vigente. 

Cumpre destacar pequeno trecho do voto do Ministro Edson Fachin, na referida Ação Direta de Inconstitucionalidade 5508, in litteris: Sendo assim, como o acordo de colaboração premiada tem força vinculante, o sujeito que está ao princípio da pacta sunt servanda, apenas o MP, que tem atribuição constitucional privativa para o exercício da ação penal pública, pode dispor dos interesses cuja tutela lhe foi atribuída pela Constituição. 

Pelo voto de Fachin e, em consonância com os posicionamentos de Pacelli (2017) e Masson e Marçal(2017) discorda-se da STF quanto a possibilidade da celebração dos acordos pela autoridade policial, tendo em vista que se trata de atribuição privativa do titular da ação penal pública, que é tão somente o MP, sendo a autoridade policial muito importante para a função da qual é responsável, qual seja, a de presidir as investigações e buscar os meios de provas necessários para corroborar as informações do colaborador. 

Ademais a CFRB/1988 conferiu ao MP a titularidade privativa da ação penal e, de igual forma, todos os demais atos que desta possam derivar, sendo, portanto, inviável que um acordo de colaboração premiada, que visa interferir na ação penal pública, seja feito por quem não tem a legitimidade para tanto. 

Esclarece Renato Brasileiro (2016): “De mais a mais, ainda que o acordo de colaboração premiada seja celebrado durante a fase investigatória, sua natureza processual resta evidenciada a partir do momento em que a própria Lei 12.850/2013 impõe a necessidade de homologação judicial (artigo 4,§7º). 

Por consequência, se a autoridade policial é desprovida de capacidade postulatória e legitimação ativa, não se pode admitir que um acordo por ela celebrado com o acusado venha a impedir o regular exercício da ação penal pública pelo MP, sob pena de se admitir que um dispositivo inserido na legislação ordinária possa se sobrepor ao disposto no artigo 129, I da CFRB/1988. 

No caso da hipótese de o investigado que voluntariamente colaborar com a justiça, o delegado pode vir a ser especial peça para obter o convencimento do sujeito a colaborar, demonstrando as vantagens pelas quais poderá ser beneficiado, e informando ao membro do MP para que proceda a oitiva das declarações dele. 

Dessa maneira, ficaria harmonizada a desejável cooperação entre instituições e órgãos federais como dispõe o inciso VIII do artigo 3 da Lei 12.850/2013, sem ofensas às normas constitucionais e infraconstitucionais. 

Na mesma toada doutrinária, está Marcos Paulo Dutra Santos (2016) que definiu a atuação do delegado como intermediário do acordo, tendo em vista que as partes do acordo são, impreterivelmente o MP e o investigado/acusado. A autoridade policial tem importante função e, é fundamental que as organizações trabalhem junto com a finalidade de desmantelar as organizações criminosas.  

Uma vez superada a fase de negociações, será elaborado um termo de colaboração envolvendo o membro da acusação, o colaborador e se defensor, sendo este termo acompanhado das declarações do acusado/investigado, a cópia dos procedimentos 

investigativos e, logo então, encaminhado para distribuição ao juízo que fará o exame de regularidade do termo e, decidira pela homologação ou não do acordo. 

A formalização desse acordo tem-se entendido ser de observância necessária, conforme ressalta Cleber Masson e Vinicius Marçal que entendem ser condição de validade para a eventual homologação da colaboração premiada, não me parece ser capaz de um acordo verbal entre o MP e o colaborador na presença de seu defensor, ter validade e vinculação entre as partes no processo criminal. 

Em atenção o artigo 6º da Lei 12.850/2013: 

Art. 6º. O termo de acordo da colaboração premiada deverá ser feito por escrito e conter: 

I – o relato da colaboração e seus possíveis resultados; 

II – as condições da proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia; 

III – a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor; 

IV – as assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado de polícia, do colaborador e de seu defensor; 

V – a especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando necessário. 

Em relação ao inciso I, explica Marcelo Mendroni (2016) que após a elaboração do termo e suas informações, a polícia e o ministério público deverão trabalhar na busca pela  confirmação das informações prestadas, e, não sendo eficazes, o colaborador não fará jus ao benefício.  

Já o inciso II, estabelece que a acusação (e aqui, excluo o delegado pelas razões já mencionadas em tópico anterior) deve informar ao colaborador todos os benefícios que lhe são  de direito, e a condicionalidade destes, já que poderá depender da eficácia e do grau de  qualidade das informações. O inciso III destaca a importância da expressa aceitação do colaborador e de seu defensor, frise-se mais uma vez, de presença obrigatória em todos os atos do acordo.  

Da mesma maneira, o inciso IV prevê a obrigatoriedade da assinatura do órgão responsável por presidir o acordo, no caso, os membros do ministério público. Por fim, o inciso V estabelece a possibilidade de prever no termo as medidas de proteção ao colaborador e sua família “quando necessário”, expressão essa que faz concluir a facultatividade dessa previsão.  

No entanto, a previsão do inciso III em relação a expressa aceitação do colaborador a doutrina tem entendido importante também a gravação em mídia audiovisual, e assim também consta no Manual de Colaboração Premiada, do ENCCLA (Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro). Sempre que possível, 

Recomenda-se que, com a ciência do colaborador, as declarações sejam também registradas para o meio audiovisual ou por gravação magnética, a fim de garantir a fidedignidade e evitar futuras negativas de autoria de declarações. (2014). 

Ademais, é importante ressaltar o sigilo pelo qual o termo de colaboração deverá ter, mandamento esse que pode ser extraído do segundo parágrafo do artigo 7 da Lei de Organização Criminosa, que ressalta que somente o juiz, o MP e o delegado de polícia terão acesso aos autos9 do termo do acordo, com o intuito de garantir o êxito das investigações, sendo assegurado ao defensor o acesso aos elementos que se refiram ao exercício da defesa, desde que munido de procuração específica e autorização judicial. Esse sigilo será obrigatório até o recebimento da denúncia. 

A referência ao acesso do defensor mencionado no texto legal em comento trouxe uma relativa indignação da doutrina, pois estaria a lei fazendo menção ao defensor do próprio investigado colaborador, ou ao defensor de algum dos delatados no acordo? 

Data venia aos eventuais posicionamentos em contrário, não parece ser uma conclusão lógica o que o artigo 7º, §2º fazer menção ao defensor do próprio colaborador, tendo em vista que ele obrigatoriamente fez parte de toda a  negociação do acordo, tendo então acesso a todas as informações envolvendo seu cliente no esquema criminoso, bem como dos demais delatados. Portanto, não teria sentido então, alei exigir desse defensor autorização judicial para ter acesso a essas informações e provas. 

Parece que o legislador pátrio quis garantir o acesso do defensor dos demais membros integrantes da organização criminosa que foram então delatados. Porém, é necessária a observação da Súmula Vinculante 14 que dispõe: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”. 

Como se percebe, o advogado terá acesso aos elementos de provas já documentados no procedimento investigatório, não sendo possível ter acesso as diligências em andamento. 

Já Mendroni (2016) admite posicionamento contrário, in litteris: 

“Depois de recebida a Denúncia, se o for, seguindo-se o princípio processual da  publicidade, mas resguardadas as medidas previstas no artigo 5º desta Lei, aí então os  defensores das pessoas efetivamente acusadas poderão ter acesso às informações  prestadas, tendo em vista a necessidade do exercício constitucional da ampla defesa  de seus constituídos”. 

O doutrinador entende que somente após o recebimento de eventual denúncia que os defensores dos delatados terão acesso às informações em face do terceiro parágrafo do artigo 7 estabelece que com o recebimento da denúncia o acordo deixa de ser sigiloso.  

E, não teria sentido a lei fazer menção ao advogado do colaborador sendo que este já integrou toda a negociação. Por isso, entendo que o segundo parágrafo do artigo 7, da Lei 12.850/2013 fez referência ao defensor do delatado. Todavia, importante 

crítica de Ana Luiza Almeida Ferro, Gustavo dos Reis Gazzola e Flávio Cardoso Pereira merece destaque, in litteris: 

[…] de pouca valia é o permissivo do acesso a elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa (art. 7.º, § 2.º), uma vez que a fórmula é vaga e calcada em uma ilogicidade já que o defensor de delatado não teria como  saber de tais elementos de prova, se sequer conheceria da existência do acordo e  tanto menos de seus termos e objeto 

Ainda em atenção a crítica retromencionada, Cleber Masson e Vinícius Marçal (2017) complementam o raciocínio, sustentando uma hipótese de vazamento do acordo, e um delatado vir a ter conhecimento dos termos desse acordo, nesse caso será devido a seu defensor o acesso às diligências já concluídas, que dizem respeito a seu cliente no procedimento investigativo. 

O acusado ou investigado que voluntariamente optar em colaborar com a justiça terá um conjunto de direitos estão previstos no artigo 5 da Lei 12.850/2013, entre estes: 

Art. 5º São direitos do colaborador: 

I – usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica; 

II – ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados; 

III – ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes; 

IV – participar das audiências sem contato visual com os outros acusados; 

V – não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito; 

VI – cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados. 

As medidas de proteção que o inciso I faz menção são previstas no artigo 7º da Lei 9.807/99, a lei de proteção às  vítimas e testemunhas, podendo serem aplicadas de forma isolada ou cumulativa, a depender das circunstâncias e, são elas a segurança na residência, incluindo controle de telecomunicações, escolta e segurança nos deslocamentos da residência, inclusive pra fins de trabalho ou para a prestação de depoimentos; transferência de residência ou acomodação provisória em local compatível com a proteção, preservação da identidade, imagem e dados pessoais, ajuda financeira mensal para prover despesas necessárias à subsistência individual ou familiar, no caso de a pessoa protegida estar impossibilitada de desenvolver trabalho regular e de inexistência de qualquer fonte de renda, suspensão temporária das atividades funcionais, sem prejuízo de respectivos vencimentos ou vantagens quando for servidor público ou militar, apoio e assistência social, médica e psicológica, sigilo em relação aos atos práticos  em virtude da proteção concedida, apoio do órgão executor do programa para o cumprimento de obrigações civis e administrativas que exijam o comparecimento pessoal. 

No artigo 9º dispõe ainda sobre a possibilidade de alteração do nome e a previsão de estender as proteções aos familiares conforme o artigo 2, primeiro parágrafo também da Lei 9.807/99. O inciso II tem o objetivo de proteger a imagem do colaborador e sua família. Ademais a lei 12.950/2013 tipificou o crime em seu artigo 18 a conduta de revelar a identidade, fotografar ou filmar o colaborador sem a sua autorização, cuja pena de reclusão é de um a três anos e multa. 

Ainda sobre o referido inciso há a questão de até quando perdurará o referido sigilo e o direito de não ser identificado como colaborador. Em que pese o brilhante doutrinador Renato Brasileiro (2016) ainda no processo judicial deve se manter o sigilo do colaborador, por se tratar de um direito expresso na lei da organização criminosa. Sustenta ainda, na hipótese de o colaborador precisa ser ouvido, far-se-á garante o direito a ter a de acordo de colaboração premiada com recebimento da denúncia (artigo 7º, terceiro parágrafo da Lei12.850/2013). 

Deve-se ressaltar, um terceiro posicionamento na opinião de Américo Bedê Júnior e Gustavo Senna apud Masson e Marçal: 

[…] em casos extremos, quando existem provas concretas de ameaça à integridade física e à própria vida das testemunhas e vítimas e informantes, seria possível a restrição do “acesso à identidade do depoente até mesmo em relação ao advogado,  com base na ponderação de interesses”.  

Segundo os autores, “especialmente nos casos de criminalidade organizada é que a medida extrema de ocultamento da identidade da testemunha terá maior aplicação, pois é notório que uma das características marcantes  dessas organizações é a intimidação, impondo a ‘lei do silêncio’, não raramente por  meio da eliminação da testemunha”. 

O inciso III, trata do direito que o colaborador tem de ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes. Busca assegurar ao colaborador sua incolumidade física. A problemática a respeito do assunto é somente pratica, restando ao Poder Público fazer a escolta separada desses acusados na realização da audiência criminal. (LIMA, 2016). 

O inciso IV dispõe do direito de participar da audiência sem contato visual com outros acusados. Ora, se a lei já prevê a condução separada, seria necessário que o colaborador não ficasse na mesma sala que os demais acusados, para se evitar qualquer meio de intimidação que possa ocorrer. (MENDRONI, 2016). 

Essa disposição assemelha ao disposto no art. 217 do Código de Processo Penal, onde cuida-se para que não seja prejudicado o depoimento da testemunha quando a presença do réu causar humilhação, temor ou constrangimento, e poderá ser tomado o depoimento por videoconferência e somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu da mesma sala (LIMA, 2016). 

No entanto, diferente do que prevê o parágrafo único do art. 217 do CPP, a previsão do inciso IV do art. 5° independe de fundamentação do juiz para que o colaborador não tenha contato visual com outros acusados, é norma de observância obrigatória. (MASSON, MARÇAL, 2017)10. 

O inciso V prevê a impossibilidade de se revelar a identidade do colaborador pelos meios de comunicação. Esse dispositivo é também consequência do inciso II, e ressalta-se novamente o art. 18 da lei 12.850/13, onde prevê a divulgação sem autorização escrita do colaborador.  

Outrossim, o dispositivo trata dos meios de comunicação, ou seja, a imprensa em geral, e ela tem o dever de guardar sigilo da identidade do colaborador. Há, nesse caso, um conflito entre a liberdade de imprensa e a intimidade da vida do colaborador, e, ao que parece, deve prevalecer a intimidade do sujeito, ficando a imprensa sujeita as penalidades que a lei de organização criminosa trouxe no seu art. 18 quando divulgar a identidade do colaborador sem a autorização deste. (MASSON, MARÇAL, 2017). 

Por fim, o inciso VI estabelece o direito de cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados. Isso se torna necessário, haja vista a crise do sistema  carcerário brasileiro, onde vários presos morrem nos presídios, seria inviável que o colaborador,  taxado como o “traidor” pelo grupo organizado, cumprisse a pena no mesmo estabelecimento  que todos os criminosos do grupo. (LIMA, 2016). 

A lei menciona expressamente “cumprir pena” e, condenados, essa separação entre o delator e os delatados não ocorrerá apenas com os presos definitivos, mas tendo em vista a previsão da Lei 9.807/1999 em seu artigo  15, §1º que o colaborador, preso provisório ou temporário, será custodiado em dependência separada dos demais presos, e em respeito ao disposto no inciso I do artigo 5º, da Lei 12.850/2013, aplica-se essa medida de proteção a todo e qualquer colaborador. 

Evidentemente que tal posicionamento só seria aplicável no caso de não ter havido o perdão judicial ou a substituição da pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos, pois conforme já mencionado acima, os presos cautelares que colaborarem com justiça farão jus a esse direito. 

A primeira parte do § 6° do art. 4° da lei 12.850/2013 traz importante mandamento sobre  a ausência do magistrado durante a negociação do acordo de colaboração premiada. Isso se  deve pela busca da imparcialidade do julgador, pois se o juiz se fizesse presente durante o a  negociação, certamente não esqueceria as informações trazidas naquele momento, na hora de  proferir uma decisão final mais adiante, ferindo assim sua imparcialidade. (LIMA, 2016). 

Marcelo Mendroni (2016, p. 183) ressalta que o juiz deverá apenas analisar os aspectos formais e não poderá intervir no conteúdo do acordo. Todavia, Renato Brasileiro (2016, p. 552) aponta uma questão a ser discutida sobre a atuação do magistrado, tendo em vista um eventual conflito entre a norma prevista no § 6° do art. 4° que dispõe da ausência do juiz nas negociações, frente ao § 8° do art. 4° que prevê a possibilidade de o magistrado adequar a proposta ao caso  concreto.  

Quanto a possiblidade de adequação do acordo, ressalta Eduardo Araújo da Silva (2015, p. 68)  

[…] a adequação do acordo deve restringir-se à observância dos pressupostos e requisitos legais, como determina o § 8º do art. 4º da lei, ante o risco de indesejável invasão na esfera privativa da acusação, com inevitável comprometimento da imparcialidade, se implicar em alteração do mérito.  

De forma oposta, e pela qual concordo, Renato Brasileiro (2016) ensina: Considerando-se a impossibilidade de o juiz imiscuir-se nas negociações inerentes ao  acordo de colaboração premiada, ao magistrado não se defere a possibilidade de  modificar os termos da proposta, sob pena de evidente violação ao sistema acusatório e à garantia da imparcialidade.  

Na verdade, o que o magistrado pode fazer é rejeitar a homologação de eventual acordo por não concordar com a concessão de determinado  prêmio legal, nos termos do art. 4°, § 8°, primeira parte, aguardando, então, que as  próprias partes interessadas na homologação da proposta cheguem a um novo acordo  quanto ao benefício a ser concedido ao colaborador. 

Segundo o manual da colaboração premiada, do ENCCLA (2014, p. 6), a atuação do juiz restringe-se a duas: a homologação ou não do acordo, e a aplicação dos benefícios  previstos no art. 4º da lei 12.850/13. 

O manual ainda destaca outro detalhe (ENCCLA, 2014, p. 7):  

Essa atuação final, por sua vez, pode ocorrer em apenas três oportunidades, determinadas pelo momento em que ocorreu a colaboração: (a) se até a sentença de  mérito, ocorrerá na sentença; (b) se acontecer entre a sentença e o julgamento pelo  órgão recursal, seja qual for ele, ocorrerá no julgamento pelo Tribunal e constará do  acórdão; (c) se a colaboração acontecer depois do trânsito em julgado da sentença ou  do acórdão, pelo juízo da execução penal. 

Para que o juiz aplique os benefícios ao réu, é necessário que analise a eficácia objetiva da colaboração. Assim dispõe o § 11 do art. 4° da lei de organização criminosa. Portanto, se for constatado que o colaborador cumpriu com o acordo, atingindo um dos resultados previsto no  caput do art. 4°, a ele será direito a aplicação dos benefícios. (MASSON, MARÇAL, 2017). 

Quanto a concessão do perdão judicial, Eduardo Araújo da Silva (2015, p. 64) destaca que se o acordo vir a ser homologado, trará uma vinculação ao juiz aplicá-lo na sentença, exceto  se houver revogação do acordo, ou retratação de uma das partes. Essa vinculação não trará prejuízo a imparcialidade do juiz, e, se assim não fosse, ocasionaria certamente uma  insegurança jurídica na aplicação do instituto da delação premiada.  

E, é nesse sentido a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, antes mesmo da Lei 12.850/13: […] 8. Ao delator deve ser assegurada a incidência do benefício quando da sua efetiva  colaboração resulta a apuração da verdade real. 9. Ofende o princípio da motivação, consagrado no art. 93, IX, da CF, a fixação da minorante da delação premiada em patamar mínimo sem a devida fundamentação, ainda que reconhecida pelo juízo  

monocrático a relevante colaboração do paciente na instrução probatória e na determinação dos autores do fato delituoso. 10. Ordem concedida para aplicar a minorante da delação premiada em seu grau máximo. HC 97.509/MG, 5.ª Turma do STJ, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 02.08.2010 

Desse modo, conclui Renato Brasileiro (2016, p. 533) que o juiz somente tem discricionariedade11 para escolher qual dos benefícios irá aplicar, e isso dependerá da efetividade das declarações prestadas pelo colaborador, bem como do grau de participação dele no crime, a gravidade e a repercussão do fato, conforme dispõe o § 1° do art. 4°. 

Sobre o tema da eficácia da colaboração e que o juiz na sentença deverá se ater à regra da colaboração. Consubstancia o artigo 4, § 16º da Lei 12.850/2013 que “Nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações do agente colaborador e significa afirmar que o juiz não poderá usar somente as declarações do colaborador para fundamentar sua decisão em relação aos delatados, é preciso que o colaborador traga os elementos que confirmem as informações por ele prestadas”. 

Nesse sentido esclarece Gustavo Badaró: 

“Se assim for, e se o próprio legislador atribui à delação premiada em si uma categoria inferior ou insuficiente, como se pode admitir que sua colaboração se dê com base em elementos que ostenta a mesma 

debilidade ou inferioridade? Assim sendo, não deve ser admitido que o elemento extrínseco de corroboração de uma outra delação premiada seja caracterizado pelo conteúdo de outra delação premiada. resta claro que a corroboração reciproca, como bem denomina Masson e Marçal (2017, p. 201) não pode ser utilizada para fundamentar uma sentença condenatória, pois os elementos a que se refere o texto legal deve ser, por exemplo, a indicação do produto do crime, de contas bancárias, localização do produto do crime, provas robustas, não apenas  informações prestadas por outrem”.  

No entanto, o Supremo Tribunal Federal em recente decisão no Inquérito 4074 rejeitou a denúncia do Ministério Público Federal. Entendeu o ministro Dias Toffoli que as provas  produzidas pelo delator não eram suficientes para embasar a abertura da ação penal.  

No mesmo sentido, se posicionaram os demais ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, sendo voto  vencido o relator Edson Fachin, que entende que para a fase do recebimento da denúncia, a peça  acusatória precisa conter a materialidade e indícios suficientes de autoria, para não ocorrer em um  adiantamento da fase de julgamento, onde, necessariamente é preciso obter provas mais robustas e que  corroborem com as informações do colaborador, como prevê o art. 4° § 16 da lei 12.850/2013. 

A homologação, prevista no art. 4° § 7° da lei 12.850/2013 ocorrerá após encerrada a fase de negociação e firmado o termo de colaboração, contendo toda as informações prestadas pelo  colaborador e cópia da investigação, será remetida ao juízo. Neste ato, o magistrado irá analisar o termo, e verificará a regularidade e a legalidade do acordo, e presença da voluntariedade da  prestação das informações por parte do investigado ou acusado colaborador, e decidirá pela  homologação do acordo, ou recusa do acordo. 

Dessa forma, como ressaltado no tópico acima, o juiz deverá se ater somente aos aspectos formais e legais do termo, não sendo sua competência discutir o conteúdo do acordado entre acusação e colaborador. (MENDRONI, 2016). 

Ademais, homologado o acordo, não significa dizer que o juiz esteja concordando com todo seu conteúdo, mas apenas que o instrumento está em consonância com as normas legais, e assim salienta o ministro Dias Toffoli no julgamento do HC 127843 do Supremo Tribunal Federal 

[…] 5. A homologação judicial do acordo de colaboração, por consistir em exercício de atividade de delibação, limita-se a aferir a regularidade, a voluntariedade e a  legalidade do acordo, não havendo qualquer juízo de valor a respeito das declarações  do colaborador. […]. (HC 127483, Relator (a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 27/08/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-021 DIVULG 03-02-2016 PUBLIC 04-02-2016). 

A importância da homologação, é a vinculação que o ato trará ao poder judiciário,  garantindo ao criminoso que optar por colaborar, a aplicação dos benefícios que fora negociado  com o ministério público, agora lastreado numa homologação judicial.  

Trata de dar segurança ao colaborador, pois se o criminoso não tiver a expectativa de receber os benefícios,  provavelmente não optaria por correr os riscos que a delação lhe causa, o que traria certa  ineficácia desse meio de obtenção de prova. (LIMA, 2016). 

O juiz, antes de decidir, poderá ainda ouvir o colaborador, na presença de seu defensor,  se entender necessário para verificar a voluntariedade das declarações. Nesse ato, a presença da parte que realizou o acordo, no caso o ministério público (ou ainda, para quem entenda que o  delegado pode ser parte do acordo) não se faz necessária, ademais, caso fosse, poderia frustrar  a expectativa do colaborador expor os reais motivos que o fizeram optar pelo acordo. (LIMA, 2016). 

Diante da ausência de requisitos legais, o magistrado poderá recusar a homologação do acordo, nos termos do oitavo parágrafo do artigo 4. E, tal recursa poderá ser total ou parcial. A exemplo de uma recusa parcial, Cleber Masson e Vinícius Marçal (2017) nos mostra o caso do acordo de colaboração de Alberto Youssef: 

Foi precisamente o que fez o Ministro Teori Zavascki (Pet. 5.244/STF) – quando da homologação do acordo de colaboração premiada firmado entre o Ministério Público Federal e o colaborador Alberto Youssef – ao decotar uma cláusula que indicava prévia e definitiva renúncia pelo investigado ao direito de recorrer, o que afrontaria o princípio constitucional da inafastabilidade do Poder Judiciário (art. 5.º, XXXV, da CFRB/1988). 

Nesse momento, surge um questionamento na doutrina acerca de um eventual recurso da decisão do juiz que não homologou o acordo. De um lado, há quem sustente que a decisão tem força de definitiva, sendo sujeito então a recurso de apelação, nos termos do art. 593, inciso  II do Código de Processo Penal. (FERRO, PEREIRA, GAZZOLA, 2014).  

De outro, e, até o momento é a posição que vem prevalecendo na doutrina, entendem ser passível de recurso em  sentido estrito, por mais que não se trate de decisão que não recebe a denúncia, entendem que  essa decisão rejeita a iniciativa postulatória do órgão de acusação, sendo então desse modo,  recorrível por recurso em sentido estrito, art. 581, I, por analogia. (PACELLI, 2017). 

Debate-se ainda sobre o cabimento de um ou outro recurso, relevante lição dada por Masson e Marçal (2017) pois entenderam que o silêncio legislativo e o dissenso doutrinário estão a indicar fortemente a aplicação do princípio da fungibilidade (artigo 579 CPP) tão aclamado pela jurisprudência dos brasileiros Tribunais Superiores.12 

Na prática, qualquer que seja o recurso que a parte interessada na homologação interpor com base no artigo 578 do CPP ele será admitido, restando para os Tribunais formarem uma jurisprudência13 uniforme a respeito do assunto. 

A delação premiada é mecanismo de cooperação penal que beneficia o acusado conforme expresso no artigo 8º da Lei de Crimes Hediondos. Alguns doutrinadores como Tourinho Filho e Guilherme Nucci criticaram o instituto da delação premiada, pois, trata-se de meio de obtenção probatória imoral e, ainda, um mal necessário em face da ineficácia do Estado no combate ao crime organizado. Já a colaboração premiada se traduz em ser negócio jurídico processual personalíssimo celebrado entre o Ministério Público (MP) ou o Delegado de Polícia com a manifestação do MP, entre o acusado e seu defensor. 

Se houver o total preenchimento dos requisitos legais e os resultados pretendidos forem alcançados, o colaborador receberá os benefícios legais como a redução de pena e, até mesmo, o perdão judicial. 

A colaboração premiada está positivada na Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária e Econômica e contra as Relações de Consumo, Lei de Lavagem de Capitais, Lei de Proteção às Vítimas e Testemunhas, a Lei Antitóxicos (Lei 11.343/2006) e a Lei de Crime Organizado (Lei 12.850/2013)14. 

A colaboração premiada ainda pode ser conceituada como técnica especial de investigação por meio da qual coautor e/ou partícipe da infração penal, além de confessar seu envolvimento no delito, fornece aos órgãos responsáveis pela persecução penal informações eficazes para consecução de um dos objetivos previstos em lei, recebendo em contrapartida, determinado prêmio legal. 

A colaboração deve ser voluntária. O colaborador não pode ser coagido a colaborar. Não precisa, para isso, que a  iniciativa seja do investigado/acusado, desde que ele  voluntariamente aceite a proposta ministerial. 

Há enorme controvérsia sobre a voluntariedade da colaboração do réu preso, especialmente aqueles que estão  presos há bastante tempo. 

  1. b) A colaboração, para que alcance resultado, precisa ser efetiva. O delator precisa, efetivamente, identificar os demais  coautores e/ou a estrutura hierárquica, recuperar parte ou  integralmente o produto dos crimes e localizar eventuais  vítimas. Observe-se que, no direito brasileiro, a colaboração pode ser feita a qualquer momento do processo.

As desvantagens15 da Delação Premiada é a negação dos princípios básicos do processo penal, segundo os quais a responsabilidade criminal e a punição devem ser as mesmas para todos. A delação cria situações nas quais os réus que cometeram crimes semelhantes e até os mesmos ficam em situação distintas e recebem punições distintas. 

A delação premiada se dá pela confissão que é em si, uma circunstância atenuante, porém a redução da pena não  será atrativa quanto os prêmios oferecidos doa delação premiada. E, o papel do advogado, seja negociando com o MP ou com o Delegado de Polícia é estimar a futura pena e, ainda garantir que os direitos do delator ou colaborador sejam assegurados, havendo a efetiva redução de pena ou até o perdão judicial. 

Referências 

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Euro Wedding Practices

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The wedding ceremony is a special day for the couple and the families and friends. The marriage is certainly celebrated by a number of traditions, some of them historic. Many german dating site cultures get their own classic ways of honoring a wedding and many of them are quite vibrant.

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For example , in the case of a Scottish wedding ceremony, the fun usually come about at the bride’s parents’ house. Guests are invited and the bride-to-be is given a “wedding parade”. She is accompanied by her dad and her husband’s mother and village kids exactly who stretch white ribbon all over the road on her to cut. This kind of symbolizes the couple lowering through any difficulties they could encounter within their future with each other. The father as well as the mother as well give the blessing for the bride in a really moving habit called la benediction dieses parents.

After the wedding service, it’s traditional for the couple to be showered with rice. This is certainly believed to deliver fertility and good luck. Many lovers will also show up the night aside with their https://www.mdpi.com/journal/women family and friends within a fun-filled folk dancing session known as the ceilidh. The background music is often performed by a specialist ceilidh band, while many non-specialist bands possess incorporated some of the traditional dances into their repertoire as well.

In the case of a great Irish wedding, it is very customary for a large band of relatives and friends to create a circle about the content couple even though singing classic folk songs. The group moves more quickly and quicker because the song’s tempo enhances. It is a great method to get everyone in the party inside the mood meant for the fun to come.

A further common tradition in Europe is good for the few to break two glasses of wines or champagne together on the wedding reception. This is thought to carry the couple wealth and pleasure in their fresh marital relationship. It is also a custom in France to toast along with the famous Coupe de Mariage, which dates back to the eighteenth century.

During the ceremony, it’s customary for some lovers to exchange products. It is a gorgeous gesture and a sign of friendship between the newlyweds. However , some Europe like Greece have a different approach to this kind of tradition. They give the couple a candle they have designed themselves, which they then hold at home and light during hard times.

Ahead of the ceremony, it is very customary in Belgium for the purpose of the couple to exchange bloom padding. The couple gives a flower to their moms and to one another during the vows, symbolizing their particular acceptance into each other’s family members. This traditions is often seen in Brussels wherever two linguistic groups live side by side and interact. Following your official ceremonies and get together, it’s also a The belgian custom to bang pans and pots outside the couple’s window permanently luck. The celebration usually lasts till early at dawn. It’s likewise common for a few very close good friends to remain with all the couple possibly after the formal reception and party happen to be over and your time night along in their fresh home.

How you can Successfully Court docket Mature Thai Women

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Vietnamese women can be portrayed in stereotypical ways. The most common stereotypes vietnamese wife contain them being loving, significant, and humble. Additionally they tend to do well cooks and take care of their close family and children.

While these kinds of stereotypes might be true, they cannot capture the entire picture of what Vietnamese women of all ages are like. Many of them are strong and independent. Also, they are highly regarded with regard to their devotion to traditional beliefs and working loyalty with their loved ones. They will go to great lengths to uphold the responsibilities, even if it indicates sacrificing their own goals and passions.

Many Vietnamese females are well-educated. They have attained for least another education and nearly half of them experience a tertiary degree. Nevertheless , the vast majority of all of them work in the service market. In addition for their educational qualifications, Vietnamese women happen to be renowned for their wonder and internal strength. Also, they are known for their resilience, hospitality towards others, and go?t in pursuing a better life for themselves.

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It is important to know these elements if you want to successfully the courtroom a Thai woman. A man just who respects her independence and demonstrates that he is enthusiastic about learning about her culture is likely to make a good meet. He should be able to communicate his unique beliefs and values not having looking to change hers. He also needs to be fiscally secure and able to furnish for his long term.

Additionally , this individual should be well mannered and sincere to his Vietnamese partner. He will need to open doors for her and offer kind comments when ideal. These kinds of simple signals will help him stand out from its competition and earn her focus. He should also be chivalrous, since this is an important component to Vietnamese lifestyle.

Finally, he will need to be loyal to his partner. Vietnam https://www.nytimes.com/2022/04/20/magazine/van-life-dwelling.html women are extremely loyal and they’ll not put up with a cheating partner. In addition , they’re not going to be able to endure someone who is normally backward or does not take all their relationship critically.

Men who is serious about dating a Vietnamese woman will probably be rewarded for the purpose of his initiatives. She will always be eager to spend time with him and look for opportunities to become together. The girl can also be more likely to carry his hands or hug him to the cheek when ever greeting him.

Some other plus of dating an older Vietnamese female is that she’s unlikely that can be played games. 10 years younger men are more likely to passade with multiple women or perhaps they might simply thread her along until they find some thing better. Nevertheless , an older person will not be thinking about playing games with his girlfriend as they already offers enough experience and knows what must be done to maintain a cheerful relationship.

Resolução online de conflitos e negociação processual e sua contribuição para a eficiência processual.

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ODR – online dispute resolution:

 

Resolução online de conflitos e negociação processual e sua contribuição para a eficiência processual.

______________________________________________________________________

 

ODR – online dispute resolution:

Online dispute resolution and procedural negotiation and its contribution to procedural efficiency.

 

 

 

 

ROSEMEIRE DURAN[1]

ANGELICA GIORGIA AFFONSO[2]

 

Coordenação:

ARTUR BARBOSA DA SILVEIRA[3]

 

Iniciativa

Instituto PROLEGIS

Professor Ms. Clovis Brasil Pereira

 

Recebido em:

Aprovado em:

 

SÃO PAULO

2022

 

[1] Procurador do Estado de São Paulo. Mestre em Direito pela Universidade Nove de Julho. Doutorando em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. artursilveira@yahoo.com.br

[2]Advogada. Graduada em Direito pela Universidade de Guarulhos (UNG). Pós-graduada em Processo Civil pela UNISUL. angelica.affonso72@gmail.com.

[3] Advogada. Graduada em Direito pena Universidade de Guarulhos (UNG). Pós-graduada em Direito Processual Civil pela FIG – Guarulhos. rose@duranadvogados.com.br

 

Área do Direito: Processo Civil

 

 

Resumo

 

O presente artigo, elaborado mediante a análise da legislação, em especial do Código de Processo Civil, e da doutrina, pretende estudar as ODR’s (Online Dispute Resolution) e sua contribuição para a eficiência processual, procurando esclarecer de que forma aplicar a ODR, que também é uma técnica que visa facilitar a solução de conflitos de interesses, sem afrontar os ditames do Código de Processo Civil; ainda, investigar se é possível solucionar conflitos judicializados sem interferência humana; e, por fim, de que forma podemos adequar a ODR à legislação e à infraestrutura judicial, visando atingir o objetivo de otimizar a eficiência processual. Em especial, o estudo foi direcionado à possibilidade de utilização da ODR quando já judicializada a questão, ressaltando que, no meio extrajudicial, já é uma realidade o uso dessa ferramenta, ainda não amplamente divulgada, mas que já vem sendo desenvolvida, pois apresenta vantagens para as partes face à mais célere e de maneira mais econômica dos conflitos, sem causar desgastes emocionais que poderão advir dos encontros presenciais entre as partes.

 

Palavras-chave: ODR. Método de solução de conflitos. Eficiência processual. Utilização em demandas judicializadas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Abstract:

This article, elaborated through the analysis of the legislation, in particular the Code of Civil Procedure, and the doctrine, intends to study the ODR’s (Online Dispute Resolution) and its contribution to procedural efficiency, seeking to clarify how to apply the ODR, which it is also a technique that aims to facilitate the solution of conflicts of interest, without affronting the dictates of the Code of Civil Procedure; also, to investigate whether it is possible to solve judicialized conflicts without human interference; and, finally, how we can adapt ODR to legislation and judicial infrastructure, aiming to achieve the objective of optimizing procedural efficiency. In particular, the study was directed to the possibility of using the ODR when the issue has already been judicialized, emphasizing that, in the extrajudicial environment, the use of this tool is already a reality, not yet widely disseminated, but which is already being developed, as it has advantages for the parties in the face of conflicts more quickly and economically, without causing the emotional wear and tear that may arise from face-to-face meetings between the parties.

 

Keywords: ODR. Conflict resolution method. Procedural efficiency. Use in lawsuits.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SUMÁRIO

 

INTRODUÇÃO

 

I– DEFINIÇÕES IMPORTANTES

  1. A) ODR (online dispute resolution)
  2. B) Conciliação
  3. C) Mediação
  4. D) Arbitragem

 

II – DA POSSIBILIDADE DA UTILIZAÇÃO DA ODR EM CONFLITOS JUDICIALIZADOS

 

III – PRINCIPAIS DIPLOMAS NORMATIVOS APLICÁVEIS

 

IV – POSSÍVEL HIPÓTESE PARA O PROBLEMA APONTADO

 

V – CONCLUSÃO

 

VI – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

INTRODUÇÃO

 

O Código de Processo Civil estabelece como um dos seus princípios a solução consensual dos conflitos (cf. o artigo 3º e seus parágrafos c/c o artigo 334), destacando a importância dos métodos autocompositivos para a resolução de controvérsias através da conciliação, da mediação ou da arbitragem.

 

No que se refere ao artigo 334 do CPC, a letra da lei estabelece que, em não havendo manifestação da parte contrária e estando preenchidos determinados requisitos, toda lide deveria, em tese, ser encaminhada para solução através da conciliação.

 

Ocorre que, face ao volume de processos e à falta de estrutura para as conciliações no Poder Judiciário de modo geral, o cumprimento do comando legal acima esposado vem sendo suprimido no despacho judicial inicial, sendo o processo conduzido diretamente para citação do réu e demais andamentos processuais, culminando em todo debate processual até a audiência de conciliação, instrução e julgamento. Na prática, em alguns casos, designa-se a audiência de conciliação e, sendo infrutífera, parte-se para a instrução.

 

Assim sendo, perde-se todo o foco pretendido com o CPC de encaminhamento inicial para conciliação, que deveria ser procurar solucionar o conflito em menor tempo, evitando-se o embate contencioso e consequentemente o desgaste das relações humanas, por consequência, diminuindo o volume de lides que acabam enfrentando todo o trâmite processual.

 

Mesmo após a implantação do processo eletrônico, bem como diante de todo avanço tecnológico que vivenciamos após o período mais crítico da pandemia, entre os anos de 2020 e 2021, com a implantação de audiências virtuais e balcão eletrônico, dentre outros, o fato é que não avançamos no sentido de tornar eficaz o disposto no artigo 334 do CPC.

 

Diante dessa realidade é que as ODR´s surgem como possível solução para a crise da jurisdição estatal, com redução do número de demandas processuais, tornando a resolução consensual prevista no Código de Processo Civil uma realidade, motivo pelo qual entendemos que a aplicação das ODR´s é relevante e adequada para dirimir as contendas e atingir a tão sonhada eficiência processual, pois apresenta inúmeras vantagens para as partes, o que veremos no decorrer do trabalho.

 

 

I – DEFINIÇÕES IMPORTANTES

 

Conforme discorremos anteriormente, as ODR’s (Online Dispute Resolution) são uma forma de colocar em prática e trazer a efetividade ao processo, por meio do uso da conciliação, da mediação e da arbitragem, que regem o CPC e fazem parte da sua principiologia. Quando essas resoluções alternativas acontecem em plataformas online, são chamadas de ODR´s, cada qual envolvendo técnicas específicas para o melhor resultado para as partes envolvidas.

 

Antes de adentrarmos propriamente à problemática do tema, necessário se faz trazer ao leitor uma pequena definição de cada um destes importantes pontos do nosso estudo, quais sejam: ODR, Conciliação, Mediação e Arbitragem, conforme abaixo exposto:

 

 

  1. A) ODR (online dispute resolution)

 

De acordo com a doutrina de Pessanha[1], as ODR´s são plataformas interativas, classificadas como meios adequados ou alternativos para resolução de conflitos, que permitem que as partes optem pela autocomposição online. Ao empregarem técnicas de mediação, conciliação, arbitragem e negociação tradicionais do meio analógico, as ODR´s oferecem às partes, ferramentas disponíveis somente através do meio online, se propondo a atuarem como facilitadoras na resolução do conflito.

 

Numa definição simplista, ODR é a solução online de conflitos, ou seja, forma de resolução de conflitos que até então não era prevista pelo Poder Judiciário, mas que, com o advento da recente Resolução nº 358 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, publicada no dia 02 de dezembro de 2020[2], deverá ser implementada na forma de sistemas informatizados de resolução de conflitos, voltados à tentativa de conciliação e mediação, no formato de Tribunais online.

 

Ampliando seu conceito e considerando também a legislação pátria, podemos dizer que ODR´s são meios alternativos de resolução de conflitos – mediação, conciliação, arbitragem, entre outros -, realizados em ambiente virtual e, de um modo geral, em plataformas especializadas.

 

  1. B) Conciliação

 

A conciliação é um dos métodos de autocomposição na solução de conflitos, prevista no CPC, sendo inclusive um princípio estabelecido pelo mesmo diploma legal.

 

Conforme doutrina publicada no sítio do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, “na conciliação, o terceiro facilitador da conversa interfere de forma mais direta no litígio e pode chegar a sugerir opções de solução para o conflito (art. 165, § 2º)”[3].

 

O parágrafo 2º do artigo 165 do CPC determina que:

 

“O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem”.

 

Assim, é possível dizer que a conciliação se aplica mormente a causas objetivas, onde as partes não têm um relacionamento duradouro. Segundo Cabral, a conciliação pode versar sobre “direito disponíveis ou direitos indisponíveis que admitam transação. Sua aplicação é ampla, podendo ocorrer antes, durante ou depois de um processo judicial, e ainda incluir controvérsias envolvendo interesses privados ou públicos”[4].

 

 

  1. C) Mediação

 

A Lei 13.140/2015, define em seu artigo 1º, parágrafo único, c/c o artigo 2º, que a mediação é a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e as estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia, orientada pelos princípios de imparcialidade do mediador, isonomia entre as partes, oralidade, informalidade, autonomia da vontade das partes, busca do consenso, confidencialidade e boa-fé[5].

 

Em outras palavras, a mediação é um método alternativo de resolução de conflitos por meio do qual é possível resolver um conflito sem que seja necessária a interferência do Poder Judiciário, prevendo a participação de uma terceira figura, o mediador, neutro e imparcial, que auxilia as partes no diálogo rumo ao acordo.

 

O artigo 3º da já citada Lei nº 13.140/2015 elenca quais direitos podem ser objeto de mediação, quais sejam, os direitos disponíveis ou indisponíveis que admitam transação e, nesse último caso, o consenso das partes envolvendo direitos indisponíveis, mas transigíveis, deve ser homologado em juízo, exigida a oitiva do Ministério Público.

 

O CPC, em seu artigo 165, §3º, trata de mediação e conciliação, estabelecendo que o mediador atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes e auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.

 

No mais, a mediação pode ser extrajudicial ou judicial, seguindo as demais regras definidas na Lei nº 13.140/2015 e no Código de Processo Civil.

 

  1. D) Arbitragem

 

A arbitragem é regulada pela Lei 9307/1996[6] e aplica-se a litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, sem a participação do Poder Judiciário, através das Câmaras de Arbitragem, sendo certo que a sentença arbitral tem a mesma eficácia da sentença judicial, devendo seguir os ditames legais, sob pena de nulidade.

O CPC, para alcançar esses escopos, estabeleceu um sistema “multiportas”, em que se reconhece a existência de métodos adequados de solução de controvérsias pautados na consensualidade. Isso fica evidente no artigo 3º daquele diploma, ao estabelecer que o acesso à justiça é alcançado pela busca de instrumentos consensuais de solução de controvérsias em que se reconhece a existência de métodos adequados de solução de controvérsias pautados na consensualidade, conforme abaixo transcrevemos:

“Art. 3º do CPC. Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

  • 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei.
  • 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.
  • 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.”

Noutros termos, a mediação e a conciliação são métodos consensuais que alcançam a própria efetividade na resolução dos conflitos, sendo a arbitragem um método consensual pela escolha do procedimento, conforme o art. 359, caput, do CPC: “instalada a audiência, o juiz tentará conciliar as partes, independentemente do emprego anterior de outros métodos de solução consensual de conflitos, como a mediação e a arbitragem”.

Em 2015, entrou em vigor a Lei nº 13.129/15[7], complementar à Lei nº 9.307/96, que trouxe a consolidação de diversos aspectos ainda não definidos até então pela legislação de origem.

Dentre as modificações trazidas pela lei supra, foi apresentada com clareza a possibilidade de utilização da arbitragem em contratos envolvendo a Administração Pública, conforme estabelecido no artigo 1º, que definiu essa possibilidade quando o litígio envolver interesses patrimoniais disponíveis, disposto no seu §1º: “A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis”.

Desde então, para Frasão e Castro, as empresas do setor público passaram a dirimir, sem maiores problemas, seus conflitos em Câmaras Arbitrais, desde que o objeto de discussão fosse de interesse patrimonialmente disponível, ou seja, a chamada arbitrabilidade objetiva. Percebe-se, assim, que é aceita e, inclusive, bem definida a resolução dada pela arbitragem, não somente no que envolve particulares, mas no que envolve interesse patrimoniais da Administração Pública enquanto parte do procedimento arbitral:

 

“Destarte, temos que a Lei 9.307/1996 e o CPC são meios de soluções das controvérsias que fortalecem a arbitragem,  tendo como principal característica romper com o formalismo processual promovendo a solução do litígio por meio da livre escolha de árbitros especializados no tema em discussão e a liberdade na escolhe do direito material e processual a serem aplicados no conflito, podendo ao nosso ver ser introduzido no Judiciário tanto por Lei como pelo CPC a implantação das ODRs, que visam o mesmo objetivo.”[8]

 

 

 

II – DA POSSIBILIDADE DA UTILIZAÇÃO DA ODR EM CONFLITOS JUDICIALIZADOS

 

A partir das definições acima e do estudo dos diplomas legais referidos, entendemos possível a aplicação das ODR’s quando já judicializada a demanda, na forma de conciliação ou mediação. Ainda segundo os princípios que regem a matéria, concluímos que se aplicam as ODR´s aos conflitos que versem sobre direitos disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam transação.

 

Considerando a definição de que direitos indisponíveis, são aqueles “direitos dos quais a pessoa não pode abrir mão, como o direito à vida, à liberdade, à saúde e à dignidade. Por exemplo: uma pessoa não pode vender um órgão do seu corpo, embora ele lhe pertença.”[9] , podemos entender que todos os demais direitos poderão ser passíveis de utilização das ODR’s.

 

No tocante aos direitos indisponíveis que admitam transação, podemos aferir que são aqueles que derivam de certos direitos indisponíveis, a exemplo dos direitos à voz, ao nome, à imagem e às criações intelectuais. Assim, segundo a doutrina de Martins, a disposição do aspecto econômico desses direitos é possível, mas os direitos seguem indisponíveis e intransmissíveis[10].

 

Nesse mesmo sentido, temos a lição de Grinover, que afirma, de modo indubitável, que as condições de cumprimento de obrigações relacionadas a direitos indisponíveis podem ser transacionadas sem que isso signifique a transação do próprio direito:

 

“Ora, é de conhecimento geral que os conflitos de família são os que mais se adequam e mais frequentemente são submetidos à solução conciliatória. A ideia aparentemente encampada pelo PL sobre a indisponibilidade de certos direitos é equivocada e ultrapassada, pois, mesmo em relação a certos direitos indisponíveis, existe disponibilidade a respeito da modalidade, forma, prazos e valores no cumprimento de obrigações, passíveis de uma construção conjunta, e que são, assim, perfeitamente transacionáveis (como, v.g., guarda dos filhos) e em que pode haver reconhecimento da pretensão (por exemplo, investigação de paternidade).”[11]

.

 

III – PRINCIPAIS DIPLOMAS NORMATIVOS APLICÁVEIS

 

  1. Resolução CNJ 358/2020

 

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabeleceu, através da Resolução 358/2020[12], o prazo de até 18 (dezoito) meses, a contar da entrada em vigor do referido ato normativo, para que os Tribunais disponibilizem um sistema informatizado para a resolução de conflitos por meio da conciliação e mediação.

 

Da análise das considerações da referida resolução, verifica-se que tal medida se aplica principalmente à fase pré-processual, porém, nada impede que sua aplicação alcance a fase processual, uma vez que o artigo 334 do CPC estabelece que o juiz, ao analisar a petição inicial, verificando que essa preenche os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, poderá designar audiência de conciliação ou de mediação.

 

Afere-se que a resolução em comento, na verdade, impõe ao Poder Judiciário que disponibilize maneiras de se implantar e adaptar as ODR´s, para que as inovações tecnológicas venham a ser efetivamente implantadas e continuamente desenvolvidas.

 

Até a presente data, não conseguimos apurar se algum Tribunal pátrio conseguiu efetivar a implementação de um sistema totalmente integrado como prevê a resolução do CNJ, mas alguns trazem informações sobre estudos para tanto, como é o caso do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) que celebrou Termo de Cooperação Técnica para utilização da plataforma Mediação On-line (MOL), que permite a realização das audiências de mediação e conciliação da Justiça Federal da 5ª Região, por meio  de um ambiente virtual, com o intuito de auxiliar na resolução dos conflitos. Tal medida segue as determinações da Resolução n. 358, publicada em 2 de dezembro de 2020 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ)”.[13]

 

  1. Projeto de Lei nº 890/2022

 

O Projeto de Lei 89/2022, ainda em trâmite perante a Câmara dos Deputados, propõe “regulamentar o uso das práticas colaborativas como método extrajudicial de solução de conflitos entre pessoas ou empresas. O texto tramita na Câmara dos Deputados”[14].

 

O que chamaa atenção no referido projeto de lei é a previsão em seu artigo 5º, § 1º, que prevê expressamente a aplicação do procedimento colaborativo em conflitos já judicializados, mediante convenção das partes e suspensão do processo judicial, nos termos do artigo 313, II, do Código de Processo Civil; ou tramitando em órgãos arbitrais, observada a convenção dearbitragem, nos termos do art. 21, da Lei 9.307 de 1996.

 

Isso nos mostra que o caminho para implantação das ODR´s, inclusive nas causas já judicializadas, é uma realidade cada vez mais próxima, por ser uma necessidade urgente em solucionar os conflitos de forma ágil e justa.

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IV – POSSÍVEL HIPÓTESE PARA O PROBLEMA APONTADO

 

Tendo em vista que a utilização da ODR proporciona maior celeridade e acesso à justiça, sem aumentar o número de demandas jurisdicionais, solucionando conflitos de maneira menos onerosa e tão ou mais efetiva que os métodos tradicionais, entendemos que a sua utilização em demandas judicializadas (ou não) deve ser cada vez mais disseminada, inclusive pela via legislativa, bem como pelo Conselho Nacional de Justiça e Tribunais, que deverão editar provimentos regulamentando a sua aplicação, com o objetivo de desenvolver soluções e inovações específicas para cenário nacional através do diálogo entre empresas do segmento tecnológico e jurídico.

A nossa hipótese, no presente trabalho, é trazer o tema a lume, dialogando com a comunidade jurídica, sem pretensão do seu esgotamento, no sentido de levantar a possibilidade de implementar a interligação entre o processo judicial eletrônico e sistema das ODR´s, considerando uma visão jurídica e não técnica de programação, à luz dos conceitos já estudados.

A partir desta hipótese, podemos imaginar que, exemplificativamente, ao cadastrar um processo judicial, o sistema judiciário possa identificar quais ações poderão ser direcionadas para o sistema da ODR, especialmente considerando os direitos disponíveis e indisponíveis que podem ser transacionados, bem como a concordância das partes e advogados com a remessa do processo para a plataforma ODR.

Uma vez identificados, selecionados e distribuídos automaticamente determinados processos para o ODR, o sistema judiciário indicaria ao juiz da causa quais daqueles processos atendem ao artigo 334 do CPC, ou seja, que a petição inicial preencha os requisitos essenciais ou seja o caso de improcedência liminar do pedido. Nesse ponto, fazemos um adendo: não encontramos uma forma automática para tal passo, uma vez que a verificação do preenchimento dos requisitos do art. 334 do CPC dependeria necessariamente da análise humana, por meio do Juiz de Direito.

Em prosseguimento, o juiz indicaria ao sistema se os processos selecionados permaneceriam na plataforma ODR ou não, e em sendo afirmativa a resposta, o sistema efetuaria automaticamente todos os passos até a realização de audiência – de preferência virtual – nos respectivos processos.

Desse modo, por conclusão lógica, especialmente pela interpretação dos dispositivos legais mencionados acima, vê-se que não há óbice para que o Juízo, enquanto sujeito da triangularização processual, coopere para a obtenção das medidas necessárias que satisfaçam as pretensões dos litigantes, devendo auxiliar na implantação das ODR´s, atendendo à expressa determinação legal de buscar obter a conciliação das partes a todo tempo.

 

V – CONCLUSÃO

 

O objetivo geral da nossa pesquisa foi investigar como a utilização das plataformas de ODR pode oferecer agilidade e eficácia para a resolução de disputas, e como essas podem oferecer segurança jurídica para os seus usuários através de uma regulação necessária.

 

Vimos no presente estudo o conceito de ODR, sua importância, qualidades, efeitos benéficos e problemas ainda persistentes para a sua completa implementação na busca da efetiva e rápida de resolução dos conflitos que venham a surgir e que viabilize um método virtual de solução de conflitos.

 

A utilização das ODR´s, como visto, demanda uma necessária adequação da legislação. A partir da análise dos diplomas legislativos atualmente existentes, podemos concluir que não há como aplicá-la de forma totalmente automatizada, uma vez que o CPC determina a participação obrigatória do Juiz, dos conciliadores/mediadores e dos advogados, especialmente no que tange o ao cumprimento do artigo 334 do CPC, cuja análise em especial compete à figura do Juiz de Direito.

 

Em razão da crescente utilização de plataformas privadas de ODR, nas quais se verificou grande eficiência, essas ferramentas começaram a ser estudadas a partir de várias perspectivas, não mais somente no âmbito do Direito Privado e do Consumidor, passando a ser exportadas também para o Direito Público, em razão da lentidão no andamento dos processos judicializados, sendo uma solução interessante para as partes e para o Poder Judiciário.

 

O Poder Judiciário brasileiro, por meio do Conselho Nacional de Justiça, vem chamando a atenção da comunidade jurídica para a utilização dos sistemas alternativos de solução de controvérsia, diante da crescente litigiosidade do país, já que o sistema convencional acaba sendo sobrecarregado e, consequentemente, torna lenta a resolução das demandas. Um caminho para tanto é a aplicação da Resolução 358/2020 CNJ, cujos aspectos técnicos e práticos deverão ainda ser amplamente estudados para a devida implantação nos Tribunais.

 

Dessa forma, a utilização das ODR´s começa a aparecer como alternativa eficiente para a diminuição de demandas, abrindo espaço para uma forma mais eficiente de solução de conflitos, através, por exemplo, do uso da mediação online.

 

Embora não seja possível, dentro da nossa realidade atual, solucionar conflitos judicializados sem qualquer interferência humana, o sistema judiciário pode ser otimizado de forma a direcionar de forma prática e eficiente o caminho para a solução de conflitos, e nesse ponto a ODR se efetivará.

 

 

VI – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BRASIL. Agência Câmara de Notícias. Disponível em  https://www.camara.leg.br/noticias/115436-direitos-indisponiveis)%2C%20consulta. Acesso em 26 out.2022.

 

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 89/2022. Disponível em  https://www.camara.leg.br/noticias/867296-projeto-regulamenta-o-uso-de-praticas-colaborativas-na-solucao-de-conflitos/. Acesso em 22 out.2022.

 

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Notícia disponível em https://www.cjf.jus.br/cjf/noticias/2021/06-junho/tribunal-regional-federal-da-5a-regiao-realizara-audiencias-de-mediacao-e-conciliacao-em-ambiente-virtual. Acesso em 22 out.2022.

 

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 358/2020. Disponível em https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3604. Acesso em 20 out.2022.

BRASIL. Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. “Dispõe sobre a arbitragem”. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9307.htm. Acesso em 23 out.2022.

 

BRASIL. Lei nº 13.129, de 26 de maio de 2015. “Altera a Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, e a Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, para ampliar o âmbito de aplicação da arbitragem e dispor sobre a escolha dos árbitros quando as partes recorrem a órgão arbitral, a interrupção da prescrição pela instituição da arbitragem, a concessão de tutelas cautelares e de urgência nos casos de arbitragem, a carta arbitral e a sentença arbitral, e revoga dispositivos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996.” Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13129.htm. Acesso em 24 out.2022.

 

 

BRASIL. Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. “Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública; altera a Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997, e o Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972; e revoga o § 2º do art. 6º da Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997.” Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13140.htm. Acesso em 22 nov.2022.

 

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FRASÃO, Stanley Martins; e CASTRO, Nathália Caixeta Pereira de. Arbitragem e administração pública: A possibilidade da cláusula arbitral em contratos administrativos. Disponível em https://www.migalhas.com.br/depeso/338891/arbitragem-e-administracao-publica–a-possibilidade-da-clausula-arbitral-em-contratos-administrativos. Acesso em 23 out.2022.

 

GRINOVER, Ada Pellegrini. Conciliação e mediação endoprocessuais na legislação projetada. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v. 13, n. 91, p. 71-92, set. /out. 2014. p.13-14. Disponível em https://www.migalhas.com.br/depeso/327807/da-admissibilidade-de-transacao-envolvendo-direitos-indisponiveis—necessaria-analise-frente-aos-meios-alternativos-de-resolucao-de-conflitos. Acesso em 24 out.2022.

 

MARTINS, G. F. (2016). “DIREITOS INDISPONÍVEIS QUE ADMITEM TRANSAÇÃO”: BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEI Nº 13.140/2015. Caderno Virtual, 1(33). Recuperado de https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/cadernovirtual/article/view/1198. Acesso em 22 out.2022.

 

PESSANHA, Quíssila Renata de Carvalho. ONLINE DISPUTE RESOLUTION (ODR): A SOLUÇÃO DE CONFLITOS À LUZ DA TECNOLOGIA EM TEMPOS DE PANDEMIA DO CORONAVÍRUS (COVID-19). In Direito: ramificações, interpretações e ambiguidades. Organizador Adaylson Wagner Sousa de Vasconcelos. Editora Atena. Ponta Grossa/PR: 2021, p. 145/153. Disponível em https://sistema.atenaeditora.com.br/index.php/admin/api/artigoPDF/47097. Acesso em 20 out.2022.

 

[1]PESSANHA, Quíssila Renata de Carvalho. ONLINE DISPUTE RESOLUTION (ODR): A SOLUÇÃO DE CONFLITOS À LUZ DA TECNOLOGIA EM TEMPOS DE PANDEMIA DO CORONAVÍRUS (COVID-19). In Direito: ramificações, interpretações e ambiguidades. Organizador Adaylson Wagner Sousa de Vasconcelos. Editora Atena. Ponta Grossa/PR: 2021, p. 145/153. Disponível em https://sistema.atenaeditora.com.br/index.php/admin/api/artigoPDF/47097. Acesso em 20 out.2022.

 

[2] BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 358/2020. Disponível em https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3604. Acesso em 20 out.2022.

[3] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Disponível em https://www.trf3.jus.br/conciliar/perguntas-frequentes/sobre-conciliacao. Acesso em 20 out.2022.

[4] CABRAL, Trícia Navarro Xavier. NCPC: Conciliação e Mediação: uma visão sobre o novo sistema. In Revista Processualistas. Artigo disponível em https://processualistas.jusbrasil.com.br/artigos/346227885/ncpc-conciliacao-e-mediacao#:~:text=A%20concilia%C3%A7%C3%A3o%20e%20a%20media%C3%A7%C3%A3o,envolvendo%20interesses%20privados%20ou%20p%C3%BAblicos. Acesso em 23 out.2022.

[5] BRASIL. Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. “Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública; altera a Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997, e o Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972; e revoga o § 2º do art. 6º da Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997.” Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13140.htm. Acesso em 22 nov.2022.

[6] BRASIL. Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. “Dispõe sobre a arbitragem”. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9307.htm. Acesso em 23 out.2022.

[7] BRASIL. Lei nº 13.129, de 26 de maio de 2015. “Altera a Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, e a Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, para ampliar o âmbito de aplicação da arbitragem e dispor sobre a escolha dos árbitros quando as partes recorrem a órgão arbitral, a interrupção da prescrição pela instituição da arbitragem, a concessão de tutelas cautelares e de urgência nos casos de arbitragem, a carta arbitral e a sentença arbitral, e revoga dispositivos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996.” Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13129.htm. Acesso em 24 out.2022.

[8] FRASÃO, Stanley Martins; e CASTRO, Nathália Caixeta Pereira de. Arbitragem e administração pública: A possibilidade da cláusula arbitral em contratos administrativos. Disponível em https://www.migalhas.com.br/depeso/338891/arbitragem-e-administracao-publica–a-possibilidade-da-clausula-arbitral-em-contratos-administrativos. Acesso em 23 out.2022.

[9]BRASIL. Agência Câmara de Notícias. Disponível em  https://www.camara.leg.br/noticias/115436-direitos-indisponiveis)%2C%20consulta. Acesso em 26 out.2022.

[10] MARTINS, G. F. (2016). “DIREITOS INDISPONÍVEIS QUE ADMITEM TRANSAÇÃO”: BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEI Nº 13.140/2015. Caderno Virtual, 1(33). Recuperado de https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/cadernovirtual/article/view/1198. Acesso em 22 out.2022.

[11] GRINOVER, Ada Pellegrini. Conciliação e mediação endoprocessuais na legislação projetada. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v. 13, n. 91, p. 71-92, set. /out. 2014. p.13-14. Disponível em https://www.migalhas.com.br/depeso/327807/da-admissibilidade-de-transacao-envolvendo-direitos-indisponiveis—necessaria-analise-frente-aos-meios-alternativos-de-resolucao-de-conflitos. Acesso em 24 out.2022.

[12] BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 358/2020. Op. Cit.

[13] BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Notícia disponível em https://www.cjf.jus.br/cjf/noticias/2021/06-junho/tribunal-regional-federal-da-5a-regiao-realizara-audiencias-de-mediacao-e-conciliacao-em-ambiente-virtual. Acesso em 22 out.2022.

[14] BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 89/2022. Disponível em  https://www.camara.leg.br/noticias/867296-projeto-regulamenta-o-uso-de-praticas-colaborativas-na-solucao-de-conflitos/. Acesso em 22 out.2022.

 

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

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Autores:

Heitor Miranda

Noemia Aurea de Moraes

Paulo Roberto Alves Souza

Valquiria Bragato

 

Coordenação:

Clóvis Brasil Pereira

Reinaldo Monteiro

 

Apoio:

PROLEGIS – seu portal jurídico – https://www.prolegis.com.br/

 

SUMÁRIO

 

  1. HISTÓRICO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

1.1. Histórico geral

1.2. histórico brasileiro

  1. CONCEITO, TERMINOLOGIAS E AS ESPÉCIES DE EMPRESÁRIOS NO BRASIL FRENTE AO TEMA

2.1. CONCEITO E TERMINOLOGIAS EMPREGADAS

2.1.1. DESPERSONALIZAÇÃO E DESCONSIDERAÇÃO

2.2. As espécies de empresários no Brasil frente ao tema

2.2.1. Empresário Individual

2.2.2. microempreendedor Individual – MEI

2.2.3. o antigo “empresário individual de responsabilidade limitada – eireli” e a atual sociedade limitada unipessoal

  1. PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO E A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.

3.1. DOS SÓCIOS E DA PESSOA JURÍDICA.

3.2. TEORIA MAIOR

3.3. TEORIA MENOR

  1. APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.

4.1. EMPRESÁRIO INDIVIDUAL, MICROEMPREENDEDOR INDIVIDUAL (MEI), EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA (EIRELI) E SOCIEDADE LIMITADA UNIPESSOAL.

4.2. EMPRESÁRIO INDIVIDUAL

4.3. MICROEMPREENDEDOR INDIVIDUAL (MEI)

4.4. EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA (EIRELI) E SOCIEDADE LIMITADA UNIPESSOAL

  1. DIREITO PROCESSUAL

5.1. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

5.2. PROVOCAÇÕES

5.3. INCIDENTE OU NOVA AÇÃO

5.4. GRUPO ECONÔMICO

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

  1. HISTÓRICO DA DESCONSIDERAÇAO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

 

1.1. Histórico geral

 

Não há dúvidas que foi durante o século XIX, que começaram a surgir preocupações pela má utilização da pessoa jurídica, impedindo o exercício dos direitos dos credores. A doutrina se inclinou e começou a olhar para o interior da personalidade jurídica constituída, observando o comportamento irregular do sócio e considerando-o para efeitos de obrigações patrimoniais decorrentes de sua atitude na condução ou utilização da personalidade jurídica da empresa. O palco destas primeiras discussões foram os Estados Unidos e a Inglaterra.

 

TOMAZETTE (2014)[1] aponta que fruto da má utilização da pessoa jurídica fez surgir a teoria da soberania de Haussman e Mossa, que imputava responsabilidade ao controlador da sociedade de capitais por obrigações não cumpridas. Entretanto, a teoria não se desenvolveu satisfatoriamente.

 

TOMAZETTE (2014)[2] citando SUZI KHOURI (1997), SILVA (1999), WORMSER (2000), comenta a existência de um caso ocorrido nos Estados Unidos em 1809 envolvendo Bank of United States x Deveaux. Neste caso, o Juiz conheceu a ação proposta e “levantou o véu da pessoa jurídica”, considerando a característica dos sócios individualmente. Adverte TOMAZETTE que se trata de uma primeira manifestação de alguém que olhou para o interior da pessoa jurídica atingindo os sócios e não propriamente a desconsideração da personalidade jurídica.

 

TOMAZETTE (2014), aponta como nascimento da “disregrad doctrine” o caso Salomon x Salomon Co. ocorrido em 1897 na Inglaterra. Aaron Salomon constituiu uma sociedade similar a sociedade anônima de capital fechado. Transferiu o fundo de comércio para a sociedade. A sociedade foi constituída com o capital de vinte mil e seis ações, das quais, vinte mil era de propriedade de Salomon (99,97%) e seis, pertenciam a seis sócios (uma para cada um), membros da sua família. Em um ano a sociedade se mostrou inviável. O juízo de primeiro grau e a Corte de Apelação desconsideraram a personalidade jurídica da companhia, atribuindo a Salomon responsabilidade pelo déficit da sociedade. Todavia, a Casa dos Lordes reformou a decisão, por entender que deveria prestigiar a autonomia patrimonial da sociedade. É o caso mais famoso e considerado por muitos autores, o nascedouro da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Inobstante tal decisão histórica e inovadora, a House of Lords, que adotava uma postura mais conservadora, não acolheu a decisão de primeiro grau e a reformou, pois entendeu que a Companhia foi validamente constituída, sem qualquer espécie de vício que pudesse ignorar a existência da pessoa jurídica[3].

 

Independente da reforma, que retardou o desenvolvimento de teorias neste tocante, importantíssima a adoção em primeira instância da tese renovadora da relatividade da pessoa jurídica, dando origem à doutrina da disregard of legal Entity (teoria desenvolvida nos Estados Unidos da América), acolhida no Brasil, pelas mãos de Rubens Requião, com o nome de teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

 

Após esses casos famosos, outros vários se sucederam, eis que cada vez mais havia casos envolvendo a pessoa jurídica, por seus sócios, administradores e, consequentemente, cada vez mais aos tribunais foram exigidas soluções. Neste sentido Fran Martins[4]:

 

“A admissão, pelas sociedades, do princípio da personalidade jurídica, deu lugar a indivíduos desonestos que, utilizando-se da mesma, praticassem, em proveito próprio, atos fraudulentos ou com abuso de direito, fazendo com que as pessoas jurídicas respondessem pelos mesmos.

Números desses fatos ocorreram […], sendo freqüentemente levados aos tribunais.

Estes passaram, então, quando assim ocorria, a desconhecer a personalidade jurídica das sociedades para responsabilizar os culpados.”

 

A teoria da desconsideração não foi fruto do direito positivado, mas sim nasceu sua aplicabilidade através da jurisprudência. Portanto, a origem se deu através da atividade judiciária de aplicação a caso concreto.

Como visto, inúmeros casos fáticos ocorreram para o desenvolvimento da disregard doctrine, para somente após surgirem as primeiras teses sobre este assunto.

 

Foi o jurista alemão Rolf Serick, em 1955, quem publicou a primeira e mais importante tese de doutorado a respeito da desconsideração, apresentada na Faculdade de Direito e Economia da Universidade de Tubingen, na Alemanha[5].

 

1.2. Histórico Brasileiro

 

A Teoria foi se tornando cada vez mais difundida, chegando à doutrina brasileira pelas mãos do Emérito jurista Rubens Requião, em 1969, com a obra Desregard Doctrine[6].

O fato de o Brasil adotar o sistema civil law[7] em princípio dificultou muito a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, pois, prevalece a codificação do direito já positivado, ao contrário do sistema common law[8], adotado pelos Estados Unidos, por exemplo, pois nestes ordenamentos prevalece mais a análise dos casos concretos e, conforme a situação, aplica-se determinada doutrina.

Até 1990, no Brasil, a aplicação da teoria da desconsideração dependeu basicamente dos juízes e tribunais, pois ficou a seu encargo a análise das circunstâncias ensejadoras e com isso o seu desenvolvimento foi bastante lento, mas, no entanto, foi pela jurisprudência que a teoria da desconsideração se aperfeiçoou.

Após esse marco inicial, vários outros doutrinadores passaram escrever sobre o tema, como já mencionado.

Somente após duas décadas é que, na elaboração do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), a teoria da desconsideração da personalidade jurídica foi efetivamente positivada no direito brasileiro pela primeira vez[9]. O consumidor foi, assim, premiado com a Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, que lhe dá todo o amparo necessário em qualquer relação de consumo em que sofre algum dano.

A lei consumerista refere-se ao abuso de direito, ou seja, vislumbra atacar os atos que façam da empresa insolvente e, dos sócios, fraudulentos.

Em análise do parágrafo 5º do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, fica clara a intenção da desconsideração ser reconhecida sempre que a personalidade jurídica for obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos sofridos pelo consumidor, deixando bem claro o viés protetivo adotado pelo código:

  • 5º: “Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados ao consumidor.

Ainda, o artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor garante ao consumidor o direito da reparação dos danos sofridos, ou seja, não devendo somente garantir a qualidade do produto, mas sim a reparação decorrente da relação de consumo.

Assim, a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica surge no meio doutrinário e foi ganhando cada vez mais espaço no ordenamento jurídico brasileiro, até ser efetivamente positivada no Código de Defesa do Consumidor de 1990 e no Código Civil de 2002.

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, foi posteriormente incorporada no Código Civil de 2002[10].

O dispositivo legal inova trazendo para o ordenamento jurídico brasileiro um pouco das duas correntes, a subjetiva e a objetiva, no que diz respeito aos pressupostos ensejadores da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

Assim, não somente pela fraude ou abuso de direito, mas também pela confusão patrimonial é possível que se atinja os sócios de uma empresa, e bem assim, seu patrimônio para que este responda pelas obrigações da pessoa jurídica.

Com a desconsideração positivada no ordenamento jurídico, o Conselho da Justiça Federal, em enunciado nº 51, deixou claro e determinou que a implementação da desconsideração no Código Civil de 2002 não iria modificar o que já havia sido tratado em legislações micro, e nem as jurisprudências sobre o tema, de modo que apenas afirmou o que já havia estava em andamento, senão vejamos:

“Enunciado 51 do CJF – Art. 50: a teoria da desconsideração da personalidade jurídica – disregard doctrine – fica positivada no novo Código Civil, mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas legais e na construção jurídica sobre o tema.[11]

O artigo 34 da Lei de Defesa da Ordem Econômica assim traz ao ordenamento jurídico:

Art. 34: “A personalidade jurídica responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social.

Parágrafo único: A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração”.

De acordo com o art. 4º da Lei que disciplina as infrações administrativas e criminais relativas à proteção do meio ambiente:

 

Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.”

Não se pode deixar de mencionar, o período anterior à  efetiva positivação,  em que o Decreto-Lei 5.452/1943, ou seja, a Consolidação das Leis TrabalhistasCLT e a Lei 5.172/1966, qual seja o Código Tributário NacionalCTN já haviam trabalhado, embora não de forma explicita, com a teoria da Desconsideração da personalidade jurídica.

CLT. Dispõe o § 2º do artigo :

“Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.”

O dispositivo supratranscrito e trazido na Consolidação das leis trabalhistas visa uma maior proteção ao trabalhador, vez que persegue o cumprimento da obrigação do pagamento de verbas de natureza alimentar.

CTN. Já no Código Tributário Nacional, dispõem os artigos 134 e 135:

Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:

(…)

VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

(…)

III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

Em 2013, o instituto também foi trazido na Lei anticorrupção, no artigo 14:

Art. 14: A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, observados o contraditório e a ampla defesa.”

Nessa linha de evolução, as mudanças no Código de Processo Civil, em 2015 também trouxeram significativas inovações à aplicação do instituto:

Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo. §1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.

Art. 134.  O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.

  • 1º A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.
  • 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.
  • 3º A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2o.
  • 4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.

E as alterações continuaram ao longo do tempo, com a reforma trabalhista (Lei 13.467/2017), restou evidente a aplicação do instituto previsto no Código de Processo Civil ao processo do trabalho com algumas peculiaridades, vejamos:

Art. 855-A. Aplica-se ao processo do trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto nos arts. 133 a 137 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil.

  • 1o Da decisão interlocutória que acolher ou rejeitar o incidente: I – na fase de cognição, não cabe recurso de imediato, na forma do § 1o do art. 893 desta Consolidação; II – na fase de execução, cabe agravo de petição, independentemente de garantia do juízo; III – cabe agravo interno se proferida pelo relator em incidente instaurado originariamente no tribunal.
  • 2o A instauração do incidente suspenderá o processo, sem prejuízo de concessão da tutela de urgência de natureza cautelar de que trata o art. 301 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).

 

Assim, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica teve sua aplicabilidade expressamente reconhecida ao processo do trabalho.

O incidente suspenderá o processo, sem prejuízo de concessão da tutela de urgência de natureza cautelar de que trato o artigo 301 do Código de Processo Civil, ou seja, a medida cautelar que poderá ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito.

Desta forma, doutrinadores e juristas começaram a desenvolver teses aptas a determinar um procedimento eficaz para coibir fraudes, utilizando-se de pessoas jurídicas para colimar esse fim.

 

  1. CONCEITO, TERMINOLOGIAS E AS ESPÉCIES DE EMPRESÁRIOS NO BRASIL FRENTE AO TEMA

 

2.1. CONCEITO E TERMINOLOGIAS EMPREGADAS

 

Trata-se de uma doutrina/instituto que defende a possibilidade de superação episódica da personalidade jurídica de uma sociedade, nas hipóteses envolvendo fraude, abuso ou desvio de função, com o objetivo de satisfazer terceiro que foi lesado, por meio do patrimônio dos próprios sócios, que passam a ter responsabilidade pessoal diante do ilícito ocorrido.

 

Atribui-se a Rubens Requião[12]  o pioneirismo em trazer para a comunidade jurídica brasileira a teoria do Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. A questão foi apresentada na Conferência proferida na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, por ocasião das comemorações do primeiro centenário de nascimento do Des. Vieira Cavalcanti Filho, fundador da Faculdade e seu primeiro catedrático de Direito Comercial (Revista dos Tribunais RT 410/12 dez./1969).

 

A finalidade da teoria foi introduzir mecanismo técnico jurídico capaz de orientar os julgadores a enfrentar as manobras fraudentas perpetradas pelos titulares da pessoa jurídica em prejuízo explicito aos direitos dos credores.  Em momento algum se pretende ou se pretendeu afastar os sócios da sociedade empresária. Ao contrário é um mecanismo capaz de proporcionar aos credores meios para reprimir o mau uso ou desvirtuamento da personalidade jurídica, preservando o direito de crédito.

“A teoria da desconsideração da personalidade jurídica não é uma teoria contrária à personalização das sociedades empresárias e à sua autonomia em relação aos sócios. O seu objetivo é preservar o instituto, coibindo práticas fraudulentas e abusivas que dele se utilizam” (COELHO, 2013, p. 60/61).

Salienta Coelho “(…) a superação para o conflito entre as soluções éticas, que questionam a autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizar sempre os sócios, e as técnicas, que se apegam inflexivelmente ao primado da separação subjetiva das sociedades” [13]

Elementos essenciais. Para Requião (2003)[14], a fraude e o abuso de direto continuam sendo os elementos essenciais que autorizam o Poder Judiciário a atingir o patrimônio particular dos sócios componentes da sociedade, dotada de personalidade jurídica, aniquilando assim o princípio da autonomia patrimonial.

Termos (direito comparado). A desconsideração da personalidade jurídica é tratada em outros países por meio dos seguintes termos[15]:

  • Utiliza o termo “desestimação” (desestimacíon) da personalidade jurídica.
  • A jurisprudência utiliza o termo “penetração” (durchgriff) da personalidade jurídica.
  • Itália. “Superação” da Personalidade jurídica.
  • França. “Afastamento” (mise a l’écart) da personalidade jurídica

 

 

 

2.1.1. DESPERSONALIZAÇÃO E DESCONSIDERAÇÃO.

 

Há quem faz confusão empregando o termo despersonalização no lugar de desconsideração.

 

São terminologias diferentes, pois, a despersonalização traduz a extinção da própria personalidade jurídica, nos termos do Art. 51 do CC, ao passo que a desconsideração consiste em uma superação pontual, em razão da fraude, abuso ou desvio de finalidade, tendo assim a pessoa jurídica existência distinta de seus membros.

 

GAGLIANO. Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO. Rodolfo. Indicam,  com propriedade, que é possível a coexistência e aplicação dos dois institutos.

“Entretanto, reconhecemos que, em situações de excepcional gravidade, poderá justificar-se a despersonalização, em caráter definitivo, da pessoa jurídica, entendido tal fenômeno como a extinção compulsória, pela via judicial, da personalidade jurídica. Apontam-se os casos de algumas torcidas organizadas que, pela violência de seus integrantes, justificariam o desaparecimento da própria entidade de existência ideal.”.[16]

 

Corresponsabilidade e solidariedade. São eventos diferentes da desconsideração pois, na hipótese em que os sócios são solidariamente responsáveis pelas dívidas sociais, esta regra vem por força de lei (exemplo: instituição de uma sociedade em nome coletivo) ou por vontade dos sócios, mediante cláusula contratual.

 

Decretação e declaração.  Por fim, tanto a despersonalização quanto à desconsideração, por terem natureza jurídica de sanção, são fatos que ocorrem por meio de decretação, ao contrário da responsabilidade solidária dos sócios em relação às dívidas sociais que é reconhecida (declarada) por força de lei ou por vontade das partes.

 

2.2. As espécies de empresários no Brasil frente ao tema

 

Proposta do instituto jurídico. Conforme dito anteriormente, a desconsideração da personalidade jurídica tem como pressuposto o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. Nesse sentido, a intenção do legislador foi a de proteger a personalidade jurídica, pois é esta que sofre os golpes aplicados pelos seus titulares ou administradores, com os ataques oriundos do desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.

Questão importante. Além da aplicabilidade do instituto em relação às sociedades personificadas, é preciso esclarecer se empresário individual, microempresário individual e a sociedade limitada unipessoal possuem personalidade jurídica própria, distinta dos seus titulares. O instituto da desconsideração tem por finalidade afastar a personalidade jurídica para penetrar nos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

Sociedades despersonificadas. Em algumas situações previstas na legislação, como é caso das sociedades despersonalizadas – sociedade em comum e sociedade em conta de participação – tratada pelos artigos 986 ao 996 do código civil, a ausência da personalidade jurídica, afasta, por completo, à aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.

 

  • Sociedade em comum. A previsão está inserida no Art. 990, que estabelece que “Todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, excluído do benefício de ordem, previsto no art. 1.024, aquele que contratou pela sociedade”.

 

  • Sociedade em conta de participação. A regra está prevista no Art. 991 “Na sociedade em conta de participação, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes.”.

 

Nestes dois casos, não há dúvida que é impossível desconsiderar personalidade jurídica, simplesmente, pela ausência da personalidade jurídica. Quem pratica o ato fraudulento é a pessoa natural e em seu nome próprio e não a pessoa jurídica de direito privado, que não existe no mundo jurídico.

 

2.2.1. Empresário Individual

 

Empresário individual ou firma individual, como alguns preferem denominar, é toda pessoa física que exerce atividade empresarial, conforme se observa da regra estabelecida no art. 986 do código civil.

 

“Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”.

 

Veja que neste caso a própria pessoa natural (física) é quem exerce a atividade empresarial e o faz em seu nome próprio. Não há que falar em divisão patrimonial, separação dos bens sociais e dos bens pessoais, pois, o conjunto de bens, que está sob o domínio do empresário pertence ao próprio empresário (pessoa natural).

 

O desenvolvimento da atividade na condição de empresário individual não exige a criação da pessoa jurídica, carecendo, portanto, de personalidade jurídica.

Toda atividade é exercida em nome da pessoa natural.

 

Os bens utilizados para a consecução da atividade laborativa é irrelevante destacá-los dos bens comuns pessoais. Todos pertencem ao mesmo conjunto patrimonial administrado pela pessoa natural.

A ausência da personalidade jurídica, por si só, elimina a possibilidade da aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.

 

É ledo engano pensar que a existência de CNPJ é indicativo da existência de pessoa jurídica.

 

Conforme dispõe o Art. 44. Do código civil:

 

São pessoas jurídicas de direito privado:

I – as associações;

II – as sociedades;

III – as fundações.

IV – as organizações religiosas;

V – os partidos políticos.

 

Estas são as pessoas jurídicas que adquirem personalidade jurídica própria e distinta dos seus integrantes. A existência legal inicia-se com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro (Art. 45 do CC). Adquirindo personalidade jurídica passa a ser titular de direito e responde pelas obrigações independentemente dos direitos e deveres das pessoas que a criou. Não adquirindo personalidade jurídica própria, o enquadramento é de sociedade em comum.[17]

 

O critério para a concessão do CNPJ pela Receita Federal tem natureza tributária e fiscal e só, não repercutindo na personalidade jurídica.

 

A guisa de esclarecimentos. Entes despersonalizados como o condomínio, por exemplo, entre outros, estão sujeitos a inscrição perante a Receita Federal e a obtenção do CNPJ, mas não são pessoas jurídicas de direito privado[18].

No âmbito judicial destaca-se:

 

Ementa: Agravo de Instrumento – Execução – Empresário individual – Ausência de personalidade jurídica própria – Inexistência de separação entre o patrimônio pessoal da titular e o patrimônio da empresa – Execução realizada no interesse do exequente – Possibilidade de constrição de ativos financeiros do empresário individual executado – Descabimento da pretensão de desbloqueio da quantia penhorada – Além de não ser possível extrair dos autos a assertiva de que a conta corrente objeto da constrição é destinada, exclusivamente, ao pagamento de salário dos funcionários, há que ressaltar que, à mingua da apresentação de balancete contábil, tampouco se vislumbra efetivo comprometimento das atividades da atividade empresarial – Regra do artigo 833, IV, do Novo Código de Processo Civil, que trata da impenhorabilidade, se destina, tão-somente, a quem recebe os valores a título de verba alimentar, e não àquele responsável pelo seu pagamento – (…) (TJSP, AI nº 2019454-63.2022.8.26.0000, Relator(a): Mauro Conti Machado; Órgão julgador: 16ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 09/05/2022; Data de publicação: 16/05/2022)

 

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE COBRANÇA – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – Tratando-se a agravante de empresa sob firma individual, seu patrimônio se confunde com o do sócio, pois o mesmo é o único responsável pelo adimplemento das obrigações mercantis, não podendo se distinguir entre a empresa e a pessoa física – Desnecessidade de instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica para a sua inclusão no polo passivo da execução – Negado provimento (TJSP, AI nº 2056757-14.2022.8.26.0000, Relator(a): Hugo Crepaldi; Órgão julgador: 25ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 11/05/2022; Data de publicação: 11/05/2022)

 

2.2.2. microempreendedor Individual – MEI

 

É um empreendedor individual, amplamente conhecido como profissional autônomo. Aquele que desenvolve atividade autônoma, tal como ocorre com o empresário individual.

 

O MEI é um empresário individual que se enquadra na definição do art. 966 do código civil.[19]

 

O objetivo traçado pelo governo federal foi criar um mecanismo simples, visando estimular o enquadramento de profissionais autônomos exercentes de atividades profissionais na informalidade, possibilitando o acesso a benefícios previdenciários (salário maternidade, auxílio-doença, auxílio-reclusão, pensão por morte, aposentadoria por invalidez e aposentadoria por idade).

 

Tem como fundamento a lei complementar nº 128/2008, com diversas modificações que foram introduzidas, em especial, pela lei complementar nº 147/2014.

 

Da mesma forma que foi abordado em empresário individual, o MEI, também não está sujeito ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica.

 

A outorga do CNPJ pela Receita Federal, como já esclarecido anteriormente, tem natureza tributária e fiscal, não repercutindo na personalidade jurídica.

 

Nesse sentido:

 

Ementa: CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – Indeferimento do pedido de pesquisas de bens em nome de suposta pessoa jurídica – Insurgência – Descabimento – Ausência de pessoa jurídica no caso – Microempreendedor individual (MEI) que, apesar de possuir CNPJ próprio, não é pessoa jurídica, mas a própria pessoa física do devedor – Impossibilidade de confusão patrimonial, tendo em vista tratar-se de uma só pessoa – Recurso desprovido (TJSP, AI nº 2049212-24.2021.8.26.0000, Relator(a): Luiz Antonio de Godoy, Órgão julgador: 1ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 08/10/2021, Data de publicação: 08/10/2021)

 

Ementa: APELAÇÃO. Embargos à Execução. Impugnação à execução procedida contra “sócio” da “empresa” sem ter havido incidente de desconsideração da personalidade jurídica ou comprovação dos requisitos do art. 50 do CC. Sentença de procedência. Recurso do embargado. Alegação de que a “empresa” trata-se, na verdade, de MICROEMPREENDEDOR INDIVIDUAL (MEI) sendo desnecessária a desconsideração por corresponder a empresário individual. Possibilidade. Firma individual é ficção jurídica, cuja função é a de habilitar a pessoa física a exercer a atividade empresária, concedendo-lhe tratamento especial de natureza fiscal. Não há, portanto, diante destas circunstâncias, dicotomia entre a pessoa natural e a firma por ela constituída, não havendo que se falar em desconsideração da personalidade jurídica. Patrimônios que se confundem. Sentença reformada. Sucumbência revista. Recurso provido (TJSP, Apelação cível nº 1003143-73.2021.8.26.0024, Relator(a): Achile Alesina, Órgão julgador: 15ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 24/08/2021, Data de publicação: 24/08/2021)

 

Podemos então afirmar que o MEI e o Empresário Individual, possuem o mesmo tratamento jurídico. Ambos são responsáveis pelo adimplemento das obrigações empresariais, incluindo as tributárias e fiscais, não havendo, portanto, possibilidade de distinguir pessoa jurídica de direito privado de pessoa natural. O patrimônio é único. Não há separação patrimonial, que é exigido das pessoas jurídicas de direito privado.

 

2.2.3. o antigo “empresário individual de responsabilidade limitada – eireli” e a atual sociedade limitada unipessoal

 

Embora o legislador tenha utilizado a expressão “Empresa Individual de Responsabilidade Limitada”, sob o ponto de vista acadêmico, tomou como base a “Teoria da Empresa”, por se tratar de uma pessoa, a terminologia correta era “Empresário Individual de Responsabilidade Limitada”.

 

Esta espécie de empresário foi introduzida no direito brasileiro pela lei nº 12.441/2011, que acrescentou o Art. 980-A no código civil. Trata-se de um novo modelo de empreendimento, constituído com um único titular, vez que a legislação da época não acolhia a possibilidade de sociedade unipessoal. O rol das pessoas jurídicas de direito privado, descrito no Art. 44 do código civil, também, sofreu alteração pela Lei nº 12.441/2011, introduzindo na alínea VI as empresas individuais de responsabilidade limitada. Por se tratar de pessoa jurídica de direito privado, a norma a ser seguida está descrita no Art. 45 do código civil.

 

Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.

 

A EIRELI possuía personalidade jurídica própria distinta do seu titular, havendo, portanto, dois patrimônios a serem considerados – o da pessoa jurídica e o da pessoa natural, que detém a titularidade do capital social.

 

Posteriormente, a legislação brasileira passou a admitir a sociedade unipessoal. O Art. 41 da Lei 14.195 de 26.08.2021 extinguiu as empresas individuais de responsabilidade limitada, transformando as existentes, automaticamente, em sociedades limitadas unipessoais.

“As empresas individuais de responsabilidade limitada existentes na data da entrada em vigor desta Lei serão transformadas em sociedades limitadas unipessoais independentemente de qualquer alteração em seu ato constitutivo”.

 

Cabível a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica na hipótese envolvendo sociedades limitadas unipessoais.

 

  1. PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO E A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.

 

3.1. DOS SÓCIOS E DA PESSOA JURÍDICA.

 

O exercício da atividade econômica [20] deve sempre valorizar o trabalho humano e a livre iniciativa, tendo por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios da propriedade privada e a função social da propriedade.

 

Sob tal perspectiva, a Constituição Federal impõe que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, observado o seguinte conjunto de princípios gerais que norteiam a atividade econômica.

 

É necessário diferenciar a autonomia patrimonial do sócio e a pessoa jurídica. A legislação brasileira permite a criação da pessoa jurídica. Ente dotado de personalidade jurídica própria e distinta daquele que a criou ou administra. É certo que a pessoa jurídica de direito privado nasce da vontade de uma ou mais pessoas naturais. Mas, uma vez criada, adquire existência legal com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro [21].

Uma vez criada a pessoa jurídica, observa-se que ela passa a ter autonomia patrimonial, distinta dos seus criadores e dirigentes, quer seja, na condição de sócio, acionista, associado, instituidor ou administrador [22].

 

Portanto, estamos diante de dois conjuntos que requerem proteção patrimonial – os bens dos sócios e os bens sociais da pessoa jurídica. Proteger o patrimônio dos sócios, tem por finalidade assegurar que estes não sejam atingidos por dívidas assumidas pela pessoa jurídica. Da mesma forma que a proteção do patrimônio da pessoa jurídica não devem ser atingidos por dívidas pessoais, assumidas pelo sócio.

 

A proteção patrimonial depende da adoção de alguns comportamentos:

  1. i) Saber escolher o modelo ou estrutura da pessoa jurídica, para que se possa traçar os critérios da proteção patrimonial. Na sociedade em nome coletivo, por exemplo, todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente, pelas obrigações sociais. Na sociedade limitada, por exemplo, a responsabilidade dos sócios está limitada à sua participação societária. Entretanto, enquanto não integralizado o capital social, todos respondem solidariamente pela complementação.  De forma suscinta. É saudável que pense na organização empresarial e repense, sempre que for necessário.
  2. ii) Elaborar o contrato social de forma criteriosa contendo além das cláusulas exigidas pela legislação e aplicáveis ao tipo societário, o estabelecimento de critérios para solução de eventuais impasses ou controvérsias ou mesmo a movimentação societária, quer por iniciativa do sócio quer por fatores exógenos. Para a elaboração do contrato social é preciso muita dedicação, deixando de lado os fatores pessoais e focando na pessoa jurídica. As facilidades trazidas pela vida moderna, notadamente no âmbito do direito de família, podem influenciar na organização societária.

iii) Definir capital social de acordo com as necessidades iniciais da sociedade previne risco quanto a confusão patrimonial. Sabemos que no direito brasileiro que acompanha a tendência das legislações de outros países, não estabelece regras para a adequar o capital social à atividade empresarial. Entretanto, o valor do capital social deve ser adequado à atividade explorada pela sociedade.  Afinal para o inicio da atividade econômica a empresa irá necessitar de máquinas, tecnologia, mão de obra, matéria prima, … Coelho (2013) menciona que as sociedades possuem dois meios para obter recursos financeiros – capitalizar ou buscar financiamento no mercado financeiro[23] .

  1. iv) criar e manter fundos para contingências, para devedores duvidosos, entre outros, que auxiliam a empresa para suportar eventuais surpresas com possíveis demandas judiciais.

A adoção das cautelas com a construção de um contrato social sólido e adequado à realidade do negócio empresarial, mantém a empresa nos trilhos. Penetrar no patrimônio dos sócios para satisfação do direito de credores é medida extrema, extraordinária e é aplicada por exceção, quando presente o abuso da personalidade jurídica[24].

 

 

3.2. TEORIA MAIOR

 

No que se refere à Teoria Maior, são considerados os seguintes critérios para a sua adoção: o desvio da finalidade e a confusão patrimonial (TARTUCE, Flávio, 2020, p. 162)[25]. Aquele refere-se à Teoria Maior Subjetiva, no qual é necessário que se prove o uso abusivo ou fraudulento da personalidade jurídica, o que caracteriza um desvio de funcionalidade; e este, diz respeito à Teoria Maior Objetiva, na qual inexiste uma separação de patrimônio da pessoa jurídica e da pessoa física.[26]

 

A teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica possui duas formulações, a objetiva e a subjetiva, e é considerada pela doutrina e jurisprudência como a regra geral da desconsideração da personalidade jurídica no sistema jurídico brasileiro. A primeira delas trata da confusão patrimonial, situação que possui maior facilidade de ser comprovada. Já a formulação subjetiva pressupõe a fraude e o abuso de direito, elementos estes com maior dificuldade de serem comprovados, pois a intenção que o sócio possui em frustrar os interesses do credor deve ser demonstrada, não se pode aplicá-la com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Para esta teoria, o simples inadimplemento de obrigações para com os credores não configura a desconsideração. O credor necessita, para se valer da possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica da empresa devedora, não apenas provar sua insolvência, mas também demonstrar que houve desvio de finalidade da sociedade ou confusão patrimonial entre seus bens e o de seus sócios, essa teoria é exceção e aplicada com bastante cautela pelos Tribunais brasileiros.

Desconsiderar a personalidade jurídica pela simples insolvência do devedor vai de encontro com os preceitos básicos do direito empresarial, que preza pela total separação dos bens da pessoa jurídica e da pessoa física de seus sócios.

Tal entendimento se vislumbra facilmente no posicionamento do Judiciário:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CÓDIGO CIVIL DE 2002 (ART. 50). TEORIA MAIOR. RELAÇÃO DE NATUREZA CIVIL-EMPRESARIAL. ACÓRDÃO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA N. 83/STJ. REVISÃO DAS CONCLUSÕES DO ARESTO RECORRIDO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1. Esta Corte adotou orientação no sentido de que, nas relações jurídicas de natureza civil-empresarial, o legislador pátrio adotou a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, segundo a qual é exigida a demonstração da ocorrência de algum dos elementos objetivos caracterizadores de abuso da personalidade jurídica, tais como o desvio de finalidade (caracterizado pelo ato intencional dos sócios em fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica) ou a confusão patrimonial (configurada pela inexistência, no campo dos fatos, de separação patrimonial entre o patrimônio da pessoa jurídica e os bens particulares dos sócios ou, ainda, dos haveres de diversas pessoas jurídicas). 2. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, não há como afastar as premissas fático-probatórias estabelecidas pelas instâncias ordinárias, soberanas em sua análise, pois, na via estreita do recurso especial, a incursão em tais elementos esbarraria no óbice do enunciado n. 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. 3. Agravo interno improvido.

(STJ – AgInt no AgInt no AREsp: 1580544 RJ 2019/0269127-5, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 16/08/2021, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/08/2021) [27]

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ART. 50 DO CÓDIGO CIVIL. REQUISITOS. AUSÊNCIA. SÚMULA Nº 7/STJ. NÃO INCIDÊNCIA.

  1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3 do STJ).
  2. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a desconsideração da personalidade jurídica a partir da Teoria Maior (art. 50 do Código Civil) exige a comprovação de abuso, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pelo que a mera inexistência de bens penhoráveis ou eventual encerramento irregular das atividades da empresa não justifica o deferimento de tal medida excepcional.
  3. A falta de integralização do capital da sociedade limitada também não pode ser considerada como fundamento suficiente para a desconsideração da personalidade jurídica.
  4. Não há falar em incidência da Súmula nº 7/STJ porque a solução da controvérsia cinge-se a discutir a qualificação jurídica dos fatos delineados no acórdão recorrido.
  5. Agravo interno não provido.

(AgInt no AgInt no AREsp 1593637/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/06/2021, DJe 17/06/2021) [28]

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. REQUISITOS AUSENTES. DISSOLUÇÃO IRREGULAR E AUSÊNCIA DE BENS PENHORÁVEIS. INSUFICIÊNCIA. 1. A jurisprudência do STJ firmou o entendimento no sentido de que a existência de indícios de encerramento irregular da sociedade aliada à falta de bens capazes de satisfazer o crédito exequendo não constituem motivos suficientes para a desconsideração da personalidade jurídica, eis que se trata de medida excepcional e está subordinada à efetiva comprovação do abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. 2. Agravo interno não provido.

(STJ – AgInt no AREsp: 2021508 RS 2021/0354278-6, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 11/04/2022, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/04/2022)[29]

 

3.3. TEORIA MENOR

 

A Teoria Menor, por sua vez, não exige a prova de fraude ou de prática abusiva, muito menos requer a prova de confusão patrimonial entre os bens da pessoa jurídica e física, basta apenas uma mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações.

Tal teoria foi adotada pela Lei de Crimes Ambientais[30] e pelo Código de Defesa do Consumidor (parágrafo 5º)[31].

 

Tal se dá em virtude do protecionismo norteador das normas de consumo, que tem como objetivo final sempre reparar o consumidor, que é a parte mais hipossuficiente da lide.

A teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica é muito menos elaborada do que a teoria maior, pois a sua aplicação pressupõe o simples inadimplemento para com os credores, sem ao menos analisar os reais motivos que levaram a sociedade empresarial deixar de se obrigar perante terceiros.

É suficiente que se prove a insolvência da pessoa jurídica, bem assim, a impossibilidade de efetuar o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.

Também é aplicada, se o sócio utilizou fraudulentamente o instituto, se houve abuso de direito, tampouco se foi configurada a confusão patrimonial; a preocupação maior é não frustrar o credor da sociedade empresarial.

A teoria menor da desconsideração, por sua vez, parte de premissas distintas da teoria maior: para a incidência da desconsideração com base na teoria menor, basta a prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações.

Para esta teoria, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a sociedade empresarial, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da sociedade empresarial.

 

Os nossos Tribunais adotam a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. TEORIA MENOR. APLICAÇÃO. PESSOA JURÍDICA COMO ENTRAVE AO RESSARCIMENTO. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO PELOS PREJUÍZOS CAUSADOS À CONSUMIDORA. INCLUSÃO NO POLO PASSIVO DA OBRIGAÇÃO. ART. 28, § 5º DO CDC. 1. Sendo a relação jurídica originariamente estabelecida entre as partes de natureza consumerista, aplica-se a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, por meio da qual se admite a responsabilização dos sócios quando a personalidade da sociedade empresária configurar impeditivo ao ressarcimento dos prejuízos causados ao consumidor, nos termos do art. 28, § 5º do CDC. 2. Conseguintemente, patenteado que a personalidade jurídica da empresa constitui em manifesto entrave ao ressarcimento dos prejuízos já experimentados pela agravada, reconhecidamente desde 18.4.2017, força convir pela possibilidade de ser alcançado o patrimônio de seu sócio, com o escopo de efetivar o cumprimento da sentença condenatória proferida em sede de ação de rescisão contratual c/c restituição de importâncias pagas e indenização. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E DESPROVIDO.

(TJ-GO – AI: 00762428820208090000, Relator: Des(a). SANDRA REGINA TEODORO REIS, Data de Julgamento: 11/05/2020, Assessoria para Assunto de Recursos Constitucionais, Data de Publicação: DJ de 11/05/2020) [32]

Há previsão legal no ordenamento jurídico trabalhista – Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), quanto a aplicação da teoria da desconsideração[33]. A aplicação já era possível por analogia visando a proteção dos direitos do empregado. Melhor explicando. Pelo princípio da igualdade substancial, presente tanto no código de defesa do consumidor como na consolidação das leis do trabalho, deve-se aplicar a norma jurídica protetiva em função da hipossuficiência (consumidor em relação do fornecedor e empregado em relação ao empregador). Ainda, assim, é preciso considerar que no direito do trabalho prevalece a teoria do risco da atividade econômica, que está assentada no Art. 2º da CLT[34]. Se é o empregador quem assume os riscos da atividade econômica, significa que não pode transferir para o empregado o ônus da sua incumbência.

Marcelo Terra Reis (2011, p. 125) diz que alguns magistrados do âmbito trabalhista fundamentam que a sociedade, no momento da sua constituição, assumiu os riscos da atividade para adotar a teoria menor, porém “toda atividade econômica possui o risco. A verba pleiteada pelo reclamante é de natureza alimentar, caracterizando-se fraude a tentativa de obstar e impedir a sobrevivência do trabalhador se respaldando de legislação para aplicação da teoria menor”.[35]

Esta corrente está alicerçada em dois elementos subjetivos, ou seja, a fraude, fraude é um meio malicioso utilizado para prejudicar, burlar terceiro, adquirindo vantagens sobre ele, e o abuso de direito, uso anormal e até inadequado de um instituto jurídico que possa vir a prejudicar a terceiros.

Para a fraude basta que haja a consciência de que determinado ato ou atitude pode produzir um dano a terceiro credor, dispensada a intenção de causar este prejuízo por parte do devedor.

 

Eis a tendência do judiciário trabalhista.

AGRAVO DE PETIÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. APLICAÇÃO DA TEORIA MENOR. POSSIBILIDADE. No âmbito da Justiça do Trabalho é aplicável a previsão do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, denominada pela doutrina como Teoria Menor ou Objetiva da despersonalização da pessoa jurídica, segundo a qual basta que a sociedade revele-se incapaz de saldar o débito, bastando a “mera inadimplência”, para que se possa desconsiderar a respectiva personalidade jurídica, redirecionando a execução em face dos bens dos respectivos sócios. No caso, infrutíferas as tentativas de localização de bens livres e desembaraçados empreendidas em face das empresas executadas, resta configurado obstáculo ao ressarcimento dos créditos do trabalhador e, por conseguinte, atendido o requisito para a desconsideração da personalidade jurídica, segundo a Teoria Menor.

(TRT-23 – AP: 00009040220185230106 MT, Relator: AGUIMAR MARTINS PEIXOTO, 2ª Turma, Data de Publicação: 31/03/2022)[36]

Diante do exposto, se ocorrer a insolvência ou a falência da sociedade, pode ocorrer a quebra do princípio da autonomia patrimonial, com o objetivo de atingir o patrimônio particular do sócio, denota-se que, ou seja teoria possui uma visão objetivista.

Essa corrente visa beneficiar os credores, que geralmente são hipossuficientes em relação aos devedores, quando a pessoa jurídica não mais possui condições, sequer patrimônio para honrar as dívidas assumidas, mas seus sócios não estão insolventes.

 

AGRAVO DE PETIÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. TEORIA MENOR DA DESCONSIDERAÇÃO. A Justiça do Trabalho adota a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, de modo que a ausência de pagamento, por parte da Empregadora, já caracteriza abuso de personalidade jurídica da Empresa que se utilizou do trabalho do Empregado, como forma de implementar seus objetivos sociais, sem a contraprestação dos direitos previstos na legislação trabalhista. Correta, assim, a Decisão agravada. Agravo de Petição improvido. (Processo: AP – 0000380-51.2015.5.06.0019, Redator: Eneida Melo Correia de Araujo, Data de julgamento: 06/04/2022, Segunda Turma, Data da assinatura: 06/04/2022)

(TRT-6 – AP: 00003805120155060019, Data de Julgamento: 06/04/2022, Segunda Turma, Data de Publicação: 06/04/2022)[37]

 

  1. APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.

 

4.1. Empresário individual, microempreendedor individual (MEI), empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI) e sociedade limitada unipessoal.

 

A desconsideração da personalidade jurídica é tratada pelo código civil em seu artigo 50 e tem como pressuposto o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.

A intenção do legislador foi a de proteger a personalidade jurídica, pois é esta que é atacada pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.

É preciso estabelecer se empresário individual, microempresário individual, empresária individual de responsabilidade limitada e a sociedade limitada unipessoal, possuem personalidade jurídica própria, distinta dos seus titulares. O instituto da desconsideração tem por finalidade afastar a personalidade jurídica para penetrar nos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

Em algumas situações previstas na legislação, como é caso das sociedades despersonalizadas – sociedade em comum e sociedade em conta de participação – tratada pelos artigos 986 ao 996 do código civil, a ausência da personalidade jurídica, afasta, por completo, à aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.

Na sociedade em comum, a previsão está inserida no Art. 990, que estabelece que “Todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, excluído do benefício de ordem, previsto no art. 1.024, aquele que contratou pela sociedade”. E, na sociedade em conta de participação a regra do Art. 991 “Na sociedade em conta de participação, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes.”. Nestes dois casos, não há dúvidas que é impossível a desconsideração da personalidade jurídica, simplesmente, pela existência dela.

 

 

 

 

4.2. EMPRESÁRIO INDIVIDUAL

 

Empresário individual ou firma individual, como alguns preferem denominar, é toda pessoa física que exerce atividade empresarial, conforme se observa da regra estabelecida no art. 986 do código civil.

“Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”.

Veja que neste caso a própria pessoa natural (física) é quem exerce a atividade empresarial e o faz em seu nome próprio. Não há que falar em divisão patrimonial, separação dos bens sociais e dos bens pessoais, pois, o conjunto de bens, que está sob o domínio do empresário pertence ao próprio empresário (pessoa natural).

E a personalidade jurídica?

O desenvolvimento da atividade na condição de empresário individual não exige a criação da pessoa jurídica, carecendo, portanto, de personalidade jurídica. Toda atividade é exercida em nome da pessoa natural, confundindo, eventuais bens utilizados para a consecução da atividade com os pessoais. Os bens fazem parte do mesmo conjunto, administrado pela pessoa natural, que explora a atividade econômica empresarial.

A inexistência da personalidade jurídica elimina a possibilidade da aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica. A concessão do CNPJ pela Receita Federal tem natureza tributária e fiscal e só, não repercutindo na personalidade jurídica.
 

2019454-63.2022.8.26.0000 – TJ SP
Relator(a): Mauro Conti Machado

Comarca: São Paulo

Órgão julgador: 16ª Câmara de Direito Privado

Data do julgamento: 09/05/2022

Data de publicação: 16/05/2022

Ementa: Agravo de Instrumento – Execução – Empresário individual – Ausência de personalidade jurídica própria – Inexistência de separação entre o patrimônio pessoal da titular e o patrimônio da empresa – Execução realizada no interesse do exequente – Possibilidade de constrição de ativos financeiros do empresário individual executado – Descabimento da pretensão de desbloqueio da quantia penhorada – Além de não ser possível extrair dos autos a assertiva de que a conta corrente objeto da constrição é destinada, exclusivamente, ao pagamento de salário dos funcionários, há que ressaltar que, à mingua da apresentação de balancete contábil, tampouco se vislumbra efetivo comprometimento das atividades da atividade empresarial – Regra do artigo 833, IV, do Novo Código de Processo Civil, que trata da impenhorabilidade, se destina, tão-somente, a quem recebe os valores a título de verba alimentar, e não àquele responsável pelo seu pagamento – Descabimento, igualmente, da pretensão de liberação da penhora, sob a alegação de que o valor constrito se apresenta ínfimo – Além de a execução, conforme anteriormente salientado, ser realizada no interesse do exequente, é certo que o montante constrito, ainda que inferior àquele almejado, será utilizado para amortizar o débito – Dever, outrossim, do executado de apresentar os meios menos onerosos, por ventura existentes, para a satisfação da dívida – Artigo 805, parágrafo único, da lei de ritos – Recurso a que se nega provimento.

2056757-14.2022.8.26.0000

 

Classe/Assunto: Agravo de Instrumento / Estabelecimentos de Ensino

Relator(a): Hugo Crepaldi

Comarca: São Paulo

Órgão julgador: 25ª Câmara de Direito Privado

Data do julgamento: 11/05/2022

Data de publicação: 11/05/2022

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE COBRANÇA – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – Tratando-se a agravante de empresa sob firma individual, seu patrimônio se confunde com o do sócio, pois o mesmo é o único responsável pelo adimplemento das obrigações mercantis, não podendo se distinguir entre a empresa e a pessoa física – Desnecessidade de instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica para a sua inclusão no polo passivo da execução – Negado provimento.

Classe/Assunto: Apelação Cível / Prestação de Serviços
 

1001725-60.2021.8.26.0005

Relator(a): Antonio Rigolin

Comarca: São Paulo
Órgão julgador: 31ª Câmara de Direito Privado
Data do julgamento: 11/05/2022
Data de publicação: 11/05/2022
Ementa: PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. AÇÃO DE COBRANÇA. ALEGAÇÃO DE VÍCIO PROCESSUAL POR FALTA DA APRESENTAÇÃO DOS ATOS CONSTITUTIVOS DA EMPRESA. SIMPLES HIPÓTESE DE EMPRESÁRIO INDIVIDUAL. IRREGULARIDADE SANADA. RECURSO IMPROVIDO, NESSA PARTE. 1. O autor é empresário individual (pessoa física), que recebeu da Receita Federal um número de CNPJ apenas para efeito tributário, fato que não tem repercussão no âmbito civil. Não existe, portanto, uma pessoa jurídica distinta da física, mas simplesmente uma pessoa física, com um único patrimônio a considerar. 2. Ademais, o vício de falta de apresentação de documentos pessoais do autor é sanável, de modo que, ocorrida a regularização na oportunidade respectiva, não há mais razão para qualquer questionamento. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. AÇÃO DE COBRANÇA. ALEGAÇÃO DE IRREGULARIDADE NA CONTRATAÇÃO E DE INEXISTÊNCIA DA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. PREMATURA REALIZAÇÃO DO JULGAMENTO QUE SE RECONHECE. HIPÓTESE EM QUE EXISTE CONTROVÉRSIA A RESPEITO DE FATO, A ENSEJAR DILAÇÃO PROBATÓRIA. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO. SENTENÇA ANULADA. RECURSO PROVIDO. Uma vez estabelecida a controvérsia a respeito do fato principal e sendo insuficientes os elementos constantes dos autos para o devido esclarecimento, impunha-se admitir a dilação probatória. A realização do julgamento antecipado, no caso, gerou prejuízo ao direito processual de produção de provas relevantes e pertinentes, a justificar a anulação da sentença e o retorno dos autos ao Juízo de origem para a necessária dilação probatória.
4.3. MICROEMPREENDEDOS INDIVIDUAL (MEI)

 

É um empreendedor individual, amplamente conhecido como profissional autônomo. Aquele que desenvolve atividade autônoma, tal como ocorre com o empresário individual. O MEI é um empresário individual que se enquadre na definição do art. 966 do código civil.

O objetivo traçado pelo governo federal foi criar um mecanismo simples, visando estimular o enquadramento de profissionais autônomos exercentes de atividades profissionais na informalidade, possibilitando o acesso a benefícios previdenciários (salário maternidade, auxílio-doença, auxílio-reclusão, pensão por morte, aposentadoria por invalidez e aposentadoria por idade).

Tem como fundamento a lei complementar nº 128/2008, com diversas modificações que foram introduzidas, em especial, pela lei complementar nº 147/2014.

 

O Art. 18-A e parágrafos, define o Microempreendedor individual – MEI como aquele que aufere receita bruta no ano-calendário anterior, de até R$ 81.000,00 (oitenta e um mil reais), que seja optante pelo Simples Nacional e que não esteja impedido de optar pela sistemática prevista neste artigo, e seja empresário individual que se enquadre na definição do art. 966 do Código Civil e o empresário individual exercente de atividade de comercialização e processamento de produtos de natureza extrativista.

 

Podemos então afirmar que o MEI e o empresário individual, possuem o mesmo tratamento. Ambos são os responsáveis pelo adimplemento das obrigações empresariais, incluindo as tributárias e fiscais, não havendo, portanto, possibilidade de distinguir empresa de pessoa natural. O patrimônio é único.

 

Da mesma forma que foi abordado em empresário individual, o MEI, também não está sujeito ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica. A outorga do CNPJ pela Receita Federal, tem natureza tributária e fiscal, não repercutindo na personalidade jurídica.

 

2049212-24.2021.8.26.0000

Classe/Assunto: Agravo de Instrumento / Compra e Venda

Relator(a): Luiz Antonio de Godoy
Comarca: São Paulo
Órgão julgador: 1ª Câmara de Direito Privado
Data do julgamento: 08/10/2021
Data de publicação: 08/10/2021
Ementa: CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – Indeferimento do pedido de pesquisas de bens em nome de suposta pessoa jurídica – Insurgência – Descabimento – Ausência de pessoa jurídica no caso – Microempreendedor individual (MEI) que, apesar de possuir CNPJ próprio, não é pessoa jurídica, mas a própria pessoa física do devedor – Impossibilidade de confusão patrimonial, tendo em vista tratar-se de uma só pessoa – Recurso desprovido.

 

1003143-73.2021.8.26.0024
Classe/Assunto: Apelação Cível / Duplicata
Relator(a): Achile Alesina
Comarca: Andradina
Órgão julgador: 15ª Câmara de Direito Privado
Data do julgamento: 24/08/2021
Data de publicação: 24/08/2021
Ementa: APELAÇÃO. Embargos à Execução. Impugnação à execução procedida contra “sócio” da “empresa” sem ter havido incidente de desconsideração da personalidade jurídica ou comprovação dos requisitos do art. 50 do CC. Sentença de procedência. Recurso do embargado. Alegação de que a “empresa” trata-se, na verdade, de MICROEMPREENDEDOR INDIVIDUAL (MEI) sendo desnecessária a desconsideração por corresponder a empresário individual. Possibilidade. Firma individual é ficção jurídica, cuja função é a de habilitar a pessoa física a exercer a atividade empresária, concedendo-lhe tratamento especial de natureza fiscal. Não há, portanto, diante destas circunstâncias, dicotomia entre a pessoa natural e a firma por ela constituída, não havendo que se falar em desconsideração da personalidade jurídica. Patrimônios que se confundem. Sentença reformada. Sucumbência revista. Recurso provido.

 

2005088-53.2021.8.26.0000  (Segredo de Justiça)
Classe/Assunto: Agravo de Instrumento / Alimentos
Relator(a): José Joaquim dos Santos
Comarca: São Paulo
Órgão julgador: 2ª Câmara de Direito Privado
Data do julgamento: 30/06/2021
Data de publicação: 30/06/2021
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ALIMENTOS. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. Indeferimento. Confusão patrimonial entre microempresário e pessoa física. Ausência de distinção entre o patrimônio da empresa e da pessoa física do executado. Entendimento deste Tribunal. R. decisão reformada. Recurso provido.

 

 

 

 

4.4. EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA (EIRELI) E SOCIEDADE LIMITADA UNIPESSOAL

 

Introduzida no direito brasileiro pela lei nº 12.441/2011 que acrescentou o Art. 980-A no código civil. Trata-se de um novo modelo de empreendimento, constituído com um único titular, vez que a legislação da época não acolhia a possibilidade de sociedade unipessoal.

É importante destacar, que o Art. 41 da Lei 14.195 de 26.08.2021 ao extinguiu as empresas individuais de responsabilidade limitada, transformando, automaticamente, as existentes, em sociedades limitadas unipessoais.

“As empresas individuais de responsabilidade limitada existentes na data da entrada em vigor desta Lei serão transformadas em sociedades limitadas unipessoais independentemente de qualquer alteração em seu ato constitutivo”.

Todavia, para o fim que se propôs este trabalho continuaremos a analisar a possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica

O rol das pessoas jurídicas de direito privado, descrito no Art. 44 do código civil, também, sofreu alteração pela Lei nº 12.441/2011, introduzindo na alínea VI as empresas individuais de responsabilidade limitada.

Por se tratar de pessoa jurídica de direito privado, a norma a ser seguida está descrita no Art. 45 do código civil.

Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.

A EIRELI possui personalidade jurídica própria distinta do seu titular, havendo, portanto, dois patrimônios a serem considerados – o da pessoa jurídica e o da pessoa natural, que detém a titularidade do capital social.

 

 

 

 

 

  1. DIREITO PROCESSUAL

 

5.1. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

 

O novo Código de Processo Civil de 2015 trouxe a figura do incidente de desconsideração da personalidade jurídica estabelecendo os procedimentos necessários para sua aplicação, bem como a definição quanto ao seu cabimento no caso concreto.

A questão do momento adequado rendeu muita discussão e podia ser reconhecida em três grandes correntes doutrinárias. Senão vejamos:

– a que considerava a desconsideração apenas em processo de conhecimento, devendo ser objeto do devido processo legal;

– a que já considerava a desconsideração via incidente processual em conhecimento, execução e cumprimento de sentença; e,

– a que considerada a desconsideração via incidentes, em procedimentos cautelares.

Não obstante as diferentes linhas de pensamento, claro sempre foi que o momento oportuno se daria, sempre e invariavelmente, após o esgotamento de todas as tentativas de satisfação do crédito através do patrimônio da sociedade.

Ao juiz cabe o papel de indagar, examinar, perquirir as atividades empresariais. Esmiuçar a forma e o modo pelo qual a empresa está atuando na busca de elementos que demonstrem, de forma cabal, se atua de forma a cumprir o seu objetivo social ou, ao contrário, se se utiliza da figura da personalidade jurídica para a prática de atos contrários à Lei. Nas palavras de  Osmane Antônio dos SANTOS, em A Desconsideração da personalidade jurídica (Disregard doctrine), publicada pela Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Brasília, v. 11, n. 1, p. 37-63, jan. 1999 (https://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/21927) , acessado em 30/06/2022:

“… A disregard doctrine não visa a anular a personalidade jurídica, mas somente objetiva desconsiderar, no caso concreto, dentro de seus limites, a pessoa jurídica em relação às pessoas ou bens que atrás delas se escondem.”…

Outro ponto importante é que por não ser sujeita aos efeitos do prazo prescricional, o incidente de desconsideração pode ser arguido em qualquer fase do processo, inclusive, S.M.J., com a inicial, com vistas a preservar direitos dos envolvidos no caso concreto. O artigo 134 do CPC é bastante claro em relação a isso:

 

“Artigo 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.”

 

Digno de nota ainda, que há doutrinadores que defendem, inclusive, que o próprio juiz poderia dar início, de ofício, ao referido incidente. Por certo, sempre que outro não for o procedimento exigido pelo direito material (MARIONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo código de processo civil comentado., 1ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.).

 

5.2. PROVOCAÇÕES

 

O art. 133 do CPC traz a obrigação da manifestação da parte ou do Ministério Público. Note, não a intimação, mas sim a citação (art. 135), privilegiando assim os Princípios do Contraditório e Ampla Defesa.

No que se refere a necessidade de manifestação do Ministério Público em incidente de desconsideração, conforme preceitua o art. 178 do CPC, ele se faz necessário desde que haja obrigatoriedade da sua intervenção. Ou seja, nos casos de: i) interesse público ou social; ii) interesse de incapaz; ou, iii) litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana.

Nesse sentido, também, dispõe o Enunciado 123 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC):

  1. (art. 133) É desnecessária a intervenção do Ministério Público, como fiscal da ordem jurídica, no incidente de                                    desconsideração da personalidade jurídica, salvo nos casos                        em que deva intervir obrigatoriamente, previstos no art. 178.                           (Grupo: Litisconsórcio e Intervenção de Terceiros).

XI Fórum Permanente de Processualistas – Brasília, 2022[38]

 

Vamos além: o mesmo Fórum acima mencionado, já se pronunciou no sentido de que:

  1. (arts. 15 e 133, CPC; 855-A, CLT) A desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho deve ser                           processada na forma dos arts. 133 a 137. (Grupo: Impacto                            do CPC no Processo do Trabalho; redação revista no IX FPPC-                     Recife)72

 

  1. (art. 133) Aplica-se o incidente de desconsideração da personalidade jurídica no processo falimentar. (Grupo: Impactos do           CPC nos Juizados e nos procedimentos especiais de legislação                         extravagante) [39]

 

Por certo que não estamos tratando aqui de texto legal. No entanto, trata-se de compilação trazida por renomados processualistas, com o intuito de servir de orientativo nas decisões do Judiciário como um todo.

 

5.3. INCIDENTE OU NOVA AÇÃO

 

No passado havia um entendimento de que um simples despacho ou decisão interlocutória não teria o condão de determinar a desconsideração, ainda que presentes alguns de seus requisitos. O pedido deveria ser objeto de uma nova ação de conhecimento que seria submetida ao devido processo legal, sem “queimar etapas”.

 

Ora, em que pese o respeito ao entendimento acima exarado, fato é que o legislador, no novo CPC adotou o modelo do “incidente” com vistas a dar celeridade processual aos procedimentos que visem a satisfação dos direitos de credores, em âmbito geral.

 

O Superior Tribunal de Justiça também já tem jurisprudência sobre o tema, e dispôs, assim, em Recurso Especial:

[…] 4. A teoria da “disregard doctrine” surgiu como mecanismo para coibir o uso abusivo da autonomia da pessoa jurídica para a prática de atos ilícitos em detrimento dos direitos daqueles que com ela se relacionam.

  1. A comprovação de que a personalidade jurídica da empresa está servindo como cobertura para abuso de direito ou fraude nos negócios, deve ser severamente reprimida. […]. STJ, 3ª Turma, REsp 1721239/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 27/11/2018, publicado em 06/12/2018)

 

Fato é que atualmente a tese do incidente é a que prevalece, até por força de determinação legal, mesmo sendo-lhe permitido o requerimento já na petição inicial, quando se vislumbrar fundado receio de que os requisitos para se requerer a desconsideração se façam presentes (art. 134 parágrafo 2º CPC).

Superada a questão, vale ressaltar que, uma vez instaurado o incidente, o curso do processo principal será suspenso até que se resolva a questão. E, mais, nesse momento, somente serão discutidos os elementos/requisitos para reconhecimento ou não da desconsideração. Não será possível, tampouco cabível, qualquer discussão que se relacione ao mérito do caso.

 

Em havendo a decisão sobre o requerimento da desconsideração, a depender da forma que for prolatada: despacho interlocutório ou sentença, caberá o recurso adequado, quais sejam: agravo de instrumento ou apelação, respectivamente.

No curso do incidente, há ainda vertentes diferentes sobre o que pode ou não ser discutido:

– há os que entendem que após a inclusão no polo passivo, em decorrência da desconsideração, não se pode discutir, por exemplo, a validade do título que está sendo cobrado. O momento para essa discussão já se encerrou e, o “ingressante”, tem apenas a obrigação de saldar a dívida;

– enquanto outros entendem que, uma vez que ingressou no processo somente em razão da desconsideração, nesse momento é que surge a oportunidade de discutir os fundamentos da execução, como por exemplo, a prescrição do título executado. Essa teoria nos parece a mais razoável, vez que se deve primar pelos ditames dos princípios do Contraditório e Ampla Defesa.

 

5.4. GRUPO ECONÔMICO

 

É cediço na doutrina e jurisprudência que o legislador conferiu, à pessoa jurídica, personalidade jurídica própria e independente das de seus sócios, com o intuito de viabilizar a prática de atividades autônomas no campo negocial.

Esses entes jurídicos independentes podem, por diversas razões que aqui não serão abordadas, ao se agruparem, dar lugar ao que se denomina Grupo Econômico, ou seja, quando duas ou mais empresas atuam de forma coordenada, com objetivos comuns, ou desde que exista uma relação de subordinação entre elas (quando uma empresa tem controle sobre as demais).

 

Podemos dizer que essa é a regra geral sobre o que se entende por Grupo Econômico. No entanto, para sua aplicabilidade em casos concretos, há que se socorrer da legislação em vigor que, com as recentes “atualizações”, dão o tom do que deverá ser analisado para sua efetiva caracterização.

Vamos abordar nesse trabalho as mudanças mais recentes e que elegemos como as mais relevantes:

  1. a reforma trabalhista que estabeleceu que para a caracterização do grupo econômico de empresas não há mais necessidade de que haja a existência de uma empresa mãe. Isto é, uma empresa exclusiva para controle das demais. Basta a existência de influência recíproca entre elas, ao demonstrar que todas visam o mesmo objetivo. Há que se analisar a relação de fato entre as empresas.

Ou seja, podemos concluir que houve a ampliação do antigo conceito, considerando a existência de grupos horizontais, embora também continue considerado o grupo verticalizado, que é o tradicional, anterior à reforma.

  1. a edição da Lei nº 13.874/2019, conhecida como a Lei de Liberdade Econômica, que trouxe mudanças significativas no instituto da desconsideração da personalidade jurídica e, em especial, em relação ao tratamento do grupo econômico, pois definiu legalmente os conceitos de “confusão patrimonial” e “desvio de finalidade”, alterando a redação do artigo 50, do Código Civil que não trazia tais definições:
    1. confusão patrimonial que deve ser entendida como a ausência de separação de fato entre os patrimônios dos sócios e o da sociedade, podendo ser caracterizada pelo adimplemento sistemático das obrigações particulares do sócio ou do administrador por parte da sociedade, ou o contrário, o pagamento de obrigações da sociedade pelo sócio ou pelo administrador, com recursos pessoais; e,
    2. desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores, bem como com o intuito de dar vazão à prática de atos ilícitos de qualquer natureza.

 

É possível depreender dessa alteração que a simples existência do grupo econômico não é elemento suficiente para uma possível desconsideração da personalidade jurídica. Há que se analisar um conjunto de elementos e, em havendo a comprovação de que tais ilícitos foram praticados, aí sim o referido instituto pode ser aplicado ao caso concreto. Vamos além, a novel legislação também fez importante referência a “bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso”, de forma a esclarecer que a desconsideração da personalidade jurídica não deve atingir a todos os sócios necessária e indistintamente.

 

Ainda, entendemos que essa alteração legislativa tem reflexo direto na esfera do direito tributário, pois o fisco busca atribuir responsabilidade por dívidas tributárias a pessoas jurídicas distintas pelo simples fato de integrarem o mesmo grupo econômico. Essa regra não deve mais ser aceita, já que a atribuição de responsabilidade tributária a outras empresas que integram o grupo econômico depende da efetiva comprovação do abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, na forma do artigo 50 do Código Civil.

 

Contudo, na execução fiscal contra Grupo Econômico, o STJ já manifestou entendimento que há incompatibilidade entre o incidente de desconsideração de personalidade jurídica estabelecido no Código de Processo Civil e a Lei 6.830/1980, quando presentes os requisitos dos artigos 124, 133 e 135 do Código Tributário Nacional, bastando que as empresas do grupo econômico figurem na Certidão de Dívida ativa e, consequentemente, no pólo passivo da ação:

“REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL. SUCESSÃO DE EMPRESAS. GRUPO ECONÔMICO DE FATO. CONFUSÃO PATRIMONIAL. INSTAURAÇÃO DE INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DESNECESSIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022, DO CPC/2015. INEXISTÊNCIA.

I – Impõe-se o afastamento de alegada violação do art. 1.022 do CPC/2015, quando a questão apontada como omitida pelo recorrente foi examinada no acórdão recorrido, caracterizando o intuito revisional dos embargos de declaração.

II – Na origem, foi interposto agravo de instrumento contra decisão que, em via de execução fiscal, deferiu a inclusão da ora recorrente no polo passivo do feito executivo, em razão da configuração de sucessão empresarial por aquisição do fundo de comércio da empresa sucedida.

III – Verificado, com base no conteúdo probatório dos autos, a existência de grupo econômico e confusão patrimonial, apresenta-se inviável o reexame de tais elementos no âmbito do recurso especial, atraindo o óbice da Súmula n. 7/STJ.

IV – A previsão constante no art. 134, caput, do CPC/2015, sobre o cabimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, na execução fundada em título executivo extrajudicial, não implica a incidência do incidente na execução fiscal regida pela Lei n. 6.830/1980, verificando-se verdadeira incompatibilidade entre o regime geral do Código de Processo Civil e a Lei de Execuções, que diversamente da Lei geral, não comporta a apresentação de defesa sem prévia garantia do juízo, nem a automática suspensão do processo, conforme a previsão do art. 134, § 3º, do CPC/2015. Na execução fiscal “a aplicação do CPC é subsidiária, ou seja, fica reservada para as situações em que as referidas leis são silentes e no que com elas compatível” (REsp n. 1.431.155/PB, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 27/5/2014).

V – Evidenciadas as situações previstas nos arts. 124, 133 e 135, todos do CTN, não se apresenta impositiva a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, podendo o julgador determinar diretamente o redirecionamento da execução fiscal para responsabilizar a sociedade na sucessão empresarial. Seria contraditório afastar a instauração do incidente para atingir os sócios-administradores (art. 135, III, do CTN), mas exigi-la para mirar pessoas jurídicas que constituem grupos econômicos para blindar o patrimônio em comum, sendo que nas duas hipóteses há responsabilidade por atuação irregular, em descumprimento das obrigações tributárias, não havendo que se falar em desconsideração da personalidade jurídica, mas sim de imputação de responsabilidade tributária pessoal e direta pelo ilícito.

VI – Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, improvido.

(REsp 1786311/PR, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/05/2019, DJe 14/05/2019)”

 

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO A PESSOA JURÍDICA. GRUPO ECONÔMICO “DE FATO”. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CASO CONCRETO.

NECESSIDADE.

  1. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art.

133 do CPC/2015) não se instaura no processo executivo fiscal nos casos em que a Fazenda exequente pretende alcançar pessoa jurídica distinta daquela contra a qual, originalmente, foi ajuizada a execução, mas cujo nome consta na Certidão de Dívida Ativa, após regular procedimento administrativo, ou, mesmo o nome não estando no título executivo, o fisco demonstre a responsabilidade, na qualidade de terceiro, em consonância com os artigos 134 e 135 do CTN.

  1. Às exceções da prévia previsão em lei sobre a responsabilidade de terceiros e do abuso de personalidade jurídica, o só fato de integrar grupo econômico não torna uma pessoa jurídica responsável pelos tributos inadimplidos pelas outras.
  2. O redirecionamento de execução fiscal a pessoa jurídica que integra o mesmo grupo econômico da sociedade empresária originalmente executada, mas que não foi identificada no ato de lançamento (nome na CDA) ou que não se enquadra nas hipóteses dos arts. 134 e 135 do CTN, depende da comprovação do abuso de personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, tal como consta do art. 50 do Código Civil, daí porque, nesse caso, é necessária a instauração do incidente de desconsideração da personalidade da pessoa jurídica devedora.
  3. Hipótese em que o TRF4, na vigência do CPC/2015, preocupou-se em aferir os elementos que entendeu necessários à caracterização, de fato, do grupo econômico e, entendendo presentes, concluiu pela solidariedade das pessoas jurídicas, fazendo menção à legislação trabalhista e à Lei n. 8.212/1991, dispensando a instauração do incidente, por compreendê-lo incabível nas execuções fiscais, decisão que merece ser cassada.
  4. Recurso especial da sociedade empresária provido.

(REsp 1775269/PR, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/02/2019, DJe 01/03/2019)”

 

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Este trabalho não esgota o tema, nem tem o propósito de substituir a forte doutrina que se desenvolve desde o final da década de 1800.

É um trabalho de resumo voltado aos estudantes de direito e aqueles que querem iniciar os estudos da desconsideração da personalidade jurídica.

O grupo deixou de abordar desconsideração inversa, tendo em vista que estava fora do escopo proposto, mas em uma outra oportunidade tecerá os comentários acerca desta evolução.

 

 

[1] TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial. Teoria Geral e Direito Societário, 6ª ed. V.1. São Paulo. 2014. Atlas.

 

[2] TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial. Teoria Geral e Direito Societário, 6ª ed. V.1. São Paulo. 2014. Atlas.

[3] GAGLIANNO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Manual de Direito Civil, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018.

[4] MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

[5] BRASIL, Deilton Ribeiro Brasil. RESGATE DOUTRINÁRIO DA TEORIA TRADICIONAL DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE DA PESSOA JURÍDICA. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 21, nº 1525, 20 de Junho de 2021. Disponível em: https://www.paginasdedireito.com.br/component/zoo/resgate-doutrinario-da-teoria-tradicional-da-desconsideracao-da-personalidade-da-pessoa-juridica.html

[6] Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5575535/mod_resource/content/0/05%20-%20Requi%C3%A3o%2C%20Abuso%20de%20direito%20e%20fraude%20da%20personalidade%20jur%C3%ADdica.pdf

 

[7] Trata-se de uma estrutura jurídica cuja fundamentação do Direito está no texto da lei. Aplica-se no Brasil desde a época colonial, herdado de Portugal.

[8] Fundamentada na jurisprudência e nos costumes.

[9] Artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor. “O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, e detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.”

[10] Art. 50 do código civil brasileiro – Em caso de abuso de personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

[11] Conselho da Justiça Federal. Jornadas de direito civil I, III, IV e V: enunciados aprovados / coordenador científico Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior. Brasília: Centro de Estudos Judiciários, 2012.

[12] REQUIÃO, Rubens. Professor Catedrático de Direito Comercial da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná.

[13] COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa: volume 2. São Paulo: Saraiva, 2014.

[14] REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. . v. 1. São Paulo, Saraiva, 2003.

 

[15] TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007..

[16] GAGLIANO. Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO. Rodolfo. Novo curso de direito civil. Parte Geral I. 14ª edição. Editora Saraiva.

[17] Artigos 986 a 990 do código civil.

[18] Instrução Normativa RFB Nº 1863, de 27 de dezembro de 2018

[19] Art. 966 do cc. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.

 

[20] Constituição Federal, Art. 170

[21] Art. 45 do código civil brasileiro. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.

[22] Art. 49-A do código civil brasileiro.  A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores.

Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos.

 

[23] COELHO, FÁBIO ULHOA. Curso de direito comercial, 17ª ed. São Paulo, v.2. Editora Saraiva, 2013

[24] Art. 50 do código civil e Art. 28 do código de defesa do consumidor.

[25] TARTUCE, Flávio, 2020, apud …….Braga Netto?????

[26] BRAGA NETTO; Felipe Peixoto, 2015.

 

[27]  https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1273360330/agravo-interno-no-agravo-interno-no-agravo-em-recurso-especial-agint-no-agint-no-aresp-1580544-rj-2019-0269127-5

 

[28] https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1273360330/agravo-interno-no-agravo-interno-no-agravo-em-recurso-especial-agint-no-agint-no-aresp-1580544-rj-2019-0269127-5/inteiro-teor-1273360340

 

[29] https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1466793579/agravo-interno-no-agravo-em-recurso-especial-agint-no-aresp-2021508-rs-2021-0354278-6/inteiro-teor-1466793589

 

[30] Lei 9.605/1998 – Art. 2º Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.

Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.

 

[31] Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

  • 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

[32]  https://tj-go.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/931832568/agravo-de-instrumento-cpc-ai-762428820208090000

[33] Art. 855-A da CLT. Aplica-se ao processo do trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto nos arts. 133 a 137 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil.

 

[34] Art. 2º da CLT – Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

[35] Desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresária: fundamentos da Justiça do Trabalho – Reis, Marcelo Terra, Julho de 2011, Editora, síntese, citação em Revista Síntese Direito Empresarial, Porto Alegre, v. 3, n. 21, p. 114-132, jul./ago. 2011. https://bd.tjdft.jus.br/jspui/handle/tjdft/8801 – Coleção : Revista Síntese Direito Empresarial (continuação da Revista Jurídica Empresarial)

 

[36]  https://trt-23.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1444078580/agravo-de-peticao-ap-9040220185230106-mt

 

[37]  https://trt-6.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1462990312/agravo-de-peticao-ap-3805120155060019

 

[38] https://diarioprocessual.com/2022/03/23/enunciados-fppc-2022/

Acesso em 10/05/2022 às 11:11

 

[39] XI Fórum Permanente de Processualistas – Brasília, 2022 https://diarioprocessual.com/2022/03/23/enunciados-fppc-2022/

Acesso em 10/05/2022 às 11:11

What Country Has the Horniest Women?

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STJ: mãe presa por dívida de pensão alimentar tem regime fechado convertido em domiciliar

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A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ concedeu parcialmente a ordem de ofício em habeas corpus ajuizado por uma mulher que foi presa por atrasar a pensão alimentícia do filho de 17 anos. A prisão civil será convertida do regime fechado para o domiciliar.

A guarda do jovem é exercida pelo pai e a dívida por pensão alimentícia é a única hipótese admitida no ordenamento jurídico de prisão civil, cumprida em regime fechado para incentivar o devedor a quitar a obrigação.

A devedora, no entanto, tem outro filho de apenas cinco anos, pelo qual é responsável. Ela justificou o atraso na pensão em virtude do desemprego e apontou que sua prisão prejudicará a criança, a quem exerce a guarda exclusiva.

Ao avaliar o caso, a ministra e relatora Nancy Andrighi aplicou o artigo 318, inciso V, do Código de Processo Penal por analogia, segundo o qual a prisão civil de devedor de pensão alimentar pode ser convertida do regime fechado para o domiciliar, na hipótese em que a mulher tenha filho de até 12 anos de idade.

Proteção integral da criança

Para a ministra, se a finalidade dessa regra é a proteção integral da criança mesmo diante da hipótese de possível prática de um ilícito penal pela mãe, não há razão para não aplicá-la às mães encarceradas em virtude de dívida de natureza alimentar.

Andrighi ainda autorizou que a mulher realize atividades profissionais enquanto estiver em prisão domiciliar a serem comprovadas perante o juízo da execução de alimentos.

“A segregação total e a impossibilidade absoluta de locomoção dificultam o adimplemento da obrigação alimentar e, mais do que isso, poderá colocar em risco a subsistência do filho que se encontra sob a guarda”, apontou ministra.

Aplicação inédita na esfera civil

A advogada Fernanda Las Casas, diretora do núcleo regional Santos, do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM,  afirma que o regime de prisão domiciliar concedido foi feito pelo voto do ministro João Otávio de Noronha que, seguindo a orientação do STJ, considerou ser possível a extensão do benefício de prisão-albergue domiciliar, previsto no artigo 117, inciso III, da Lei de Execução Penal, às gestantes e às mães de crianças de até 12 anos.

“O principal fundamento da obrigação de prestar alimentos está baseado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade familiar, bem como o ‘maior interesse da criança’, assim, entendo que o STJ, ao sopesar a proteção e os cuidados entre três crianças menores de 12 anos que estão sob os cuidados da mãe devedora, e o direito do alimentado de 17 anos a alimentos, agiu com parcimônia, mantendo a punição, protegendo o interesse dos demais filhos”, avalia.

Para ela, não teria qualquer benefício imediato ao alimentado a prisão em regime semiaberto para a mãe devedora. No entanto, caso a mãe devedora permanecesse em regime semiaberto o prejuízo às três crianças que estão sob sua guarda seria grande.

A advogada analisa que a decisão tem um “aparente ineditismo”, na medida em que foi aplicado por analogia o artigo 318, inciso V, do Código de Processo Penal, que é regularmente utilizado na esfera criminal.

“Esta possibilidade de substituição de regime para regime domiciliar já era utilizada, a novidade é que agora ele foi aplicado na esfera civil sob a fundamentação da proteção e do interesse das demais crianças que estão sob a guarda materna. Desta forma, o ineditismo é pelo uso da analogia, da interpretação da norma visando o princípio do integral interesse da criança”, ela afirma. HC 770.015

FONTE: IBDFAM, 13 de fevereiro de 2023.

Vara da Família do TJSP concede divórcio em sede de tutela de evidência

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A Segunda Vara da Família do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – TJSP concedeu a decretação de divórcio em sede de tutela de evidência. O recurso foi utilizado para garantir o divórcio sem que a parte que deseja pôr fim ao casamento tivesse que aguardar o trâmite processual que envolve toda a ação.

De acordo com os autos do processo, o relacionamento entre as partes chegou ao fim em 2020, período em que um dos cônjuges deixou a residência do casal e passou a residir em local desconhecido pela autora.

Diante da recusa do divórcio consensual, foi ajuizada uma ação, ainda em 2020, pedindo a decretação do divórcio em sede de tutela de evidência,  forma de antecipar uma decisão que seria proferida apenas ao fim do processo porque o direito da parte é evidente e facilmente comprovado.

O pedido foi negado pelo juízo de primeiro grau e a parte recorreu ao TJSP, que negou provimento ao recurso.

Após inúmeras tentativas de localizar o cônjuge para que ele pudesse ser citado e se manifestasse no processo, foi formulado um novo pedido de tutela de evidência para que o divórcio fosse decretado. Na última segunda-feira, 13 de fevereiro, o pedido foi deferido.

Direito incondicional

A advogada do caso, Beatriz do Brasil Volpi Leão, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, explica que o divórcio é um direito incondicional de todas as pessoas. Isso significa que é preciso que apenas uma das partes decida pôr fim ao casamento para que ele aconteça.

“Não é incomum encontrarmos certa resistência dos tribunais em conceder o divórcio em caráter liminar. Ainda que a noção do divórcio como um direito potestativo esteja consolidada na doutrina e entre os militantes do Direito de Família, a decisão não deixa de ser inovadora”, afirma.

Para ela, a decretação do divórcio em tutela de evidência é uma oportunidade para que o Estado respeite a autonomia privada dos brasileiros e, além disso, os processos tenham como foco temas “que são realmente controversos”, como a partilha de bens e questões relativas aos filhos.

“Nos processos judiciais que envolvem o Direito de Família, nós submetemos à apreciação do Judiciário as questões mais íntimas das pessoas. O fim de um relacionamento depende apenas da vontade de uma das partes e cabe ao outro e ao Judiciário apenas aceitar essa decisão”, pontua.

“A concessão do divórcio em sede de tutela de evidência é e precisa ser cada vez mais comum para que as pessoas possam exercer a liberdade que possuem sem estarem condicionadas à intervenção e demora do Judiciário para satisfazerem uma decisão extremamente pessoal”, conclui.

FONTE:  IBDFAM, 16 de fevereiro de 2023.

Terceira Turma reverte decisão de juiz que mandou afastar bebê da mãe ainda na maternidade

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A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, determinou que um recém-nascido seja devolvido à mãe, após o juiz de primeiro grau decretar que ele fosse encaminhado para casa de acolhimento. Segundo o colegiado, o deferimento da tutela de urgência para ordenar a busca e apreensão do bebê, anterior ao seu nascimento, foi prematuro e não observou os preceitos legais.

Na origem do caso, o Ministério Público de Santa Catarina ajuizou ação de destituição do poder familiar, cumulada com pedido de medida protetiva de acolhimento institucional, contra uma mulher grávida e a favor dos interesses do bebê ainda não nascido. Segundo o órgão ministerial, a gestante pretendia entregá-lo a uma prima e à sua companheira para adoção, sem respeitar a ordem dos candidatos registrados no cadastro de adotantes.

Foi deferida a tutela de urgência para determinar a busca e apreensão do bebê assim que nascesse, ainda no hospital, com a suspensão do poder familiar da mãe e a proibição de contato entre ela e a criança. A medida também concedeu, excepcionalmente, a guarda do recém-nascido ao primeiro casal habilitado na fila de adoção. Logo depois do parto, a criança foi encaminhada à instituição de acolhimento.

A mãe alega que, posteriormente a esses fatos, conseguiu emprego e decidiu cuidar do filho.

Disposição de dar a criança deve ser investigada por equipe profissional

O relator do caso no STJ, ministro Marco Aurélio Bellizze, observou que, nos termos do artigo 19-A do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a mãe pode manifestar o desejo de entregar seu filho para adoção antes mesmo do parto, mas, nesse caso, ela deve ser encaminhada à Justiça da Infância e da Juventude para que seja ouvida por uma equipe profissional, a qual levará em conta eventuais efeitos do estado gestacional e puerperal.

Segundo o ministro, se é garantido à genitora o direito de manifestar sua intenção de entregar o filho à adoção, não se mostra aceitável que o Poder Judiciário, em tutela de urgência, em cognição sumária, determine a retirada abrupta do recém-nascido do acolhimento materno, nos momentos seguintes ao parto, mesmo que se considere a ilegalidade da pretensão de adoção intuitu personae (quando os genitores escolhem os adotantes, sem respeitar a fila de pretendentes cadastrados).

“Importante deixar assente que não houve nenhum ato concreto de prejuízo à saúde do menor, nem mesmo potencial, pois ainda que a entrega do recém-nascido à prima e à sua companheira tivesse ocorrido de forma irregular, dever-se-ia aguardar o nascimento e a sua efetiva ocorrência, tendo em vista a maternidade ser capaz de modificar os sentimentos de qualquer ser humano” afirmou o relator.

Tutela de urgência impossibilitou norma do ECA que privilegia família natural

Bellizze destacou que caberia ao juízo cumprir a determinação legal e, primeiramente, encaminhar a mãe à equipe profissional para que fossem investigados os motivos de sua disposição de entregar o filho. Só depois disso é que poderiam ser tomadas outras medidas, em respeito aos princípios da proteção integral e do melhor interesse da criança.

O relator ressaltou que a criança tem o direito básico de ser criada em sua família natural –excepcionalmente, em família substituta. Para ele, a retirada extemporânea do bebê da guarda da mãe, inclusive com a proibição de contato entre ambos – decisão que considerou “ilegal e teratológica” –, inviabilizou por completo o cumprimento da norma segundo a qual devem ser tentados todos os meios possíveis para manter a criança em sua família natural (artigo 39, parágrafo 1º, do ECA).

FONTE: STJ, 13 de fevereiro de 2023.