* Marlon Tomazette –
1 – AS SOCIEDADES LIMITADAS E SUA IMPORTÂNCIA.
As sociedades por quotas de responsabilidade limitada representam mais de noventa por cento das sociedades comerciais existentes no Brasil, desempenhando papel fundamental no dia a dia comercial do país. Conquanto, não representem tanto investimento quanto às sociedades anônimas, é certo que tal tipo societário desempenha uma posição de destaque na vida econômica do país, sobretudo pelo elevado número de relações nas quais está presente.
O elevado número de sociedades limitadas se justifica pelas vantagens de tal tipo societário, unindo as vantagens das sociedades anônimas e das sociedades regidas pelo Código Comercial, isto é, tais sociedades possuem a limitação de responsabilidade das anônimas, e a simplicidade de constituição e administração das sociedades do Código Comercial, representando a forma ideal de exercício da atividade econômica por pequenas e médias empresas. Sem maiores formalidades ou complicações e com riscos limitados de prejuízo, é indubitável que é esta é a forma mais aconselhável para os pequenos e médios empreendimentos.
Tal tipo societário foi introduzido no Brasil pelo Decreto 3.708/19, o qual tem força de lei, e possuía apenas dezenove artigos, incluído o décimo nono que revoga as disposições em contrário. A concisão de tal decreto deixa enormes lacunas, as quais são normalmente supridas pela atuação dos próprios sócios. Todavia, nem sempre os sócios disciplinavam todos os assuntos necessários, dando margem a inúmeras discussões na doutrina sobre a solução para tais casos, demonstrando a imperfeição da disciplina de tão importante tipo societário[2].
Apesar das inúmeras críticas recebidas, tal decreto não sofreu nenhuma alteração em seus artigos, mantendo-se íntegra a disciplina original. Com o advento do novo Código Civil, as sociedades, doravante denominadas apenas limitadas, passam a ser disciplinadas mais detalhadamente.
No presente trabalho, analisaremos as inovações de tal disciplina, a luz da experiência brasileira e do direito comparado, mostrando que em alguns pontos, na verdade chegamos a um retrocesso.
2 – A LEGISLAÇÃO SUPLETIVA
Mesmo com o advento do novo código civil, a legislação sobre as sociedades limitadas se mostra insuficiente, sendo necessário o recurso à outra legislação, que será aplicada supletivamente.
Com o advento do novo Código Civil, a questão recebe um novo tratamento, ao se afirmar que nas omissões do capítulo sobre as limitadas, incidem as regras sobre a sociedade simples, salvo se no contrato social, os sócios preferirem a aplicação da lei das sociedades anônimas[3].
O novo Código Civil afasta a discussão doutrinária, assegurando aos sócios a liberdade de adotar as regras das sociedades simples ou das sociedades anônimas. Ao invés de disciplinar toda a matéria, o contrato social pode simplesmente fazer referência à lei das sociedades anônimas, ou silenciando, buscar a solução nas normas sobre as sociedades simples.
Todavia, tal regime peca em inúmeros sentidos.
Em primeiro lugar, o ideal seria que a sociedade limitada possuísse toda uma regulamentação própria, não necessitando do socorro a nenhuma legislação supletiva. Em segundo lugar, as normas sobre as sociedades simples nem sempre se adequam à velocidade das relações empresariais da atualidade, na medida em que não foram feitas para disciplinar as sociedades empresárias.
Ora, as sociedades simples não se destinam ao exercício de atividade empresarial, ao contrário das sociedades limitadas que exercem basicamente tal tipo de atividade. Assim sendo, é um contra-senso buscar nas sociedades simples soluções, para as sociedades limitadas[4]. Melhora seria a inexistência de remissões, ou ainda a remissão simplesmente à lei de sociedades anônimas, que melhor se coaduna com a natureza das atividades desenvolvidas na limitada.
Além disso, a dualidade de regimes legislativos da sociedade limitada é extremamente perigosa, pois pode gerar uma grande insegurança, sobretudo no que diz respeito às relações da sociedade com terceiros, matéria esta que não está sujeita a disciplina pelos sócios, nem é disciplinada especificamente em relação às limitadas, e possui tratamento diverso nas sociedades anônimas e nas sociedades simples.
3 – FORMAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL
O capital social é formado pela soma das contribuições dos sócios, que são destinadas à realização do objeto social. Assim, o capital social é aquele patrimônio inicial, próprio da sociedade, indispensável para o início das atividades sociais.
O capital social só pode ser alterado mediante uma alteração do contrato social, daí falar-se também em capital nominal, vale dizer, trata-se de um valor fixado no contrato social, cuja variação é condicionada a uma alteração desse contrato. De outro lado, há o patrimônio da sociedade, que não se confunde com o capital social, pois o patrimônio está sujeito a oscilações a todo instante. Normalmente, o capital social se identifica com o patrimônio inicial da sociedade[5].
Conquanto represente a princípio, um valor nominal, as contribuições dos sócios devem ser efetivas, não podendo ser fictícias, dada a importância do capital social, como garantia dos credores e também para a determinação da responsabilidade dos sócios perante terceiros. Por isso, não se pode incorporar ao capital social um bem por um valor superior ao seu valor efetivo. A fim de proteger a integridade do capital social, o novo Código Civil afirma que os sócios respondem solidariamente pela exata estimação dos bens conferidos, pelo prazo de 5 anos (art. 1.055), vale dizer, se houve uma super avaliação de bens em prejuízo da efetividade do capital social, os sócios serão obrigados a desembolsar a diferença de seu patrimônio pessoal.
4 –A VONTADE DA SOCIEDADE
A sociedade limitada regular é uma pessoa jurídica e como tal é dotada de uma vontade própria, expressa pelos sócios em reunião ou assembléia. Há que se ressaltar que tais reuniões ou assembléias devem deliberar sobre as matérias de maior importância para a sociedade, pois no dia a dia, quem exprime e põe em prática a vontade da sociedade são os administradores[6], em função da sua capacidade gerencial.
Para as matérias de maior relevância exige-se um encontro formal dos sócios para a deliberação. Tais matérias são aquelas indicadas nos artigos 1.071, 1.066 § 1º, e 1.068, como por exemplo, a aprovação de contas, modificações do contrato, fusões, nomeação de administradores e fixação de sua remuneração, dentre outras matérias relevantes.
Nesses casos, as deliberações dos sócios serão tomadas em reuniões ou assembléias. Todavia, em qualquer caso, dispensa-se a assembléia ou a reunião se houver pronunciamento por escrito de todos os sócios (art. 1.072, § 3º), tal qual ocorre no direito português[7]. Trata-se de uma questão de lógica, pois em tais já houve a manifestação prévia da unanimidade dos sócios, vale dizer, a vontade social já se exteriorizou.
4.1 – REUNIÕES
As reuniões dos sócios não possuem maiores regras no corpo do código civil, sendo aplicadas às mesmas as disposições do contrato social, e no silêncio as regras sobre a assembléia. A reunião será utilizada em sociedades dotadas de poucos sócios, menos de dez, havendo uma grande margem de liberdade para sua disciplina no contrato social[8], pois em tais sociedades não seria razoável impor os requisitos e formalidades de uma assembléia[9], as quais são obrigatórias para as sociedades com mais de 10 sócios.
4.2 – ASSEMBLÉIA DOS SÓCIOS
Em relação às assembléias, órgão que exprime a vontade da sociedade, o novo código desce a inúmeros detalhes, esclarecendo a obrigatoriedade da realização da mesma nos primeiros quatro meses após o final do exercício social, a fim de apreciar as contas dos administradores, deliberar sobre o balanço patrimonial e sobre o balanço econômico, e eventualmente designar administradores, e quaisquer outras matérias incluídas pelos sócios. Institui-se no âmbito das limitadas algo muito similar a assembléia geral ordinária da sociedade anônima. Além de tal assembléia ordinária, outras podem ser realizadas para tratar dos mais diversos assuntos.
Não sendo caso de dispensa da realização da assembléia geral, a mesma deve ser convocada, pelos administradores, e subsidiariamente pelos sócios ou pelo conselho fiscal, se houver (Art. 1.073). A convocação deve ser realizada de forma a dar ciência inequívoca aos sócios da data, hora, local e relação das matérias a serem tratadas, para que os mesmos compareçam e possam defender seus interesses na formação da vontade social. Em face disso, deve haver um procedimento legal para a convocação da mesma. Neste particular, andou mal o novo código civil, ao estabelecer que a convocação será realizada por meio de publicações na imprensa (art. 1.152, § 3º), o que é muito dispendioso para a sociedade, além de dar uma ciência presumida da realização da assembléia.
Tentando contornar as dificuldades da convocação pela imprensa, o próprio código admite a sua dispensa, desde que compareçam todos os sócios, ou que todos dêem a ciência por escrito da realização da assembléia. Melhor seria estipular de imediato a mesma regra dos direitos italiano e português, que determinam a convocação mediante aviso postal para os sócios nos endereços constantes dos livros sociais, com uma antecedência mínima que varia de legislação para legislação[10], a qual além de menos dispendiosa, conseguiria de forma mais razoável atingir a finalidade de cientificar os sócios da realização da assembléia[11].
Não havendo a ciência escrita da realização da assembléia, deve haver a publicação por três vezes de editais na imprensa oficial e em jornal de grande circulação, com antecedência mínima de 8 dias contada da primeira publicação. Regularmente convocada, a assembléia deve ser instalada, isto é, deve iniciar seus trabalhos, para tanto se a presença de titulares[12] de três quartos do capital social, em primeira convocação.
Não atingido tal quorum, haverá uma segunda convocação, pelo mesmo modo, com antecedência mínima de 5 dias contada da primeira publicação, e a assembléia poderá funcionar com qualquer número. Entrando em funcionamento, à mesma compete deliberar sobre as matérias constantes da ordem do dia, devendo a assembléia ser presidida e secretariada por sócios, escolhidos entres os presentes (art. 1.075).
4.3 -DELIBERAÇÕES
As deliberações da sociedade serão tomadas pelos votos dos sócios, contados de acordo com a participação no capital social (art. 1.010). O exercício do direito de voto poderá ser efetivado pessoalmente ou por meio de procurador, exigindo-se que tal procurador seja outro sócio, ou um advogado. Haverá aqui a constituição de um mandatário, que deve ter poderes especiais, para votar todas as matérias da ordem do dia, ou apenas algumas, tal qual se entende em relação às sociedade anônimas[13].
Em se tratando de mandato sem uma delimitação de prazo exigida na lei, ao contrário do que ocorre na Sociedade anônima, acreditamos que se aplicam as regras gerais atinentes a tal contrato, admitindo-se sua estipulação por prazo indeterminado, e a revogação a qualquer tempo pelo mandante.
No regime do Decreto 3.708/19 foi estabelecido o regime majoritário, o qual não mais prevalece para o novo código civil, que estabelece quoruns diversificados para as deliberações. Assim, para a modificação do contrato social, a fusão, a incorporação da sociedade por outra, sua dissolução, ou a cessão do estado de liquidação exige-se a aprovação de três quartos do capital social. Em relação à nomeação, destituição ou fixação de remuneração dos administradores, bem como ao pedido de concordata, exige-se mais da metade de todo o capital social. Exige-se a unanimidade para a designação de administrador não sócio, enquanto o capital não estiver integralizado. Há ainda o quorum de dois terços do capital social para a destituição de administrador sócio, nomeado pelo contrato social, e para a nomeação de administrador não sócio, quando o capital já estiver totalmente integralizado. Por fim, em relação às demais deliberações exige-se a maioria dos votos dos presentes à assembléia, salvo quorum maior exigido pelo contrato social.
Acreditamos que um quorum qualificado estabelecido rigidamente na lei em três quartos do capital social é injustificável, porquanto poderá gessar a atuação das sociedades limitadas maiores, praticamente inviabilizando tais providências. Seria mais aconselhável estabelecer o quorum qualificado de mais da metade do capital social apenas, que já representaria efetivamente a vontade social, permitindo ao contrato social estipular um quorum maior. Desta forma, se atentaria para as peculiaridades de cada sociedade.
5 – ADMINISTRAÇÃO DA SOCIEDADE
A ausência de substrato concreto das pessoas jurídicas, torna imprescindível a intermediação de um órgão, para a exteriorização da vontade daquelas, bem como para a gestão da sociedade, isto é, para a condução dos negócios sociais de acordo com as linhas traçadas pelos sócios. Esse órgão é o órgão administrativo da sociedade, que pode ser composto por uma, ou por várias pessoas, que podem ter competências conjuntas ou separadas, ou ainda ter um regime complexo similar ao que ocorrer nas sociedades anônimas[14].
No regime do Decreto 3.708/19, nas sociedades por quotas de responsabilidade limitada tal “presentante” da vontade social deveria ser necessariamente sócio[15], porquanto o Decreto 3.708/19 ao se referir ao gerente, sempre o faz juntamente à palavra sócio, o que nos leva a conclusão de que só existem sócios – gerentes, não podendo haver gerentes alheios ao quadro social. Tal sócio deveria ser indicado no contrato social, e no silêncio deste a gerência será exercida por todos os sócios conjuntamente (art. 302, 3 do Código Comercial).
Com o novo Código Civil, a sistemática da gestão da sociedade limitada é profundamente alterada, sendo aperfeiçoada pelo novo diploma legal.
Em primeiro lugar, admite-se que o contrato social expressamente permita a nomeação de administradores estranhos ao quadro social, facilitando a profissionalização da gestão. Entretanto, caso exista a permissão contratual, ainda assim, exige-se um quorum qualificado para a nomeação de tais estranhos, qual seja, a unanimidade enquanto o capital não estiver totalmente integralizado, e dois terços do capital social após sua integralização, em função dos maiores riscos que podem advir da nomeação de um estranho.
Além disso, admite-se a nomeação dos administradores no contrato social ou em ato separado, neste caso pela maioria do capital social (art. 1.071, II e 1.076, II). Conquanto se aconselhe a nomeação no contrato social[16], é certo que a nomeação em ato separado não acarretará nenhuma insegurança nas relações da sociedade, pois tal administrador além de tomar posse na escrituração da sociedade, deverá averbar sua nomeação no registro competente (art. 1.062, § 2º). Assim, diante do registro sempre se terá certeza de quem é o administrador da sociedade.
6 – AS RELAÇÕES DA SOCIEDADE LIMITADA COM TERCEIROS
Diante do poder de “representação” que toca aos administradores da sociedade, são eles os responsáveis pelas relações da sociedade com terceiros, obedecendo-se aos limites impostos pela própria sociedade na organização do exercício desse poder.
Praticando atos que não extrapolem tais limites, os administradores praticam atos regulares de gestão, os quais são imputados à sociedade e não a eles, uma vez que são meros órgãos que fazem presente a vontade da sociedade. Tais atos são de responsabilidade exclusiva da própria sociedade, não havendo que se cogitar de responsabilização do patrimônio do administrador.
Todavia, nem sempre tais administradores agem da maneira correta, vale dizer, nem sempre eles exercem seus poderes em benefício exclusivo da sociedade, respeitando os limites de seus poderes. Em determinados casos, movidos por vicissitudes pessoais, eles podem agir violando a lei ou o contrato social, vale dizer, em exorbitância aos poderes que lhe foram atribuídos pelo contrato social.
Nesses casos, não há dúvida que o administrador assumirá responsabilidade pessoal por tais atos. De acordo com José Lamartine Corrêa de Oliveira “há simplesmente uma questão de imputação. Quando o diretor ou o gerente agiu com desobediência a determinadas normas legais ou estatutárias, pode seu ato, em determinadas circunstâncias, ser inimputável à pessoa jurídica, pois não agiu como órgão (salvo problema de aparência) – a responsabilidade será sua, por ato seu. Da mesma forma, quando pratique ato ilícito, doloso ou culposo: responderá por ilícito seu, por fato próprio”[17].
E a sociedade? Ela se vincula por tais atos? A sociedade terá responsabilidade perante os terceiros, e posteriormente responsabilizará o administrador que extrapolou seus poderes? Ou, a responsabilidade será exclusiva dos administradores?
Entendia-se antes do advento do novo Código Civil que as meras restrições contratuais aos poderes de gerência não são oponíveis perante terceiros de boa fé, uma vez que não se pode obrigar que os terceiros toda vez que forem contratar com a sociedade examinem o contrato social da mesma, para verificar os exatos limites dos poderes de gerência.
A dinâmica das relações contratuais, aliada a proteção da boa fé, impõe a aplicação da teoria da aparência, para vincular a sociedade. “É exigir demais, com efeito, no âmbito do comércio, onde as operações se realizam em massa, e por isso sempre em antagonismo com o formalismo, que a todo instante o terceiro que contrata com uma sociedade comercial solicite desta a exibição do contrato social, para verificação dos poderes do gerente…”[18]
A modernidade e a massificação das relações nos impõe neste caso a aplicação da teoria da aparência, pela qual se o ato parece regular é dessa forma que ele deve ser tratado. A boa-fé dos terceiros que contratam com a sociedade em situação que acreditam perfeitamente regular deve ser prestigiada. A sociedade e os sócios que escolheram mal o gerente não podem se beneficiar em detrimento da boa –fé de terceiros[19].
Tal posição vem sendo acolhida no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, que afirma expressamente que “é válida a fiança prestada por sócio-diretor de empresa com poderes de administração, sendo certo que a existência de vedação no contrato social pertine às relações entre os sócios, não tendo o condão de prejudicar o terceiro de boa-fé”[20].
Com o advento do novo Código Civil, há uma nova solução em detrimento dos terceiros de boa-fé.
Não há uma solução clara a tal questão nas normas relativas às sociedades limitadas. Todavia, os artigos 42 e 1.174 do novo Código Civil, que são normas gerais aplicáveis a todas as sociedades regidas por tal Código, afirmam que as restrições aos poderes do administrador podem ser opostas aos terceiros, desde que estejam averbadas no registro da sociedade, ou quando sejam conhecidas do terceiro com quem se tratou. Tais dispositivos denotam a ausência de responsabilização da sociedade pelos atos dos administradores, que extrapolem seus poderes, protegendo a sociedade em detrimento dos terceiros que de boa fé contratem com a sociedade.
Acolhe-se neste particular uma orientação que vem sendo abandonada no direito comparado[21], o qual tende a prestigiar o tráfico jurídico, não aplicando mais teorias como a dos atos ultra vires, que é reavivada com o advento do novo Código Civil (art. 1.015, parágrafo único; 42 e 1.174). Ademais, pune-se o terceiro de boa fé inclusive nos casos em que a aparência denota a regularidade do ato praticado
Além disso, mesmo que se fosse buscar a solução nas normas supletivamente aplicáveis às limitadas, quais sejam, as normas relativas às sociedades simples, e as normas relativas às sociedades anônimas, se chegaria a uma solução muito similar, pois o tratamento da matéria em relação às sociedades simples é diferente daquele dado às sociedades anônimas. Nestas, protege-se a boa fé dos terceiros, vinculando a sociedade sempre que a boa-fé estiver presente[22]. Naquelas, de acordo com o retrocesso que ocorrerá no novo código, o ato não vincula a sociedade se o terceiro estiver de má fé, se a restrição constar do contrato social, ou se o ato praticado for alheio ao objeto social (art. 1.015, parágrafo único).
Assim, com o novo regime, seria sempre necessária a consulta ao contrato social para saber se a sociedade neste particular é regida pelas normas das sociedades simples, ou pelas normas relativas às sociedades anônimas, o que dificulta, diminui a velocidade e torna mais inseguras as relações com a sociedade. No caso de aplicação das normas sobre as sociedades simples, a consulta ao contrato é necessária também para saber a real extensão dos poderes dos administradores. De outro lado, no caso de aplicação das regras sobre as sociedades anônimas, seria necessária a consulta ao contrato para se chegar a tal conclusão, o que já permitiria o conhecimento da exata extensão dos poderes dos administradores.
7 – DIREITO DE PREFERÊNCIA
No regime do Decreto 3.708/19 não havia nenhuma regra sobre o direito de preferência dos sócios, isto é, sobre a prioridade para a subscrição das novas quotas decorrentes do aumento do capital social.
Com o novo Código Civil, passa a haver uma disciplina expressa nesse sentido, assegurando-se aos sócios o direito de participar com prioridade no aumento do capital social, na proporção de suas quotas. Seguindo o exemplo das sociedades anônimas, é fixado o prazo decadencial de 30 dias para o exercício do direito de preferência. Transcorrido em branco tal prazo, será livre a negociação das quotas, condicionando-a, todavia, a uma posterior aprovação da modificação contratual que decorrerá de tal negociação.
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[1] Professor de Direito Comercial no Centro Universitário de Brasília – UniCeub e na Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Distrito Federal, Procurador do Distrito Federal e Advogado, autor do Livro “Direito Societário” da editora Juarez de Oliveira.
[2] MARTINS, Fran. Curso de direito comercial. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 268.
[3] Texto do artigo 1.053: “A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples.
Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima”
[4] ARAÚJO, Paulo Barreto de. Aspectos da sociedade limitada no projeto do Código Civil. Revista dos Tribunais. São Paulo, ano 67, v. 517, nov/78, p. 28; TEIXEIRA, Egberto Lacerda. As sociedades limitadas e o projeto do código civil. Revista de direito mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, Ano XXXIV, nº 99, jul-set/95, p. 69.
[5] LAURINI, Giancarlo. La societá a responsabilitá limitata: tra disciplina attuale e prospettive di riforma. Milano: Giuffré, 2000, 49.
[6] LAURINI, Giancarlo. La societá a responsabilitá limitata, p. 107.
[7] FURTADO, Jorge Henrique Pinto. Curso de direito das sociedades. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2000, p. 414.
[8] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 2, p. 427.
[9] GARRIGUES, Joaquín. Curso de derecho mercantil. 7. ed. Bogotá: Temis, 1987, v. 2, p. 258.
[10] FERRARA JÚNIOR, Francesco; CORSI, Francesco. Gli imprenditori e le societá.11. ed. Milano: Giuffrè, 1999, p. 879; FURTADO, Jorge Henrique Pinto. Curso de direito das sociedades, p. 400.
[11] TEIXEIRA, Egberto Lacerda. As sociedades limitadas e o projeto do código civil, p. 71
[12] Em tal quorum devem ser incluídos os procuradores dos sócios.
[13] CARVALHOSA, Modesto, Comentários à lei de sociedades anônimas, v. 2, p. 579
[14] LAURINI, Giancarlo, La societá a responsabilitá limitata, p. 142.
[15] REQUIÃO, Rubens, op. cit., p. 435; COELHO, Fabio Ulhoa, op. cit., p. 423; CRISTIANO, Romano Cristiano, Sociedade Limitada no Brasil, p. 139; LUCENA, José Waldecy, Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada, p. 317
[16] ANDRADE JUNIOR, Átila de Souza Leão. O novo direito societário brasileiro. Brasília: Brasília Jurídica, 1999, p. 200.
[17] OLIVEIRA, José Lamartine Côrrea. A dupla crise da pessoa jurídica. São Paulo: Saraiva, 1979, p. 520
[18] REQUIÃO, Rubens, Curso de direito comercial, Vol. 1, p. 397
[19] TOMAZETTE, Marlon. As sociedades por quotas de responsabilidade limitada e os atos dos sócios gerentes. Universitas Jus, Brasília, nº 5, p. 119-129, jan-jun 2000.
[20] STJ – 5ª Turma – RESP 180.201/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, DJ de 13.09.99.
[21] HAMILTON, Robert W, The law of corporations, p. 97; GALGANO, Francesco, Diritto civile e commerciale, v. 3, tomo 2, p. 277; FERRARA JÚNIOR, Francesco; CORSI, Francesco. Gli imprenditori e le societá.11. ed. Milano: Giuffrè, 1999, p. 315; JAEGER, Pier Giusto e DENOZZA, Francesco, Appunti di Diritto commerciale, v. 1, p. 357.
[22] CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei das sociedades anônimas. São Paulo: Saraiva, 1997, v. 3, p. 155; PAPINI, Roberto. Sociedade anônima e mercado de valores mobiliários. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 219; TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de. O conselho de administração na sociedade anônima. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 72.
Referências Bibliográficas
Marlon Tomazette – Professor de Direito Comercial no Centro Universitário de Brasília – UniCeub e na Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Distrito Federal, Procurador do Distrito Federal e Advogado, autor do Livro “Direito Societário” da editora Juarez de Oliveira.