Ativismo judicial & Judicialização da política.

POR: Gisele Leite

 

Resumo: O protagonismo do Supremo Tribunal Federal no país vem gerando vários debates a respeito do ativismo judicial e da judicialização da política.Porém, o fenômeno não é exclusividade nossa e, todo mundo, em diferentes épocas, as Cortes Supremas ou constitucionais destacaram-seatravés de decisões com largo espectro político, implementação de políticas públicas[1] ou mesmoescolhas morais sobre controvérsias cada vez mais contemporâneas. As Supremas Cortes são autênticas guardiãs do texto constitucional e da separação dos poderes.

Palavras-Chave: Constitucionalidade. Constitucionalismo. Direito Constitucional. Constituição Federal. Ativismo judicial. Judicialização da Política.

Abstract: The role of the Supreme Court in the country has generated several debates regarding judicial activism and the judicialization of politics. However, the phenomenon is not exclusive to us and, everyone, at different times, the Supreme or Constitutional Courts stood out through decisions with a broad political spectrum, implementation of public policies or even moral choices on increasingly contemporary controversies. The Supreme Courts are authentic guardians of the constitutional text and the separation of powers.

Keywords: Constitutionality. Constitutionalism. Constitutional right. Federal Constitution. Judicial activism. Judicialization of the Policy.

 

No contexto contemporâneo brasileiro, a atuação do Poder Judiciário destaca-se como tema recorrentee sob os mais diversos enfoques, o exercício da jurisdição assumiu, gradativamente, o centro dodebate jurídico por todo mundo. Noutros termos, se observarmos as experiências como a norte-americana, britânica,mais especificamente do sistema da common law[2], envolvendo a concretização de direitos nas tradições de vários países,incluindo os fundadores da civil law.

Além disso, tem-se agregado às transformações que passa a teoria constitucional, muitas das quaisconsolidam significativos progressos é importante enxergar que mesmo no Brasil aparece o elemento jurisdicional do Estadovinculado às expressões como global expansion of Judicial Power (Neal C. Tate e Torbjörn Vallinder), juristocracy (Ran Hischl),judge-made law (Christoper Wolfe, governing with judges (Alex Stone Sweet), judicial activism, dentro outras possíveis designaçõesque, na relação entre os Poderes, dão ênfase ao Judiciário.

Ou seja, o novo constitucionalismo(que para muitos, consolidou, o que ficou conhecido como posturas neoconstitucionalistas, majoritariamente, é articulado e, por vezes, identificadopor um pronunciado protagonismo da atividade jurisdicional, mesmo em sistemas que estão assentados, em sua origem, no direito positivo (legislado).

Uma parcela considerável dos juristas brasileiros e,inclusive dos membros que compõem o Judiciário começa a conceber a jurisdiçãoa partir de dois principais pressupostos, seja pela via do ativismo judicial e/ou da judicialização da política.

Neste ponto, a utilização da palavra “pressuposto” não é aleatória, e se atribui ao fato de que a teoria do direito assimilou (de modopraticamente instantâneo) o perfil ativista do Judiciário, tomando-o como ponto departida para a composição do cenário jurídico, isto é, considerando esta característica como algo inerente e pressuposta, portanto.

Assim, pouco se tem percebido que não basta afirmar (seja para defender ou contestar) a existência do ativismo judicial(ou também, da judicialização da política), mas, é imprescindível que se demonstre como conjugar os elementosconstitucionalismo-Judiciário-política-ativismo, citando apenas os principais, que perpassam estas duas concepções, a problemática,que, aliás, vem sendo debatida há mais de duzentos anos nos EUA, desde o julgamento do caso Marbury versus Madison[3], em 1803, que deu origemao controle de constitucionalidade norte-americano ou judicial review.

Em nosso país, poucos têm sido os esforços destinados a elaborar um quadro com sustentabilidade teórica que seja capaz de compor todos os matizes necessários paraconsolidar uma teoria judicial que seja adequada ao Estado Democrático de Direito e, todos seus naturais desdobramentos. De todo modo, já ensinava Thomas Jefferson que o preço da liberdade é a eterna vigilância.

Em 1988, o país vivenciava o clímax do denominado de redemocratização que veio a romper com o pesado períododitatorial, e, finalmente, foi promulgada a Constituição Cidadã, na dicção de Ulysses Guimarães[4]. O texto constitucional de então apresentavaum precioso rol de direitos, especialmente de cunho social, garantindo aos cidadãos uma sobrevivência com a preservação da dignidade humana.

A Constituição Redentora foi reunindo a forma de controle de constitucionalidade inaugurada por RuiBarbosa[5] quando da fundação da República em 1890com o modelo implantado pela Emenda Constitucional 16/1965 onde é prevista a possibilidade de revisão judicial dos atos dos demais Poderes,assumindo o Supremo Tribunal Federal (STF) a função de zelar pela cumprimento da Constituição), tornando-se assim seu fielguardião. E, partir daí, surgiram os primeiros debates a respeito do ativismo judicial no Brasil.

Em 1905, nos EUA, um padeiro Lochner reclamou judicialmente a limitação de carga horária de trabalho que era fixada por leipelo Estado de Nova Iorque, que era de dez horas diárias ou sessenta horas semanais.

O caso chegou até a Suprema Corte que, sob a influênciado capitalismo laissez-faire, decidiu que a lei em debate violava a liberdade contratual. Assim, restou assentado que nem o Estado de N. Iorqueestaria autorizado a fixar as horas máximas da jornada laboral, tampouco a Corte poderia tomar certas decisões com o objetivo de regular as políticasde bem-estar.

O caso Lochner versus New York é considerado um marco na história da Suprema Corte norte-americana e, também uma de suas mais notáveis atuações. E, a decisão da Corte dos EUA apresentou dupla face, a saber:a que interfere na política legislativa do Estado de Nova Iorque, mas o fez pela via de postura conservadora, de não intervenção na esfera privadados indivíduos.

O referido case é tratado no livro de Laurence Tribe, sobre o qual do doutrinador afirmou:”In such universe, the conduct of federal judges in policing preconceived limitations on governental powerscame to be viered ever more broadly, as an exercise in will rather than a study in logic, and the invisible hand of reaisen became inteadthe all too visible hand of entreched wealt and power“. In TRIBE, Lawrence H. American Constitucional Law,p.13.

Tradução minha: “Nesse universo, a conduta dos juízes federais no policiamento das limitações preconcebidas aos poderes governamentaisveio a surgir cada vez mais amplamente, como um exercício de vontade e não de um estudo de lógica, e a mão invisível de reaisen tornou-se intacta.a mão muito visível de bem-estar e poder entrelaçados “.

Em 2007, no Brasil, o STF foi provocado, por meio da Reclamação Constitucional (4.3335/AC) sobre a possibilidade de extensão, para outro caso,dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade[6] do artigo que veda a progressão de regime pena para crimes hediondos, proferida em sede de controle difuso, no julgamento do HC 82.959/SP.

O sistema de controle de constitucionalidade brasileiro traz como regra a atribuição do efeito interpartes para declaraçãode inconstitucionalidade pela via difusa. Segundo o artigo 52, X da CFRB/1988 que expressamente prevê a competência do Senado Federal para atribuir efeito erga omnesnestes casos.

O resultado parcial do julgamento foi: a título de mutação constitucional, os votos de dois ministros do Supremo Tribunal Federal atribuem efeito erga omensà decisão proferida em sede de controle difuso, e, em um leita que vai contra o texto constitucional, afirmam que o Senado cumpre, apenas, o papel de dar publicidade à decisão.

De fato, Brasil e EUA são dois países diferentes com diferentes tradições jurídicas[7] e, envoltos em contextos históricos distintos. Enfim, são realidades díspares. O que há em comum é que apesar das peculiaridades e distanciamentos (seja temporal, territorial ou cultural) que podem apresentar, aproximam-se em função de elemento compartilhado, ou seja, têm como objeto a atuação do Poder Judiciário.

Os dois primeiros casos se referem à descrição das circunstâncias que deram origem, seja no Brasil e nos EUA, a existência de efetivo controle de constitucionalidade, demonstrando, desta forma, qual o contexto que gerou as controvérsias sobre a atividade jurisdicional em ambos os países.

As significativas manifestações da Suprema Corte e do STF que apresentam diferença na postura na forma de compreender os limites da atuação do Judiciário(uma conservadora que entende pela não intervenção que é a dos EUA; e outra progressista que entende pela alteração do texto constitucional via Judiciário, que é a brasileira), mas, simultaneamente, revela a unidade de critério, pois ambas possuem cunho político.

O problema do ativismo judicial é importante e necessário principalmente para a saúde e relevância das democracias e sobrevivência do Estado de Direito[8].

Foi nos EUA onde surgiram as primeiras reflexões a respeito do tema, desde 1803, e desde então, a doutrina ianque vem enfrentando a problemática. Já no contexto brasileiro, há um diferencial, pois, observa-se um crescimento e intensidade da participação do Judiciário, no Brasil, particularmente nesse estado de calamidade pública em razão daCovid-19[9]. E, apenas ocorreu, a partir da Constituição brasileira de 1988, quando no propício ambiente democrático, deu-se a concretização de direitos dos cidadãos.

Foram inúmeras decisões importantes tomadas pelo STF, a começar pela prisão do Deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), decretada pelo Ministro Alexandre de Moraes em fevereiro de 2021, no âmbito do inquéritodas fake news. A anulação das condenações do ex-presidente Lula da Silva impostas pela 13ªVara Federal de Curitiba, onde Sergio Moro era juiz titular até 2018, foi uma das mais importantes recentes decisõesda Corte.

Outro tema, foi a contestação de decretos estaduais limitando o funcionando de templos religiosos em momentos críticos da pandemia. André Mendonça, atual advogado-geral da União, pediu a corte que arealização de cultos não pudesse ser impedida. Em abril, o STF rejeito a tese de que a proibição de cultos religiosos por conta da pandemia violaria a liberdade religiosa.

A decisão do Ministro Luís Roberto Barroso determinando a instauração de CPI[10] pelo Senado para investigar a atuação do governo federal no combate à pandemia. O que foi confirmada no plenário virtual do STF.

O Painel de Ações Covid-19, página no site do Supremo Tribunal Federal (STF) onde é possível acompanhar dados atualizados sobre todos os processos em curso relacionados à pandemia, passa a incluir as principais decisões já tomadas pela Corte a respeito da matéria.

Com a medida, o STF proporciona maior transparência ao cidadão, apresentando um resumo das decisões com uma linguagem simplificada, que permite acompanhar os processos de maior repercussão relacionados ao tema. As decisões estão organizadas por classe processual para facilitar a pesquisa.

Portanto, a noção de constitucionalismo democrático é que se passou a observar e cogitar sobre a atuação do Judiciário a partir de uma perspectiva ativista.

Ainda sob a influência da doutrina ianque, a questão envolvendo o ativismo judicial ganhou relevância no cenário jurídico brasileiro. Mas, é diferente do que ocorreu nos EUA[11], pois a atuação do Judiciário mediante postura ativista não passou por problematização, isto é, por rigoroso debate acadêmico, apenas se aproveitou a intensificação da atividade jurisdicional, potencializada a ponto de ser defendido um necessário ativismo judicial para concretizar direitos. Principalmente os direitos fundamentais. Mesmo depois da Constituição Federal brasileira passar de três décadas de vigência há cerca de 116(cento e dezesseis) dispositivos que ainda não foram regulamentados.

Em resumo, acabou criando no imaginário jurídico no qual o direito brasileiro fez-se dependente das decisões judiciais, ou melhor, das definições judiciais acerca das questões mais relevantes da sociedade.

Assim, se forjou um ambiente que, em raras exceções, a doutrina, juízes singulares e tribunais passaram a conceber o ativismo judicial como característica própria da jurisdição. Isto é, majoritariamente, a atuação ativista do Judiciário é apresentada como pressuposta, considerada como solução para os problemas sociais ou uma etapa necessária e indispensável para o cumprimento do texto constitucional. E, manifestações como estas demonstram exatamente adramaticidade do tema.

Evidentemente, com passar do tempo, o Poder Judiciário vem passando por transformações no perfil de sua atuação. E, neste sentido, a promulgação do texto constitucional de 1988 simbolizou um momento de radical modificação na forma como era concebido o exercício da jurisdição constitucional brasileira.

Em síntese, é possível afirmar que, a partir disso, surgiram duas principais expressões vinculas à atividade jurisdicional, a saber: ativismo judicial e judicialização[12] política.

A expressão “pressuposta” é de Luís Roberto Barroso (2011), que, apesar de alertar para os problemas que o ativismo judicial pode gerar, afirma, como nota final de seu artigo, que (…) o ativismo judicial, até aqui, tem sido parte da solução, e não do problema. Mas ele é um antibiótico poderoso, cujo uso deve ser eventual e controlado.

Dessa forma, há uma interação entre judiciário e política, na medida em que o judiciário produz decisões que interferem com a atuação do Legislativo e do Executivo.

O acentuado grau de judicialização que assume o direito brasileiro na atual conjuntura vem afirmando a necessidade de se realizar uma diferenciação entre ambas, não seria equivocado estabelecer tal característica como premissa comum à abordagem destes dois temas.

O conturbado contexto traz, com frequência, o acionamento do Judiciário para resolver e dirimir conflitos, a distinção entre o ativismo e a judicialização da política apresenta-se como indispensável, evitando que o Direito seja resumido apenas a um produto de decisões judiciais que afetaria as bases democrática sem que fundam o Estado brasileiro[13].

Ademais, parcela considerável da doutrina pátria insiste em realizar abordagem de pouco esclarecimento e quase nenhuma diferenciação entre estas duas possíveis facetas da jurisdição. De forma que o primeiro passo para situar problema envolvendo o ativismo judicial brasileiro é possibilitar sua dissociação do que se entende como judicialização da política.

Sobre o que seja a judicialização da política, inicialmente, tem-se pela percepção que se está a tratar da interação de, pelo menos três elementos, a saber: direito, política e judiciário.

E, por certo, da própria noção de constitucionalismo, nas mais variadas acepções, tido seja como conjunto de mecanismos normativos e institucionais de um sistema jurídico-político que organizam os poderes do Estado e, ainda, protegem os direitos fundamentais dos cidadãos, como tipo ideal para refletir sobre a realidade histórica de uma nação e trazer à luz elementos da experiência política (principalmente ligados à consagração de instrumentos e técnicas de limitação do exercício do poder político); ou como oposição ao governo dentre outras possíveis explorações do termo.

Precisamos verificar de qual modo ocorre a articulação entre Direito e Política. E, especificamente, o constitucionalismo pode ser definido como tentativa jurídica de oferecer limites para o poder político, o que se realiza por meio das Constituições. Prosseguindo essa saga desde o Iluminismo.

E, tal tema é abordado por Müller (2003), que, na abertura de um de seus texto, e com fulcro em Rousseau afirmou: “direito constitucional é direito do político. Insistir nisso, não tem relação nenhuma com o decisionismo”.

A ideia de constitucionalismo está vinculada à distinção existente entre direito (o império das leis) e o poder (governo dos homens). No fundo, o que se apresenta é o constitucionalismo como movimento político-ideológico que procura criar mecanismo para limitação do exercício do poder político.

Limitação essa que se caracteriza e se define na ideia de império da lei, em contraposição a uma vontade política soberana daquele que exerce o poder político. In:  MATTEUCCI, Nicola. Constitucionalismo. In: BOBBIO, Norberto.(Org.) et al. Dicionário de Política. 5.ed. Brasília: Universidade de Brasília, 2000, p. 256.

Sobre o tema é interessante a abordagem de Luís Roberto Barroso (2011). O doutrinador afirma existir uma dualidade na relação Direito e Política. Haveria, dessa forma, uma situação de autonomia relativa: o Direito apresenta a ambiguidade de, simultaneamente, ser e não ser Política.

Neste sentido, o Direito não é política, porque não se pode submeter a noção do que é correto e justo à vontade de quem detém o poder. Entretanto, o direito é política na medida em que:

  • sua criação é produto da produto da vontade da maioria, que se manifesta na Constituição e nas leis;
  • sua aplicação não é dissociada da realidade política, dos efeitos que produz no meio social e dos sentimentos e expectativas dos cidadãos;
  • juízes não são seres sem memória e sem desejos, libertos do próprio inconsciente e de qualquer ideologia e, consequentemente, sua subjetividade há de interferir com os juízos de valor que forma.

Inicialmente, o posicionamento de Barroso[14] revela-se contraditório, sendo difícil encontrar neste maiores esclarecimentos sobre o papel da Política no Direito. Mas, como Ciência Social aplicada maneja a política em prol da cidadania e da justiça.

E, isso se dá, principalmente, em sendo o eixo do Direito e da Política, mas também em não o sendo, pela leitura do doutrinador, a Política ganha uma acentuada carga de subjetivismo[15].

E, tal questão termina por refletir no propósito de seu texto, pois embora realizado para mostrar a diferenciação entre ativismo judicial e judicializaçãoda política, de fato, ainda este não possibilita tal distinção.

A judicialização da política no país é criada e marcada por três fatores, a saber: redemocratização, constitucionalismo abrangente e incorporação de um sistema híbridode controle de constitucionalidade (que mistura as modalidades difusa e concentrada). Este fenômeno aparece com a inexorável característica, um fatodecorrente das transformações ocorridas no direito brasileiro com o surgimento da CFRB/1988.

O contraponto entre judicialização da política e ativismo judicial dar-se-ia nas causas que lhes deram origem.Identifica-se o ativismo como sendo um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e seu alcance, ou como uma postura que procura extrair ao máximo das potencialidades do texto constitucional, sem, contudo, invadir o campo da criação livre do Direito.

Para Barroso (2011), é possível apontar três condutas que lhe caracterizam, a seguir sintetizadas: aplicação direta da Constituição (mesmo diante da inexistênciade disposição legislativa), declaração de inconstitucionalidade (com base em critérios menos rígidos) e imposição de condutas ao Poder Público.

Nestes termos, o ativismo, para ele, nada mais é do que uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização de valores e fins constitucionais,com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois poderes.

O problema é que os elementos que Barroso (2011) elenca como caracterizadores do ativismo, no atual paradigma constitucional, devem ser inerentes a qualquer juizno exercício de suas atribuições. Isso porque, nesta quadra da história, já não é nenhuma novidade que o juiz deva mostrar-sepreocupado com a aplicação imediata da Constituição Federal, com a realização de um efeito controle de constitucionalidade e com o cumprimento das finalidadesconstitucionais (embora, por diversas vezes, isso ainda não seja adequadamente praticado, dando origem ao que Lenio Streck (2004) chama de “baixa constitucionalidade.

Apesar de tudo isso, não se pode discordar da judicialização da política como produto de transformações ocorridas no Direito com o advento de novo texto constitucional. Noutras palavras, é sabido que uma das marcas da passagem da concepção de Estado Social para a de Estado Democráticode Direito justamente se caracteriza pelo deslocamento do polo de tensão do Executivo para o Judiciário.

Segundo Lenio Streck (2011), in litteris:

“Em síntese, é a situação hermenêutica instaurada a partir do segundo pós-guerra que proporciona o fortalecimento da jurisdição (constitucional), não somente pelo caráter hermenêutico que assume o direito, em uma fase pós-positivista e de superação do paradigma da filosofia da consciência, mas também pela força normativa dos textos constitucionais e pela equação que se forma a partir da inércia na execução de políticas públicas e na deficiente  regulamentação legislativa de direitos previstos nas Constituições.”

É, portanto, por este caminho que podem ser fixados os primeiros pontos vistos a demonstrar as diferenças entre os dois temas em questão.

Sobre o tema da judicialização, Vanice Regina Lírio do Valle (2009) acertadamente afirma que a constitucionalização do direito após a Segunda Guerra Mundial, a legitimação dos direitos humanos eas influências dos sistemas norte-americano e europeu são fatores que contribuíram fortemente para a concretização do fenômeno da judicialização do sistema político, inclusive o brasileiro.

Tais acontecimentos provocaram uma maior participação/interferência do Estado na sociedade, o que, em face da inércia dos demais Poderes, abriu espaço para a jurisdição, que veio a suprimir as lacunas deixadas pelos demais braços do Estado. Desse modo, o Judiciário passou a exercer um papel determinante na definição de certos padrões a seremrespeitados.

Outro doutrinador conhecido é Luiz Werneck Vianna (2016) afirma que este assunto está situado no âmbito daquilo que pode ser chamado de publicização da esfera privada. De acordo com o entendimentodos doutrinadores, as novas Constituições a remodelagem do Estado bem como a existência de novos direitos (como os difusos) acabaram criando uma nova relação entre os Poderes,em que o Judiciário deixa de ser poder inerte e alheio às transformações sociais.

Assim, a democratização social e a nova institucionalidade da democracia política trouxeramà luz das Constituições informadas pelo princípio da positivação dos direitos fundamentais, estariam no cerne do processo deredefinição das relações entre os três Poderes, ensejando a inclusão do Poder Judiciário no espaço da política.

A judicialização[16] é muito mais uma constatação daquilo que vem ocorrendo na contemporaneidade por conta de maior consagraçãode direitos e regulamentações constitucionais, que acabam por possibilitar maior número de demandas, que, em maior ou menor medida,desaguarão no Judiciário; do que uma postura a ser identificada (como positiva ou negativa).

Isto é, esta questão está ligada a uma análise contextual da composição do cenário jurídico, não fazendo referência à necessidade de se criar (ou defender) um modelo de jurisdição fortalecido.

Por tudo isso, pode-se afirmar que judicialização apresenta-se como uma questão social. E, a dimensão desse fenômeno, portanto, não depende do desejo ou da vontade do órgão judicante.

Ao contrário, ele é derivado de uma série de fatores originalmente alheios àjurisdição, que possuem seu ponto inicial em maior e mais amplo reconhecimento de direitos, passam pela ineficiência do Estado em implementá-lose desaguam no aumento da litigiosidade que é característica da sociedade de massas.

A diminuição da judicialização não depende, portanto, apenas de medidas realizadas pelo Poder Judiciário, mas sim, de uma plêiade de medidasque envolvem um comprometimento de todos os poderes constituídos.

Reconheceu a doutrina brasileira as transformações ocorridas com o advento da Constituição de 1988 através da constatação da ocorrência de uma ampliação do papelpolítico-institucional do STF. E, com isso, agregada à questão da existência de uma judicialização da política, houve o reconhecimento de uma vinculaçãoentre Direito e Política.

Esta circunstância repercutiu sobremaneira na forma de conceber a atuação dos juízes e tribunais, ocasionando, por esta via, a propagação de um ativismojudicial.

Ocorre que este foi tema que passou a ser enfrentado sob diversas perspectivas, o que gerou certa fragmentariedade na compreensão do que seja o ativismo.

A dificuldade de se definir o ativismo judicial[17], mas, em contrapartida, com a existência de diversos entendimentos sobre a temática, em uma tentativa de sistematizar as concepçõesexistentes, é possível elencar, por exemplo, algumas perspectivas de abordagem:

  1. a) como decorrência do exercício do poder de revisar(controlar a constitucionalidade) atos dos demais poderes;
  2. b) como sinônimo de maior interferência do Judiciário (ou maior volume de demandas judiciais, o que, neste caso,configuraria muito mais a judicialização);
  3. c) como abertura à discricionariedade noato decisório;
  4. d) como aumento da capacidade de gerenciamento processual do julgador, dentre outras.

Ressalte-se que, apesar de ser possível identificar essas tendências no contexto da doutrina brasileira,ficadifícil de encontrar o que se poderia chamar de posicionamentos puros.

Na verdade, o que se pretende referir é que, na maioria das vezes, estes enfoques acabam se misturando e se confundindo,sem que haja, portanto, um compromisso teórico de se definir o que seja o ativismo.

Para Elival da Silva Ramos em sua obra “Ativismo Judicial: parâmetros dogmáticos”, o problemado ativismo envolve, ao menos, três questões: o exercício do controle de constitucionalidade,a existência de omissões legislativas e o caráter de vagueza e ambiguidade do Direito.

Para o doutrinador e professor da USP, a problematização do ativismo judicial traz como contextouma busca pela legitimidade do controle de constitucionalidade, que, para ele, ocorre por uma via externa -axiologicamente, de modo que o caberia discutir é se o modelo de Estado Constitucional de Direitoescolhido pelo Constituinte seria o mais adequado para implantar uma democracia.

Realmente, o ativismo judicial e o controle de constitucionalidade são questões que estão conectadas, colocandoo exercício da jurisdição à prova.

A questão é que há uma meia verdade, nesta afirmação, pois somente é possívelconsiderá-la como correta se compreendida que esta afirmação, pois somente é possível considerá-lacorreta que esta legitimidade da jurisdição constitucional dá-se emtermos de efetivo controle das decisões judiciais,ou seja, se as atenções estiverem voltadas para as respostas dadas pelo Judiciário e não apenas para compreender se oexercício do controle de constitucionalidade é coerente com a existência de um Estado Democrático.

Isso porque, à distinção da polêmica gerada nos EUA sobre a possibilidade de controlar a constitucionalidade das leis e de atosadministrativos, no Brasil não há como questionar o papel contramajoritário exercido pelo Judiciário, pois isso foi superado em face do processo constituintede 1988, que justamente estabeleceu papel estratégico aos juízes e aos tribunais, aoprever textualmente a possibilidade do exercício do controle de constitucionalidade.

Ou seja, o controle de constitucionalidade brasileiro justamente deriva do pacto democráticofirmado pela Constitucional de 1988. Em face disso, só importar discutir o controle de constitucionalidade se debatidoem que termos ele ocorre.

Neste sentido, pode-se dizer que alcança sua legitimidade se concretizaa Constituição, atribuindo às demandas repostas constitucionalmente adequadas; em contrapartida, umcontroleque se faz a partir da vontade ou da consciência do intérprete não representa uma concretização do textoconstitucional, mas, sim, o seu desvirtuamento.

Já sob outro prisma, segundo Marco Paulo Veríssimo afirma que o atual contexto jurídico consolidouo que chamou de um “ativismo judicial à brasileira”. E, esclarece o referido doutrinador, o perfilativista do Judiciário, que apresenta peculiaridades em relação às demais tradições jurídicas,foi engendrado em um ambiente marcado por duas principais transformações pelas quais passa oSTF: o incremento de seu papel político e a sobrecarga no volume de trabalho.

Esta noção de aumento do volume de trabalho, que, no fundo, é um problema de maior acesso ao Judiciário,é desdobrada por Veríssimo na observação de que, no direito constitucional brasileiro, háuma ausência de mecanismos formais de unificação vinculante de jurisprudência e de escolha (fundamentada,mas com alguma dose de discricionariedade no julgamento) das hipóteses de exercício formal de competênciarecursal em sede de controle difuso, o que gera “uma certa sensação de descontrole”.

Neste aspecto, o ativismo judicial passa a ser identificado por uma questão numérica, ou seja, paraVeríssimo, do processo de judicialização decorre um (…) “Judiciário ativista, que não se constrange em exercer competência de revisão cada vez maisamplas”. Em síntese, trata-se do exercíciode um efetivo controle de constitucionalidade.

Marco Paulo Veríssimo identifica o ativismo judicial com o controle incidente sobre as políticasde ação social do governo. Este sim, é ponto sensível da discussão sobre o ativismo judicial,porque é justamente para evitar que o Judiciário assuma funções de governo que surge a necessária crítica aoativismo judicial.

As abordagens feitas pelo referido doutrinador coloca a questão apenassob o prima do exercício do controle de constitucionalidade sobre administração (ou sobre o Legislativo),sendo que o problema fundamental não é que seja averiguada aconstitucionalidade da atuaçãodos demais poderes da república, mas saber como se dá este controle (revisão judicial).

Na obra intitulada “Diálogos institucionais e ativismo”, escrita pelo grupo de pesquisaNovas Perspectivas da Jurisdição Constitucional, o ativismo judicial é identificado como processo político-institucional pelo qual se assume um modelo de jurisdição constitucional com forte apelode supremacia.

Lenio Streck (2004) afirma que: “(…) um juiz ou tribunal pratica ativismo quando decide a partir de argumentosde política, de moral, enfim, quando o direito é substituído pelas convicções pessoais de cada magistrado(ou de um conjunto de magistrados); já a judicialização é um fenômeno que exsurge a partir da relação entre ospoderes do Estado (pensemos, aqui, no deslocamento do polo de tensão dos Poderes Executivo e Legislativo emdireção da justiça constitucional. (…)”

Sintetiza-se o conceito de ativismo como a configuração de um Poder Judiciário revestido de supremacia,com competências que não lhe são reconhecidas constitucionalmente.

E, portanto, seguindo os posicionamentos dosdoutrinadores retromencionados, aque a diferença entre a ativismo judicial e judicialização da política no Brasil,parte das seguintes premissas, a saber: primeiramente, não há como negar o elo entre Direito e Política; segundo, a interrelaçãoexistente entre Direito e Política não autoriza a existência de ativismos judiciais; terceiro, há umequívoco em considerar judicialização da política e ativismo judicial como se fossem o mesmo fenômeno; e quarto,a judicialização da política é fenômeno contingencial, isto é, que insurge de certo contexto social, independenteda postura de juízes e tribunais, ao passo que o ativismo diz respeito a uma postura do Judiciário para além dos limitesconstitucionais.

O contexto contemporâneo é marcado por intensa atividade jurisdicional principalmente emrazão das transformações do Direito após a Segunda Grande Guerra Mundial que provocaram grandeprogresso, incrementando a dogmática constitucional com a positivação de novos direitos, mas também, simbolizaramum novo modo de compreender a concretização destas garantias. Com isso, o fenômeno da judicialização da políticaaparece,especialmente, no cenário jurídico brasileiro, como um problema a ser debatido.

Segundo a obra de André Leonardo Copetti Santos (2009), “Elementos de Filosofia Constitucional, afirma que a trajetória das transformaçõesocorridas no âmbito do constitucionalismo é marcada por diferentes projetos de felicidade. E, neste sentido, ao tratar do períodopós-Segunda Guerra Mundial, o doutrinador afirma que os Estados Democráticos de Direito possibilitam as redefinições fundamentais, como a ideiade democracia, de cidadania, de dignidade e, etc.(…)

Nos tempos atuais, a grande democratização busca seja a diferença, juntamente, com outrosdireitos não-individuais, como fator imprescindível para a concretização de todas as demais demandas para vida boa

Gilberto Bercovici (1997) afirma que vivemos em momento marcado por instrumentalismo constitucional e, com isso,como são consagrados os direitos pela Carta Magna, basta apenas que o Judiciário os aplique.

Revela-se, portanto,certa dependência do Judiciário para o cumprimento da Constituição, mas, se é possível cogitarem um instrumentalismo constitucional, também é verdade, que certas posturas ativistas nem ao menos comoinstrumento utilizam o texto constitucional.

Em nosso país, a intensa participação do Judiciário revelou e, ainda revela a garantia da abertura política. E, a importânciado Judiciário no processo de redemocratização do país, experiência que não foi vivenciada pelos EUA, pois nunca viveram uma ditadura.

Isso porque o conteúdo que se atribuiu à democracia, a partir da ruptura com a ditadura militar e com o surgimento do textoconstitucional vigente, não consistia apenas em garantir a partir de todos no processo político, no sentido de ser umademocracia meramente institucional.

Evidentemente, a redemocratização incluiu a premissa majoritária como pressuposto.Entretanto, o processo democrático brasileiro possui um plus que é a promessa de inclusão social,visando consolidar um Estado que possui objetivos declarados de transformação social, redução de desigualdadesde renda e de oportunidades, e também de desigualdades regionais.

Em 1995, dois cientistas políticos Chester Neal Tate e Torbjörn Vallinder, publicaram uma obrapara tratar da atuação do Poder Judiciário. Contando com a participação de doutrinadores diversas tradições,a proposta era justamente aprofundar o debate sobre o tema, problematizando o movimento das intervenções judiciaisna direção do que se reconheceria por todos como exemplo norte-americano de jurisdição.

Como não poderia ser diferente, portanto, o título atribuído à obra intitulada The Global Expansion of JudicialPower(A expansão global do Poder Judiciário).

De fato, o que atualmente se considera como crescimento da atuação jurisdicional, seja pela via do que se entende por judicializaçãoda política, seja através do que se chama de ativismo, já foi amplamente debatido no contexto das teorias jurídicas e políticas norte-americanas.

Ou seja, este movimento de intensificação da atividade judiciária, que contemporaneamente se vislumbra numa perspectiva global, já foi vivenciado pelos EUA,que, em razão disso, desde a instituição do controle de constitucionalidade (judicial review) em 1803, produziu acervoliterário suficiente com a problematização das atribuições, limites e competências do Poder Judiciário.

Tanto é assim que existe grande quantidade de obras extraídas do contexto estadunidense, consideradas as referênciasno tema, que são anteriores à década de noventa, atestando a antecipação do debate nos Estados Unidos, sendo que esse debate éintensificado no Brasil, depois da promulgação da Constituição Federal de 1988.

Por outro viés, algumas obras que foram publicadas justamente possuem o objetivo tematizar a absorção deste fenômeno em outros países(seja em termos do que se poderia chamar de uma incorporação teórica, seja na assimilação desta postura interventiva que marca a atuação da Suprema Corte),como é o caso da própria obra de Neal Tate e Vallinder.

Ocorre que os países continentais e, por influência, os da América Latina, como o Brasil, eram fechados para que era produzido na tradição anglo-saxã.

Como menciona o jurista colombiano Diego Eduardo López Medina (2009), por muito tempo viveu-se sob o manto de um formalismo na aplicação do direito (sobuma perspectiva que reduzia o direito à lei), herdado do direito privado europeu.

Aliás, não por outro motivo o positivismo jurídico como um projeto epistemológico assentadono predomínio da lei, criado com o fito de atribuir cientificidade ao direito, foi, e, com todas as adaptações pelas quais tem passado, continua sendo o principalmodo de fundamentar o conhecimento jurídico.

É neste contexto do reconhecimento de um olhar tardio para a experiência que desde logoacentuou o papel atribuído ao Judiciário norte-americano que se entrelaço um fato histórico, uma proposta teóricae uma nova atuação jurisprudencial, como remotas possibilidades para entender o que setem chamado de expansão global do Poder Judiciário.

Trata-se de apontar para os principais acontecimentos que talvez possam ter conduzido as sociedadescontemporâneas a vivenciar este processo de intensa judicialização.

Assim, dentre eles estão incluídos:o pós-Segunda Guerra Mundial, o surgimento da noção de constitucionalismo dirigente e a atuação dos Tribunais Constitucionais(com ênfase na Alemanha, Bundesverfassungsgericht), fatos que estão absolutamente vinculados.

Depois da Segunda Guerra Mundial considera-se o marco para o Direito no mundo todo. Isso porque, para que fossem superadas as atrocidades cometidas durante a existência dosregimes totalitários, era necessário que se rompesse com toda a estrutura legislativa que lhes atribuía legitimidade através do argumento de obediência a umformalismo rigoroso, de mera observação do procedimento adequado para a criação de leis.

O fim desta Guerra Mundial impulsionou o rearranjo institucional que visava prover a garantiade direitos fundamentais constitucionalmente assegurados, configurando-se, assim, a transição do que se conhecia por Estado Legislativo do Direito para umEstado Constitucional de Direito.

Eis que a partir destas mudanças, surge a noção de constitucionalismo democrático que ensejou transformações que atribuíram,inclusive, nova resposta à pergunta sobre o conceito de Direito.

Isto é, este fato na história humana não apenas proporcionou alterações estruturaisna organização política e jurídica de vários países, mas também, e principalmente, exigiu novomodo de reconhecer o fenômeno jurídico que passa pelo viés da substancialidade ou materialidade.

Tudo isso através da inclusão de dois elementos centrais: a do reconhecimento da força normativa da Constituição (KonradHesse) e de seu caráter prospectivo, que condiciona materialmente a legalidade; e da incorporaçãode novas garantias, novos direitos aos cidadãos, com seus respectivos meios (instrumentos) assecuratórios.

Ressalte-se, ainda, ponto relevante a ser sublinhado, em que pese este movimento constitucionalizante engendrado na Europacom o pós-Segunda Guerra Mundial tenha sido ampla absorção por todo mundo, os países da América Latina vivenciaram um entravea tudo isso. Não se pode olvidar que o contexto latino-americano, no fim da guerra, foi marcado por golpes ditatoriais,como no Brasil em 1964, Argentina em 1966, Chile em 1973, Uruguai, em 1973 e Colômbia em 1953.

De sorte que se verificou depronto,no Brasil, demorou bastante para ser assimilado, ocorrendo somente um processo constituinte nos idos de 1987-1988. Assim, os avançosque foram realizados no âmbito do direito constitucional europeu também puderam ser percebidos na América Latina, entretanto,neste contexto, como ruptura aos regimes ditatoriais, o veio a ocorrer tardiamente.

A ditadura significou um período de total restrição de direitos pelo qual o país passou, a partir da promulgação da CFRB de 1988,a chamada Constituição Cidadã, o constitucionalismo pátrio passou a assimilar os progressos do pós-guerra advindos do continenteeuropeu.

E, neste ambiente teve grande importância a proposta teoria do insigne José Joaquim Gomes Canotilho presente na obraintitulada “Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador”, no qual, adaptou e aprofundou a tese do jurista alemãoPeter Lerche de 1961, o consagrado doutrinador português ficou conhecido por explicaro chamado constitucionalismo dirigente.

Com isso, Canotilho (2001) demonstrou o papel estratégico assumido pelas constituições, no sentido de que, ao utilizar-se da expressãoconstituição dirigente, pretendeu-se afirmar a força atuante do direito constitucional. Desta forma,a concepção de Estado de Direito fora agregada a um conteúdo extraído do próprio texto constitucional, de formaque a constituição passou a ser um meio de direção social e uma forma racionalizada de política.

Cumpre ainda frisar que poucas obras obtiveram tamanha receptividade no Brasil como a de Canotilho (2001) e,a forma de entender o texto constitucional, como sendo catalizador de todos os atos do Estado deu novofundamento ao direito constitucional, fazendo, também com que a jurisdição, a partir desta concepção de irradiaçãoconstitucional ganhasse novos rumos, estando direcionada à concretização de promessas constitucionais,conforme menciona Gilberto Bercovici (1997), a concepção de constituição dirigente está ligada à defesa da mudança da realidade pelodireito. O que fica bem ilustrado através da afirmação de Paulo Bonavides: “ontem, os Códigos,hoje as Constituições”.

Essa frase foi dita pelo jurista durante sua premiação no instituto dos Advogados Brasileiro em 1998, que foi otítulo de uma das edições da Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica (nº2, de 2004)que visa a discutir sobre a insurgência do novo constitucionalismo.

Infelizmente, a noção de constitucionalismo dirigente restou fragilizada diante das ondas de reformas constitucionaisneoliberais de 1990, que possibilitaram a invasão dos discursos da Análise Econômica do Direito.

Aliás, conforme afirma AlexandreMorais da Rosa (2008), a partir da invasão desta teoria cria-se um ideal de eficiência, marcado pela:

  1. proeminência do campo econômico sobre o jurídico;
  2. manipulação do critério de justiça por eficiência;
  3. desprezo pelos direitos sociais e pelo Estado Democrático de Direito, em nome da flexibilização (p.18).

E, tal situação se coloca em confronto com o constitucionalismo do segundo pós-guerra, marcado pela existência de um texto constitucional compromissório,visando ao bem-estar social. Sob os aportes do movimento Law and Economics, o dirigismo constitucional é substituído, então, pelo dirigismo de blocos econômicos.In: ROSA, Alexandre Morais da. A constituição no país do jeitinho: 20 anos à deriva do discurso neoliberal (law and economics). Revistado Instituto de Hermenêutica Jurídica: 20 anos de constitucionalismo democrático e, agora? Porto Alegre, volume 1, n.6, pp. 15-34, 2008, pp. 18-23.

Lembremos da situação peculiar vivenciada pela Alemanha, diante da aprovação da Lei Fundamental por uma espécie deassembleia constituinte de emergência, composta pelos países aliados, impulsionou o papel do Tribunal Constitucional, cuja atuação estava voltadaa constitucionalizar a ordem jurídica a partir de um órgão que, à diferença do Conselho Parlamentar que aprovou a Lei Fundamental (atualmente a Constituição)efetivamente representava o povo alemão.

A aposta no Judiciário para consecução dos objetivos constitucionais e de ruptura com a metodologia da corrente filosóficaque havia predominado durante o nazismo, a subsunção positivista, que surgiu uma importante teoria jurídica, que passou a fundamentaras decisões judiciais do Tribunal Constitucional: a jurisprudência dos valores.

Segundo Alec Stone Sweet, o Poder Judiciário europeu apesar de imbuído do propósito de respeitar a hierarquia constitucional desde a Constituiçãode Weimar que, em 1919, inaugurou uma autêntica instituição judicial, para este fim, o Tribunal de Justiça do Estado ou Staat gerichtshof, não possuíauma efetiva jurisdição sobre a Constituição, motivo pelo qual foramcriados os Tribunais Constitucionais.

Esta mudança institucional agregada a efervescência de um novo meio de pautar a aplicação do direito, voltado para uso de critérios que pudessem ser,inclusive, buscados para além da legislação (característica da jurisprudência dos valores), resultou na centralidade exercida pelo Judiciário.

Portanto, é possível atestar que o segundo pós-guerra desencadeou muitas mudanças no contexto europeu, assimiladas pela tradição brasileira e, tais transformaçõespelo menos indicam as remotas origens da existência de uma judicialização no cenário global. Isto é, todos estes fatores contribuíram para que o papel do Judiciárioassumisse outra feição, doravante voltado para os ditames constitucionais.

A majoração da litigiosidade é um fenômeno típico das sociedades contemporâneas e suas consequências para a questão do chamado acesso à justiçaalteraram os objetivos do Estado, aumentaram a densidade normativa das Constituições, que, antes eram apenas um elemento organizacional, mas também a influirdiretamente na política governamental a partir de uma noção de irradiação constitucional pelo sistema jurídico.

Com isso, estas estratégicas jurídicas possibilitaram significativas mudanças através de duas frentes, a saber:uma que ampliou o catálogo de direitos aos cidadãos, com o fito de criar uma política públicade bem-estar, e, por outro lado, assentou-se o dever de cumprir imediatamente este programa constitucional,objetivando torná-lo efetivo.

Todo esse contexto ensejou maior procura do Judiciário, que também passou a ser caracterizado como locus de concretizaçãode direitos previstos, mas não cumpridos pelos demais Poderes. Contudo, as transformações ocorridas

não restaram restritas a este tipo de alteração. Pois o contexto social passa também por modificações, de cunho político-jurídico, quesão as tendências no Direito, conceitual, com a introdução de noção de sociedade complexa,comportamental (com a questão do aumento de litigiosidade) e estrutural (a partir da ideia de massificação dos conflitos).

Isto é, o fenômeno de judicialização não ocorreu somente porque, a promulgação de novostextos, há maiores possibilidades jurídicas de exigências judiciais, foi necessário agregar a isso,os diferentes contornos que assumiu a esfera social.

A modernidade produziu uma forte concepção de Estado, fundada no direito positivo e no normativismo, visando dar respostasaos problemas e demandas da sociedade que estava muito marcada pela indeterminação e insegurança, frutos do processode ruptura com o modelo jusnaturalista e, seus valores absolutos a priori, portanto, estáticos e forado tempo.

Ao longo dos anos, foram operando-se progressivamente maiores transformações no âmbito social, sendoque a globalização, a transnacionalização, os novos direitos, dentre outros temas, passaram a ser o foco de um novo modelode sociedade, doravante chamada de sociedade complexa.

Ao novo modo de entender o fenômeno social também é possível acrescentar, com base na obra Sociologia Jurídica de autoriade José Eduardo Faria que o Direito passa a ser caracterizado por nove tendências, que podem ser assim sintetizadas, a saber:

  1. a) desformalização legislativa, na qual cresce a participação de grupos de interesse não vinculados ao Estado no processo legislativo;
  2. b) a redução do caráter imperativo do direito, com o surgimento de novas esferas de poder e do pluralismo;
  3. c) prevalência da regulação privada em face da estatal, que resulta em um direito civil à margem do Estado, em razão da existênciade uma economia globalizada, influenciada pelo transnacionalismo;
  4. d) enfraquecimento dos direitos sociais, motivado pela perda da soberania do Estado, que cede espaço aos mercados comunsregulados pela lex mercatoria;e) fortalecimento do direito penal, com uma maior criminalização, bem como com endurecimento de penas para crimes de menor potencial ofensivo.

Diante deste contexto há certa flexibilização da esfera estatal, que, em regra, é resultante da interferênciadas forças da economia, em um movimento contrário, a sociedade se apresenta imersa em uma ampla litigiosidade como modode resgar e exigir o compromisso pressuposto pelo Estado Democrático de Direito.

Portanto, os cidadãos assumem uma postura direcionada ao conflito, à reivindicação de direitos pela via do litígio judicial, que passa a ser o palcoda resolução de grande parte das contendas políticas.

Este traço do comportamento das sociedades contemporâneas acaba resultando naquilo que Luiz Werneck Viannet al chamam de “judicialização das relações sociais”, traduzida na crescente invasão do direito na organização da vida social, traduzida na crescente invasãodo direito na organização da vida social.

Observável que é pelos democráticos que se acentua a conflituosidade social, porque nestes o poder é distribuído de forma mais ampla e difusa. Entretanto, em existindo mais centrosde poder, há uma maior chance de surgimento de conflitos, que, na sociedade contemporânea, são encaminhados para que o judiciário resolva.

Por outro lado, há, também, uma alteração que se pode chamar de estrutural na forma de compreender estes direitos.

Trata-se da insurgência de exigências coletivas e interesses difusos, característicos de uma sociedade em que a produção,consumo e distribuição apresentam proporções de massa.

E, assim, a tutela jurídica passa a ser prestada de forma massificada,imbuída por uma crise da ideia de interesses individuais, fazendo emergir a noção de pluralidade/pluralismo, que traz a marca da atuação das organizações sociais.

Eis um cenário contraditório, pois, ao mesmo tempo que o presente contexto fez surgir a tutela de direitos difusos e coletivos,em contrapartida, a busca por sua efetivação predominantemente se dá através do litígio individual. E, assim, firma-se numeroso conjuntode ações singulares visando à tutela de direitos coletivamente assegurados.

E, por sua vez, no fito de controlar ou limitara judicialização, o sistema jurídico responde de alguns mecanismos, como a criação, por parte dos tribunais, do que se chamade julgamentos em bloco (e, assim, em uma tarde, desembargadores e ministros decidem mais de milhares de casos) e, por parte dadoutrina, a refutação da titularidade individual dos direitos sociais, negando-lhes a condição de direitos subjetivos,tais fatores são problemáticos  tanto quanto a numerosa quantidade de ações que tramitam perante o Judiciário.

No Brasil, isto impulsionou o surgimento do instrumentalismo processual que foi capitaneado por Cândido Rangel Dinamarco, que preconizava o papeldo juiz na condução do processo.

Por sua vez, Francisco José Borges Motta, através do desenvolvimento de uma teoria crítico do processo, sob os aportes da CríticaHermenêutica[18] do Direito (CHD) de Lenio Streck (2011)(que é construída a partir de uma imbricação entre Ronald Dworkin e Hans-Georg Gadamer), apresenta uma importantecrítica a estas posturas teóricas que defendem o protagonismo judicial no processo demonstrando a necessidade de se concretizar um efetivo direito aocontraditório, como afirmaa escola mineira do processo.

Todas estas transformações, a complexidade social, o caráter de litigiosidade e a massificação da sociedade resultam na judicializaçãotambém porque foram impulsionadas por redefinição do acesso à justiça e, segundo Mauro Cappelletti e Bryant Garth, o processo de democratização doEstado atingiu inclusive a esfera processual, fazendo com que se rompesse com a ideia liberal de que a justiça só podia ser obtidapor aqueles que pudessem enfrentar seus custos.

E, com isso, reconheceu-se não apenas o fato de que o acesso à justiça passa a ser encarado como requisito fundamental, omais básico dos direitos humanos de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar o direito a todos, mas,fundamentalmente, a partir desta ampliação no conceito de acesso àjustiça, começou-se a pensar em instrumentos para tornar possível essa interação Judiciário-sociedadecomo, por exemplo, a criação dos juizados especiais do Brasil, que estão pautados por um processo menos formal, e a própria incorporação da antecipaçãode tutela, como mecanismo de satisfação do direito de modo mais célere.

Este cenário de reforma processual, que Dierle Nunes denomina de “simplificação procedimental”, é fruto do que ficouconhecido no âmbito do processo civil como socialismo processual. Este movimento (surgido especialmente nos países do Leste Europeu)buscava uma harmonização do processo civil com o Estado de bem-estar, da qual resultou uma enorme intervenção do juiz, visando a uma alegada aplicação sociale política do direito.

Assim, pela via do socialismo processual, a questão do acesso à justiça passou a estar associada a um reforço dos poderesjudiciais, à ênfase nos pronunciamentos de ofício, à possibilidade de julgamento ultra petita[19],o que reduziu o papel das partes durante o processo.

Não é por outro motivo que o movimentoconsiderado o clímax deste cenário: “Projeto Florença de Acesso à Justiça” de 1973, caracterizou-se não apenas pela simplificaçãodos procedimentos ou pela tutela dos direitos coletivos e difusos, mas também por um aumento na ingerência dos juízes.

O alargamento do conceito de acesso à justiça que fora promovido à direito constitucional, incorporou o pressuposto de igualdadepróprio do constitucionalismo democrático, a judicialização foi incrementada.

É possível afirmar, até,que leituras equivocadas acerca do sentido de acesso à justiça, compreendido como eficiência judicial, acabaram criando um imaginárioque reforçou ainda mais o papel do Judiciário como instituição hábil a dirimir todos os conflitosda sociedade humana.

E, para reforçar tal tese do próprio sistema jurídico tratou de encontrar meios para aperfeiçoar e facilitar a prestação jurisdicional,estratégias estas que, ao tentar resolver o problema da judicialização, não passaram de reformas que, em verdade, proporcionam um esvaziamento do papel do processocomo garantidor de direitos fundamentais e da concepção de acesso à justiça, compreendido como orespeito ao devido processo legal, à ampla defesa, ao contraditório e à fundamentação das decisões.

E, neste sentido, portanto, que importa refletir sobre limite da atuação democrática de jurisdição.

A crise da democracia e ascensão de uma possível juristocracia traduz o contexto histórico que deu condiçõespara o surgimento do projeto de constitucionalização do direito, especialmente, no pós-guerra,os contributos que consagraram teoricamente a importância dos textos constitucionais que resultaram deste momento históricode ruptura (a noção de constituição dirigente[20] de Canotilho), a relevância da criação dos Tribunais Constitucionais europeus, especialmenteo da Alemanha, e as transformações que ampliaram o acesso à justiça.

Tudo isso foi apresentado como modos de compreender o fenômeno da judicialização na contemporaneidade. Para finalizar esta abordagem, então,resta indicar a principal consequência do conjunto destes elementos: a ascensão de uma possível juristocracia.

Diante dessa afirmação, está-se referindo ao fato de que o mundo passa por período caracterizadopela construção de um imaginário em que a credibilidade para decidir as questões fulcraisda sociedade é depositada no Judiciário.

No entanto, isso pode ser observado em um duplo sentido: não apenas positivo, simbolizando um predomíniodas instâncias jurisdicionais, mas também negativo, caracterizando uma fragilização em outros âmbitos do poderestatal, acontecimentoque melhor se traduz na sensação da existência de uma crise em certas instituições.

De modo em geral, sem tratar de um país específico, Tate e Vallinder (1995) afirmam que há mais de uma causapara se justificar a crescente judicialização, dentre os quais estão incluídas as seguintes condições políticas:

  1. a) transformação do entendimento sobre a democracia como vontade da maioria, adicionando-se a relevância do podercontramajoritário, que acaba tendo o Judiciário como fiel representante;

b)a afirmação da separação dos poderes, que tanto facilitou a judicialização;

  1. c) a falta de implementação de políticas públicas, apesar da existência de vasto rol de direitos asseguradosconstitucionalmente;
  2. d) a atuação de certos grupos de interesse ao utilizar a jurisdição como meio de expandir os direitos garantidos, pleiteando ainclusão de outros não afirmados na Constituição;
  3. e) o fortalecimento do controle de constitucionalidade, que, muitas vezes, aparece amplamente vinculado com o sistema político, no sentido de que acabousendo utilizado pela oposição parlamentar para barrar as iniciativas do governo;
  4. f) a inefetividade das instituições majoritárias, fazendo-se referência tanto ao Legislativo quanto ao Executivo,devido à ausência de implementação de políticas públicas por parte do Estado, o que representa um problema na condução administração;

e, por último;

  1. g) a delegação de poderes pelas próprias instituições majoritárias ao Judiciário, criando-se, assim, uma situação de conveniência,em que, para não gerar controvérsias políticas para o congressista (ou administrador), ao invésde definir lei que proíbe (ou permita certas questões de grande divergência social, atribui-se tal função aos juízes e tribunais, evitando a indisposição política, o conflito e a polêmica com os seus eleitores, e, principalmente com os seus opositores.

Enfim, para Tate e Vallinder (1995), portanto, todos estes fatores condicionaram não apenas o deslocamento das atenções para o Judiciário, como também configuramnão apenas o deslocamento das atenções para o Judiciário, como também configuram as principais características do quese pode chamar de novo constitucionalismo.

E, sobre este ponto, que relaciona novo constitucionalismo e judicialização, Ran Hirschl (2007) apresenta uma interessante contribuição, afirmando que o novomodelo constitucional traz alterações tão significativas que é possível afirmar que, hoje, o mundo transita para umajuristocracia.

Entretanto, menciona que, em que pese esta seja uma tendência existente no mundo todo, por se caracterizar como consequência da “era do segundo pós-guerra”,que possibilitou este amplo processo de constitucionalização e de afirmação do controle de constitucionalidade, suas origens estão vinculadas a diferentescontextos, que ele passa a configurar como sete cenários abrangentes.

Tais cenários são:

  1. A) a onda de reconstrução ou reconstruction wave pela qual empoderamento do Judiciário aparece como consequência da reconstrução política no segundo pós-guerra, tendo como exemplos: a introdução de uma Constituição revisada no Japão em 1946, a novaConstituição da Itália e a implementação de sua Corte Constitucional em 1948, a adoção da Lei Fundamental da Alemanhae o estabelecimento da Tribunal Constitucional Federal em 1949 e o surgimento da Constituição francesa e do Conselho Constitucional em 1956;
  2. B) o cenário de independência no qual a judicialização aparece como fruto do processo de descolonização, em especial das colônias britânicas, tendo como referência a independênciada Índia (e, também, de Gana, Nigéria e Quênia) e a subsequente proclamação de uma nova Constituição cm a criação de sua Suprema Corte que incorporava os direitos previstos na ConvençãoEuropeia de Direitos Humanos, fato incentivado pelos britânicos como meio de controlar a política majoritária em que pesenão tenham respeitado estas garantias na condição de metrópole;
  3. C) cenário de única transição ou single transition em que ocorre a transição de uma quase democrático ou autoritário regime para democracia, caso das mais recentes democracias no sulda Europa (Grécia, Portugal, Espanha) e na América Latina, que adotaram direitos fundamentais como parte de sua Constituição, bem como estabeleceram algumaforma de um ativo de constitucionalidade;
  4. D) o cenário de transição dual ou dual transition uma transição tanto para um modelo de democracia ocidental quanto para o de uma economia de mercado (onde se incluir os paísespós-comunistas e pós-soviéticos, tendo como principal exemplo o estabelecimento da Corte Constitucional da Hungria e da Rússia;
  5. E) o cenário de incorporação como agregação de padrões legais, inter, trans e supranacionais à lei doméstica, como é o caso da Dinamarca e da Suíça,que sofreram os influxos da Convenção Europeia de Direitos Humanos;
  6. F) o estabelecimento do controle de constitucionalidade em nível supranacional, através da Corte Europeia de Justiça,da Corte Europeia de Direitos Humanos,dentre outras, além de uma numerosa quantidade de tribunais quase judiciais;
  7. G) o cenário de transição não aparente (no apparent transition) caracterizado pelas reformas constitucionais que não são resultados nem das mudanças políticas, tampoucodos regimes econômicos é o exemplo da Nova Zelândia, do México, da Suíça e do Canadá).

O Brasil, naturalmente se insere juntamente com os demais países da América Latina em um contexto de ruptura com os regimesditatoriais, é possível afirmar que as razões para a ascensão do Judiciário estão fundadas, além de tudo o que já foi referido,em dois principais pilares, a saber: na configuração de um ambiente de tensão com os demais Poderes do Estado e, ipso facto, em uma criseda democracia.

O primeiro ponto diz respeito ao descompasso pelo qual passa a esfera estatal,que, como afirmar Bolzan de Morais (2011), tentar conjugar uma política de inclusão (democracia social) e uma economia de exclusão (capitalismo).

O resultado disso é a existência de sensação de desconforto, que elevada à condição de insatisfação popular,causada pela ausência do cumprimento (especialmente pelo Executivo) das promessas insculpidas no texto constitucional, produz um apeloà jurisdição, que acaba por assumir ares de sacralização mediúnica.

Ocorre que este distanciamento da sociedade dos demaisPoderes (Executivo e Legislativo) inevitavelmente acabou criando um afastamento entre a democracia compreendida como participação política dos cidadãosna tomada de decisões, e a construção do Direito que de certo modo passou a ser tributário das definições judiciais não pautadas por critérios jurídicos.

É evidente que, com isso, não se está negar a concepção de democracia que inclua a premissa contramajoritária,representada pela atuação das cortes e tribunais na proteção dos direitos constitucionalmente assegurados em face da existência de maiorias eventuais.

De fato, há muito tempo, desde a passagem do conceito grego de democracia direta, como governo em que o povo vai às ruaspara discutir a coisa pública, para a democracia representativa, que agrega o elemento social ao plano político de exercício de liberdades, até se chegar à noçãode democracia participativa, que traz a inclusão de mecanismos de participação direta, já se rompeu com entendimento de democracia a partir de critérionúmero-estatístico, apenas como regramajoritária.

No entanto, por mais que se tenha progredido no modo de conceber a democracia agregando ao seu conteúdo o contramajoritarismo, não era previsível quese fosse vivenciar na contemporaneidade duas consequências tão graves para a relação Direito e Política:o sentimento de acomodação/apatia política (e cívica) e o apelo permanente à jurisdição, fatores que inviabilizam o cumprimento da promessa democrática, qual seja,a de consolidação deum sistema em que sociedade é parte ativa;

Assim, a centralidade atribuída ao âmbito jurisdicional acaba gerando “fissuras no pacto democrático para além do imaginado. Isso porque, levado às últimasconsequências, este processo de recrudescimento do ambiente democrático em face de uma crescente judicialização também abriu espaçopara vias alternativas de decidir litígios.

Tal fenômeno é chamado por Antoine Garapon de mundialização ou comércio entre juízes, pelo qual, resumidamente,é sugerido aos julgadores que decidam fazendo uso de decisões de outros países.

Ou seja, trata-se da inserção dos juízes em contextoglobalizado, de intercâmbio de decisões, o que se traduz em um poder que lhes desoneraria de fundamentarsua decisão a partir da estrita vontade do legislador e da autoridade da doutrina.

Com isso, forma-se uma sociedadedos tribunais, ou um governo de juízes, em que o juiz procura conferir à sua opinião pessoal um fundamento mais geral e, por isso mesmo,mais aceitável.

Uma compreensão da atuação jurisdicional neste sentido provoca, no mínimo, duas observações: primeiro, o simbolismo presente na formaçãode uma espécie de direito mundial a partir de decisões dos tribunais, isto é, a partir da interrelação entre instâncias jurisdicionais;segundo, o problema da intervenção judicial, que aparece, no livro como uma questão de opinião.

Tudo isso, não apenas contribui para a acentuar a judicialização, que apareceria, assim, como uma consequência de todos estesprocessos rupturais pelos quais vêm passando a sociedade, mas também, a partir de posicionamentos como os retratados, para fortaleceruma atuação ativista do Judiciário, mitigando a concepção de democracia, pois, como Daniela Cademartori, “para termos um regimedemocrático é preciso que, simultaneamente, ocorram a liberdade das escolhas políticas e a representação dos interessesda maioria”. É inútil e perigoso dar prioridade a um só desses elementos ou para nenhum deles acrescentamos.

Pretende-se evidenciar que a judicialização não tem seu nascedouro exatamente no interiordo sistema jurídico. E, embora seja fenômeno que se manifeste no âmbito jurídico, especialmente porque abarca a atuação do Judiciário,ele não é próprio do Direito, no sentido de que envolve toda a construção de uma imaginário social e político que transcende as fronteirasdaquilo que se pode considerar sob seu domínio. Indo além, este é um problema que se apresenta como inexorável na exata medidade que sua superação não depende exclusivamente de uma estratégia jurídica que lhe ofereça controle, ou seja, que seja capazde, por si só, conter a crescente judicialização.

É evidente que não é possível separar a interação que ocorre entre os elementos políticos, sociais e jurídicos na composição do problemado judicialismo. Tampouco se pode afirmar que não existam tentativas jurídicas de tornar ameno (e, por vezes, impedir), o apelo àjurisdição (como a criação de institutos como súmulas vinculantes, repercussão geral, bem como as propostas de reformas processuaisque visama limitar a interposição de recursos, o que é alvo de críticas pela doutrina brasileira).

Entretanto, à distinção do que se entende por ativismo judicial, a judicialização não é resultante da atuação de juízes e tribunais,mas ocorre independente disso, de modo contingencial, porque necessária a provocação das instâncias judiciais.

O ativismo judicial é gestado no âmago da sistemática jurídica. Trata-se de uma conduta adotada pelos juízes e tribunaisno exercício de suas atribuições. A caracterização do ativismo judicial decorre da análise de determinadapostura assumida por um órgão/pessoa na tomada de uma decisão que, por forma, é investida de juridicidade.

Com isso, dá-se um passo que está para além da centralidade assumida pelo Judiciário no atual contexto social e político, que consiste em observar/observar qual o critério utilizado para decidir, já que a judicialização, como demonstrado, apresenta-secomo inexorável.

O ativismo judicial, portanto, revela-se como busilis exclusivamente jurídico, ou seja, criado pelo Direito, mas,evidentemente, com consequências em todas as demais esferas, sobre o qual a comunidade jurídica deve, primeiro,debruçar-se no interesse de perguntar por seu sentido, para posteriormente apresentar uma responsa, no sentido de um constitucionalismodemocrático.

E, no questionamento de como pode ser compreendida a manifestação judiciária, é possível encontrar posicionamentos que retratama indexação da decisão judicial a um ato de vontade daquele que julga.

É tal entendimento que se busca explorar como finalização do capítulo,fazendo, de início, uma retomada de como a questão da vontade adentrou no Direito especialmente através de Kelsen (1999), passando por uma leiturada obra de Antoine Garapon sobre o papel do Judiciário na contemporaneidade e, por derradeiro, realizando uma aproximação com a doutrina norte-americana, oque possibilita definitivamente distanciar a judicialização da política de ativismo judicial, firmando o entendimentodeste último fenômeno como decorrente de um ato de vontade do julgador.

Em síntese, o ativismo judicial é problema da teoria do direito e, precisamente, da teoria da interpretação, na medida em que suaanálise e definição dependem do modo como se olha para o problema da interpretação no Direito.

Vale dizer que é a interpretação um ato de vontade do intérprete ou o resultado de um projeto compreensivo no interior do qual se operaconstantes suspensões de pré-juízos que constitui a perseguição do melhor ou correto sentido da interpretação?

Definitivamente, a segunda possibilidade de retratação teórica do problema parece ser mais adequada.A questão da vontade implica fazer referência a Immanuel Kant e com a introdução de seu conceito de autonomia do sujeito eNietzsche, a partir do princípio epocal, que institui, a vontade do poder, este é tema que pode ser considerado especialmenterelevante para o Direito.

A expressão princípio epocal é usado por Ernildo Stein (1996) e incorporado por Lenio Streck (2011) em seus textos,fazendo referência ao fato de que os diferentes momentos históricos são marcados pelo predomínio de certas posturasfilosóficas.

Conforme explica Stein: “Quando se fala em princípio epocal se quer dizer, e isto para Heidegger é muito importante,que cada época da história da metafísica é caracterizada por um princípio objetificado que marcatodos os fenômenos da época. Esta é a bela ideia exposta no início do artigo de Heidegger, intitulado “O tempo da imagem” do mundo, em que ele afirmou que todas as marcas da cultura provêm de um elemento metafísico que determinaa História, a Ética, a Política, a Antropologia e a Psicologia”. In: STEIN, Ernildo. Diferença e metafísica:ensaios sobre a desconstrução. Ijuí: Editora Unijuí, 2009, p. 74.

Nietzsche é citado como teórico da crise da razão, que, ao despertar para o caráter interpretativo de nossa experiênciano mundo, acabou desenvolvendo um pan hermeneutismo que, por sua vez, desemboca em certo pragmatismo e que prenunciaa renovação do pensamento pragmático.

Portanto, a visão de mundo aparece como condicionada aos interesses de poder,daí, a noção do princípio epocal, a vontade poder.In: GRONDIN, Jean. Introdução à hermenêutica filosófica. Tradução de Brenno Dischinger. São Leopoldo: Unisinos Editora, 1999.Coleção Focus, pp. 42-45.

Com Lenio Streck é possível perceber os diferentes modos pelos quais a vontade acompanhou as grandes discussões no âmbito da hermenêutica jurídica.

Em outras palavras, o apelo a algum tipo de vontade sempre influenciou sobremaneira as formas de compreendera aplicação do direito, o que se dá, a priori, a partir de busca pela vontade da legislação e, posteriormente, através da procura pelavontade do legislador.

No ativismo judicial, o uso da expressão “interpretação como ato de vontade” remete Kelsen (1999). A vontade aparece emseu texto como elemento característico do ato de aplicação do direito, constituindo uma diferença fundamental em sua obra,o que se conclui a partir da seguinte afirmação, in litteris:

“(…) através deste ato de vontade se distingue a interpretação jurídica feita pelo órgão aplicador do Direito de toda e qualqueroutra interpretação, especialmente da interpretação levada a cabo pela ciência jurídica.”

A referida citação acima está no contexto de sua obra Teoria Pura do Direito, que justamente, trata do problema da interpretaçãojurídica. Esta afirmação, portanto, faz parte do projeto de Kelsen (1999) de apresentar uma proposta teórica com o fito de atribuir um estatuto epistemológico para o âmbito jurídico, que, por tradição, apresentava dificuldades em firmar-se com um conteúdo próprio,sendo confundido com questões de moral, política e economia.

A partir disso, então, o doutrinador cria uma distinção entre Direito e ciência do Direito, o que possui repercussão direta em suaconcepção de interpretação jurídica, dado que, para cada um destes âmbitos, o doutrinador estabelece um modo diferenciado de compreender a questão hermenêutica.

A partir desta divisão criada por Kelsen (1999), convém mencionar que a preocupação que surge com o problema do ativismo judicial é justamenteo que o doutrinador não toma por prioridade em sua teoria pura.

Isto é, em sendo o ativismo judicial uma questão de hermenêutica jurídica,isto é, que envolve a discussão sobre como aplicar o direito, pode-se dizer que tal debate não estava incluído como o centroda teoria de Kelsen (1999), cujo enfoque é direcionado à construção da ciência do Direito.

É por este motivo que, na única parte em que trata da decisão judicial (no capítulo oitavo),seu posicionamento é considerado como fatalista, sendo possível afirmar, inclusive, que ele acabaria por aceitar” a total irracionalidade da interpretação feita pelos órgãos do direito”.

Isso porque, ao diferenciar o ato de interpretação do cientista do direito do que é praticado pelo aplicador do Direito (órgãojurídico), definindo este como um ato de vontade e aquele como um ato de conhecimento, agrega outras tantas consequências, tais como:

  1. a) a afirmação de que, como resultado da interpretação realizada pelos órgãos jurídicos, tem-se normas jurídicas(à diferença da interpretação do cientista do direito, que produz proposições jurídicas);
  2. b) a afirmativa de que a interpretação dos órgãos jurídicos são as únicas consideradas autênticas;
  3. c) que estas, também, são as que criam direito; e, por fim,
  4. d) que este ato de vontade está eivado de discricionariedade.

O mesmo doutrinador afirma que a interpretação dos órgãos judiciários são atos de vontade é o que também atribui caráterdiscricionário ao ato aplicativo do direito.

Deste modo, resta evidenciada a relação entre vontade e discricionariedade, questãoque é tão problemática no contexto deum direito produzido sob o signo do constitucionalismodemocrático.

Lenio Streck (2012) é um dos primeiros doutrinadores que demonstra criticamente a dualidade existente nopensamento de Kelsen (1999) e as consequências disso para o Direito.

Aliás, é justamente a partir de suas obras que se podeperceber a vinculação entre ativismo e ato de vontade do julgador, assim como os problemas decorrentes disso.

Nessa linha, portanto, é que ativismo judicial se diferencia de judicialização da política, oque tambémpode ser observado através de posicionamentos de outros doutrinadores, que convalidam a tese de que no conteúdo doativismojudicial está incluído o problema da vontade como critério decisório.

Foi através de Kelsen (1999) que a noção de interpretação jurídica como ato de vontade é incorporada ao Direito.

Por sua vez, a teoria desenvolvida por este doutrinador, e, assim, o positivismo jurídico, foram as posturas que maisinfluenciaram o Direito no mundo todo (o que se pretendeu relativizar com o advento, em decorrência das transformaçõesengendradas pelo segundo pós-guerra, como posturas neoconstitucionalistas, cujo objetivo declarado justamente foi tentarultrapassar este modo positivista de dar fundamento ao conceito de direito.

Sob esta perspectiva, à formação de um cenário de intensa judicialização, isto é, um consequenteaumento dos poderes dos juízes (e dos tribunais), que se deu a partir de decisões cujo critério para fundamentaçãopassou a estar condicionado à vontade do julgador e, portanto, refletiam uma ampla discricionariedade judicial.

Já, em 1996 Antoine Garapon tratava do Poder Judiciário como “o guardador de promessas”, embora não seja assim afirmadotextualmente pelo doutrinador, é possível extrair deste livro uma dupla abordagem: por um lado, de contextualização do surgimentode um ambiente caracterizado por uma intensa atividade jurisdicional, mas, ao mesmo tempo, por outro, de referência à transposiçãodeste fenômeno para o que ficou conhecido como ativismo judicial.

A partir disso, pode-se traçar elementos para diferenciar a configuração de uma tendência judicializante para as posturas consideradasativistas.

Garapon revela que “nada mais pode escapar ao controle do juiz”, constatação que se insere no âmbitode um cenário, que pode ser em resumo caracterizado:

  1. a) por uma descrença na lei, e como consequência,por um aumento na dimensão interpretativa do Direito;
  2. b) por um desmoronamento do conceito de democracia,no sentido de que o “homem democrático” desaparece;
  3. c) pelo surgimento dos sistemas supranacionais, que, por um lado, fragilizaram a concepçãode soberania estatal, mas, por outro, possibilitaram a insurgência de novas instâncias jurisdicionais,como as Cortes de Direitos Humanos.

A partir disso, então, há certa promoção da atividade jurisdicional, o que, para o doutrinador,não se traduz em uma mudança dos titulares da soberania (que, originalmente, é atribuída ao poderpolítico, isto é, Executivo e Legislativo), mas antes uma evolução da referência da ação política,e não tanto uma rivalidade, mas sim, uma influência recíproca.

Ainda, nesta linha, de influência recíproca, o doutrinador menciona que isso representa uma substituiçãoda positividade por uma justiciabilidade, no sentido de que o Direito passa a se definir pela possibilidadede submeter um comportamento à apreciação de um terceiro, no caso, o Judiciário.

Por sua vez, a questão do ativismo judicial ganha contornos diferentes, Garapon (2006) afirmaque a atuação jurisdicional é acentuada de tal forma que os juízes passam a ser consideradoscomo “últimos ocupantes de uma função de autoridade clerical e até paternal abandonadapor seus antigos titulares”.

Assim, para o doutrinador, à noção de ativismo judicial e de governo de juízes subjaz uma tentativa de redenção,pela qual o juiz torna-se, inclusive, árbitro dos bons costumes.

Não se pode olvidar que mesmo o controle de constitucionalidade, na França, até 2008, não era consideradoprerrogativa do Poder Judiciário, mas do Conselho Constitucional, órgão vinculado ao Legislativo, que o exerciaapenas preventivamente.

Com isso, a reforma constitucional ocorrida recentemente, incluiu-se a possibilidadede controlar a constitucionalidade das leis de modo repressivo, mediante a manifestação, perante o mesmo órgão de qualquerinteressado no curso do processo judicial. In: STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica. 3. ed.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

Garapon associa a decisão judicial a um critério de desejo, de vontade daquele que julga,afirmando que: “ativismo começa quando, entre várias soluções possíveis, a escolha do juiz é dependente do desejo de acelerar a mudança social ou, pelo contrário, de a travar”.

Ainda, menciona que, neste contexto, o ativismo revela-se sob duas formas, sob a de um novo clericalismo dos juristas, se a corporaçãode juízes for poderosa, ou, pelo contrário, sob a forma de algumas individualidades, sustentadapelos media, se a magistratura não tiver grande tradição de independência.

Portanto, as interrelações que se formam a partir de Garapon (2006), a saber: escolha, desejos e podersão elementos que se conjugam em torno de um único fenômeno, o ativismo judicial.E, nesta linha, a argumentação apresentada pelo doutrinador se aproxima daquilo que foi referidopor Kelsen (1999) como próprio da aplicação do direito por um órgão judiciário.

Ou seja, no fundo, na contemporaneidade, e no mundo todo, é uma tendência de, conscientementeou não, recuperar a proposta teóricado jurista austríaco sob o que se poderia chamar novo rótulo,o do ativismo judicial.

As contribuições trazidas por Garapon (2006) são importantes, porque, estão inseridas na tradiçãojurídica francesa que historicamente, apresenta desconfiança em relação ao Judiciário; segundo, porquesão afirmações que partem de um doutrinador que, por muitos anos, exerceu a profissão de juiz;terceiro, porque denunciam um cenário de predomínio das instâncias jurisdicionais sobre as instituiçõesdemocráticas; quarto, porque evidenciam que esta centralidade da jurisdição não aparece, apenas,como um fenômeno social, mas como uma tomada de postura de juízes e tribunais na afirmação de suasvontades, ou nas palavras do doutrinador, desejos, e, por fim, quinto, porque, ao mencionartudo isso, possibilita diferenciar ativismo judicial de judicialização, o que é imprescindível para que se possaproblematizar a atuação jurisdicional.

Afirma Luigi Ferrajoli (2007) o contraste entre razão e vontade, que também consiste na contraposição entre direito naturale direito positivo, que remonta ao dilema existente entre governo das leis e governo dos homens.

Esta discussão entre governo das leis e governo das leis e governo dos homens.Esta discussão entre governo das leis e governo dos homens foi amplamente realizada em solo norte-americano,especialmente apartir do enfrentamento dos posicionamentos dos Federalistas e Antifederalistas.

Entretanto, dando um enfoque inicial distinto do apresentado por Antoine Garapon (2006) que aborda a questãodo ativismo judicial sob a perspectiva do desejo, que remete à questão da vontade, em um primeiro momento,este embate entre vontade e razão se deu em outro nível; como pano de fundo para legitimar o exercíciodo controle de constitucionalidade pela Suprema Corte.

No contexto das reflexões ianques, a intervenção das Cortes na revisão dos frutos do processo legislativoé resultado da compreensão da existência de um governo das leis (rule of law) à distinção degoverno dos homens, este último compreendido como império da soberania popular/da vontade popular(rule of people).

Ou seja, não bastaria a legalidade para que se substituísse o governo dos homens pelo das leis,mas seria necessária uma correspondência entre a legislação e a afirmação dos direitos civis e políticos.

Com isso, houve uma desvalorização da legislação parlamentar como fonte do direito, fortalecendoo papel das Cortes de Justiça de tal forma que a tradição norte-americana ficou marcada pelo riscode uma passagem da supremacia das Constituições à supremacia das Cortes Constitucionais, devido à existênciade um controle de constitucionalidade fortalecido.

Enfim, o contraste entre razão e vontade, entre a lei da razão e a lei da vontade, entre o direito natural e o direitopositivo, correspondentes ao clássico e igualmente recorrente dilema e contraste entre governo das leis e o governo dos homens.In: FERRAJOLI, Luigi. Constitucionalismo garantista e neoconstitucionalismo[21]. Tradução de André Karam Trindade.Separata do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional. Curitiba: Conceito Editorial, 2008.pp.33-41.

Dando enfoque inicialmente distinto do que foi apresentado por Antoine Garapon (2006) (que aborda a questão doativismo judicial sob a perspectiva do desejo, que remete à questão da vontade, em um primeiro momento,este embate entre a vontade e a razão se deu noutro nível: para legitimar o exercíciodo controle de constitucionalidade pela Suprema Corte.

Em verdade, a intervenção das Cortes norte-americanas na revisão dos frutos do processo legislativo é resultanteda compreensão da existência de um governodas leis, à distinção de governo dos homens, este último compreendidocomo império da soberania popular/da vontade popular.

Isto é, não bastaria a legalidadepara que se substituísse o governo dos homens pelo das leis, mas seria necessária uma correspondênciaentre a legislação e a afirmação dos direitos civis e políticos.

Com isso, houve uma desvalorização da legislação parlamentar como fonte do direito, fortalecendo o papel das Cortesde tal forma que a tradição norte-americana ficou marcada pelo risco de uma passagem da supremacia das Constituiçõesà supremacia das Cortes Constitucionais, devido à existência de um controle de constitucionalidade fortalecido.

Neste último ponto, de surgimento de uma supremacia jurisdicional, que, novamente, aparece a questão da vontade. Com a crescente intervenção do Judiciáriona esfera política, preponderantemente a partir do que ficou conhecido na história do constitucionalismo norte-americano como Corte Warren, a questão da vontade migra para o âmbito da decisão judicial:conforme afirma Christopher Wolfe, as decisões judiciais passam a estar fundamentadas em um critério de vontade (will).

Aliás, é justamente isto que permite Wolfe (1994) afirmar que o poder exercido pelos juízes deixa de constituir a realizaçãode um julgamento (ou uma interpretação), sendo, portanto, reduzido a uma questão de vontade.

O doutrinador afirma consolidar-se um cenário de intenso protagonismo judicial, voltado para uma ampla intervenção judiciária, noque ficouconhecida a expressão judge-made law (em uma tradução literal, direito feito pelos juízes).

A utilização desta expressão judge-made law para caracterizar a fase ativista da Suprema Cortenorte-americana, neste contexto, é um tanto quanto esclarecedora, especialmente aliada à questão da vontade.

De fato, quando a decisão judicial passa a ser uma questão de vontade, então, não há outro direito a seguir,senão o construído pelo Judiciário, isto é, criado pela vontade de quem julga (a lei da vontade).

Esta postura rompe com a noção de supremacia do Direito, rule of law, na medida em que, a partir disso, em suasmanifestações, o juiz sempre exercerá sua discricionariedade, selecionando entre muitos pontosde vista deixados abertos pelo direito, aquele que está mais próximo das suas preferênciassubjetivas.

Conjugando as contribuições destes doutrinadores, é possível demonstrar como mais uma vez, a questãodo ativismo judicial aparece associada a um ato de vontade do Judiciário, tal como preconizou Kelsen (1999).

Além disso, mesmo tratando-se de outra experiência jurídica, novamente, é feita a ponte entre vontade,discricionariedade e subjetividade. São justamente estes elementos que permitem distanciara postura ativista dos juízes do fenômeno da judicialização da política, base para este estudo.

No constitucionalismo norte-americano é possível identificar dois entraves ao surgimento do controlede constitucionalidade (judicial review): a insistência dos Estados em, na defesa da liberdade, apesar de concebera Constituição como texto fundamental, considerá-la como não vinculante em relação ao seu Poder Legislativo; ea desconfiança que os cidadãos possuíam em relação ao Poder Judiciário, no sentido de quea common law era considerada muito complexa, o que se pensava que poderia impossibilitar um controlepúblico dos atos jurisdicionais, vez que a compreensão do conteúdo das leis demandava a existênciade um conhecimento deveras técnico.

Ambos os entraves que se criaram em torno da afirmação do judicial review estavam assentados no fato de que nãose imaginava um órgão do poder judicial anulando os atos de instituições que possuíam representatividade perante o povo.Contudo, tudo isso sucumbiante diante do julgamento do caso Marbury versus Madison.

A origem do judicial review envolve muitas discussões teóricas e, entre os muitos posicionamentos há um ponto em comum, de quea sentença proferida por Chief of Justice Marshall, no caso Marburyversus Madison foi uma manifestação do poder da Corte em revisar uma decisão política.

Embora as alterações que se operaram na atuação da Suprema corte, a partir do século XIX resultem uma dificuldade em se ver nesta decisão, o judicial reviewtal como este é atualmente exercido, não se pode negar as contribuições que este case trouxe para o direito norte-americano, poisse, algumas modificações ocorreram, foram a partir de uma base.

Entretanto, pouco se questiona ou se aprofunda os estudos no sentido de compreender o que levou Marshall a decidir daquela maneira.Isto é, a doutrina simplesmente enxerga o constitucionalismo americano a partir de 1803, num fechar de olhos para o passado.

Desta forma, na tentativa de encontrar a origem do judicial review em um momento anterior, David Ball, em um resumo do que propõeseu livro, faz importante afirmação:”(…) the origins of the constitutional power of judicial review lie in the historical development and applicatio of de the duty to resist tyranny”.

De fato, a decisão proferida no julgamento do caso justamente estabelecia limites ao agir governamental a partir do que estavaprevisto no texto constitucional, especialmente:

  1. a) no artigo III, que coloca o Poder Judiciário como um dos subordinados à Constituição;
  2. b) no artigo IV, que garante a supremacia da Constituição.

Nesse contexto, se, por um lado, o dever judicial de aplicar a Constituição era inquestionável considerando a supremacia constitucional;por outro, havia uma forte dúvida quanto à legitimação do exercício de um controle de constitucionalidade pelas Cortes, o que, por muitos,foi compreendido como abusivo, pois, apesar de estar firmado na Constituição norte-americana que o Poder Judiciário deveria atuar sob os ditamesconstitucionais, não estava expressamente incluído revisar os atos emanados dos demais Poderes.

Nesse sentido, a história do constitucionalismo norte-americano é muito importante, pois foi em seu âmbito que surgiram os primeirosdebates sobre a legitimidade da atuação da Corte Constitucional.Baldados tantos esforços, portanto, para encontrar em meio de legitimação para o judicial review.

A primeira tentativa foi buscar amparo constitucional, mas, como já visto anteriormente, tal hipótese fracassava diante da ausência da previsãoexpressa da possibilidade de exercício deste controle pelo Judiciário.

Diante disso, os olhares foram voltados para a tradição inglesa, especialmente para o posicionamento a favordo judicial review proferido por Sir Edward Coke, no julgamento do Bonham’s Case[22] em 1610,entretanto, isso não poderia servir como base, pois,emboradeclarado o poder de revisão dos juízes, não se visaconcretizar na Inglaterra o que por este havia sido proposto, já que esta havia sido apenas uma estratégiade Coke para resgatar o juscommune, que havia perdido sua força em face da existência de jurisdições especializadas comoa equity.

Por derradeiro, foi tentado um retorno às origens, numa busca de fundamentação pré-constitucional, contudo, é muito difícilencontrar os rastros de que os Framers teriam sido favoráveis ao controle de constitucionalidade exercido pelos juízese,sendo que o mais próximo disso que se possa ter chegado foi o projeto (frustrado) de estabelecer o exercício do poder de vetode forma conjunta pelo Presidente e pelos juízes.

Enfim, todos esses obstáculos para legitimar a atuação das Cortes foram frutos do momento histórico vivenciado pelos EstadosUnidos. Não se pode esquecer que isso possui estreita relação com o fato de que, quando do surgimento do constitucionalismo americano,havia forte debate entre os federalistas e antifederalistas, quanto à compreensão de República americana.

O chamado republicanismo populista tão defendido por Thomas Jefferson e os antifederalistas,partia da ideia de que a participação popular era fundamental para a República, motivo pelo qual, se o Poder Judiciário não pudesseser reduzido a mere machine, ou seja, a órgão obrigado a uma estreita aplicação do texto da lei, o poder dos juízes poderia,de fato (…) abalar a lógica democrática, tornando-se um poder impróprio no interior de um governo republicano.

Por outro lado, para Adams e os federalistas, era necessário afastar-se da concepção republicana francesa e inglesa (de participaçãopopular), na medida em que a onipotência de um regime democrático acabava retomando justamente o absolutismo com o qual se pretendia romper.

Com isso, abria-se espaço o controle de constitucionalidade das leis exercido pelo Judiciário, na defesa de interessescontramajoritários.

A experiência constitucional americano repercutiu sobremaneira no cenário mundial, através de duas importantesafirmações: da soberania da Constituição, no sentido de que o texto constitucional passou a ser considerado superior aos outros atos normativos;e do papel do Judiciário na defesa da Constituição, incluindo o dever de tornar nula legislação que lhe confrontasse.

Ocorre que ambos os resultados deste movimento de constitucionalização não foram previstos pelos founders, ou seja,fundadores, tanto é que, originalmente, a Constituição não incluía mecanismos diferenciados para sua modificação, o que veioa ser implementado apenas em 1780, assim como, nos primórdios, o Judiciário sequer era visto como ramo do Estado, sendo considerado aindasubordinado às assembleias locais.

O sistema de vinculação das decisões judiciais e a teoria dos precedentes é derivado do direito inglês e incorporada pela doutrina americana,a teoria do precedente surge direcionada a garantir a coerência nos sistemas jurídicos fundados na common law, em que os juízes são obrigadosa tomar suas decisões respeitando as regras dostare decisis, pela qual um caso presente, se considerado semelhante a outro anterior, deveráser julgado do mesmo modo.

O precedente é uma concreta decisão jurisprudencial, vinculada como tal ao caso historicamente concreto que decidiu (…)que se soma ou se impõe como padrão casuístico em decisões análogas ou para casos de aplicação concretamente analógica.

Na jurisprudência dos EUA, conhecida como case law, a vinculação dá-se, especialmente, por um critério hierárquico, isto é,os tribunais inferiores sentem-se vinculados a decidir do mesmo modo que casos semelhantes foram decididos por tribunais superiores.

Neste sentido, os tribunais estaduais estão vinculados aos precedentes contidos em anteriores decisões judiciais de tribunaishierarquicamente superiores do mesmo Estado e por precedentes contidos em anteriores decisões de tribunais federais que aplicam direito federalou direito do respectivo Estado; e os tribunais federais, por sua vez, estão vinculados por precedentes contidos em anteriores decisõesde tribunais federais hierarquicamente superiores e, quando apliquem o direito estadual por precedentescontidos, em anteriores decisões dos tribunais superiores do respectivo Estado.

Essa vinculação de um julgado passado a um litígio presente não se dá de modo automático ou imediato. Quando se vai julgar a aplicabilidade, é necessário analisar a força ou autoridade que liga os dois casos. Maurício Ramires (2010), afirma:”essa força pode ser obrigatória (binding ou cosntraining) ou meramente persuasiva (persuasive ou advisory).

Além disso, somente são vinculantes as decisões tomadas pelo mesmo órgão judiciário, exceto a Suprema Corte Federal,que vincula todas as instâncias e, as Cortes Supremas Estaduais, que abrangem as decisões tomadas em seu Estado. Em relação a esteaspecto vinculatório, há algo interessante, pois as Cortes Supremas, tanto no âmbito federal como no estadual não vinculam asi próprias.

Toda decisão judicial gera um acórdão, chamado de opinion of thecourt, questiona-se o que é efetivamente um precedente?

É o holding do caso, é a discussão a seurespeito, nos limites da controvérsia jurídica, que ganha força vinculante em relação aoscasos futuros. E, nesse sentido há significativa diferença entre o holding e o dictum, sendo este último a parte não vinculanteda decisão, porque é somente o espaço de afirmação do julgado.

Conclui-se, portanto, que o stare decisis é mais flexível nos EUA. E, no direito britânico, os precedentesganham força de regra. Ao contrário, no contexto americano, tal postura é mais flexível, podendo ocorrer que um tribunal não respeiteo precedente judicial. Daí, porque se diz que no direito constitucional norte-americano há uma política do precedente.

Para finalizar, importa aduzir que a política de precedentes judiciais não dispensa o caráter interpretativo da análise se determinadojulgado deve ser aplicado a um caso concreto.

Conforme afirma Maurício Ramires, a própria noção de precedente judicial resulta da possibilidadede novos juízes deram novos sentidos ao mesmo texto legal e, daí derivam todas as possibilidades de distinguir,ampliar (to widen) ou restringier (to narrow) o precedente judicial, de acordo com as exigências do caso concreto.

É, por esse motivo que alguns autores afirmam que a grande virtude da common law é que esta constrói os princípios caso a caso,adquirindo seu poder através da história. E, até agora, foi possível observar descritivamente a caracterização do sistema americanoa partir daquiloque se entende por teoria da vinculação jurisprudencial americano.

Em síntese, analisa-se qual relação do ativismo judicial, em especial, no Brasil com o sistemade precedentes judiciais.É relevante observar que os elementos que constituem o sistema de precedentes judiciaisapresentam o distanciamento existente entre este modelo de jurisdição e o brasileiro.[23]

E, há uma tendente tentativade aproximação entre ambos, que se dá no plano teórico, pela defesa de um ativismo judicial, muitas vezes às avessasdo que se pode apreender da experiência dos EUA, quanto pela criação de mecanismos processuais análogos aos existentes naquele país.

Em relação, a este último ponto, pode-se mencionar, por exemplo, as súmulas vinculantes.Ainda a respeito da atribuição do caráter vinculativo às súmulas tenha pretensamente ocorrido uma aproximação à teoriados precedentes americanos, é possível identificar uma série de diferenças entre estes dois sistemas.

Georges Abboud apresenta uma relevante contribuição ao tema, enfocando a diferenciação sob quatro frentes:

  1. a) quanto ao modo de aplicação;
  2. b) quanto ao âmbito de vinculação;

c)quanto ao seu alcance;

  1. d) quanto à sua teleologia.

Em síntese, a partir da observação destes critérios distintivos, é possível dizer que, à diferença dos precedentes, a súmulavinculante: possui natureza legislativa, valendo por seu enunciado genérico e abstrato, e não por uma problematização dos fundamentosque possibilitaria utilizá-la para casos análogos:

  1. a) apresenta vinculação obrigatória,passível de ser reclamada perante o STF se não cumprida, ao passo que dos precedentesnão decorre essa inexorabilidade vinculante;
  2. b) encerra-se em um texto normativo, tal qual a produção legislativa, motivo pelo qual seu alcance aparece delimitado, o que não ocorre nocaso dos precedentes, que dependem de uma identificação dos fundamentos da decisão doc aso decidido com situaçãosemelhante, o que torna sua abrangência um tanto quanto conflituosa;
  3. c) foramcriadascom o fito de controlar o Judiciário, ao passo que os precedentes, ao longo da história constitucional americana, representaram,primeiro, uma forma de fortalecer a atuação jurisdicional, em face de poderes do rei, e, depois, como modo de controlar a decisão judicial, no intuito de preservar a segurança jurídica.

Desta forma, embora o contexto pátrio já fosse marcado pela obediência aos enunciados sumularesainda sem a força vinculativa, a introdução deste instituto pela EC 45/2004 trouxe váriasconsequências para o direito brasileiro. Instaurou-se não apenas o paradoxo de ser, ao mesmo tempo,uma proposta de agilização dos julgamentos e de padronização dos mesmos, numa espécie de defesa de segurançajurídica, mas sua má compreensão deu azo aos pronunciamentos discricionários, descontextualizadose descomprometidos com o caso concreto, oque demonstra os problemas de assimilação de mecanismosoriundos de outras tradições jurídicas.

O constitucionalismo americano, há o entendimento de que o Legislativo faz as leis, o Executivo as aplica e, o Judiciárioas interpreta. Para Michael G. Trachtman, isto tudo é verdade, mas descrever a atuação da Suprema Corte desta maneira apresenta-seacertado desde uma perspectiva, mas tão incompleto que pode ser grosseiramente enganoso.

Em verdade, a Suprema Corte revela-se como órgão imponente de modo jamais visto.

A Constituição norte-americana foi esboçada pelos framers, consistindo em um documento, (…) definitivo em muitos aspectos, mas também tão suficientemente vago que pôde ser aplicado em inimagináveis circunstâncias.

Diante disso, a forma de manter o texto constitucional vivo foi através da atuação da Suprema Corte. por sua vez, isso ocorreu por duas vias:tanto por sua autoridade em tornar inválido ou sem efeito leis e outros atos governamentais (ou seja, por meio do exercício do judicialreview),quanto por seus posicionamentos em relação à interpretação do texto constitucional, definindo certas questões controversas.

A partir disso, é possível afirmar que a história do direito constitucional americana possui uma composição descontínua, nointeriorda qual Laurence Tribe identifica a existência de sete modelos de direito constitucional.

Estas construções, constituem alternativas para o argumento jurídico e para a tomada de decisão.Na verdade, os setes modelos são tendências, ou seja, problemas característicos e respostas iluminadoras das facetas ou elementosdo sistema de fins que a Constituição incorpora.

Em síntese, o modelo primeiro implicou a primazia da separação dos poderes[24], em que a acumulaçãode poder em qualquer pessoa ou grupo era considerada tirania; o modelo segundo diz respeito à limitaçãodo governo, distinguindo as esferas privada e estatal; os modelos terceiro e quarto de certo modo, são vaziosde conteúdo, simbolizaram, em um primeiro momento, o estabelecimento de expectativas na sociedade e,posteriormente, a regularidade governamental; o modelo quinto, centrado na preferência de direitos, significou a exclusão daatuação do poder governamental de certas esferas, imunizando determinadas escolhas (grupo de direitos) da intrusãode medidas governamentais, o sexto modelo priorizou a igualdade, através da inclusão de aspectos sociais fundamentais,e o modelo sétimo dá ênfase à justiça estrutural, que estrutural, que conjuga as preocupaçõesestruturais sobre as decisões do governo com os aspectos substantivos da garantia dos direitos.

Embora estes sete modelos sejam atravessados pelas teorias interpretativas, não representam modos de compreender a Constituição.

Sobre este aspecto, é possível dizer que a polêmica sobre os direitos enumerados e não enumerados redimensionou o papel da jurisdição constitucional nos EUA. Na sequência, serão trazidas as principais discussões que fomentaram diferentesintepretações acerca dos direitos previstos na constituição norte-americana, o que, ao final, teve como consequência a caracterizaçãode eras da jurisdição.

Os EUA e o Reino Unido foram um dos primeiros países a garantir os direitos pela via documental escrita. O direito constitucionalnorte-americano possui um denso conteúdo de proteção de liberdades, o que marcou a história do país, identificando-omarcadamente no plano mundial.

O direito constitucional americano possui denso conteúdo de proteção de liberdades,o que marcou a história do país, e a Constituição americana possui forte conteúdo do que se pode afirmar do textualmente mínimo,de forma muito abrangente e composto por uma linguagem umtanto quanto abstrata.

Questiona-se como conjugar esses dois fatores, a existência do país progressista na afirmação de direitos e, ao mesmo tempo,esta nação possuir um texto constitucional tão enxuto e resumido. O meio compatibilizante destas duas características foi atravésda criação pela doutrina americana de estratégias teóricas, como a leitura moral da Constituição,defendida por Ronald Dworkin.

Com isso, os estudiosos, os acadêmicos e também a Suprema Corteobjetivaram reforçar o papel da Constituição, evidenciando o caráter interpretativo do Direito, mediante possível utilizar-se de uma visão ampliada dos direitos constitucionalmente previstos.

A partir disso, é possível afirmar que o constitucionalismo nos EUA esteve preponderantementemarcado pela existência desta polêmica surgida em torno dos direitos considerados abstratos.

Se, um por um lado, a dimensão interpretação atribuída aos direitos constitucionais estendeu o conteúdo do que havia sido textualmente previsto, incluindo maisgarantias aos cidadãos, por outro lado, gerou a desconfiança sobre as Cortes, no sentido de questionar se, ao decidir sobre tais direitos, os juízesestariam impondo suas próprias convicções morais acima de fundamentos jurídicos.

Deste modo, passou-se a discutir a autoridade da Suprema Corte na aplicação destes direitos. E, assim, Ronald Dworkin apresenta duas importantesteses, a saber; primeiro, que a esfera jurisdicional não escapa dessa interpretação moral da Constituição, no sentido de que, independentemente do modo como isso vai repercutirna atuação dos julgadores, o argumento moral é por eles amplamente utilizado; e, segundo, que isso impulsionou a caracterizou sua postura como liberaisou conservadores. Ou seja, Dworkin afirma que, em sendo essa leitura moral admitida pelos juízes, quae nunca aparece com exsurgente da própria Constituição e, como consequência,a relação entre Direito e Moral acaba sendo corroída, porque a Moral passa a ser associada com determinada era de posicionamento judicial (como a judiciária)apresenta-se como um problema para a soberania popular.

Na verdade, através de uma concepção de uma living constitution, juízes acabam inventando um novo documento ao invésde dar uma nova interpretação.

Conforme menciona Dworkin, o problema nunca foi discutirse o juízes devem interpretar a Constituição, mas em saber como ocorre esta interpretação, tendo em vista que muitasvezes acaba sendo mitigada peala atuação discricionária de juízes e tribunais. Isso não apenas afeta a esfera jurídica como também a política, especialmente,pelo fato de que os ministros da Suprema Corte são indicados pelo poder político.

Aliás, o presidente Eisenhower, quando saiu da presidência afirmou categoricamente que ele havia cometido dois erros durante seu mandato:ter indicado Chief of JusticeEarl Warren (que, apesar de ter sido um político republicano, presidiu o período mais ativista da Suprema Corte) e JusticeWilliam Brennan (cuja atuação lhe conferiu o título de mais liberal dentre os juízes), o que demonstra como o caráter abstratodos direitos constitucionalmente previstos acabou dando abertura para posicionamentos politicamente comprometidos.

É possível observar, desse modo, com a relação entre Direito e Moral é atravessada pela Políticaatravés da atribuição aos juízes que podem acabar tomando suas decisões a partir de uma intencionalidade político-partidária.Com isso, a interpretação e a própria elitista, antipopulista, antirrepublicana e antidemocrática.

Isto é, sob a ótica de uma compreensão ativista da jurisdição, a dimensão interpretativa do Direito, bem como a leitura moral da Constituição, acabam revelando-se como um problema, o que evidencia a necessidade de sesuperar a discricionariedade de juízes e tribunais.

Noutras palavras, de nada adiantam os avanços trazidos pela descobertainterpretativa do Direito e o resgate da Moral se tudo isso ainda ficar centrado na figura de um sujeito, cujas vontades são investidasde oficialidade pela política constitucional (por função jurisdicional).

Enfim, tudo isso produz a polêmica existente entre direitos enumerados e não enumerados nos EUA. Neste cenário,é possível encontrar os seguintes posicionamentos: os que aceitam esta distinção estrutural e entendem que a Suprema Corte só temautoridade para aplicar os chamados direitos enumerados e, por outro lado, os que afirma que a Suprema Corte tem poder para aplicaros direitos conhecidos como não enumerados.

No fundo, trata-se de uma discussão sobre os limites do poder judicial, pela qual a aplicação dos direitos não enumerados podeser considerada um extrapolamento de suas funções (como nocaso do Justice White nocaso Bowers versus Hardwick, de que a Constituiçãonão previa um direito àsodomia).

A respeito do debate, Laurence Tribe e Michael Dorf escreveram texto para tratar dos níveisde generalidade dos direitos fundamentais, entendem que, para resolver determinadoscasos, é preciso recorrer a um sistema de valores.

Porém, ao contrário de Dworkin, afirmam que pormais que este sistema possa ser compartilhado entre juízes ou mesmo pela sociedade em geral, de um modoou de outro, trata-se de elemento externo ao texto literal da Constituição, motivo pelo qualé possível se cogitar em direitos não enumerados.

O problema é que, com isto, estes doutrinadores assumem que haja uma parcela de subjetividade,ou seja, preferências e simpatias, insuperável na atuação dos juízes, embora tambémafirmem que isso não signifiqueo abandono de um necessário esforço na tentativa de eliminar tais traços da atuação jurisdicional.

O posicionamento de Ronald Dworkin, por sua vez, é de que esta divisão entre direitos enumerados e os não-enumeradosé pífia, um engano semântico. Isso porque a chave da questão não é de referência, isto é,de se saber quais sejam os direitos textualmente previstos, mas de interpretação.

Ou seja, mesmo diantede um direito considerado enumerado, com a liberdade de expressão, a controvérsia surge a partirdo questionamento sobre se esse direito é liberdade de expressão, a controvérsia surge a partir do questionamento sobre se esse direito é aplicável a determinada situação, como por exemplo, se ele pode dar guarida ao ato dequeimar a bandeira do seu país, o que depende de uma teoria constitucional, construída através de uma leitura moralda Constituição, que fundamente tal direito. Em derradeira análise, significa que os direitos não decorrem da grafiade seu texto.

Ainda no que diz respeito a esta polêmica, Richard A. Posner estabeleceu um debate com Dworkin, que o levou a conclusõesdiametralmente opostas à preocupação com os fundamentos democráticos da atuação do Judiciário.

Posner (1992) parte do apontamento de dois modos através dos quais os juízes pautam suas decisões: pela construção de uma teoria que serviráde norte para a decisão da controvérsia (o que ele chama top-down reasoning) e por uma argumentação que parte do caso ou do conjunto de casos (bottom-up reasoning).In: POSNER, Richard A. Legal reasoning from the top down and from de bottom up: the questionof unenumerated constitucional rights. The university of Chicago LawReview, Chicago, volume 59,n.1., pp. 433-450. Winter, 1992, p. 435.

Assim, considerando esta distinção, de plano, rejeita o segundo critério decisório, sob alegação de que, por trás da observação de um precedente,há mais do que a remissão a um caso e, também, que este tipo de argumentação acaba construindo um texto que dá respostas a perguntasque já não são mais realizadas. Abandonando esta perspectiva, então, Posner passa a abordar a teoria de Dworkin constrói, a partir de uma visão de Constituição como um todo(que ele passa a chamar de uma teoria holística).

Neste ponto, o doutrinador refuta a tese de Dworkin, filiando-se à doutrina realista de Oliver Wendell Holmes, sob o fundamentode que a atuação judicial baseado no instinto do intérprete transcende à uma análise teórica do caso.

Usando de argumentos de fato(que considera, por exemplo, na discussão sobre a constitucionalidade do aborto, a situação de que ele já vem sendo praticado pelas mulheres com maiorespoderes aquisitivos).

Posner afirma que sua proposta é menos arriscada do que a teoria totalizante de Dworkin (centrada na preocupação de que o Direito não mude conformese altere a composição da Corte). Isso porque poucos juízes estão habilitados a compreender ou criar teorias políticas, ao passo que sempre poderão se guiar por seus instintos.

Deste modo, o doutrinador conclui seu posicionamento acerca da polêmica dos direitos não enumerados, afirmando que, por mais que possaser acusado o caráter de subjetividade e relativismo de sua postura, é visível que os juízes saibam lidar melhor com os fatosdo que com a teoria. Com isso, percebe-se que ganha razão Dworkin ao afirmar que esta discussão trata, na verdade,de um problema interpretativo e não de uma distinção estrutural.

Posner se desonera de qualquer controle da jurisdição em favor da defesa de uma interpretação instintiva. É possível notar,portanto, o quanto as teorias interpretativas influenciam na compreensão do papel das Cortes americanas, especialmente, da Suprema Corte.

Também o ativismo judicial é atravessado por tais debates. O ponto fundamental consiste exatamente em perceber que a leitura moralda Constituição, seja o texto constitucional escasso na enumeração de direitos ou não, não se confunde com ativismo judicial.

A princípio, em razão do detalhamento do texto constitucional brasileiro, no estabelecimento de direitos e garantias,a afirmação da necessidade de uma leitura moral da Constituição para ampliar o conteúdo de certos direitos e, ao mesmo tempo,para balizar a atuação dos juízes, em face do que, nos EUA, chamar-se-ia de direitos não enumerados dispensaria esta estratégiateórica do constitucionalismo americano, uma vez que isso decorre diretamente da própria textualidade da Constituição brasileira, especialmenteporque estabelece objetivos de bem-estar ao Estado.

Por esta peculiaridade, a polêmica a respeito dos limites da atividadejurisdicional e, assume, a discussão sobre o ativismo judicial também deveria apresentar-se,em comparação à experiência a experiência norte-americana, no mínimo amenizada (porque este Poderestaria constrangido pela própria Constituição).

Apesar disso, pela defesa da discricionariedade, deu-se outro tipo de discurso moral não decorrente do que é informado pela Constituição, qualseja, o da moral particular? Individual do juiz que, nesta linha, surge na condição de predador externo do texto constitucional.

Foi com intrigante título de “A Constituição invisível”, Laurence H. Tribe pretende demonstrar que a resposta para pergunta o que sejauma Constituição, está para além da apresentação de seu texto.

Há muito da Constituição que pode ser visto pelas linhas que lhe compõem. Também significaafirmar que há diversas questões sobre as quais a Constituição silencia. Conforme afirma o editor em nota que abre livro,o objetivo do autor é tornar visível nossa constituição invisível. TRIBE, L. The invisible constitution.Oxford: Oxford University Press, 2008, p. XIV.

A teoria de Tribe (2008) é absolutamente relevante para constitucionalismo americano pois, como é sabido,a Constituição dos EUA é composta por apenas sete artigos e vinte e sete emendas.

Por este motivo, considerando a numerosa quantidadede contendas jurídicas que dão margem para Suprema Corte decidir, o contexto jurídico norte-americano reclama um pressuposto teórico que fundamenteas decisões tomadas, que permita entender a constitucionalidade para além da textualidade, uma vez que a Constituição dos EUA se apresenta muito sintética.

Portanto, a Constituição norte-americana deixa em aberto muitas questões. A maior destas é a de saber o que o texto constitucionalprópria inclui e o que exclui. Pode um cidadão ler a correspondência eletrônico de outro? Pode-seperder o emprego por ser a favor da descriminalização da maconha? Ou porque não deseja se vacinar contra a Covid-19?

E, dentre outras questões, realmente, são direcionadas à Constituição Federal,embora o meio para obter tais respostas, na contemporaneidade, tenha sido o Judiciário. E, conforme afirmou Tribe (2008), isso dependerá também,da composição da Suprema Corte no momento.

Por mais que a Constituição se nomeie, por seus dispositivos texto supremo, disso não decorre sua supremacia, tampouco legitimação.Como resolver tal questão deum texto, que, por si só, não garante suas próprias respostas? Tribe (2008) resolveu esta questão na articulação dos conceitos de constituiçãovisível e invisível.

A Constituição invisível nos faz perceber que toda a interpretação de um texto passa por uma mediação de sentido, que, apropriando-se da leitura de Streck sobre a interpretaçãojurídica, inicialmente, está velado.

Evidentemente, Tribe (2008) não fez afirmações nestes termos, mas apontou para o fato de que, para além do que se pode ver na Constituição, existemperspectivas históricas, a filosofia moral e política, as teorias da linguagem, questões institucionais e outras fontes.

A polêmica gerada em solo norte-americano sobre o que afirma a Constituição é tamanha que conduz a um radical posicionamento, como o de Tribe. Ora, otexto constitucional americano é tão breve que obriga os juristas a elaborarem estratégias teóricas que demonstrem que a Constituição existe para além de sua textualidade(com sete artigos e vinte e sete emendas).

É por isso que surgea constituição invisível para dar conta deste algo mais que não está no texto, ou seja, para denunciar o abismo que há entre a Constituição como compreendemos e seu texto escrito.

Este debate colocado por Tribe (2008) é importante para análise sobre o ativismo judicial na medida em que as controvérsias sobre o texto constitucional que são direcionadas ao Judiciário. Se há umaconstituição invisível, como afirmou o doutrinador norte-americano, a questão será saber, o que isso representa em termos de poderes para a Suprema da Corte.

Tribe (2008)deixou bem claro: seu objetivo são dois: primeiro explorar a substância da Constituição, sem enfatizar, como fazem muitos, que a Suprema Corte possui um papelde destaque, apresentando uma justificação para tanto; e, segundo, analisar, muito mais, o que está invisível no âmago da Constituição do que em suas cercanias, isto é, o que estána Constituição, mas não visto.

A proposta de Laurence Tibe é explorar o que está além da discussão sobre os direitos enumerados e não-enumerados.Mas, sim, atribuir relevância a certos princípios que, embora não estejam expressamente previstos na Constituição, são consideradosfundacionais e indispensáveis para a legitimidade dos sistemas político e jurídico.

E, a partir disso, então, o doutrinador apresenta rol de princípios, meramente sugestivos, não exaustivos e sem caráter de direito natural, composto pelasseguintes proposições:

  1. a) governo do povo, pelo povo, para o povo;
  2. b) governo das leis, não dos homens;
  3. c) nós estamos comprometidos com o Estado de Direito;
  4. d) as Cortes não devem automaticamente acatar o que as autoridades eleitas decidem sobre o significadoda Constituição;
  5. e) o governo não pode torturar pessoas para forçar informações fora deles;
  6. f) na íntima vida privada de cada pessoa há limites para que o governo pode controlar;
  7. g) o congresso não pode chefiar Estados como se fossem agências ou departamentos do governo federal;
  8. h) nenhum Estado pode se separar da União.

Assim, o posicionamento de Tribe (2008) sobre a Constituição invisível é entendido pela polêmica surgida sobre a existência de uma Constituição não escrita. Comas teses de doutrinadores sobre as constituições não escritas, Tribe (2008) afirmou que eles visavam, através de teorias, tornar a Constituição invisível legítima e vinculante.

Toda esta construção feita por este autor norte-americano sobre a Constituição Invisível, portanto, revelou o quão problemática apresenta-se a interpretação constitucional nos EUA.

É justamente este caráter sintético e enxuto da Constituição americana que,em termos de atuação jurisdicional, fez surgir diferentes eras da jurisdição.

Atualmente, tem-se observado grande crescimento dojudicial review, o que não está apenas relacionado com o entendimentopacífico de que o Judiciário está legitimado a controlar, a partir de parâmetros constitucionais, as decisões política dosdemais Poderes, mas no que se refere a grande interferência judicial em questões, tradicionalmente, consideradas como âmbitoexclusivo do legislativo e do Executivo.

Entretanto, nem sempre foi assim, isto é, isso não foi imediata consequência da incorporação, do controle de constitucionalidade,conforme afirma Christopher Wolfe (1994), na tradição ianque, é possível ser identificada três diferenteseras or stages do judicial review.

A primeira fase é a chamada traditional era, inicia-se com o estabelecimento da Constituição e perdura até 1890. Já a segunda fase,considerada transitional era, começa com o término da primeira fase e teve seu fim não muito bem esclarecido, porque, em 1937, ainda com reflexosda política do New Deal de Franklin Roosevelt, inaugura-se uma alteração no modo de interferência judicial, entretanto, não se tem muita convicçãode que estas mudanças foram significativas a ponto de ensejarem o início de novo período,chamado modern era, atual momento do Judiciário norte-americano.

Wolfe (1994) sobre a traditionalera afirmou que se caracterizava por nova visão da Constituição e, se dá a partir de duas perspectivas.

Trata-se de compreender que do texto constitucional é possível construir sentidos quando realizada uma leitura adequada e, ao mesmo tempo, de perceber que, em decorrência disso, a Constituição estabeleceprincípios a serem cumpridos tais como são as leis, rompendo com a ideia de que o constitucionalismo estaria restritoa estabelecer generalidades vagas. Tudo isso pode ser resumido na substancial concepção de Constituição.

Com base nisso, o judicial review poderia ser visto tão-somente como postura da Corte de dar preferência à aplicação da Constituição em face dasleis. Noutra análise, simbolizou o intuito dos juízes (Justices) de cumprir o texto constitucional, numa espécie de compromissocom que havia sido exposto pelos Founders

Não havia, assim, qualquer intenção de se fazer aparecer o exercício da jurisdição, ou sob ótima mais moderna, de se reforçar o papel do juiz, existiamde fato, julgamentos, e não vontades.

O transitional era, por sua vez, é marcado pela influência de um capitalismo laissez-faire na Suprema Core.Isso impediu que fossem tomadas certas decisões com fito de regular as políticas de bem-estar, como o estabelecimentode limites de horas para a jornada de trabalho, bem como questões relativas à segurança e saúde.

Um dos mais famosos casosconcretos nesse período foi o Lochner versus New York, no qual a Suprema Corte reconheceu que o poder de legislação dos Estados deveriaser limitado, motivo pelo qual, em face da liberdade de contratar, o Estado de Nova Iorque não estaria autorizado a expedir uma lei que fixasse a jornada máxima de trabalho em padarias.

Com isso, abria-se espaço para que a Corte tivesse liberdade para invalidar aquela lei que considerasse intrusiva demais na política econômicado Estado. E, segundo Wolfe (1994) isso demonstrou ser muito mais que uma questão de vontade (will) ou de legislação da Corte do que propriamente de julgamento e interpretação.

A princípio, a tendência é de se identificar esse período como marcado pelo exercício de uma política judiciária de contenção, self-restraint, no sentido de que a decisãoda Suprema Corte não possibilita a interferência do Estado no âmbito das relações privadas, especialmente, as econômicas.

Entretanto, a realização de um estudo com mais acuidade, como faz Christopher Wolfe (1994), demonstra que é possível perceber o quanto de ativismo há em um posicionamento como este.

Isto porque, em verdade, havia um caráter muito político na decisão da Suprema Corte que invadia o âmbitode produção legislativa. Dessa forma, fica claro que, mesmo um comportamento conservador do Judiciário, de não intervenção, pode revelar um perfil ativista.

Convém mencionar que a decisão da Suprema Corte de não se poder legislar sobre questões de política econômica estava assentada no direito de propriedade, que,para dar uma roupagem jurídica a seu entendimento, a Corte afirmava ser decorrente de um direito natural, ou, inclusive, de uma leitura adequada da Constituição,e perceba-se que ainda se pode encontrar resquícios da traditional era.

Isso foi alvo de duras críticas feitas pelo realismo jurídico[25], que, partindo da ideia de que todos os julgamentos possuem caráter legislativo, afirmava que a defesa do direito àpropriedade não passava de uma decisão judicial, novamente, uma questão de will, não possuindo nem relação com o direito natural, nem com a Constituição.

Esse embate entre o que a Corte afirmava fazer cumprir a Constituição e o que os juristas norte-americanos, em especial, os adeptos do realismo jurídico, pensavam que esta efetivamentefazia (ou deveria fazer) é que inspirou a nomeação da existência um momento transitório.

Em 1937, sob o governo de Roosevelt, a Suprema Corte, em função das medidas de recuperação econômica tomadas pelo governo, passou a defender e compactuar com a existência de leisque anteriormente entendia como contrárias à Constituição: Judicial Power was used instead to uphold congressional actions taken pursuant to the commerce clause, the necessary and proper, and other constitutional sources of legisltive power

Acreditava-se que se iniciaria uma nova fase na história do exercício da jurisdição nos EUA, contudo, significou apenas uma mudança de foco: o ativismojudicial direciona-se, da defesa do direito à propriedade, para a das liberdades civis. Portanto, apenas no pós-1927 é que,efetivamente, será possível visualizar o início da modern era do judicial review.

A era moderna da judicial review é predominantemente marcada por um protagonismo judicial, no qual é reforçada a característica destacadamente legislativa das Cortes.

Inseridos na tradição da common law, os juízes passaram não apenas a atribuir à lei caráter secundário, mas reescrevê-las. Como mesmo escreveu Wolfe (1994) no subtítulo de seu livro,parte-se from constitucional interpretation to judge-made law.

Dessa forma, não seria demais afirmar que a atual concepçãode judicial review, distorceu completamente a seria demais afirmar que a atual concepção de judicial review distorceu completamente a pretensão de Marshall quando introduziu o controle de constitucionalidade, pois sua ideia nascenão de uma noção de sobreposição do Judiciário, mas de um agir enquanto pertencente a determinado sistema jurídico, isto é, surge de uma me too position, contraditória ao atual perfil da jurisdição,que se encontra fundado na me superior ou até mesmo me only view.

Robert Dahl (2009) ao elaborar sua teoria voltada à atuação da Suprema Corte, possui preocupação com a democracia. E, por isso procurou lançar luzes sobre como compreender o papel exercido pela mais alta corte de seu país na conjuntura política norte-americana.

A partir deste enfoque, ele realizou uma abordagem esclarecedora sobre a relação entre o contexto político de seu país e o papel exercido pela intervenção judicial, demonstrando o impasse que o crescimento da atividade Suprema Corte faz surgir.

Assim, ele iniciou seu texto afirmando que os casos remetidos à apreciação da Suprema Corte possuem cunho eminentemente político, além de serem constituídos por conflitos (desacordos)entre a sociedade.

Com isso, configura-se um quadro em que o Judiciário, por um lado, é convocado a resolver questões políticas, mas, por outro, possui o dever de utilizar um critério jurídico para tanto(Constituição, legislação e jurisprudência).

Esta situação é ainda mais agravada em face da existência, de posicionamentos antagônicos entre os membros que compõem a Corte;de vagueza e ambiguidades presentes nas leis e na Constituição; de uma jurisprudência que aponta para direções distintas e da impossibilidade de calcularas consequências desta tomada de decisão.

Neste contexto, a tese de Dahl (2009) consiste em afirmar que é uma ficção compreender a Suprema Corte como umórgão não político, mas exclusivamente jurídico. Issoporque, por mais que as decisões da Suprema Corte somente sejam consideradas legítimas se tomadas por um critério jurídico, em contrapartida, em face das matériassobre as quais é chamada a se manifestar, a Corte acaba exercendo papel de formuladoras de políticas nacionais. E, então,surge um problema de como compatibilizar a atuação da Suprema Corte com um regime democrático.

Sobre este ponto, Dahl (2009) afirmou que, ao ponto longo dos anos, construiu-se duas maneiras possíveis de avaliar a função da Suprema Corte por um critério da maioria ou do direito. Em síntese,significa que se procurou legitimar sua atuação ou pela proteção da minoria (o que produz um dilemademocrático), pois se estaria engando a soberania popular e a igualdade política ou pela defesa dos direitos básicos de caráter fundamental.

De um modo ou de outro, o que o autor pretendeu demonstrar é que estas são compreensões um tanto quanto ingênuas,pois, considerando que os juízes são nomeados pelos presidentes e, que estes não escolherão pessoas com posicionamentoshostis à sua política de governo, na verdade, a atuação da Suprema Corte se revela como parte essencial da liderança política[26].

A partir de um estudo estatístico que relaciona as nomeações da Suprema Corte, o percentual dos casos em que leisforam consideradas inconstitucionais e as medidas realizadas pelo Congresso após o juízo de inconstitucionalidade, Dahl (2009) constatou que poucas vezes houveum embate entre o Legislativo (federal) e a Suprema Corte.

Ou seja, em poucos momentos a Corte objetivouenfrentar as decisões legislativas, declarando sua inconstitucionalidade em defesa dos direitosdas minorias (pelo contrário, majoritariamente, com exceção do período do new deal, porque Rooseveltsó conseguiu nomear um juiz apenas após quatro anos, sua atuação é consideradaeficaz apenas ao estabelecer limites às políticas públicas para autoridades, agências e governos estaduais.

Com isso, concluiu com sendo a principal tarefa da Suprema Corte a de conferir legitimidade às políticas básicasda coalização que logrou êxito.

É elucidativa a crítica de Dahl (2009) que desmistificou a atuação da Suprema Corte como imbuída de um interesse constitucional. Ouseja, suas contribuições teóricas revelaram que a ampla interferência da Corte no contexto político do país não é movida,como se defende no Brasil, pela defesa da Constituição, ou por um sentimento constitucional, comoafirma Lenio Streck (2011) ao também atentar para tal fato.

Ao contrário, o doutrinador norte-americano fez questão de enfatizar o quanto a intervenção da Suprema Corte está incluídana agenda política dos governantes do país, possuindo, assim, um papel estratégico no cenáriopolítico.

Ran Hirschl (2007) apontou as três faces da política judicializada, em sua obra Towards Juristocracyfez a forte afirmação de que nos últimos anos, o mundo transitou para o que pode ser chamadode jurstocracia.

A contemporaneidade é marcada por sua transposição do poder ao Judiciário, em detrimento das tradicionais instânciasde representatividade o que é resultado das transformações ocorridas no constitucionalismo (especialmente das recentesreformas constitucionais pelas quais passaram alguns países, como os da América Latina, África do Sul, Canadá,Reino Unido e Israel.

Segundo Hirschl (2007), as mudanças surgiram com aparecimento de novos textos constitucionais ou, com as alteraçõesque se procederam nos já existentes engendraram um novo constitucionalismo, marcado pela afirmação preponderantede direitos fundamentais, por nova concepção de democracia que passa agregar à regra majoritária e o respeito aos direitosda minoria e pela institucionalização de um efetivo controle de constitucionalidade (judicial review).

O doutrinador começou a cumprir o conteúdo anunciado no subtítulo de seu livro: “as origens e as consequências do novo constitucionalismo”.Para ele, o novo constitucionalismo, que teve sua origem no pós-guerra e, deste modo, em todosos cenários forjados pelo fim desta guerra, trouxe consequências significativas para o diálogo entre democracia e atuaçãojurisdicional.

Como se pode perceber, é possível afirmar que o ponto de partida de Hirschl (2007) estava situado na compreensão de quejuristocracia e novo constitucionalismo são questões que, na atual conjuntura, passaram a ser articuladas a partir de uma relação consequencialista,o que significa afirmar que, para o doutrinador, a juristocracia aparece como resultado do que se pode chamar de neoconstitucionalismo.

Apesar de o neoconstitucionalismo ser compreendido predominantemente no Brasil como sinônimo de ampliação dos poderes jurisdicionais,há uma sensível diferença entre estes posicionamentos e a proposta de Hirschl (2007).

Ocorre que, para o doutrinador, que possui em sua obra uma intencionalidade própria do métododa ciência política, afirmar que o novo constitucionalismo conduziu ao surgimento do que chamou de juristocracia é apenas uma constatação que impulsionasua teoria em dois tempos: em um primeiro momento, voltando seu olhar para trás, na buscapor compreender detalhadamente os diferentes contextos políticos e históricos que ensejaram a configuraçãodeste protagonismo judicial; eposteriormente,conduzindo seus estudos sob uma análise prospectiva, no estabelecimento de uma revisão crítica das consequênciasdestas transformações ocorridas no campo constitucional.

Na verdade, o objetivo de Hirschl (2007)foi fazer uma análise diferenciada, que possibilite uma concreta investigação empírica e indutiva para questionar o caráter democráticodo constitucionalismo e do controle de constitucionalidade.

Assim, em visão panorâmica da proposta de Hirschl (2007), foi possível identificar alguns elementos como centrais em suas obras. Pode-se afirmar,inclusive que seu posicionamento é estruturado a partir de três críticas, a saber:

  1. Crítica à importação de teorias sem análise contextual e, afirmou que os acadêmicosde direito constitucional estão acostumados a se utilizar dos contributos teóricos de outros paísespara tratar desta ampliação de poderes que ele chama de empowerment do Judiciário.Identificando o problema da adaptação de teorias a contextos históricos distintos, com peculiaridadesdiversas.

O doutrinador direcionou sua crítica diretamente à tendência de fazer-se uso da experiência norte-americana, que, segundoHirschl (2007), que possui uma legislação constitucional com conteúdo repleto de idiossincrasias, e, por tudo isso,tal recorrente menção à doutrina americano representa um certo paroquialismo, que precisa ser superado.

Assim, prosseguindo nesta linha, afirmou que é necessária uma busca por concretos vetoressócio-políticos que estejam por trás destes incidentes de constitucionalização corridos por quase todo mundo.

  1. Crítica à indexação entre democracia e constitucionalismo[27] e/ou democracia e ativismo judicial:ao mesmo tempo em que reconheceu uma tensão entre estes temas, o doutrinador afirmou que não é seu objetivofazer estes enfrentamentos, porque há muito tempo isso já vem sendo debatidos pelos acadêmicos.

Nesta linha, reconheceu que estes se compatibilizam, na medida em que seja produzida justiça social,restando apenas espaço para a realização de um estudo empírico que demonstre qual tipo de princípiofundamental de governo seja capaz de produzi-la.

É por este motivo que Hirschl (2007) mencionou que uma impossibilidade de indexação diretaentre estes elementos, reconhecendo que o ativismo pressupõe uma análisesubstancial (e não uma mera expansão do poder judicial).

  1. Crítica à atribuição de poderes ao Judiciário: analisando a questão da judicialização da política,o doutrinador afirmou que este é fenômeno pouco estudado e de maneira não muito refinada.Muitas vezes, por ser considerado por umtermo “guarda-chuva”, acaba sendo confundido com ativismo judicial.

Em face disso, para contribuir com o tema, afirma a existência de três categoriasabrangentes a saber: judicialização como disseminação de discursos, jargões, regras e processos na esfera políticae nos fóruns e processos de elaboração de políticas públicas, ou seja, trata-se da juridificação da vida moderna;como expansão da competência de tribunais e juízes quanto à definição de políticas públicas,principalmente, por meio de decisões envolvendo direitos constitucionais e da remarcação judicial dos limites entre órgãosdo Estado (separação de poderes[28], federalismo) e, por fim, a judicialização da política aparece como judicialização da megapolítica, istoé, como um deslocamento para as vias judiciais de controvérsias políticas que, na maioria das vezes, são questões centrais de comunidades.

Trata-se da judicialização de processos eleitorais e da supervisão judicial do Poder Executivo em termos de planejamentomacroeconômico, por exemplo.

Enfim, é o último modo de conceber a judicialização da política de Hirschl (2007) que enfatizou, especialmente, como posturajudicial a que conduz à formação de uma juristocracia. Isso porque, este perfil da jurisdição tem como consequênciaa intrusão nas prerrogativas dos outros Poderes, o que, às vezes, pode ser até compreendido como um bom acontecimento.

Entretanto, o doutrinador afirmou que não está claro que o Judiciário seja local adequado para a definição destas controvérsias, neste sentido, diversos países implementaram mecanismos para reforçar a legislação constrangendo o poderdas cortes, como é o caso da Rússia, Equador, Tailândia, Zimbabwe, dentre outros.

Há um dilema que assola o cenário jurídico brasileiro, principalmente marcado pelo crescimentoda atividade jurisdicional que foi promovida pelo seu notável crescimento, que galgouprotagonismo que desafia o Direito a repensar seus pressupostos teóricos na tentativa de não permitiro esvaziamento do conteúdo democrático do contemporâneo Estado de Direito.

E, num esforço crítico que seja, ao menos, capaz de colocar sob suspeita posturas ativistas,mesmo aquelas consideradas convenientes, ou pelo menos,bem-intencionadas. O ativismo judicialprecisa ser encarado como um problema, cuja superação implica na observância de certos apontamentos.

No plano da doutrina pátria, vige certa dificuldades, de, ao menos, fixar-se um acordo semânticodo que realmente seja o ativismo judicial, de forma que tal postura acaba revelando-se basicamente como exageradainterferência do Judiciário na sociedade, traduzindo o protagonismo judicial, ou então, sendo aleatoriamente invocada na tomadade decisões, através de critérios de conveniência.

Por este motivo, muitas vezes resta impossibilitada a apresentação de uma necessária distinção entre ativismo judicial e judicialização da política.

O modo de compreender a atividade jurisdicional passar por relevante distinção entre a judicialização da política e ativismo judicial[29].

Neste sentido, a primeira revela-se como um fenômeno contingencial e inexorável, ao passo que o último,consolida-se como uma postura, um comportamento de juízes e tribunais, que, através de um ato de vontade, isto é,de um critério não jurídico, proferem seus julgamentos, extrapolando os limites de sua atuação.

No que tange à judicialização da política, é possível mencionar que esta surgiu a partir de um contexto social, marcado por um conjuntode fatores, a saber: pela insurgência do constitucionalismo do segundo pós-guerra, com a inclusão de novos textos constitucionais, com amploscatálogos de direitos, concebidos sob a perspectiva de materialidade. pela noção de constituição dirigente, criado por Canotilho (2001) que traz a noção de irradiação constitucional; pela criação dos Tribunais  Constitucional, especialmente, o da Alemanhaque procurou empenhar-se na constitucionalização do sistema jurídico, porém, através de uma proposta teórica que, em última análise, dispensariaaté mesmo o texto constitucional (a jurisprudência dos valores); pelo aumento da litigiosidade;pela compreensão do surgimento da noção da sociedade de massa; pela crise da democracia e, ipso facto, da representatividade política;pelo redimensionamento do acesso à justiça que facilitou a tutela jurisdicional para a concretização dos direitos.

É possível verificar que a judicialização aparece não como fenômeno propriamente jurídico ou exclusivamente do Direito, masé decorrente de um contexto marcado por transformações em diversos setores, especialmente,na esfera social;uma postura ativista deriva, por sua vez, de julgamentos feitos a partir de um ato de vontade do aplicador, não condicionados,portanto, a elementos jurídicos, embora, por vezes, possuam a aparência de juridicidade.

Esse conceito de aplicação do direito medianteum ato de vontade pode ser encontrada na obra de Kelsen (1999), Teoria Pura do Direito, assim como a caraterização do ativismo por este enfoque pode serextraída tanto da obra de Antoine Garapon (2006) que trata a decisão ativista como movida por desejos como do posicionamento dodoutrinador norte-americanoChristopher Wolfe (1994), para quem os momentos mais intensos de interferência da Suprema Corte, abandonou-se o critériode julgamento, e a decisão judicial passou a ser uma questão de vontade.

A partir disso, afirma-se dois relevantes aspectos, a saber: primeiro, que o ativismo judicial aparece como um problemacriado exclusivamente pelo âmbito jurídico, isto é, cuja origem, à diferença da judicialização[30], não está condicionada a acontecimentos externosao Direito; e, segundo que, no fundo, o problema do ativismo judicial é de cunho interpretativo, de observar se a intervenção do Judiciário ocorreu dentrodos limites constitucionais, questionando sua legitimidade a partir de critérios igualmente jurídicos;

Assim, o constitucionalismo norte-americano é a experiência que melhor refletiu sobre a questão da legitimidade do Poder Judiciário.Neste sentido, há diversos contributos que podem ser apreendidos pela doutrina brasileira.

Entretanto, necessariamente, antes de qualquer aproximação, não se podeesquecer as peculiaridades que conformam o sistema jurídico americano, tais como: a pertinência a uma tradição assentada na construção do Direito jurisprudencial, a existênciade um controle de constitucionalidade que não foi textualmente previsto na Constituição (motivo pelo qual insurgiram-se tantas discussões sobre a legitimidade do Poder Judiciário noexercício do controle de constitucionalidades e de um sistema de vinculação decisória (teoria dos precedentes) profundamente preocupado com a análise do caso, com sua fundamentação e com apossibilidade de ser utilizado como fundamento para decisão de outro;

Em razão destas diferenças entre as experiências brasileira e a norte-americana, também o ativismo judicial é experimentado de mododiferente nos EUA;a primeira forma de ativismo foi para criar o controle de constitucionalidade ou judicial review; o ativismo judicial não está vinculado como maior intervenção da Suprema Corteem questões políticas, no sentido de que mesmo posturas de não intervenção da Corte (como no caso concreto Lochner) também podem ser consideradas substancialmente ativistas, porque movidas porinteresses econômicos.

E, por derradeiro, é possível perceber que o ativismo judicial norte-americano pouco esteve vinculado à uma proposta de defesa da Constituição, na medida em que a Suprema Cortepreponderantemente assumiu um compromisso político-partidário, que na maioria das vezes era colocado acima dos fundamentos jurídicos para a decisão;

A Constituição brasileira diferencia-se basicamente da norte-americana por apresentar denso e vasto conteúdo normativo o que o texto constitucional norte-americano não possui, por sersintético.

É por isto que se pode afirmar que em tese, as discussões sobre a legitimidade da atuação do Judiciário brasileiro poderiam ser amenizadas, pois ainda restariaa dimensão interpretativa do Direito, passível de gerar controvérsias, porque o próprio texto constitucional brasileiro estabelece os limites formais e materiais de intervenção judicial,evitando que seja necessária a existência de estratégias teóricas, tais como a leitura moral da Constituição de Dworkin e a constituição invisível de Tribe (2008) que em síntese são propostasque visam demonstrar que, mesmo a atuação da Suprema Corte em casos não previstos textualmente pela Constituição, é consideradalegítima em face da constatação de que a Constituição não se encerra em sua literalidade;

A recepção de ativismo judicial à brasileira redundou, portanto, uma série de problemas ao constitucionalismo no Brasil, como:a) fragilização de uma teoria do direito voltada para as peculiaridades do contexto jurídico brasileiro a partir da utilização de uma mixagemde teorias advindas de tradições jurídicas  distintas; a perda da autonomia do direito, em face do que Streck (2012) chama de predadores externos do Direito,que consistem em decisões judiciais fundamentadas em critérios não-jurídicos; e a defesa da discricionariedade que elimina o compromisso democrático e a responsabilidadejudicial na decisão das contendas jurídicas, o que se torna ainda mais preocupantes em razão da caracterização de um cenário marcado por intensa procura peloJudiciário.

Como resposta a CHD, ou seja, Crítica Hermenêutica do Direito de Lenio Streck (2012) apresenta um entendimento sobre o ConstitucionalismoContemporâneo que enfrenta os problemas criados pelo ativismo judicial sob três frentes:a partir de uma nova teoria das fontes[31], na aplicação intransigente da Constituição; da redefiniçãodo papel dos princípios, que, concebidos como normas, passam a limitar a decisão judicial na defesa da integridadedo direito (Dworkin), consistindo em uma nova teoria da norma[32], que também rearticula a relação entre Direito e Moral;e, por fim, no enfrentamento da discricionariedade judicial um novo modelo do compreender a interpretação jurídica que tem como pressuposto uma teoria da decisão judicial[33], apresentando-se, assim, como refutação final e direta ao problema do ativismo judicial, a partirda conjugação da teoria

Ativismo judicial & Judicialização da política.

 

 

Resumo: O protagonismo do Supremo Tribunal Federal no país vem gerando vários debates a respeito do ativismo judicial e da judicialização da política.Porém, o fenômeno não é exclusividade nossa e, todo mundo, em diferentes épocas, as Cortes Supremas ou constitucionais destacaram-seatravés de decisões com largo espectro político, implementação de políticas públicas[1] ou mesmoescolhas morais sobre controvérsias cada vez mais contemporâneas. As Supremas Cortes são autênticas guardiãs do texto constitucional e da separação dos poderes.

Palavras-Chave: Constitucionalidade. Constitucionalismo. Direito Constitucional. Constituição Federal. Ativismo judicial. Judicialização da Política.

 

Abstract: The role of the Supreme Court in the country has generated several debates regarding judicial activism and the judicialization of politics. However, the phenomenon is not exclusive to us and, everyone, at different times, the Supreme or Constitutional Courts stood out through decisions with a broad political spectrum, implementation of public policies or even moral choices on increasingly contemporary controversies. The Supreme Courts are authentic guardians of the constitutional text and the separation of powers.

Keywords: Constitutionality. Constitutionalism. Constitutional right. Federal Constitution. Judicial activism. Judicialization of the Policy.

 

No contexto contemporâneo brasileiro, a atuação do Poder Judiciário destaca-se como tema recorrentee sob os mais diversos enfoques, o exercício da jurisdição assumiu, gradativamente, o centro dodebate jurídico por todo mundo. Noutros termos, se observarmos as experiências como a norte-americana, britânica,mais especificamente do sistema da common law[2], envolvendo a concretização de direitos nas tradições de vários países,incluindo os fundadores da civil law.

Além disso, tem-se agregado às transformações que passa a teoria constitucional, muitas das quaisconsolidam significativos progressos é importante enxergar que mesmo no Brasil aparece o elemento jurisdicional do Estadovinculado às expressões como global expansion of Judicial Power (Neal C. Tate e Torbjörn Vallinder), juristocracy (Ran Hischl),judge-made law (Christoper Wolfe, governing with judges (Alex Stone Sweet), judicial activism, dentro outras possíveis designaçõesque, na relação entre os Poderes, dão ênfase ao Judiciário.

Ou seja, o novo constitucionalismo(que para muitos, consolidou, o que ficou conhecido como posturas neoconstitucionalistas, majoritariamente, é articulado e, por vezes, identificadopor um pronunciado protagonismo da atividade jurisdicional, mesmo em sistemas que estão assentados, em sua origem, no direito positivo (legislado).

Uma parcela considerável dos juristas brasileiros e,inclusive dos membros que compõem o Judiciário começa a conceber a jurisdiçãoa partir de dois principais pressupostos, seja pela via do ativismo judicial e/ou da judicialização da política.

Neste ponto, a utilização da palavra “pressuposto” não é aleatória, e se atribui ao fato de que a teoria do direito assimilou (de modopraticamente instantâneo) o perfil ativista do Judiciário, tomando-o como ponto departida para a composição do cenário jurídico, isto é, considerando esta característica como algo inerente e pressuposta, portanto.

Assim, pouco se tem percebido que não basta afirmar (seja para defender ou contestar) a existência do ativismo judicial(ou também, da judicialização da política), mas, é imprescindível que se demonstre como conjugar os elementosconstitucionalismo-Judiciário-política-ativismo, citando apenas os principais, que perpassam estas duas concepções, a problemática,que, aliás, vem sendo debatida há mais de duzentos anos nos EUA, desde o julgamento do caso Marbury versus Madison[3], em 1803, que deu origemao controle de constitucionalidade norte-americano ou judicial review.

Em nosso país, poucos têm sido os esforços destinados a elaborar um quadro com sustentabilidade teórica que seja capaz de compor todos os matizes necessários paraconsolidar uma teoria judicial que seja adequada ao Estado Democrático de Direito e, todos seus naturais desdobramentos. De todo modo, já ensinava Thomas Jefferson que o preço da liberdade é a eterna vigilância.

Em 1988, o país vivenciava o clímax do denominado de redemocratização que veio a romper com o pesado períododitatorial, e, finalmente, foi promulgada a Constituição Cidadã, na dicção de Ulysses Guimarães[4]. O texto constitucional de então apresentavaum precioso rol de direitos, especialmente de cunho social, garantindo aos cidadãos uma sobrevivência com a preservação da dignidade humana.

A Constituição Redentora foi reunindo a forma de controle de constitucionalidade inaugurada por RuiBarbosa[5] quando da fundação da República em 1890com o modelo implantado pela Emenda Constitucional 16/1965 onde é prevista a possibilidade de revisão judicial dos atos dos demais Poderes,assumindo o Supremo Tribunal Federal (STF) a função de zelar pela cumprimento da Constituição), tornando-se assim seu fielguardião. E, partir daí, surgiram os primeiros debates a respeito do ativismo judicial no Brasil.

Em 1905, nos EUA, um padeiro Lochner reclamou judicialmente a limitação de carga horária de trabalho que era fixada por leipelo Estado de Nova Iorque, que era de dez horas diárias ou sessenta horas semanais.

O caso chegou até a Suprema Corte que, sob a influênciado capitalismo laissez-faire, decidiu que a lei em debate violava a liberdade contratual. Assim, restou assentado que nem o Estado de N. Iorqueestaria autorizado a fixar as horas máximas da jornada laboral, tampouco a Corte poderia tomar certas decisões com o objetivo de regular as políticasde bem-estar.

O caso Lochner versusNew York é considerado um marco na história da Suprema Corte norte-americana e, também uma de suas mais notáveis atuações. E, a decisão da Corte dos EUA apresentou dupla face, a saber:a que interfere na política legislativa do Estado de Nova Iorque, mas o fez pela via de postura conservadora, de não intervenção na esfera privadados indivíduos.

O referido case é tratado no livro de Laurence Tribe, sobre o qual do doutrinador afirmou:

In such universe, the conduct of federal judges in policing preconceived limitations on governental powerscame to be viered ever more broadly, as an exercise in will rather than a study in logic, and the invisible hand of reaisen became inteadthe all too visible hand of entreched wealt and power“. In TRIBE, Lawrence H. American Constitucional Law,p.13.

Tradução minha: “Nesse universo, a conduta dos juízes federais no policiamento das limitações preconcebidas aos poderes governamentaisveio a surgir cada vez mais amplamente, como um exercício de vontade e não de um estudo de lógica, e a mão invisível de reaisen tornou-se intacta.a mão muito visível de bem-estar e poder entrelaçados “.

Em 2007, no Brasil, o STF foi provocado, por meio da Reclamação Constitucional (4.3335/AC) sobre a possibilidade de extensão, para outro caso,dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade[6] do artigo que veda a progressão de regime pena para crimes hediondos, proferida em sede de controledifuso, no julgamento do HC 82.959/SP.

O sistema de controle de constitucionalidade brasileiro traz como regra a atribuição do efeito interpartes para declaraçãode inconstitucionalidade pela via difusa. Segundo o artigo 52, X da CFRB/1988 que expressamente prevê a competência do Senado Federal para atribuir efeito erga omnesnestes casos.

O resultado parcial do julgamento foi: a título de mutação constitucional, os votos de dois ministros do Supremo Tribunal Federal atribuem efeito erga omensà decisão proferida em sede de controle difuso, e, em um leita que vai contra o texto constitucional, afirmam que o Senado cumpre, apenas, o papel de dar publicidade à decisão.

De fato, Brasil e EUA são dois países diferentes com diferentes tradições jurídicas[7] e, envoltos em contextos históricos distintos.Enfim, são realidades díspares. O que há em comum é que apesar das peculiaridades e distanciamentos (seja temporal, territorial ou cultural) que podem apresentar,aproximam-se em função de elemento compartilhado, ou seja, têm como objeto a atuação do Poder Judiciário.

Os dois primeiros casos se referem à descrição das circunstâncias que deram origem, seja no Brasil e nos EUA, a existência de efetivocontrole de constitucionalidade, demonstrando, desta forma, qual o contexto que gerou as controvérsias sobre a atividade jurisdicional em ambos os países.

As significativas manifestações da Suprema Corte e do STF que apresentam diferença na postura na forma de compreender os limites da atuação do Judiciário(uma conservadora que entende pela não intervenção que é a dos EUA; e outra progressista que entende pela alteração dotexto constitucional via Judiciário, que é a brasileira), mas, simultaneamente, revela a unidade de critério, pois ambas possuem cunho político.

O problema do ativismo judicial éimportante e necessário principalmente para a saúde e relevância das democracias e sobrevivência do Estado de Direito[8].

Foi nos EUA onde surgiram as primeiras reflexões a respeito do tema, desde 1803, e desde então,a doutrina ianque vem enfrentando a problemática. Já no contexto brasileiro, há um diferencial, pois,observa-se um crescimento e intensidade da participação do Judiciário, no Brasil, particularmente nesse estado de calamidade pública em razão daCovid-19[9]. E, apenas ocorreu, a partir da Constituição brasileira de 1988, quando no propício ambiente democrático, deu-se a concretização de direitosdos cidadãos.

Foram inúmeras decisões importantes tomadas pelo STF, a começar pela prisão do Deputado DanielSilveira (PSL-RJ), decretada pelo Ministro Alexandre de Moraes em fevereiro de 2021, no âmbito do inquéritodas fake news. A anulação das condenações do ex-presidente Lula da Silva impostas pela 13ªVara Federal de Curitiba, onde Sergio Moro era juiz titular até 2018, foi uma das mais importantes recentes decisõesda Corte.

Outro tema, foi a contestação de decretos estaduais limitando o funcionando de templos religiososem momentos críticos da pandemia. André Mendonça, atual advogado-geral da União, pediu a corte que arealização de cultos não pudesse ser impedida. Em abril, o STF rejeito a tese de quea proibição de cultosreligiosos por conta da pandemia violaria a liberdade religiosa.

A decisão do Ministro Luís RobertoBarrosodeterminando a instauração de CPI[10] pelo Senado para investigar a atuação do governo federal no combate àpandemia. O que foi confirmada no plenário virtual do STF.

O Painel de Ações Covid-19, página no site do Supremo Tribunal Federal (STF) onde é possível acompanhar dados atualizados sobre todos os processos em curso relacionados à pandemia, passa a incluir as principais decisões já tomadas pela Corte a respeito da matéria.

Com a medida, o STF proporciona maior transparência aocidadão, apresentando um resumo das decisões com uma linguagem simplificada, que permiteacompanhar os processos de maior repercussão relacionados ao tema. As decisões estão organizadas por classe processual para facilitar a pesquisa.

Portanto, a noção de constitucionalismo democrático é que se passou a observar e cogitar sobre a atuação do Judiciário a partir de uma perspectiva ativista.

Ainda sob a influência da doutrina ianque, a questão envolvendo o ativismo judicial ganhou relevância no cenário jurídico brasileiro.Mas, é diferente do que ocorreu nos EUA[11], pois a atuação do Judiciário mediante postura ativista não passoupor problematização, isto é, por rigoroso debate acadêmico, apenas se aproveitou a intensificação da atividade jurisdicional,potencializada a ponto de ser defendido um necessário ativismo judicial para concretizar direitos. Principalmente os direitos fundamentais.Mesmo depois da Constituição Federal brasileira passar de três décadas de vigência há cerca de 116(cento e dezesseis) dispositivos que ainda não foram regulamentados.

Em resumo, acabou criando no imaginário jurídico no qual o direito brasileiro fez-se dependente das decisões judiciais, ou melhor,das definições judiciais acerca das questões mais relevantes da sociedade.

Assim, se forjou um ambiente que, em raras exceções, a doutrina, juízes singulares e tribunais passaram a conceber o ativismo judicial comocaracterística própria da jurisdição. Isto é, majoritariamente, a atuação ativista do Judiciário é apresentada como pressuposta, considerada como solução paraos problemas sociais ou uma etapa necessária e indispensável para o cumprimento do texto constitucional. E, manifestações como estas demonstram exatamente adramaticidade do tema.

Evidentemente, com passar do tempo, o Poder Judiciário vem passando por transformações no perfil de sua atuação.E, neste sentido, a promulgação do texto constitucional de 1988 simbolizou um momento de radical modificação na formacomo era concebido o exercício da jurisdição constitucional brasileira.

Em síntese, é possível afirmar que, a partir disso,surgiram duas principais expressões vinculas à atividade jurisdicional, a saber: ativismo judicial e judicialização[12] política.

A expressão “pressuposta” é de Luís Roberto Barroso (2011), que, apesar de alertar para os problemas que o ativismo judicialpode gerar, afirma, como nota final de seu artigo, que (…) o ativismo judicial, até aqui, tem sido parte da solução, e nãodo problema. Mas ele é um antibiótico poderoso, cujo uso deve ser eventual e controlado.

Dessa forma, há uma interação entre judiciário e política, na medida em que o judiciário produz decisões que interferem com a atuação do Legislativo e do Executivo.

O acentuado grau de judicialização que assume o direito brasileiro na atual conjuntura vem afirmando a necessidade de se realizaruma diferenciação entre ambas, não seria equivocado estabelecer tal característica como premissa comum à abordagem destes dois temas.

O conturbado contexto traz, com frequência, o acionamento do Judiciário para resolver e dirimir conflitos, a distinção entre o ativismo e a judicializaçãoda política apresenta-se como indispensável, evitando que o Direito seja resumido apenas a um produto de decisões judiciais que afetaria as bases democráticasem que fundam o Estado brasileiro[13].

Ademais, parcela considerávelda doutrina pátria insiste em realizar abordagem de pouco esclarecimento e quase nenhuma diferenciação entre estasduas possíveis facetas da jurisdição. De forma que o primeiro passo para situar problema envolvendo o ativismo judicial brasileiro é possibilitar suadissociação do que se entende como judicialização da política.

Sobre o que seja a judicialização da política, inicialmente, tem-se pela percepção que se está a tratar da interação de, pelo menos três elementos, a saber:direito, política e judiciário.

E, por certo, da própria noção de constitucionalismo, nas mais variadas acepções, tido seja comoconjunto de mecanismos normativos e institucionais de um sistema jurídico-político que organizam os poderes do Estado e, ainda, protegem os direitos fundamentais dos cidadãos, como tipo ideal para refletir sobre a realidade histórica de uma nação e trazer à luz elementos da experiência política (principalmente ligados àconsagração de instrumentos e técnicas de limitação do exercício do poder político); ou como oposição ao governo dentre outras possíveis explorações do termo.

Precisamos verificar de qual modo ocorre a articulação entre Direito e Política. E, especificamente, o constitucionalismo pode ser definido como tentativajurídica de oferecer limites para o poder político, o que se realiza por meio das Constituições. Prosseguindo essa saga desde o Iluminismo.

E, tal tema é abordado por Müller (2003), que, na abertura de um de seus texto, e com fulcro em Rousseau afirmou:”direito constitucional é direito do político. Insistir nisso, não tem relação nenhuma com o decisionismo”.

A ideia de constitucionalismo está vinculada à distinção existente entre direito (o império das leis) e o poder (governodos homens). No fundo, o que se apresenta é o constitucionalismo como movimento político-ideológico que procura criar mecanismo para limitação do exercíciodo poder político.

Limitação essa que se caracteriza e se define na ideia de império da lei, em contraposição a uma vontade política soberana daquele queexerce o poder político. In:  MATTEUCCI, Nicola. Constitucionalismo. In: BOBBIO, Norberto.(Org.) et al. Dicionário de Política. 5.ed. Brasília: Universidadede Brasília, 2000, p. 256.

Sobre o tema é interessante a abordagem de Luís Roberto Barroso (2011). O doutrinador afirma existir uma dualidade na relação Direito e Política. Haveria,dessa forma, uma situação de autonomia relativa: o Direito apresenta a ambiguidade de, simultaneamente, ser e não ser Política.

Neste sentido, o Direito não épolítica, porque não se pode submeter a noção do que é correto e justo à vontade de quem detém o poder. Entretanto, o direito é política na medida em que:

  • sua criação é produto da produto da vontade da maioria, que se manifesta na Constituição e nas leis;
  • sua aplicação não é dissociada da realidade política, dos efeitos que produz no meio social e dos sentimentos e expectativas dos cidadãos;
  • juízes não são seres sem memória e sem desejos, libertos do próprio inconsciente e de qualquer ideologia e, consequentemente, sua subjetividade há de interferir com os juízos de valor que forma.

Inicialmente, o posicionamento de Barroso[14] revela-se contraditório, sendo difícil encontrar neste maiores esclarecimentos sobre o papel da Política no Direito. Mas, como Ciência Social aplicada maneja a política em prol da cidadania e da justiça.

E, isso se dá, principalmente, em sendo o eixo do Direito e da Política, mas também em não o sendo, pela leitura do doutrinador, a Política ganha uma acentuada carga de subjetivismo[15].

E, tal questão termina por refletir no propósito de seu texto, pois embora realizado para mostrar a diferenciação entre ativismo judicial e judicializaçãoda política, de fato, ainda este não possibilita tal distinção.

A judicialização da política no país é criada e marcada por três fatores, a saber: redemocratização, constitucionalismo abrangente e incorporação de um sistema híbridode controle de constitucionalidade (que mistura as modalidades difusa e concentrada). Este fenômeno aparece com a inexorável característica, um fatodecorrente das transformações ocorridas no direito brasileiro com o surgimento da CFRB/1988.

O contraponto entre judicialização da política e ativismo judicial dar-se-ia nas causas que lhes deram origem.Identifica-se o ativismo como sendo um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e seu alcance, ou como uma postura que procura extrair ao máximo das potencialidades do texto constitucional, sem, contudo, invadir o campo da criação livre do Direito.

Para Barroso (2011), é possível apontar três condutas que lhe caracterizam, a seguir sintetizadas: aplicação direta da Constituição (mesmo diante da inexistênciade disposição legislativa), declaração de inconstitucionalidade (com base em critérios menos rígidos) e imposição de condutas ao Poder Público.

Nestes termos, o ativismo, para ele, nada mais é do que uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização de valores e fins constitucionais,com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois poderes.

O problema é que os elementos que Barroso (2011) elenca como caracterizadores do ativismo, no atual paradigma constitucional, devem ser inerentes a qualquer juizno exercício de suas atribuições. Isso porque, nesta quadra da história, já não é nenhuma novidade que o juiz deva mostrar-sepreocupado com a aplicação imediata da Constituição Federal, com a realização de um efeito controle de constitucionalidade e com o cumprimento das finalidadesconstitucionais (embora, por diversas vezes, isso ainda não seja adequadamente praticado, dando origem ao que Lenio Streck (2004) chama de “baixa constitucionalidade.

Apesar de tudo isso, não se pode discordar da judicialização da política como produto de transformações ocorridas no Direito com o advento de novo texto constitucional. Noutras palavras, é sabido que uma das marcas da passagem da concepção de Estado Social para a de Estado Democráticode Direito justamente se caracteriza pelo deslocamento do polo de tensão do Executivo para o Judiciário.

Segundo Lenio Streck (2011), in litteris:

“Em síntese, é a situação hermenêutica instaurada a partir do segundo pós-guerra que proporciona o fortalecimento da jurisdição (constitucional), não somente pelo caráter hermenêutico que assume o direito, em uma fase pós-positivista e de superação do paradigma da filosofia da consciência, mas também pela força normativa dos textos constitucionais e pela equação que se forma a partir da inércia na execução de políticas públicas e na deficiente  regulamentação legislativa de direitos previstos nas Constituições.”

É, portanto, por este caminho que podem ser fixados os primeiros pontos vistos a demonstrar as diferenças entre os dois temas em questão.

Sobre o tema da judicialização, Vanice Regina Lírio do Valle (2009) acertadamente afirma que a constitucionalização do direito após a Segunda Guerra Mundial, a legitimação dos direitos humanos eas influências dos sistemas norte-americano e europeu são fatores que contribuíram fortemente para a concretização do fenômeno da judicialização do sistema político, inclusive o brasileiro.

Tais acontecimentos provocaram uma maior participação/interferência do Estado na sociedade, o que, em face da inércia dos demais Poderes, abriu espaço para a jurisdição, que veio a suprimir as lacunas deixadas pelos demais braços do Estado. Desse modo, o Judiciário passou a exercer um papel determinante na definição de certos padrões a seremrespeitados.

Outro doutrinador conhecido é Luiz Werneck Vianna (2016) afirma que este assunto está situado no âmbito daquilo que pode ser chamado de publicização da esfera privada. De acordo com o entendimentodos doutrinadores, as novas Constituições a remodelagem do Estado bem como a existência de novos direitos (como os difusos) acabaram criando uma nova relação entre os Poderes,em que o Judiciário deixa de ser poder inerte e alheio às transformações sociais.

Assim, a democratização social e a nova institucionalidade da democracia política trouxeramà luz das Constituições informadas pelo princípio da positivação dos direitos fundamentais, estariam no cerne do processo deredefinição das relações entre os três Poderes, ensejando a inclusão do Poder Judiciário no espaço da política.

A judicialização[16] é muito mais uma constatação daquilo que vem ocorrendo na contemporaneidade por conta de maior consagraçãode direitos e regulamentações constitucionais, que acabam por possibilitar maior número de demandas, que, em maior ou menor medida,desaguarão no Judiciário; do que uma postura a ser identificada (como positiva ou negativa).

Isto é, esta questão está ligada a uma análise contextual da composição do cenário jurídico, não fazendo referênciaà necessidade de se criar (ou defender) um modelo de jurisdição fortalecido.

Por tudo isso, pode-se afirmar que judicialização apresenta-se como uma questão social. E, a dimensão desse fenômeno, portanto,não depende do desejo ou da vontade do órgão judicante.

Ao contrário, ele é derivado de uma série de fatores originalmente alheios àjurisdição, que possuem seu ponto inicial em maior e mais amplo reconhecimento de direitos, passam pela ineficiência do Estado em implementá-lose desaguam no aumento da litigiosidade que é característica da sociedade de massas.

A diminuição da judicialização não depende, portanto, apenas de medidas realizadas pelo Poder Judiciário, mas sim, de uma plêiade de medidasque envolvem um comprometimento de todos os poderes constituídos.

Reconheceu a doutrina brasileira as transformações ocorridas com o advento da Constituição de 1988 através da constatação da ocorrência de uma ampliação do papelpolítico-institucional do STF. E, com isso, agregada à questão da existência de uma judicialização da política, houve o reconhecimento de uma vinculaçãoentre Direito e Política.

Esta circunstância repercutiu sobremaneira na forma de conceber a atuação dos juízes e tribunais, ocasionando, por esta via, a propagação de um ativismojudicial.

Ocorre que este foi tema que passou a ser enfrentado sob diversas perspectivas, o que gerou certa fragmentariedade na compreensão do que seja o ativismo.

A dificuldade de se definir o ativismo judicial[17], mas, em contrapartida, com a existência de diversos entendimentos sobre a temática, em uma tentativa de sistematizar as concepçõesexistentes, é possível elencar, por exemplo, algumas perspectivas de abordagem:

  1. a) como decorrência do exercício do poder de revisar(controlar a constitucionalidade) atos dos demais poderes;
  2. b) como sinônimo de maior interferência do Judiciário (ou maior volume de demandas judiciais, o que, neste caso,configuraria muito mais a judicialização);
  3. c) como abertura à discricionariedade noato decisório;
  4. d) como aumento da capacidade de gerenciamento processual do julgador, dentre outras.

Ressalte-se que, apesar de ser possível identificar essas tendências no contexto da doutrina brasileira,ficadifícil de encontrar o que se poderia chamar de posicionamentos puros.

Na verdade, o que se pretende referir é que, na maioria das vezes, estes enfoques acabam se misturando e se confundindo,sem que haja, portanto, um compromisso teórico de se definir o que seja o ativismo.

Para Elival da Silva Ramos em sua obra “Ativismo Judicial: parâmetros dogmáticos”, o problemado ativismo envolve, ao menos, três questões: o exercício do controle de constitucionalidade,a existência de omissões legislativas e o caráter de vagueza e ambiguidade do Direito.

Para o doutrinador e professor da USP, a problematização do ativismo judicial traz como contextouma busca pela legitimidade do controle de constitucionalidade, que, para ele, ocorre por uma via externa -axiologicamente, de modo que o caberia discutir é se o modelo de Estado Constitucional de Direitoescolhido pelo Constituinte seria o mais adequado para implantar uma democracia.

Realmente, o ativismo judicial e o controle de constitucionalidade são questões que estão conectadas, colocandoo exercício da jurisdição à prova.

A questão é que há uma meia verdade, nesta afirmação, pois somente é possívelconsiderá-la como correta se compreendida que esta afirmação, pois somente é possível considerá-lacorreta que esta legitimidade da jurisdição constitucional dá-se emtermos de efetivo controle das decisões judiciais,ou seja, se as atenções estiverem voltadas para as respostas dadas pelo Judiciário e não apenas para compreender se oexercício do controle de constitucionalidade é coerente com a existência de um Estado Democrático.

Isso porque, à distinção da polêmica gerada nos EUA sobre a possibilidade de controlar a constitucionalidade das leis e de atosadministrativos, no Brasil não há como questionar o papel contramajoritário exercido pelo Judiciário, pois isso foi superado em face do processo constituintede 1988, que justamente estabeleceu papel estratégico aos juízes e aos tribunais, aoprever textualmente a possibilidade do exercício do controle de constitucionalidade.

Ou seja, o controle de constitucionalidade brasileiro justamente deriva do pacto democráticofirmado pela Constitucional de 1988. Em face disso, só importar discutir o controle de constitucionalidade se debatidoem que termos ele ocorre.

Neste sentido, pode-se dizer que alcança sua legitimidade se concretizaa Constituição, atribuindo às demandas repostas constitucionalmente adequadas; em contrapartida, umcontroleque se faz a partir da vontade ou da consciência do intérprete não representa uma concretização do textoconstitucional, mas, sim, o seu desvirtuamento.

Já sob outro prisma, segundo Marco Paulo Veríssimo afirma que o atual contexto jurídico consolidouo que chamou de um “ativismo judicial à brasileira”. E, esclarece o referido doutrinador, o perfilativista do Judiciário, que apresenta peculiaridades em relação às demais tradições jurídicas,foi engendrado em um ambiente marcado por duas principais transformações pelas quais passa oSTF: o incremento de seu papel político e a sobrecarga no volume de trabalho.

Esta noção de aumento do volume de trabalho, que, no fundo, é um problema de maior acesso ao Judiciário,é desdobrada por Veríssimo na observação de que, no direito constitucional brasileiro, háuma ausência de mecanismos formais de unificação vinculante de jurisprudência e de escolha (fundamentada,mas com alguma dose de discricionariedade no julgamento) das hipóteses de exercício formal de competênciarecursal em sede de controle difuso, o que gera “uma certa sensação de descontrole”.

Neste aspecto, o ativismo judicial passa a ser identificado por uma questão numérica, ou seja, paraVeríssimo, do processo de judicialização decorre um (…) “Judiciário ativista, que não se constrange em exercer competência de revisão cada vez maisamplas”. Em síntese, trata-se do exercíciode um efetivo controle de constitucionalidade.

Marco Paulo Veríssimo identifica o ativismo judicial com o controle incidente sobre as políticasde ação social do governo. Este sim, é ponto sensível da discussão sobre o ativismo judicial,porque é justamente para evitar que o Judiciário assuma funções de governo que surge a necessária crítica aoativismo judicial.

As abordagens feitas pelo referido doutrinador coloca a questão apenassob o prima do exercício do controle de constitucionalidade sobre administração (ou sobre o Legislativo),sendo que o problema fundamental não é que seja averiguada aconstitucionalidade da atuaçãodos demais poderes da república, mas saber como se dá este controle (revisão judicial).

Na obra intitulada “Diálogos institucionais e ativismo”, escrita pelo grupo de pesquisaNovas Perspectivas da Jurisdição Constitucional, o ativismo judicial é identificado como processo político-institucional pelo qual se assume um modelo de jurisdição constitucional com forte apelode supremacia.

Lenio Streck (2004) afirma que:

“(…) um juiz ou tribunal pratica ativismo quando decide a partir de argumentosde política, de moral, enfim, quando o direito é substituído pelas convicções pessoais de cada magistrado(ou de um conjunto de magistrados); já a judicialização é um fenômeno que exsurge a partir da relação entre ospoderes do Estado (pensemos, aqui, no deslocamento do polo de tensão dos Poderes Executivo e Legislativo emdireção da justiça constitucional. (…)”

Sintetiza-se o conceito de ativismo como a configuração de um Poder Judiciário revestido de supremacia,com competências que não lhe são reconhecidas constitucionalmente.

E, portanto, seguindo os posicionamentos dosdoutrinadores retromencionados, aque a diferença entre a ativismo judicial e judicialização da política no Brasil,parte das seguintes premissas, a saber: primeiramente, não há como negar o elo entre Direito e Política; segundo, a interrelaçãoexistente entre Direito e Política não autoriza a existência de ativismos judiciais; terceiro, há umequívoco em considerar judicialização da política e ativismo judicial como se fossem o mesmo fenômeno; e quarto,a judicialização da política é fenômeno contingencial, isto é, que insurge de certo contexto social, independenteda postura de juízes e tribunais, ao passo que o ativismo diz respeito a uma postura do Judiciário para além dos limitesconstitucionais.

O contexto contemporâneo é marcado por intensa atividade jurisdicional principalmente emrazão das transformações do Direito após a Segunda Grande Guerra Mundial que provocaram grandeprogresso, incrementando a dogmática constitucional com a positivação de novos direitos, mas também, simbolizaramum novo modo de compreender a concretização destas garantias. Com isso, o fenômeno da judicialização da políticaaparece,especialmente, no cenário jurídico brasileiro, como um problema a ser debatido.

Segundo a obra de André Leonardo Copetti Santos (2009), “Elementos de Filosofia Constitucional, afirma que a trajetória das transformaçõesocorridas no âmbito do constitucionalismo é marcada por diferentes projetos de felicidade. E, neste sentido, ao tratar do períodopós-Segunda Guerra Mundial, o doutrinador afirma que os Estados Democráticos de Direito possibilitam as redefinições fundamentais, como a ideiade democracia, de cidadania, de dignidade e, etc.(…)

Nos tempos atuais, a grande democratização busca seja a diferença, juntamente, com outrosdireitos não-individuais, como fator imprescindível para a concretização de todas as demais demandas para vida boa

Gilberto Bercovici (1997) afirma que vivemos em momento marcado por instrumentalismo constitucional e, com isso,como são consagrados os direitos pela Carta Magna, basta apenas que o Judiciário os aplique.

Revela-se, portanto,certa dependência do Judiciário para o cumprimento da Constituição, mas, se é possível cogitarem um instrumentalismo constitucional, também é verdade, que certas posturas ativistas nem ao menos comoinstrumento utilizam o texto constitucional.

Em nosso país, a intensa participação do Judiciário revelou e, ainda revela a garantia da abertura política. E, a importânciado Judiciário no processo de redemocratização do país, experiência que não foi vivenciada pelos EUA, pois nunca viveram uma ditadura.

Isso porque o conteúdo que se atribuiu à democracia, a partir da ruptura com a ditadura militar e com o surgimento do textoconstitucional vigente, não consistia apenas em garantir a partir de todos no processo político, no sentido de ser umademocracia meramente institucional.

Evidentemente, a redemocratização incluiu a premissa majoritária como pressuposto.Entretanto, o processo democrático brasileiro possui um plus que é a promessa de inclusão social,visando consolidar um Estado que possui objetivos declarados de transformação social, redução de desigualdadesde renda e de oportunidades, e também de desigualdades regionais.

Em 1995, dois cientistas políticos Chester Neal Tate e Torbjörn Vallinder, publicaram uma obrapara tratar da atuação do Poder Judiciário. Contando com a participação de doutrinadores diversas tradições,a proposta era justamente aprofundar o debate sobre o tema, problematizando o movimento das intervenções judiciaisna direção do que se reconheceria por todos como exemplo norte-americano de jurisdição.

Como não poderia ser diferente, portanto, o título atribuído à obra intitulada The Global Expansion of JudicialPower(A expansão global do Poder Judiciário).

De fato, o que atualmente se considera como crescimento da atuação jurisdicional, seja pela via do que se entende por judicializaçãoda política, seja através do que se chama de ativismo, já foi amplamente debatido no contexto das teorias jurídicas e políticas norte-americanas.

Ou seja, este movimento de intensificação da atividade judiciária, que contemporaneamente se vislumbra numa perspectiva global, já foi vivenciado pelos EUA,que, em razão disso, desde a instituição do controle de constitucionalidade (judicial review) em 1803, produziu acervoliterário suficiente com a problematização das atribuições, limites e competências do Poder Judiciário.

Tanto é assim que existe grande quantidade de obras extraídas do contexto estadunidense, consideradas as referênciasno tema, que são anteriores à década de noventa, atestando a antecipação do debate nos Estados Unidos, sendo que esse debate éintensificado no Brasil, depois da promulgação da Constituição Federal de 1988.

Por outro viés, algumas obras que foram publicadas justamente possuem o objetivo tematizar a absorção deste fenômeno em outros países(seja em termos do que se poderia chamar de uma incorporação teórica, seja na assimilação desta postura interventiva que marca a atuação da Suprema Corte),como é o caso da própria obra de Neal Tate e Vallinder.

Ocorre que os países continentais e, por influência, os da América Latina, como o Brasil, eram fechados para que era produzido na tradição anglo-saxã.

Como menciona o jurista colombiano Diego Eduardo López Medina (2009), por muito tempo viveu-se sob o manto de um formalismo na aplicação do direito (sobuma perspectiva que reduzia o direito à lei), herdado do direito privado europeu.

Aliás, não por outro motivo o positivismo jurídico como um projeto epistemológico assentadono predomínio da lei, criado com o fito de atribuir cientificidade ao direito, foi, e, com todas as adaptações pelas quais tem passado, continua sendo o principalmodo de fundamentar o conhecimento jurídico.

É neste contexto do reconhecimento de um olhar tardio para a experiência que desde logoacentuou o papel atribuído ao Judiciário norte-americano que se entrelaço um fato histórico, uma proposta teóricae uma nova atuação jurisprudencial, como remotas possibilidades para entender o que setem chamado de expansão global do Poder Judiciário.

Trata-se de apontar para os principais acontecimentos que talvez possam ter conduzido as sociedadescontemporâneas a vivenciar este processo de intensa judicialização.

Assim, dentre eles estão incluídos:o pós-Segunda Guerra Mundial, o surgimento da noção de constitucionalismo dirigente e a atuação dos Tribunais Constitucionais(com ênfase na Alemanha, Bundesverfassungsgericht), fatos que estão absolutamente vinculados.

Depois da Segunda Guerra Mundial considera-se o marco para o Direito no mundo todo. Isso porque, para que fossem superadas as atrocidades cometidas durante a existência dosregimes totalitários, era necessário que se rompesse com toda a estrutura legislativa que lhes atribuía legitimidade através do argumento de obediência a umformalismo rigoroso, de mera observação do procedimento adequado para a criação de leis.

O fim desta Guerra Mundial impulsionou o rearranjo institucional que visava prover a garantiade direitos fundamentais constitucionalmente assegurados, configurando-se, assim, a transição do que se conhecia por Estado Legislativo do Direito para umEstado Constitucional de Direito.

Eis que a partir destas mudanças, surge a noção de constitucionalismo democrático que ensejou transformações que atribuíram,inclusive, nova resposta à pergunta sobre o conceito de Direito.

Isto é, este fato na história humana não apenas proporcionou alterações estruturaisna organização política e jurídica de vários países, mas também, e principalmente, exigiu novomodo de reconhecer o fenômeno jurídico que passa pelo viés da substancialidade ou materialidade.

Tudo isso através da inclusão de dois elementos centrais: a do reconhecimento da força normativa da Constituição (KonradHesse) e de seu caráter prospectivo, que condiciona materialmente a legalidade; e da incorporaçãode novas garantias, novos direitos aos cidadãos, com seus respectivos meios (instrumentos) assecuratórios.

Ressalte-se, ainda, ponto relevante a ser sublinhado, em que pese este movimento constitucionalizante engendrado na Europacom o pós-Segunda Guerra Mundial tenha sido ampla absorção por todo mundo, os países da América Latina vivenciaram um entravea tudo isso. Não se pode olvidar que o contexto latino-americano, no fim da guerra, foi marcado por golpes ditatoriais,como no Brasil em 1964, Argentina em 1966, Chile em 1973, Uruguai, em 1973 e Colômbia em 1953.

De sorte que se verificou depronto,no Brasil, demorou bastante para ser assimilado, ocorrendo somente um processo constituinte nos idos de 1987-1988. Assim, os avançosque foram realizados no âmbito do direito constitucional europeu também puderam ser percebidos na América Latina, entretanto,neste contexto, como ruptura aos regimes ditatoriais, o veio a ocorrer tardiamente.

A ditadura significou um período de total restrição de direitos pelo qual o país passou, a partir da promulgação da CFRB de 1988,a chamada Constituição Cidadã, o constitucionalismo pátrio passou a assimilar os progressos do pós-guerra advindos do continenteeuropeu.

E, neste ambiente teve grande importância a proposta teoria do insigne José Joaquim Gomes Canotilho presente na obraintitulada “Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador”, no qual, adaptou e aprofundou a tese do jurista alemãoPeter Lerche de 1961, o consagrado doutrinador português ficou conhecido por explicaro chamado constitucionalismo dirigente.

Com isso, Canotilho (2001) demonstrou o papel estratégico assumido pelas constituições, no sentido de que, ao utilizar-se da expressãoconstituição dirigente, pretendeu-se afirmar a força atuante do direito constitucional. Desta forma,a concepção de Estado de Direito fora agregada a um conteúdo extraído do próprio texto constitucional, de formaque a constituição passou a ser um meio de direção social e uma forma racionalizada de política.

Cumpre ainda frisar que poucas obras obtiveram tamanha receptividade no Brasil como a de Canotilho (2001) e,a forma de entender o texto constitucional, como sendo catalizador de todos os atos do Estado deu novofundamento ao direito constitucional, fazendo, também com que a jurisdição, a partir desta concepção de irradiaçãoconstitucional ganhasse novos rumos, estando direcionada à concretização de promessas constitucionais,conforme menciona Gilberto Bercovici (1997), a concepção de constituição dirigente está ligada à defesa da mudança da realidade pelodireito. O que fica bem ilustrado através da afirmação de Paulo Bonavides: “ontem, os Códigos,hoje as Constituições”.

Essa frase foi dita pelo jurista durante sua premiação no instituto dos Advogados Brasileiro em 1998, que foi otítulo de uma das edições da Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica (nº2, de 2004)que visa a discutir sobre a insurgência do novo constitucionalismo.

Infelizmente, a noção de constitucionalismo dirigente restou fragilizada diante das ondas de reformas constitucionaisneoliberais de 1990, que possibilitaram a invasão dos discursos da Análise Econômica do Direito.

Aliás, conforme afirma AlexandreMorais da Rosa (2008), a partir da invasão desta teoria cria-se um ideal de eficiência, marcado pela:

  1. proeminência do campo econômico sobre o jurídico;
  2. manipulação do critério de justiça por eficiência;
  3. desprezo pelos direitos sociais e pelo Estado Democrático de Direito, em nome da flexibilização (p.18).

E, tal situação se coloca em confronto com o constitucionalismo do segundo pós-guerra, marcado pela existência de um texto constitucional compromissório,visando ao bem-estar social. Sob os aportes do movimento Law and Economics, o dirigismo constitucional é substituído, então, pelo dirigismo de blocos econômicos.In: ROSA, Alexandre Morais da. A constituição no país do jeitinho: 20 anos à deriva do discurso neoliberal (law and economics). Revistado Instituto de Hermenêutica Jurídica: 20 anos de constitucionalismo democrático e, agora? Porto Alegre, volume 1, n.6, pp. 15-34, 2008, pp. 18-23.

Lembremos da situação peculiar vivenciada pela Alemanha, diante da aprovação da Lei Fundamental por uma espécie deassembleia constituinte de emergência, composta pelos países aliados, impulsionou o papel do Tribunal Constitucional, cuja atuação estava voltadaa constitucionalizar a ordem jurídica a partir de um órgão que, à diferença do Conselho Parlamentar que aprovou a Lei Fundamental (atualmente a Constituição)efetivamente representava o povo alemão.

A aposta no Judiciário para consecução dos objetivos constitucionais e de ruptura com a metodologia da corrente filosóficaque havia predominado durante o nazismo, a subsunção positivista, que surgiu uma importante teoria jurídica, que passou a fundamentaras decisões judiciais do Tribunal Constitucional: a jurisprudência dos valores.

Segundo Alec Stone Sweet, o Poder Judiciário europeu apesar de imbuído do propósito de respeitar a hierarquia constitucional desde a Constituiçãode Weimar que, em 1919, inaugurou uma autêntica instituição judicial, para este fim, o Tribunal de Justiça do Estado ou Staat gerichtshof, não possuíauma efetiva jurisdição sobre a Constituição, motivo pelo qual foramcriados os Tribunais Constitucionais.

Esta mudança institucional agregada a efervescência de um novo meio de pautar a aplicação do direito, voltado para uso de critérios que pudessem ser,inclusive, buscados para além da legislação (característica da jurisprudência dos valores), resultou na centralidade exercida pelo Judiciário.

Portanto, é possível atestar que o segundo pós-guerra desencadeou muitas mudanças no contexto europeu, assimiladas pela tradição brasileira e, tais transformaçõespelo menos indicam as remotas origens da existência de uma judicialização no cenário global. Isto é, todos estes fatores contribuíram para que o papel do Judiciárioassumisse outra feição, doravante voltado para os ditames constitucionais.

A majoração da litigiosidade é um fenômeno típico das sociedades contemporâneas e suas consequências para a questão do chamado acesso à justiçaalteraram os objetivos do Estado, aumentaram a densidade normativa das Constituições, que, antes eram apenas um elemento organizacional, mas também a influirdiretamente na política governamental a partir de uma noção de irradiação constitucional pelo sistema jurídico.

Com isso, estas estratégicas jurídicas possibilitaram significativas mudanças através de duas frentes, a saber:uma que ampliou o catálogo de direitos aos cidadãos, com o fito de criar uma política públicade bem-estar, e, por outro lado, assentou-se o dever de cumprir imediatamente este programa constitucional,objetivando torná-lo efetivo.

Todo esse contexto ensejou maior procura do Judiciário, que também passou a ser caracterizado como locus de concretizaçãode direitos previstos, mas não cumpridos pelos demais Poderes. Contudo, as transformações ocorridas

não restaram restritas a este tipo de alteração. Pois o contexto social passa também por modificações, de cunho político-jurídico, quesão as tendências no Direito, conceitual, com a introdução de noção de sociedade complexa,comportamental (com a questão do aumento de litigiosidade) e estrutural (a partir da ideia de massificação dos conflitos).

Isto é, o fenômeno de judicialização não ocorreu somente porque, a promulgação de novostextos, há maiores possibilidades jurídicas de exigências judiciais, foi necessário agregar a isso,os diferentes contornos que assumiu a esfera social.

A modernidade produziu uma forte concepção de Estado, fundada no direito positivo e no normativismo, visando dar respostasaos problemas e demandas da sociedade que estava muito marcada pela indeterminação e insegurança, frutos do processode ruptura com o modelo jusnaturalista e, seus valores absolutos a priori, portanto, estáticos e forado tempo.

Ao longo dos anos, foram operando-se progressivamente maiores transformações no âmbito social, sendoque a globalização, a transnacionalização, os novos direitos, dentre outros temas, passaram a ser o foco de um novo modelode sociedade, doravante chamada de sociedade complexa.

Ao novo modo de entender o fenômeno social também é possível acrescentar, com base na obra Sociologia Jurídica de autoriade José Eduardo Faria que o Direito passa a ser caracterizado por nove tendências, que podem ser assim sintetizadas, a saber:

  1. a) desformalização legislativa, na qual cresce a participação de grupos de interesse não vinculados ao Estado no processo legislativo;
  2. b) a redução do caráter imperativo do direito, com o surgimento de novas esferas de poder e do pluralismo;
  3. c) prevalência da regulação privada em face da estatal, que resulta em um direito civil à margem do Estado, em razão da existênciade uma economia globalizada, influenciada pelo transnacionalismo;
  4. d) enfraquecimento dos direitos sociais, motivado pela perda da soberania do Estado, que cede espaço aos mercados comunsregulados pela lex mercatoria;e) fortalecimento do direito penal, com uma maior criminalização, bem como com endurecimento de penas para crimes de menor potencial ofensivo.

Diante deste contexto há certa flexibilização da esfera estatal, que, em regra, é resultante da interferênciadas forças da economia, em um movimento contrário, a sociedade se apresenta imersa em uma ampla litigiosidade como modode resgar e exigir o compromisso pressuposto pelo Estado Democrático de Direito.

Portanto, os cidadãos assumem uma postura direcionada ao conflito, à reivindicação de direitos pela via do litígio judicial, que passa a ser o palcoda resolução de grande parte das contendas políticas.

Este traço do comportamento das sociedades contemporâneas acaba resultando naquilo que Luiz Werneck Viannet al chamam de “judicialização das relações sociais”, traduzida na crescente invasão do direito na organização da vida social, traduzida na crescente invasãodo direito na organização da vida social.

Observável que é pelos democráticos que se acentua a conflituosidade social, porque nestes o poder é distribuído de forma mais ampla e difusa. Entretanto, em existindo mais centrosde poder, há uma maior chance de surgimento de conflitos, que, na sociedade contemporânea, são encaminhados para que o judiciário resolva.

Por outro lado, há, também, uma alteração que se pode chamar de estrutural na forma de compreender estes direitos.

Trata-se da insurgência de exigências coletivas e interesses difusos, característicos de uma sociedade em que a produção,consumo e distribuição apresentam proporções de massa.

E, assim, a tutela jurídica passa a ser prestada de forma massificada,imbuída por uma crise da ideia de interesses individuais, fazendo emergir a noção de pluralidade/pluralismo, que traz a marca da atuação das organizações sociais.

Eis um cenário contraditório, pois, ao mesmo tempo que o presente contexto fez surgir a tutela de direitos difusos e coletivos,em contrapartida, a busca por sua efetivação predominantemente se dá através do litígio individual. E, assim, firma-se numeroso conjuntode ações singulares visando à tutela de direitos coletivamente assegurados.

E, por sua vez, no fito de controlar ou limitara judicialização, o sistema jurídico responde de alguns mecanismos, como a criação, por parte dos tribunais, do que se chamade julgamentos em bloco (e, assim, em uma tarde, desembargadores e ministros decidem mais de milhares de casos) e, por parte dadoutrina, a refutação da titularidade individual dos direitos sociais, negando-lhes a condição de direitos subjetivos,tais fatores são problemáticos  tanto quanto a numerosa quantidade de ações que tramitam perante o Judiciário.

No Brasil, isto impulsionou o surgimento do instrumentalismo processual que foi capitaneado por Cândido Rangel Dinamarco, que preconizava o papeldo juiz na condução do processo.

Por sua vez, Francisco José Borges Motta, através do desenvolvimento de uma teoria crítico do processo, sob os aportes da CríticaHermenêutica[18] do Direito (CHD) de Lenio Streck (2011)(que é construída a partir de uma imbricação entre Ronald Dworkin e Hans-Georg Gadamer), apresenta uma importantecrítica a estas posturas teóricas que defendem o protagonismo judicial no processo demonstrando a necessidade de se concretizar um efetivo direito aocontraditório, como afirmaa escola mineira do processo.

Todas estas transformações, a complexidade social, o caráter de litigiosidade e a massificação da sociedade resultam na judicializaçãotambém porque foram impulsionadas por redefinição do acesso à justiça e, segundo Mauro Cappelletti e Bryant Garth, o processo de democratização doEstado atingiu inclusive a esfera processual, fazendo com que se rompesse com a ideia liberal de que a justiça só podia ser obtidapor aqueles que pudessem enfrentar seus custos.

E, com isso, reconheceu-se não apenas o fato de que o acesso à justiça passa a ser encarado como requisito fundamental, omais básico dos direitos humanos de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar o direito a todos, mas,fundamentalmente, a partir desta ampliação no conceito de acesso àjustiça, começou-se a pensar em instrumentos para tornar possível essa interação Judiciário-sociedadecomo, por exemplo, a criação dos juizados especiais do Brasil, que estão pautados por um processo menos formal, e a própria incorporação da antecipaçãode tutela, como mecanismo de satisfação do direito de modo mais célere.

Este cenário de reforma processual, que Dierle Nunes denomina de “simplificação procedimental”, é fruto do que ficouconhecido no âmbito do processo civil como socialismo processual. Este movimento (surgido especialmente nos países do Leste Europeu)buscava uma harmonização do processo civil com o Estado de bem-estar, da qual resultou uma enorme intervenção do juiz, visando a uma alegada aplicação sociale política do direito.

Assim, pela via do socialismo processual, a questão do acesso à justiça passou a estar associada a um reforço dos poderesjudiciais, à ênfase nos pronunciamentos de ofício, à possibilidade de julgamento ultra petita[19],o que reduziu o papel das partes durante o processo.

Não é por outro motivo que o movimentoconsiderado o clímax deste cenário: “Projeto Florença de Acesso à Justiça” de 1973, caracterizou-se não apenas pela simplificaçãodos procedimentos ou pela tutela dos direitos coletivos e difusos, mas também por um aumento na ingerência dos juízes.

O alargamento do conceito de acesso à justiça que fora promovido à direito constitucional, incorporou o pressuposto de igualdadepróprio do constitucionalismo democrático, a judicialização foi incrementada.

É possível afirmar, até,que leituras equivocadas acerca do sentido de acesso à justiça, compreendido como eficiência judicial, acabaram criando um imaginárioque reforçou ainda mais o papel do Judiciário como instituição hábil a dirimir todos os conflitosda sociedade humana.

E, para reforçar tal tese do próprio sistema jurídico tratou de encontrar meios para aperfeiçoar e facilitar a prestação jurisdicional,estratégias estas que, ao tentar resolver o problema da judicialização, não passaram de reformas que, em verdade, proporcionam um esvaziamento do papel do processocomo garantidor de direitos fundamentais e da concepção de acesso à justiça, compreendido como orespeito ao devido processo legal, à ampla defesa, ao contraditório e à fundamentação das decisões.

E, neste sentido, portanto, que importa refletir sobre limite da atuação democrática de jurisdição.

A crise da democracia e ascensão de uma possível juristocracia traduz o contexto histórico que deu condiçõespara o surgimento do projeto de constitucionalização do direito, especialmente, no pós-guerra,os contributos que consagraram teoricamente a importância dos textos constitucionais que resultaram deste momento históricode ruptura (a noção de constituição dirigente[20] de Canotilho), a relevância da criação dos Tribunais Constitucionais europeus, especialmenteo da Alemanha, e as transformações que ampliaram o acesso à justiça.

Tudo isso foi apresentado como modos de compreender o fenômeno da judicialização na contemporaneidade. Para finalizar esta abordagem, então,resta indicar a principal consequência do conjunto destes elementos: a ascensão de uma possível juristocracia.

Diante dessa afirmação, está-se referindo ao fato de que o mundo passa por período caracterizadopela construção de um imaginário em que a credibilidade para decidir as questões fulcraisda sociedade é depositada no Judiciário.

No entanto, isso pode ser observado em um duplo sentido: não apenas positivo, simbolizando um predomíniodas instâncias jurisdicionais, mas também negativo, caracterizando uma fragilização em outros âmbitos do poderestatal, acontecimentoque melhor se traduz na sensação da existência de uma crise em certas instituições.

De modo em geral, sem tratar de um país específico, Tate e Vallinder (1995) afirmam que há mais de uma causapara se justificar a crescente judicialização, dentre os quais estão incluídas as seguintes condições políticas:

  1. a) transformação do entendimento sobre a democracia como vontade da maioria, adicionando-se a relevância do podercontramajoritário, que acaba tendo o Judiciário como fiel representante;

b)a afirmação da separação dos poderes, que tanto facilitou a judicialização;

  1. c) a falta de implementação de políticas públicas, apesar da existência de vasto rol de direitos asseguradosconstitucionalmente;
  2. d) a atuação de certos grupos de interesse ao utilizar a jurisdição como meio de expandir os direitos garantidos, pleiteando ainclusão de outros não afirmados na Constituição;
  3. e) o fortalecimento do controle de constitucionalidade, que, muitas vezes, aparece amplamente vinculado com o sistema político, no sentido de que acabousendo utilizado pela oposição parlamentar para barrar as iniciativas do governo;
  4. f) a inefetividade das instituições majoritárias, fazendo-se referência tanto ao Legislativo quanto ao Executivo,devido à ausência de implementação de políticas públicas por parte do Estado, o que representa um problema na condução administração;

e, por último;

  1. g) a delegação de poderes pelas próprias instituições majoritárias ao Judiciário, criando-se, assim, uma situação de conveniência,em que, para não gerar controvérsias políticas para o congressista (ou administrador), ao invésde definir lei que proíbe (ou permita certas questões de grande divergência social, atribui-se tal função aos juízes e tribunais, evitando a indisposição política, o conflito e a polêmica com os seus eleitores, e, principalmente com os seus opositores.

Enfim, para Tate e Vallinder (1995), portanto, todos estes fatores condicionaram não apenas o deslocamento das atenções para o Judiciário, como também configuramnão apenas o deslocamento das atenções para o Judiciário, como também configuram as principais características do quese pode chamar de novo constitucionalismo.

E, sobre este ponto, que relaciona novo constitucionalismo e judicialização, Ran Hirschl (2007) apresenta uma interessante contribuição, afirmando que o novomodelo constitucional traz alterações tão significativas que é possível afirmar que, hoje, o mundo transita para umajuristocracia.

Entretanto, menciona que, em que pese esta seja uma tendência existente no mundo todo, por se caracterizar como consequência da “era do segundo pós-guerra”,que possibilitou este amplo processo de constitucionalização e de afirmação do controle de constitucionalidade, suas origens estão vinculadas a diferentescontextos, que ele passa a configurar como sete cenários abrangentes.

Tais cenários são:

  1. A) a onda de reconstrução ou reconstruction wave pela qual empoderamento do Judiciário aparece como consequência da reconstrução política no segundo pós-guerra, tendo como exemplos: a introdução de uma Constituição revisada no Japão em 1946, a novaConstituição da Itália e a implementação de sua Corte Constitucional em 1948, a adoção da Lei Fundamental da Alemanhae o estabelecimento da Tribunal Constitucional Federal em 1949 e o surgimento da Constituição francesa e do Conselho Constitucional em 1956;
  2. B) o cenário de independência no qual a judicialização aparece como fruto do processo de descolonização, em especial das colônias britânicas, tendo como referência a independênciada Índia (e, também, de Gana, Nigéria e Quênia) e a subsequente proclamação de uma nova Constituição cm a criação de sua Suprema Corte que incorporava os direitos previstos na ConvençãoEuropeia de Direitos Humanos, fato incentivado pelos britânicos como meio de controlar a política majoritária em que pesenão tenham respeitado estas garantias na condição de metrópole;
  3. C) cenário de única transição ou single transition em que ocorre a transição de uma quase democrático ou autoritário regime para democracia, caso das mais recentes democracias no sulda Europa (Grécia, Portugal, Espanha) e na América Latina, que adotaram direitos fundamentais como parte de sua Constituição, bem como estabeleceram algumaforma de um ativo de constitucionalidade;
  4. D) o cenário de transição dual ou dual transition uma transição tanto para um modelo de democracia ocidental quanto para o de uma economia de mercado (onde se incluir os paísespós-comunistas e pós-soviéticos, tendo como principal exemplo o estabelecimento da Corte Constitucional da Hungria e da Rússia;
  5. E) o cenário de incorporação como agregação de padrões legais, inter, trans e supranacionais à lei doméstica, como é o caso da Dinamarca e da Suíça,que sofreram os influxos da Convenção Europeia de Direitos Humanos;
  6. F) o estabelecimento do controle de constitucionalidade em nível supranacional, através da Corte Europeia de Justiça,da Corte Europeia de Direitos Humanos,dentre outras, além de uma numerosa quantidade de tribunais quase judiciais;
  7. G) o cenário de transição não aparente (no apparent transition) caracterizado pelas reformas constitucionais que não são resultados nem das mudanças políticas, tampoucodos regimes econômicos é o exemplo da Nova Zelândia, do México, da Suíça e do Canadá).

O Brasil, naturalmente se insere juntamente com os demais países da América Latina em um contexto de ruptura com os regimesditatoriais, é possível afirmar que as razões para a ascensão do Judiciário estão fundadas, além de tudo o que já foi referido,em dois principais pilares, a saber: na configuração de um ambiente de tensão com os demais Poderes do Estado e, ipso facto, em uma criseda democracia.

O primeiro ponto diz respeito ao descompasso pelo qual passa a esfera estatal,que, como afirmar Bolzan de Morais (2011), tentar conjugar uma política de inclusão (democracia social) e uma economia de exclusão (capitalismo).

O resultado disso é a existência de sensação de desconforto, que elevada à condição de insatisfação popular,causada pela ausência do cumprimento (especialmente pelo Executivo) das promessas insculpidas no texto constitucional, produz um apeloà jurisdição, que acaba por assumir ares de sacralização mediúnica.

Ocorre que este distanciamento da sociedade dos demaisPoderes (Executivo e Legislativo) inevitavelmente acabou criando um afastamento entre a democracia compreendida como participação política dos cidadãosna tomada de decisões, e a construção do Direito que de certo modo passou a ser tributário das definições judiciais não pautadas por critérios jurídicos.

É evidente que, com isso, não se está negar a concepção de democracia que inclua a premissa contramajoritária,representada pela atuação das cortes e tribunais na proteção dos direitos constitucionalmente assegurados em face da existência de maiorias eventuais.

De fato, há muito tempo, desde a passagem do conceito grego de democracia direta, como governo em que o povo vai às ruaspara discutir a coisa pública, para a democracia representativa, que agrega o elemento social ao plano político de exercício de liberdades, até se chegar à noçãode democracia participativa, que traz a inclusão de mecanismos de participação direta, já se rompeu com entendimento de democracia a partir de critérionúmero-estatístico, apenas como regramajoritária.

No entanto, por mais que se tenha progredido no modo de conceber a democracia agregando ao seu conteúdo o contramajoritarismo, não era previsível quese fosse vivenciar na contemporaneidade duas consequências tão graves para a relação Direito e Política:o sentimento de acomodação/apatia política (e cívica) e o apelo permanente à jurisdição, fatores que inviabilizam o cumprimento da promessa democrática, qual seja,a de consolidação deum sistema em que sociedade é parte ativa;

Assim, a centralidade atribuída ao âmbito jurisdicional acaba gerando “fissuras no pacto democrático para além do imaginado. Isso porque, levado às últimasconsequências, este processo de recrudescimento do ambiente democrático em face de uma crescente judicialização também abriu espaçopara vias alternativas de decidir litígios.

Tal fenômeno é chamado por Antoine Garapon de mundialização ou comércio entre juízes, pelo qual, resumidamente,é sugerido aos julgadores que decidam fazendo uso de decisões de outros países.

Ou seja, trata-se da inserção dos juízes em contextoglobalizado, de intercâmbio de decisões, o que se traduz em um poder que lhes desoneraria de fundamentarsua decisão a partir da estrita vontade do legislador e da autoridade da doutrina.

Com isso, forma-se uma sociedadedos tribunais, ou um governo de juízes, em que o juiz procura conferir à sua opinião pessoal um fundamento mais geral e, por isso mesmo,mais aceitável.

Uma compreensão da atuação jurisdicional neste sentido provoca, no mínimo, duas observações: primeiro, o simbolismo presente na formaçãode uma espécie de direito mundial a partir de decisões dos tribunais, isto é, a partir da interrelação entre instâncias jurisdicionais;segundo, o problema da intervenção judicial, que aparece, no livro como uma questão de opinião.

Tudo isso, não apenas contribui para a acentuar a judicialização, que apareceria, assim, como uma consequência de todos estesprocessos rupturais pelos quais vêm passando a sociedade, mas também, a partir de posicionamentos como os retratados, para fortaleceruma atuação ativista do Judiciário, mitigando a concepção de democracia, pois, como Daniela Cademartori, “para termos um regimedemocrático é preciso que, simultaneamente, ocorram a liberdade das escolhas políticas e a representação dos interessesda maioria”. É inútil e perigoso dar prioridade a um só desses elementos ou para nenhum deles acrescentamos.

Pretende-se evidenciar que a judicialização não tem seu nascedouro exatamente no interiordo sistema jurídico. E, embora seja fenômeno que se manifeste no âmbito jurídico, especialmente porque abarca a atuação do Judiciário,ele não é próprio do Direito, no sentido de que envolve toda a construção de uma imaginário social e político que transcende as fronteirasdaquilo que se pode considerar sob seu domínio. Indo além, este é um problema que se apresenta como inexorável na exata medidade que sua superação não depende exclusivamente de uma estratégia jurídica que lhe ofereça controle, ou seja, que seja capazde, por si só, conter a crescente judicialização.

É evidente que não é possível separar a interação que ocorre entre os elementos políticos, sociais e jurídicos na composição do problemado judicialismo. Tampouco se pode afirmar que não existam tentativas jurídicas de tornar ameno (e, por vezes, impedir), o apelo àjurisdição (como a criação de institutos como súmulas vinculantes, repercussão geral, bem como as propostas de reformas processuaisque visama limitar a interposição de recursos, o que é alvo de críticas pela doutrina brasileira).

Entretanto, à distinção do que se entende por ativismo judicial, a judicialização não é resultante da atuação de juízes e tribunais,mas ocorre independente disso, de modo contingencial, porque necessária a provocação das instâncias judiciais.

O ativismo judicial é gestado no âmago da sistemática jurídica. Trata-se de uma conduta adotada pelos juízes e tribunaisno exercício de suas atribuições. A caracterização do ativismo judicial decorre da análise de determinadapostura assumida por um órgão/pessoa na tomada de uma decisão que, por forma, é investida de juridicidade.

Com isso, dá-se um passo que está para além da centralidade assumida pelo Judiciário no atual contexto social e político, que consiste em observar/observar qual o critério utilizado para decidir, já que a judicialização, como demonstrado, apresenta-secomo inexorável.

O ativismo judicial, portanto, revela-se como busilis exclusivamente jurídico, ou seja, criado pelo Direito, mas,evidentemente, com consequências em todas as demais esferas, sobre o qual a comunidade jurídica deve, primeiro,debruçar-se no interesse de perguntar por seu sentido, para posteriormente apresentar uma responsa, no sentido de um constitucionalismodemocrático.

E, no questionamento de como pode ser compreendida a manifestação judiciária, é possível encontrar posicionamentos que retratama indexação da decisão judicial a um ato de vontade daquele que julga.

É tal entendimento que se busca explorar como finalização do capítulo,fazendo, de início, uma retomada de como a questão da vontade adentrou no Direito especialmente através de Kelsen (1999), passando por uma leiturada obra de Antoine Garapon sobre o papel do Judiciário na contemporaneidade e, por derradeiro, realizando uma aproximação com a doutrina norte-americana, oque possibilita definitivamente distanciar a judicialização da política de ativismo judicial, firmando o entendimentodeste último fenômeno como decorrente de um ato de vontade do julgador.

Em síntese, o ativismo judicial é problema da teoria do direito e, precisamente, da teoria da interpretação, na medida em que suaanálise e definição dependem do modo como se olha para o problema da interpretação no Direito.

Vale dizer que é a interpretação um ato de vontade do intérprete ou o resultado de um projeto compreensivo no interior do qual se operaconstantes suspensões de pré-juízos que constitui a perseguição do melhor ou correto sentido da interpretação?

Definitivamente, a segunda possibilidade de retratação teórica do problema parece ser mais adequada.A questão da vontade implica fazer referência a Immanuel Kant e com a introdução de seu conceito de autonomia do sujeito eNietzsche, a partir do princípio epocal, que institui, a vontade do poder, este é tema que pode ser considerado especialmenterelevante para o Direito.

A expressão princípio epocal é usado por Ernildo Stein (1996) e incorporado por Lenio Streck (2011) em seus textos,fazendo referência ao fato de que os diferentes momentos históricos são marcados pelo predomínio de certas posturasfilosóficas.

Conforme explica Stein:

“Quando se fala em princípio epocal se quer dizer, e isto para Heidegger é muito importante,que cada época da história da metafísica é caracterizada por um princípio objetificado que marcatodos os fenômenos da época. Esta é a bela ideia exposta no início do artigo de Heidegger, intitulado “O tempo da imagem” do mundo, em que ele afirmou que todas as marcas da cultura provêm de um elemento metafísico que determinaa História, a Ética, a Política, a Antropologia e a Psicologia”. In: STEIN, Ernildo. Diferença e metafísica:ensaios sobre a desconstrução. Ijuí: Editora Unijuí, 2009, p. 74.

Nietzsche é citado como teórico da crise da razão, que, ao despertar para o caráter interpretativo de nossa experiênciano mundo, acabou desenvolvendo um pan hermeneutismo que, por sua vez, desemboca em certo pragmatismo e que prenunciaa renovação do pensamento pragmático.

Portanto, a visão de mundo aparece como condicionada aos interesses de poder,daí, a noção do princípio epocal, a vontade poder.In: GRONDIN, Jean. Introdução à hermenêutica filosófica. Tradução de Brenno Dischinger. São Leopoldo: Unisinos Editora, 1999.Coleção Focus, pp. 42-45.

Com Lenio Streck é possível perceber os diferentes modos pelos quais a vontade acompanhou as grandes discussões no âmbito da hermenêutica jurídica.

Em outras palavras, o apelo a algum tipo de vontade sempre influenciou sobremaneira as formas de compreendera aplicação do direito, o que se dá, a priori, a partir de busca pela vontade da legislação e, posteriormente, através da procura pelavontade do legislador.

No ativismo judicial, o uso da expressão “interpretação como ato de vontade” remete Kelsen (1999). A vontade aparece emseu texto como elemento característico do ato de aplicação do direito, constituindo uma diferença fundamental em sua obra,o que se conclui a partir da seguinte afirmação, in litteris:

“(…) através deste ato de vontade se distingue a interpretação jurídica feita pelo órgão aplicador do Direito de toda e qualqueroutra interpretação, especialmente da interpretação levada a cabo pela ciência jurídica.”

A referida citação acima está no contexto de sua obra Teoria Pura do Direito, que justamente, trata do problema da interpretaçãojurídica. Esta afirmação, portanto, faz parte do projeto de Kelsen (1999) de apresentar uma proposta teórica com o fito de atribuir um estatuto epistemológico para o âmbito jurídico, que, por tradição, apresentava dificuldades em firmar-se com um conteúdo próprio,sendo confundido com questões de moral, política e economia.

A partir disso, então, o doutrinador cria uma distinção entre Direito e ciência do Direito, o que possui repercussão direta em suaconcepção de interpretação jurídica, dado que, para cada um destes âmbitos, o doutrinador estabelece um modo diferenciado de compreender a questão hermenêutica.

A partir desta divisão criada por Kelsen (1999), convém mencionar que a preocupação que surge com o problema do ativismo judicial é justamenteo que o doutrinador não toma por prioridade em sua teoria pura.

Isto é, em sendo o ativismo judicial uma questão de hermenêutica jurídica,isto é, que envolve a discussão sobre como aplicar o direito, pode-se dizer que tal debate não estava incluído como o centroda teoria de Kelsen (1999), cujo enfoque é direcionado à construção da ciência do Direito.

É por este motivo que, na única parte em que trata da decisão judicial (no capítulo oitavo),seu posicionamento é considerado como fatalista, sendo possível afirmar, inclusive, que ele acabaria por aceitar” a total irracionalidade da interpretação feita pelos órgãos do direito”.

Isso porque, ao diferenciar o ato de interpretação do cientista do direito do que é praticado pelo aplicador do Direito (órgãojurídico), definindo este como um ato de vontade e aquele como um ato de conhecimento, agrega outras tantas consequências, tais como:

  1. a) a afirmação de que, como resultado da interpretação realizada pelos órgãos jurídicos, tem-se normas jurídicas(à diferença da interpretação do cientista do direito, que produz proposições jurídicas);
  2. b) a afirmativa de que a interpretação dos órgãos jurídicos são as únicas consideradas autênticas;
  3. c) que estas, também, são as que criam direito; e, por fim,
  4. d) que este ato de vontade está eivado de discricionariedade.

O mesmo doutrinador afirma que a interpretação dos órgãos judiciários são atos de vontade é o que também atribui caráterdiscricionário ao ato aplicativo do direito.

Deste modo, resta evidenciada a relação entre vontade e discricionariedade, questãoque é tão problemática no contexto deum direito produzido sob o signo do constitucionalismodemocrático.

Lenio Streck (2012) é um dos primeiros doutrinadores que demonstra criticamente a dualidade existente nopensamento de Kelsen (1999) e as consequências disso para o Direito.

Aliás, é justamente a partir de suas obras que se podeperceber a vinculação entre ativismo e ato de vontade do julgador, assim como os problemas decorrentes disso.

Nessa linha, portanto, é que ativismo judicial se diferencia de judicialização da política, oque tambémpode ser observado através de posicionamentos de outros doutrinadores, que convalidam a tese de que no conteúdo doativismojudicial está incluído o problema da vontade como critério decisório.

Foi através de Kelsen (1999) que a noção de interpretação jurídica como ato de vontade é incorporada ao Direito.

Por sua vez, a teoria desenvolvida por este doutrinador, e, assim, o positivismo jurídico, foram as posturas que maisinfluenciaram o Direito no mundo todo (o que se pretendeu relativizar com o advento, em decorrência das transformaçõesengendradas pelo segundo pós-guerra, como posturas neoconstitucionalistas, cujo objetivo declarado justamente foi tentarultrapassar este modo positivista de dar fundamento ao conceito de direito.

Sob esta perspectiva, à formação de um cenário de intensa judicialização, isto é, um consequenteaumento dos poderes dos juízes (e dos tribunais), que se deu a partir de decisões cujo critério para fundamentaçãopassou a estar condicionado à vontade do julgador e, portanto, refletiam uma ampla discricionariedade judicial.

Já, em 1996 Antoine Garapon tratava do Poder Judiciário como “o guardador de promessas”, embora não seja assim afirmadotextualmente pelo doutrinador, é possível extrair deste livro uma dupla abordagem: por um lado, de contextualização do surgimentode um ambiente caracterizado por uma intensa atividade jurisdicional, mas, ao mesmo tempo, por outro, de referência à transposiçãodeste fenômeno para o que ficou conhecido como ativismo judicial.

A partir disso, pode-se traçar elementos para diferenciar a configuração de uma tendência judicializante para as posturas consideradasativistas.

Garapon revela que “nada mais pode escapar ao controle do juiz”, constatação que se insere no âmbitode um cenário, que pode ser em resumo caracterizado:

  1. a) por uma descrença na lei, e como consequência,por um aumento na dimensão interpretativa do Direito;
  2. b) por um desmoronamento do conceito de democracia,no sentido de que o “homem democrático” desaparece;
  3. c) pelo surgimento dos sistemas supranacionais, que, por um lado, fragilizaram a concepçãode soberania estatal, mas, por outro, possibilitaram a insurgência de novas instâncias jurisdicionais,como as Cortes de Direitos Humanos.

A partir disso, então, há certa promoção da atividade jurisdicional, o que, para o doutrinador,não se traduz em uma mudança dos titulares da soberania (que, originalmente, é atribuída ao poderpolítico, isto é, Executivo e Legislativo), mas antes uma evolução da referência da ação política,e não tanto uma rivalidade, mas sim, uma influência recíproca.

Ainda, nesta linha, de influência recíproca, o doutrinador menciona que isso representa uma substituiçãoda positividade por uma justiciabilidade, no sentido de que o Direito passa a se definir pela possibilidadede submeter um comportamento à apreciação de um terceiro, no caso, o Judiciário.

Por sua vez, a questão do ativismo judicial ganha contornos diferentes, Garapon (2006) afirmaque a atuação jurisdicional é acentuada de tal forma que os juízes passam a ser consideradoscomo “últimos ocupantes de uma função de autoridade clerical e até paternal abandonadapor seus antigos titulares”.

Assim, para o doutrinador, à noção de ativismo judicial e de governo de juízes subjaz uma tentativa de redenção,pela qual o juiz torna-se, inclusive, árbitro dos bons costumes.

Não se pode olvidar que mesmo o controle de constitucionalidade, na França, até 2008, não era consideradoprerrogativa do Poder Judiciário, mas do Conselho Constitucional, órgão vinculado ao Legislativo, que o exerciaapenas preventivamente.

Com isso, a reforma constitucional ocorrida recentemente, incluiu-se a possibilidadede controlar a constitucionalidade das leis de modo repressivo, mediante a manifestação, perante o mesmo órgão de qualquerinteressado no curso do processo judicial. In: STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica. 3. ed.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

Garapon associa a decisão judicial a um critério de desejo, de vontade daquele que julga,afirmando que: “ativismo começa quando, entre várias soluções possíveis, a escolha do juiz é dependente do desejo de acelerar a mudança social ou, pelo contrário, de a travar”.

Ainda, menciona que, neste contexto, o ativismo revela-se sob duas formas, sob a de um novo clericalismo dos juristas, se a corporaçãode juízes for poderosa, ou, pelo contrário, sob a forma de algumas individualidades, sustentadapelos media, se a magistratura não tiver grande tradição de independência.

Portanto, as interrelações que se formam a partir de Garapon (2006), a saber: escolha, desejos e podersão elementos que se conjugam em torno de um único fenômeno, o ativismo judicial.E, nesta linha, a argumentação apresentada pelo doutrinador se aproxima daquilo que foi referidopor Kelsen (1999) como próprio da aplicação do direito por um órgão judiciário.

Ou seja, no fundo, na contemporaneidade, e no mundo todo, é uma tendência de, conscientementeou não, recuperar a proposta teóricado jurista austríaco sob o que se poderia chamar novo rótulo,o do ativismo judicial.

As contribuições trazidas por Garapon (2006) são importantes, porque, estão inseridas na tradiçãojurídica francesa que historicamente, apresenta desconfiança em relação ao Judiciário; segundo, porquesão afirmações que partem de um doutrinador que, por muitos anos, exerceu a profissão de juiz;terceiro, porque denunciam um cenário de predomínio das instâncias jurisdicionais sobre as instituiçõesdemocráticas; quarto, porque evidenciam que esta centralidade da jurisdição não aparece, apenas,como um fenômeno social, mas como uma tomada de postura de juízes e tribunais na afirmação de suasvontades, ou nas palavras do doutrinador, desejos, e, por fim, quinto, porque, ao mencionartudo isso, possibilita diferenciar ativismo judicial de judicialização, o que é imprescindível para que se possaproblematizar a atuação jurisdicional.

Afirma Luigi Ferrajoli (2007) o contraste entre razão e vontade, que também consiste na contraposição entre direito naturale direito positivo, que remonta ao dilema existente entre governo das leis e governo dos homens.

Esta discussão entre governo das leis e governo das leis e governo dos homens.Esta discussão entre governo das leis e governo dos homens foi amplamente realizada em solo norte-americano,especialmente apartir do enfrentamento dos posicionamentos dos Federalistas e Antifederalistas.

Entretanto, dando um enfoque inicial distinto do apresentado por Antoine Garapon (2006) que aborda a questãodo ativismo judicial sob a perspectiva do desejo, que remete à questão da vontade, em um primeiro momento,este embate entre vontade e razão se deu em outro nível; como pano de fundo para legitimar o exercíciodo controle de constitucionalidade pela Suprema Corte.

No contexto das reflexões ianques, a intervenção das Cortes na revisão dos frutos do processo legislativoé resultado da compreensão da existência de um governo das leis (rule of law) à distinção degoverno dos homens, este último compreendido como império da soberania popular/da vontade popular(rule of people).

Ou seja, não bastaria a legalidade para que se substituísse o governo dos homens pelo das leis,mas seria necessária uma correspondência entre a legislação e a afirmação dos direitos civis e políticos.

Com isso, houve uma desvalorização da legislação parlamentar como fonte do direito, fortalecendoo papel das Cortes de Justiça de tal forma que a tradição norte-americana ficou marcada pelo riscode uma passagem da supremacia das Constituições à supremacia das Cortes Constitucionais, devido à existênciade um controle de constitucionalidade fortalecido.

Enfim, o contraste entre razão e vontade, entre a lei da razão e a lei da vontade, entre o direito natural e o direitopositivo, correspondentes ao clássico e igualmente recorrente dilema e contraste entre governo das leis e o governo dos homens.In: FERRAJOLI, Luigi. Constitucionalismo garantista e neoconstitucionalismo[21]. Tradução de André Karam Trindade.Separata do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional. Curitiba: Conceito Editorial, 2008.pp.33-41.

Dando enfoque inicialmente distinto do que foi apresentado por Antoine Garapon (2006) (que aborda a questão doativismo judicial sob a perspectiva do desejo, que remete à questão da vontade, em um primeiro momento,este embate entre a vontade e a razão se deu noutro nível: para legitimar o exercíciodo controle de constitucionalidade pela Suprema Corte.

Em verdade, a intervenção das Cortes norte-americanas na revisão dos frutos do processo legislativo é resultanteda compreensão da existência de um governodas leis, à distinção de governo dos homens, este último compreendidocomo império da soberania popular/da vontade popular.

Isto é, não bastaria a legalidadepara que se substituísse o governo dos homens pelo das leis, mas seria necessária uma correspondênciaentre a legislação e a afirmação dos direitos civis e políticos.

Com isso, houve uma desvalorização da legislação parlamentar como fonte do direito, fortalecendo o papel das Cortesde tal forma que a tradição norte-americana ficou marcada pelo risco de uma passagem da supremacia das Constituiçõesà supremacia das Cortes Constitucionais, devido à existência de um controle de constitucionalidade fortalecido.

Neste último ponto, de surgimento de uma supremacia jurisdicional, que, novamente, aparece a questão da vontade. Com a crescente intervenção do Judiciáriona esfera política, preponderantemente a partir do que ficou conhecido na história do constitucionalismo norte-americano como Corte Warren, a questão da vontade migra para o âmbito da decisão judicial:conforme afirma Christopher Wolfe, as decisões judiciais passam a estar fundamentadas em um critério de vontade (will).

Aliás, é justamente isto que permite Wolfe (1994) afirmar que o poder exercido pelos juízes deixa de constituir a realizaçãode um julgamento (ou uma interpretação), sendo, portanto, reduzido a uma questão de vontade.

O doutrinador afirma consolidar-se um cenário de intenso protagonismo judicial, voltado para uma ampla intervenção judiciária, noque ficouconhecida a expressão judge-made law (em uma tradução literal, direito feito pelos juízes).

A utilização desta expressão judge-made law para caracterizar a fase ativista da Suprema Cortenorte-americana, neste contexto, é um tanto quanto esclarecedora, especialmente aliada à questão da vontade.

De fato, quando a decisão judicial passa a ser uma questão de vontade, então, não há outro direito a seguir,senão o construído pelo Judiciário, isto é, criado pela vontade de quem julga (a lei da vontade).

Esta postura rompe com a noção de supremacia do Direito, rule of law, na medida em que, a partir disso, em suasmanifestações, o juiz sempre exercerá sua discricionariedade, selecionando entre muitos pontosde vista deixados abertos pelo direito, aquele que está mais próximo das suas preferênciassubjetivas.

Conjugando as contribuições destes doutrinadores, é possível demonstrar como mais uma vez, a questãodo ativismo judicial aparece associada a um ato de vontade do Judiciário, tal como preconizou Kelsen (1999).

Além disso, mesmo tratando-se de outra experiência jurídica, novamente, é feita a ponte entre vontade,discricionariedade e subjetividade. São justamente estes elementos que permitem distanciara postura ativista dos juízes do fenômeno da judicialização da política, base para este estudo.

No constitucionalismo norte-americano é possível identificar dois entraves ao surgimento do controlede constitucionalidade (judicial review): a insistência dos Estados em, na defesa da liberdade, apesar de concebera Constituição como texto fundamental, considerá-la como não vinculante em relação ao seu Poder Legislativo; ea desconfiança que os cidadãos possuíam em relação ao Poder Judiciário, no sentido de quea common law era considerada muito complexa, o que se pensava que poderia impossibilitar um controlepúblico dos atos jurisdicionais, vez que a compreensão do conteúdo das leis demandava a existênciade um conhecimento deveras técnico.

Ambos os entraves que se criaram em torno da afirmação do judicial review estavam assentados no fato de que nãose imaginava um órgão do poder judicial anulando os atos de instituições que possuíam representatividade perante o povo.Contudo, tudo isso sucumbiante diante do julgamento do caso Marbury versus Madison.

A origem do judicial review envolve muitas discussões teóricas e, entre os muitos posicionamentos há um ponto em comum, de quea sentença proferida por Chief of Justice Marshall, no caso Marburyversus Madison foi uma manifestação do poder da Corte em revisar uma decisão política.

Embora as alterações que se operaram na atuação da Suprema corte, a partir do século XIX resultem uma dificuldade em se ver nesta decisão, o judicial reviewtal como este é atualmente exercido, não se pode negar as contribuições que este case trouxe para o direito norte-americano, poisse, algumas modificações ocorreram, foram a partir de uma base.

Entretanto, pouco se questiona ou se aprofunda os estudos no sentido de compreender o que levou Marshall a decidir daquela maneira.Isto é, a doutrina simplesmente enxerga o constitucionalismo americano a partir de 1803, num fechar de olhos para o passado.

Desta forma, na tentativa de encontrar a origem do judicial review em um momento anterior, David Ball, em um resumo do que propõeseu livro, faz importante afirmação:”(…) the origins of the constitutional power of judicial review lie in the historical development and applicatio of de the duty to resist tyranny”.

De fato, a decisão proferida no julgamento do caso justamente estabelecia limites ao agir governamental a partir do que estavaprevisto no texto constitucional, especialmente:

  1. a) no artigo III, que coloca o Poder Judiciário como um dos subordinados à Constituição;
  2. b) no artigo IV, que garante a supremacia da Constituição.

Nesse contexto, se, por um lado, o dever judicial de aplicar a Constituição era inquestionável considerando a supremacia constitucional;por outro, havia uma forte dúvida quanto à legitimação do exercício de um controle de constitucionalidade pelas Cortes, o que, por muitos,foi compreendido como abusivo, pois, apesar de estar firmado na Constituição norte-americana que o Poder Judiciário deveria atuar sob os ditamesconstitucionais, não estava expressamente incluído revisar os atos emanados dos demais Poderes.

Nesse sentido, a história do constitucionalismo norte-americano é muito importante, pois foi em seu âmbito que surgiram os primeirosdebates sobre a legitimidade da atuação da Corte Constitucional.Baldados tantos esforços, portanto, para encontrar em meio de legitimação para o judicial review.

A primeira tentativa foi buscar amparo constitucional, mas, como já visto anteriormente, tal hipótese fracassava diante da ausência da previsãoexpressa da possibilidade de exercício deste controle pelo Judiciário.

Diante disso, os olhares foram voltados para a tradição inglesa, especialmente para o posicionamento a favordo judicial review proferido por Sir Edward Coke, no julgamento do Bonham’s Case[22] em 1610,entretanto, isso não poderia servir como base, pois,emboradeclarado o poder de revisão dos juízes, não se visaconcretizar na Inglaterra o que por este havia sido proposto, já que esta havia sido apenas uma estratégiade Coke para resgatar o juscommune, que havia perdido sua força em face da existência de jurisdições especializadas comoa equity.

Por derradeiro, foi tentado um retorno às origens, numa busca de fundamentação pré-constitucional, contudo, é muito difícilencontrar os rastros de que os Framers teriam sido favoráveis ao controle de constitucionalidade exercido pelos juízese,sendo que o mais próximo disso que se possa ter chegado foi o projeto (frustrado) de estabelecer o exercício do poder de vetode forma conjunta pelo Presidente e pelos juízes.

Enfim, todos esses obstáculos para legitimar a atuação das Cortes foram frutos do momento histórico vivenciado pelos EstadosUnidos. Não se pode esquecer que isso possui estreita relação com o fato de que, quando do surgimento do constitucionalismo americano,havia forte debate entre os federalistas e antifederalistas, quanto à compreensão de República americana.

O chamado republicanismo populista tão defendido por Thomas Jefferson e os antifederalistas,partia da ideia de que a participação popular era fundamental para a República, motivo pelo qual, se o Poder Judiciário não pudesseser reduzido a mere machine, ou seja, a órgão obrigado a uma estreita aplicação do texto da lei, o poder dos juízes poderia,de fato (…) abalar a lógica democrática, tornando-se um poder impróprio no interior de um governo republicano.

Por outro lado, para Adams e os federalistas, era necessário afastar-se da concepção republicana francesa e inglesa (de participaçãopopular), na medida em que a onipotência de um regime democrático acabava retomando justamente o absolutismo com o qual se pretendia romper.

Com isso, abria-se espaço o controle de constitucionalidade das leis exercido pelo Judiciário, na defesa de interessescontramajoritários.

A experiência constitucional americano repercutiu sobremaneira no cenário mundial, através de duas importantesafirmações: da soberania da Constituição, no sentido de que o texto constitucional passou a ser considerado superior aos outros atos normativos;e do papel do Judiciário na defesa da Constituição, incluindo o dever de tornar nula legislação que lhe confrontasse.

Ocorre que ambos os resultados deste movimento de constitucionalização não foram previstos pelos founders, ou seja,fundadores, tanto é que, originalmente, a Constituição não incluía mecanismos diferenciados para sua modificação, o que veioa ser implementado apenas em 1780, assim como, nos primórdios, o Judiciário sequer era visto como ramo do Estado, sendo considerado aindasubordinado às assembleias locais.

O sistema de vinculação das decisões judiciais e a teoria dos precedentes é derivado do direito inglês e incorporada pela doutrina americana,a teoria do precedente surge direcionada a garantir a coerência nos sistemas jurídicos fundados na common law, em que os juízes são obrigadosa tomar suas decisões respeitando as regras dostare decisis, pela qual um caso presente, se considerado semelhante a outro anterior, deveráser julgado do mesmo modo.

O precedente é uma concreta decisão jurisprudencial, vinculada como tal ao caso historicamente concreto que decidiu (…)que se soma ou se impõe como padrão casuístico em decisões análogas ou para casos de aplicação concretamente analógica.

Na jurisprudência dos EUA, conhecida como case law, a vinculação dá-se, especialmente, por um critério hierárquico, isto é,os tribunais inferiores sentem-se vinculados a decidir do mesmo modo que casos semelhantes foram decididos por tribunais superiores.

Neste sentido, os tribunais estaduais estão vinculados aos precedentes contidos em anteriores decisões judiciais de tribunaishierarquicamente superiores do mesmo Estado e por precedentes contidos em anteriores decisões de tribunais federais que aplicam direito federalou direito do respectivo Estado; e os tribunais federais, por sua vez, estão vinculados por precedentes contidos em anteriores decisõesde tribunais federais hierarquicamente superiores e, quando apliquem o direito estadual por precedentescontidos, em anteriores decisões dos tribunais superiores do respectivo Estado.

Essa vinculação de um julgado passado a um litígio presente não se dá de modo automático ou imediato. Quando se vai julgar a aplicabilidade, é necessário analisar a força ou autoridade que liga os dois casos. Maurício Ramires (2010), afirma:”essa força pode ser obrigatória (binding ou cosntraining) ou meramente persuasiva (persuasive ou advisory).

Além disso, somente são vinculantes as decisões tomadas pelo mesmo órgão judiciário, exceto a Suprema Corte Federal,que vincula todas as instâncias e, as Cortes Supremas Estaduais, que abrangem as decisões tomadas em seu Estado. Em relação a esteaspecto vinculatório, há algo interessante, pois as Cortes Supremas, tanto no âmbito federal como no estadual não vinculam asi próprias.

Toda decisão judicial gera um acórdão, chamado de opinion of thecourt, questiona-se o que é efetivamente um precedente?

É o holding do caso, é a discussão a seurespeito, nos limites da controvérsia jurídica, que ganha força vinculante em relação aoscasos futuros. E, nesse sentido há significativa diferença entre o holding e o dictum, sendo este último a parte não vinculanteda decisão, porque é somente o espaço de afirmação do julgado.

Conclui-se, portanto, que o stare decisis é mais flexível nos EUA. E, no direito britânico, os precedentesganham força de regra. Ao contrário, no contexto americano, tal postura é mais flexível, podendo ocorrer que um tribunal não respeiteo precedente judicial. Daí, porque se diz que no direito constitucional norte-americano há uma política do precedente.

Para finalizar, importa aduzir que a política de precedentes judiciais não dispensa o caráter interpretativo da análise se determinadojulgado deve ser aplicado a um caso concreto.

Conforme afirma Maurício Ramires, a própria noção de precedente judicial resulta da possibilidadede novos juízes deram novos sentidos ao mesmo texto legal e, daí derivam todas as possibilidades de distinguir,ampliar (to widen) ou restringier (to narrow) o precedente judicial, de acordo com as exigências do caso concreto.

É, por esse motivo que alguns autores afirmam que a grande virtude da common law é que esta constrói os princípios caso a caso,adquirindo seu poder através da história. E, até agora, foi possível observar descritivamente a caracterização do sistema americanoa partir daquiloque se entende por teoria da vinculação jurisprudencial americano.

Em síntese, analisa-se qual relação do ativismo judicial, em especial, no Brasil com o sistemade precedentes judiciais.É relevante observar que os elementos que constituem o sistema de precedentes judiciaisapresentam o distanciamento existente entre este modelo de jurisdição e o brasileiro.[23]

E, há uma tendente tentativade aproximação entre ambos, que se dá no plano teórico, pela defesa de um ativismo judicial, muitas vezes às avessasdo que se pode apreender da experiência dos EUA, quanto pela criação de mecanismos processuais análogos aos existentes naquele país.

Em relação, a este último ponto, pode-se mencionar, por exemplo, as súmulas vinculantes.Ainda a respeito da atribuição do caráter vinculativo às súmulas tenha pretensamente ocorrido uma aproximação à teoriados precedentes americanos, é possível identificar uma série de diferenças entre estes dois sistemas.

Georges Abboud apresenta uma relevante contribuição ao tema, enfocando a diferenciação sob quatro frentes:

  1. a) quanto ao modo de aplicação;
  2. b) quanto ao âmbito de vinculação;

c)quanto ao seu alcance;

  1. d) quanto à sua teleologia.

Em síntese, a partir da observação destes critérios distintivos, é possível dizer que, à diferença dos precedentes, a súmulavinculante: possui natureza legislativa, valendo por seu enunciado genérico e abstrato, e não por uma problematização dos fundamentosque possibilitaria utilizá-la para casos análogos:

  1. a) apresenta vinculação obrigatória,passível de ser reclamada perante o STF se não cumprida, ao passo que dos precedentesnão decorre essa inexorabilidade vinculante;
  2. b) encerra-se em um texto normativo, tal qual a produção legislativa, motivo pelo qual seu alcance aparece delimitado, o que não ocorre nocaso dos precedentes, que dependem de uma identificação dos fundamentos da decisão doc aso decidido com situaçãosemelhante, o que torna sua abrangência um tanto quanto conflituosa;
  3. c) foramcriadascom o fito de controlar o Judiciário, ao passo que os precedentes, ao longo da história constitucional americana, representaram,primeiro, uma forma de fortalecer a atuação jurisdicional, em face de poderes do rei, e, depois, como modo de controlar a decisão judicial, no intuito de preservar a segurança jurídica.

Desta forma, embora o contexto pátrio já fosse marcado pela obediência aos enunciados sumularesainda sem a força vinculativa, a introdução deste instituto pela EC 45/2004 trouxe váriasconsequências para o direito brasileiro. Instaurou-se não apenas o paradoxo de ser, ao mesmo tempo,uma proposta de agilização dos julgamentos e de padronização dos mesmos, numa espécie de defesa de segurançajurídica, mas sua má compreensão deu azo aos pronunciamentos discricionários, descontextualizadose descomprometidos com o caso concreto, oque demonstra os problemas de assimilação de mecanismosoriundos de outras tradições jurídicas.

O constitucionalismo americano, há o entendimento de que o Legislativo faz as leis, o Executivo as aplica e, o Judiciárioas interpreta. Para Michael G. Trachtman, isto tudo é verdade, mas descrever a atuação da Suprema Corte desta maneira apresenta-seacertado desde uma perspectiva, mas tão incompleto que pode ser grosseiramente enganoso.

Em verdade, a Suprema Corte revela-se como órgão imponente de modo jamais visto.

A Constituição norte-americana foi esboçada pelos framers, consistindo em um documento, (…) definitivo em muitos aspectos, mas também tão suficientemente vago que pôde ser aplicado em inimagináveis circunstâncias.

Diante disso, a forma de manter o texto constitucional vivo foi através da atuação da Suprema Corte. por sua vez, isso ocorreu por duas vias:tanto por sua autoridade em tornar inválido ou sem efeito leis e outros atos governamentais (ou seja, por meio do exercício do judicialreview),quanto por seus posicionamentos em relação à interpretação do texto constitucional, definindo certas questões controversas.

A partir disso, é possível afirmar que a história do direito constitucional americana possui uma composição descontínua, nointeriorda qual Laurence Tribe identifica a existência de sete modelos de direito constitucional.

Estas construções, constituem alternativas para o argumento jurídico e para a tomada de decisão.Na verdade, os setes modelos são tendências, ou seja, problemas característicos e respostas iluminadoras das facetas ou elementosdo sistema de fins que a Constituição incorpora.

Em síntese, o modelo primeiro implicou a primazia da separação dos poderes[24], em que a acumulaçãode poder em qualquer pessoa ou grupo era considerada tirania; o modelo segundo diz respeito à limitaçãodo governo, distinguindo as esferas privada e estatal; os modelos terceiro e quarto de certo modo, são vaziosde conteúdo, simbolizaram, em um primeiro momento, o estabelecimento de expectativas na sociedade e,posteriormente, a regularidade governamental; o modelo quinto, centrado na preferência de direitos, significou a exclusão daatuação do poder governamental de certas esferas, imunizando determinadas escolhas (grupo de direitos) da intrusãode medidas governamentais, o sexto modelo priorizou a igualdade, através da inclusão de aspectos sociais fundamentais,e o modelo sétimo dá ênfase à justiça estrutural, que estrutural, que conjuga as preocupaçõesestruturais sobre as decisões do governo com os aspectos substantivos da garantia dos direitos.

Embora estes sete modelos sejam atravessados pelas teorias interpretativas, não representam modos de compreender a Constituição.

Sobre este aspecto, é possível dizer que a polêmica sobre os direitos enumerados e não enumerados redimensionou o papel da jurisdição constitucional nos EUA. Na sequência, serão trazidas as principais discussões que fomentaram diferentesintepretações acerca dos direitos previstos na constituição norte-americana, o que, ao final, teve como consequência a caracterizaçãode eras da jurisdição.

Os EUA e o Reino Unido foram um dos primeiros países a garantir os direitos pela via documental escrita. O direito constitucionalnorte-americano possui um denso conteúdo de proteção de liberdades, o que marcou a história do país, identificando-omarcadamente no plano mundial.

O direito constitucional americano possui denso conteúdo de proteção de liberdades,o que marcou a história do país, e a Constituição americana possui forte conteúdo do que se pode afirmar do textualmente mínimo,de forma muito abrangente e composto por uma linguagem umtanto quanto abstrata.

Questiona-se como conjugar esses dois fatores, a existência do país progressista na afirmação de direitos e, ao mesmo tempo,esta nação possuir um texto constitucional tão enxuto e resumido. O meio compatibilizante destas duas características foi atravésda criação pela doutrina americana de estratégias teóricas, como a leitura moral da Constituição,defendida por Ronald Dworkin.

Com isso, os estudiosos, os acadêmicos e também a Suprema Corteobjetivaram reforçar o papel da Constituição, evidenciando o caráter interpretativo do Direito, mediante possível utilizar-se de uma visão ampliada dos direitos constitucionalmente previstos.

A partir disso, é possível afirmar que o constitucionalismo nos EUA esteve preponderantementemarcado pela existência desta polêmica surgida em torno dos direitos considerados abstratos.

Se, um por um lado, a dimensão interpretação atribuída aos direitos constitucionais estendeu o conteúdo do que havia sido textualmente previsto, incluindo maisgarantias aos cidadãos, por outro lado, gerou a desconfiança sobre as Cortes, no sentido de questionar se, ao decidir sobre tais direitos, os juízesestariam impondo suas próprias convicções morais acima de fundamentos jurídicos.

Deste modo, passou-se a discutir a autoridade da Suprema Corte na aplicação destes direitos. E, assim, Ronald Dworkin apresenta duas importantesteses, a saber; primeiro, que a esfera jurisdicional não escapa dessa interpretação moral da Constituição, no sentido de que, independentemente do modo como isso vai repercutirna atuação dos julgadores, o argumento moral é por eles amplamente utilizado; e, segundo, que isso impulsionou a caracterizou sua postura como liberaisou conservadores. Ou seja, Dworkin afirma que, em sendo essa leitura moral admitida pelos juízes, quae nunca aparece com exsurgente da própria Constituição e, como consequência,a relação entre Direito e Moral acaba sendo corroída, porque a Moral passa a ser associada com determinada era de posicionamento judicial (como a judiciária)apresenta-se como um problema para a soberania popular.

Na verdade, através de uma concepção de uma living constitution, juízes acabam inventando um novo documento ao invésde dar uma nova interpretação.

Conforme menciona Dworkin, o problema nunca foi discutirse o juízes devem interpretar a Constituição, mas em saber como ocorre esta interpretação, tendo em vista que muitasvezes acaba sendo mitigada peala atuação discricionária de juízes e tribunais. Isso não apenas afeta a esfera jurídica como também a política, especialmente,pelo fato de que os ministros da Suprema Corte são indicados pelo poder político.

Aliás, o presidente Eisenhower, quando saiu da presidência afirmou categoricamente que ele havia cometido dois erros durante seu mandato:ter indicado Chief of JusticeEarl Warren (que, apesar de ter sido um político republicano, presidiu o período mais ativista da Suprema Corte) e JusticeWilliam Brennan (cuja atuação lhe conferiu o título de mais liberal dentre os juízes), o que demonstra como o caráter abstratodos direitos constitucionalmente previstos acabou dando abertura para posicionamentos politicamente comprometidos.

É possível observar, desse modo, com a relação entre Direito e Moral é atravessada pela Políticaatravés da atribuição aos juízes que podem acabar tomando suas decisões a partir de uma intencionalidade político-partidária.Com isso, a interpretação e a própria elitista, antipopulista, antirrepublicana e antidemocrática.

Isto é, sob a ótica de uma compreensão ativista da jurisdição, a dimensão interpretativa do Direito, bem como a leitura moral da Constituição, acabam revelando-se como um problema, o que evidencia a necessidade de sesuperar a discricionariedade de juízes e tribunais.

Noutras palavras, de nada adiantam os avanços trazidos pela descobertainterpretativa do Direito e o resgate da Moral se tudo isso ainda ficar centrado na figura de um sujeito, cujas vontades são investidasde oficialidade pela política constitucional (por função jurisdicional).

Enfim, tudo isso produz a polêmica existente entre direitos enumerados e não enumerados nos EUA. Neste cenário,é possível encontrar os seguintes posicionamentos: os que aceitam esta distinção estrutural e entendem que a Suprema Corte só temautoridade para aplicar os chamados direitos enumerados e, por outro lado, os que afirma que a Suprema Corte tem poder para aplicaros direitos conhecidos como não enumerados.

No fundo, trata-se de uma discussão sobre os limites do poder judicial, pela qual a aplicação dos direitos não enumerados podeser considerada um extrapolamento de suas funções (como nocaso do Justice White nocaso Bowers versus Hardwick, de que a Constituiçãonão previa um direito àsodomia).

A respeito do debate, Laurence Tribe e Michael Dorf escreveram texto para tratar dos níveisde generalidade dos direitos fundamentais, entendem que, para resolver determinadoscasos, é preciso recorrer a um sistema de valores.

Porém, ao contrário de Dworkin, afirmam que pormais que este sistema possa ser compartilhado entre juízes ou mesmo pela sociedade em geral, de um modoou de outro, trata-se de elemento externo ao texto literal da Constituição, motivo pelo qualé possível se cogitar em direitos não enumerados.

O problema é que, com isto, estes doutrinadores assumem que haja uma parcela de subjetividade,ou seja, preferências e simpatias, insuperável na atuação dos juízes, embora tambémafirmem que isso não signifiqueo abandono de um necessário esforço na tentativa de eliminar tais traços da atuação jurisdicional.

O posicionamento de Ronald Dworkin, por sua vez, é de que esta divisão entre direitos enumerados e os não-enumeradosé pífia, um engano semântico. Isso porque a chave da questão não é de referência, isto é,de se saber quais sejam os direitos textualmente previstos, mas de interpretação.

Ou seja, mesmo diantede um direito considerado enumerado, com a liberdade de expressão, a controvérsia surge a partirdo questionamento sobre se esse direito é liberdade de expressão, a controvérsia surge a partir do questionamento sobre se esse direito é aplicável a determinada situação, como por exemplo, se ele pode dar guarida ao ato dequeimar a bandeira do seu país, o que depende de uma teoria constitucional, construída através de uma leitura moralda Constituição, que fundamente tal direito. Em derradeira análise, significa que os direitos não decorrem da grafiade seu texto.

Ainda no que diz respeito a esta polêmica, Richard A. Posner estabeleceu um debate com Dworkin, que o levou a conclusõesdiametralmente opostas à preocupação com os fundamentos democráticos da atuação do Judiciário.

Posner (1992) parte do apontamento de dois modos através dos quais os juízes pautam suas decisões: pela construção de uma teoria que serviráde norte para a decisão da controvérsia (o que ele chama top-down reasoning) e por uma argumentação que parte do caso ou do conjunto de casos (bottom-up reasoning).In: POSNER, Richard A. Legal reasoning from the top down and from de bottom up: the questionof unenumerated constitucional rights. The university of Chicago LawReview, Chicago, volume 59,n.1., pp. 433-450. Winter, 1992, p. 435.

Assim, considerando esta distinção, de plano, rejeita o segundo critério decisório, sob alegação de que, por trás da observação de um precedente,há mais do que a remissão a um caso e, também, que este tipo de argumentação acaba construindo um texto que dá respostas a perguntasque já não são mais realizadas. Abandonando esta perspectiva, então, Posner passa a abordar a teoria de Dworkin constrói, a partir de uma visão de Constituição como um todo(que ele passa a chamar de uma teoria holística).

Neste ponto, o doutrinador refuta a tese de Dworkin, filiando-se à doutrina realista de Oliver Wendell Holmes, sob o fundamentode que a atuação judicial baseado no instinto do intérprete transcende à uma análise teórica do caso.

Usando de argumentos de fato(que considera, por exemplo, na discussão sobre a constitucionalidade do aborto, a situação de que ele já vem sendo praticado pelas mulheres com maiorespoderes aquisitivos).

Posner afirma que sua proposta é menos arriscada do que a teoria totalizante de Dworkin (centrada na preocupação de que o Direito não mude conformese altere a composição da Corte). Isso porque poucos juízes estão habilitados a compreender ou criar teorias políticas, ao passo que sempre poderão se guiar por seus instintos.

Deste modo, o doutrinador conclui seu posicionamento acerca da polêmica dos direitos não enumerados, afirmando que, por mais que possaser acusado o caráter de subjetividade e relativismo de sua postura, é visível que os juízes saibam lidar melhor com os fatosdo que com a teoria. Com isso, percebe-se que ganha razão Dworkin ao afirmar que esta discussão trata, na verdade,de um problema interpretativo e não de uma distinção estrutural.

Posner se desonera de qualquer controle da jurisdição em favor da defesa de uma interpretação instintiva. É possível notar,portanto, o quanto as teorias interpretativas influenciam na compreensão do papel das Cortes americanas, especialmente, da Suprema Corte.

Também o ativismo judicial é atravessado por tais debates. O ponto fundamental consiste exatamente em perceber que a leitura moralda Constituição, seja o texto constitucional escasso na enumeração de direitos ou não, não se confunde com ativismo judicial.

A princípio, em razão do detalhamento do texto constitucional brasileiro, no estabelecimento de direitos e garantias,a afirmação da necessidade de uma leitura moral da Constituição para ampliar o conteúdo de certos direitos e, ao mesmo tempo,para balizar a atuação dos juízes, em face do que, nos EUA, chamar-se-ia de direitos não enumerados dispensaria esta estratégiateórica do constitucionalismo americano, uma vez que isso decorre diretamente da própria textualidade da Constituição brasileira, especialmenteporque estabelece objetivos de bem-estar ao Estado.

Por esta peculiaridade, a polêmica a respeito dos limites da atividadejurisdicional e, assume, a discussão sobre o ativismo judicial também deveria apresentar-se,em comparação à experiência a experiência norte-americana, no mínimo amenizada (porque este Poderestaria constrangido pela própria Constituição).

Apesar disso, pela defesa da discricionariedade, deu-se outro tipo de discurso moral não decorrente do que é informado pela Constituição, qualseja, o da moral particular? Individual do juiz que, nesta linha, surge na condição de predador externo do texto constitucional.

Foi com intrigante título de “A Constituição invisível”, Laurence H. Tribe pretende demonstrar que a resposta para pergunta o que sejauma Constituição, está para além da apresentação de seu texto.

Há muito da Constituição que pode ser visto pelas linhas que lhe compõem. Também significaafirmar que há diversas questões sobre as quais a Constituição silencia. Conforme afirma o editor em nota que abre livro,o objetivo do autor é tornar visível nossa constituição invisível. TRIBE, L. The invisible constitution.Oxford: Oxford University Press, 2008, p. XIV.

A teoria de Tribe (2008) é absolutamente relevante para constitucionalismo americano pois, como é sabido,a Constituição dos EUA é composta por apenas sete artigos e vinte e sete emendas.

Por este motivo, considerando a numerosa quantidadede contendas jurídicas que dão margem para Suprema Corte decidir, o contexto jurídico norte-americano reclama um pressuposto teórico que fundamenteas decisões tomadas, que permita entender a constitucionalidade para além da textualidade, uma vez que a Constituição dos EUA se apresenta muito sintética.

Portanto, a Constituição norte-americana deixa em aberto muitas questões. A maior destas é a de saber o que o texto constitucionalprópria inclui e o que exclui. Pode um cidadão ler a correspondência eletrônico de outro? Pode-seperder o emprego por ser a favor da descriminalização da maconha? Ou porque não deseja se vacinar contra a Covid-19?

E, dentre outras questões, realmente, são direcionadas à Constituição Federal,embora o meio para obter tais respostas, na contemporaneidade, tenha sido o Judiciário. E, conforme afirmou Tribe (2008), isso dependerá também,da composição da Suprema Corte no momento.

Por mais que a Constituição se nomeie, por seus dispositivos texto supremo, disso não decorre sua supremacia, tampouco legitimação.Como resolver tal questão deum texto, que, por si só, não garante suas próprias respostas? Tribe (2008) resolveu esta questão na articulação dos conceitos de constituiçãovisível e invisível.

A Constituição invisível nos faz perceber que toda a interpretação de um texto passa por uma mediação de sentido, que, apropriando-se da leitura de Streck sobre a interpretaçãojurídica, inicialmente, está velado.

Evidentemente, Tribe (2008) não fez afirmações nestes termos, mas apontou para o fato de que, para além do que se pode ver na Constituição, existemperspectivas históricas, a filosofia moral e política, as teorias da linguagem, questões institucionais e outras fontes.

A polêmica gerada em solo norte-americano sobre o que afirma a Constituição é tamanha que conduz a um radical posicionamento, como o de Tribe. Ora, otexto constitucional americano é tão breve que obriga os juristas a elaborarem estratégias teóricas que demonstrem que a Constituição existe para além de sua textualidade(com sete artigos e vinte e sete emendas).

É por isso que surgea constituição invisível para dar conta deste algo mais que não está no texto, ou seja, para denunciar o abismo que há entre a Constituição como compreendemos e seu texto escrito.

Este debate colocado por Tribe (2008) é importante para análise sobre o ativismo judicial na medida em que as controvérsias sobre o texto constitucional que são direcionadas ao Judiciário. Se há umaconstituição invisível, como afirmou o doutrinador norte-americano, a questão será saber, o que isso representa em termos de poderes para a Suprema da Corte.

Tribe (2008)deixou bem claro: seu objetivo são dois: primeiro explorar a substância da Constituição, sem enfatizar, como fazem muitos, que a Suprema Corte possui um papelde destaque, apresentando uma justificação para tanto; e, segundo, analisar, muito mais, o que está invisível no âmago da Constituição do que em suas cercanias, isto é, o que estána Constituição, mas não visto.

A proposta de Laurence Tibe é explorar o que está além da discussão sobre os direitos enumerados e não-enumerados.Mas, sim, atribuir relevância a certos princípios que, embora não estejam expressamente previstos na Constituição, são consideradosfundacionais e indispensáveis para a legitimidade dos sistemas político e jurídico.

E, a partir disso, então, o doutrinador apresenta rol de princípios, meramente sugestivos, não exaustivos e sem caráter de direito natural, composto pelasseguintes proposições:

  1. a) governo do povo, pelo povo, para o povo;
  2. b) governo das leis, não dos homens;
  3. c) nós estamos comprometidos com o Estado de Direito;
  4. d) as Cortes não devem automaticamente acatar o que as autoridades eleitas decidem sobre o significadoda Constituição;
  5. e) o governo não pode torturar pessoas para forçar informações fora deles;
  6. f) na íntima vida privada de cada pessoa há limites para que o governo pode controlar;
  7. g) o congresso não pode chefiar Estados como se fossem agências ou departamentos do governo federal;
  8. h) nenhum Estado pode se separar da União.

Assim, o posicionamento de Tribe (2008) sobre a Constituição invisível é entendido pela polêmica surgida sobre a existência de uma Constituição não escrita. Comas teses de doutrinadores sobre as constituições não escritas, Tribe (2008) afirmou que eles visavam, através de teorias, tornar a Constituição invisível legítima e vinculante.

Toda esta construção feita por este autor norte-americano sobre a Constituição Invisível, portanto, revelou o quão problemática apresenta-se a interpretação constitucional nos EUA.

É justamente este caráter sintético e enxuto da Constituição americana que,em termos de atuação jurisdicional, fez surgir diferentes eras da jurisdição.

Atualmente, tem-se observado grande crescimento dojudicial review, o que não está apenas relacionado com o entendimentopacífico de que o Judiciário está legitimado a controlar, a partir de parâmetros constitucionais, as decisões política dosdemais Poderes, mas no que se refere a grande interferência judicial em questões, tradicionalmente, consideradas como âmbitoexclusivo do legislativo e do Executivo.

Entretanto, nem sempre foi assim, isto é, isso não foi imediata consequência da incorporação, do controle de constitucionalidade,conforme afirma Christopher Wolfe (1994), na tradição ianque, é possível ser identificada três diferenteseras or stages do judicial review.

A primeira fase é a chamada traditional era, inicia-se com o estabelecimento da Constituição e perdura até 1890. Já a segunda fase,considerada transitional era, começa com o término da primeira fase e teve seu fim não muito bem esclarecido, porque, em 1937, ainda com reflexosda política do New Deal de Franklin Roosevelt, inaugura-se uma alteração no modo de interferência judicial, entretanto, não se tem muita convicçãode que estas mudanças foram significativas a ponto de ensejarem o início de novo período,chamado modern era, atual momento do Judiciário norte-americano.

Wolfe (1994) sobre a traditionalera afirmou que se caracterizava por nova visão da Constituição e, se dá a partir de duas perspectivas.

Trata-se de compreender que do texto constitucional é possível construir sentidos quando realizada uma leitura adequada e, ao mesmo tempo, de perceber que, em decorrência disso, a Constituição estabeleceprincípios a serem cumpridos tais como são as leis, rompendo com a ideia de que o constitucionalismo estaria restritoa estabelecer generalidades vagas. Tudo isso pode ser resumido na substancial concepção de Constituição.

Com base nisso, o judicial review poderia ser visto tão-somente como postura da Corte de dar preferência à aplicação da Constituição em face dasleis. Noutra análise, simbolizou o intuito dos juízes (Justices) de cumprir o texto constitucional, numa espécie de compromissocom que havia sido exposto pelos Founders

Não havia, assim, qualquer intenção de se fazer aparecer o exercício da jurisdição, ou sob ótima mais moderna, de se reforçar o papel do juiz, existiamde fato, julgamentos, e não vontades.

O transitional era, por sua vez, é marcado pela influência de um capitalismo laissez-faire na Suprema Core.Isso impediu que fossem tomadas certas decisões com fito de regular as políticas de bem-estar, como o estabelecimentode limites de horas para a jornada de trabalho, bem como questões relativas à segurança e saúde.

Um dos mais famosos casosconcretos nesse período foi o Lochner versus New York, no qual a Suprema Corte reconheceu que o poder de legislação dos Estados deveriaser limitado, motivo pelo qual, em face da liberdade de contratar, o Estado de Nova Iorque não estaria autorizado a expedir uma lei que fixasse a jornada máxima de trabalho em padarias.

Com isso, abria-se espaço para que a Corte tivesse liberdade para invalidar aquela lei que considerasse intrusiva demais na política econômicado Estado. E, segundo Wolfe (1994) isso demonstrou ser muito mais que uma questão de vontade (will) ou de legislação da Corte do que propriamente de julgamento e interpretação.

A princípio, a tendência é de se identificar esse período como marcado pelo exercício de uma política judiciária de contenção, self-restraint, no sentido de que a decisãoda Suprema Corte não possibilita a interferência do Estado no âmbito das relações privadas, especialmente, as econômicas.

Entretanto, a realização de um estudo com mais acuidade, como faz Christopher Wolfe (1994), demonstra que é possível perceber o quanto de ativismo há em um posicionamento como este.

Isto porque, em verdade, havia um caráter muito político na decisão da Suprema Corte que invadia o âmbitode produção legislativa. Dessa forma, fica claro que, mesmo um comportamento conservador do Judiciário, de não intervenção, pode revelar um perfil ativista.

Convém mencionar que a decisão da Suprema Corte de não se poder legislar sobre questões de política econômica estava assentada no direito de propriedade, que,para dar uma roupagem jurídica a seu entendimento, a Corte afirmava ser decorrente de um direito natural, ou, inclusive, de uma leitura adequada da Constituição,e perceba-se que ainda se pode encontrar resquícios da traditional era.

Isso foi alvo de duras críticas feitas pelo realismo jurídico[25], que, partindo da ideia de que todos os julgamentos possuem caráter legislativo, afirmava que a defesa do direito àpropriedade não passava de uma decisão judicial, novamente, uma questão de will, não possuindo nem relação com o direito natural, nem com a Constituição.

Esse embate entre o que a Corte afirmava fazer cumprir a Constituição e o que os juristas norte-americanos, em especial, os adeptos do realismo jurídico, pensavam que esta efetivamentefazia (ou deveria fazer) é que inspirou a nomeação da existência um momento transitório.

Em 1937, sob o governo de Roosevelt, a Suprema Corte, em função das medidas de recuperação econômica tomadas pelo governo, passou a defender e compactuar com a existência de leisque anteriormente entendia como contrárias à Constituição: Judicial Power was used instead to uphold congressional actions taken pursuant to the commerce clause, the necessary and proper, and other constitutional sources of legisltive power

Acreditava-se que se iniciaria uma nova fase na história do exercício da jurisdição nos EUA, contudo, significou apenas uma mudança de foco: o ativismojudicial direciona-se, da defesa do direito à propriedade, para a das liberdades civis. Portanto, apenas no pós-1927 é que,efetivamente, será possível visualizar o início da modern era do judicial review.

A era moderna da judicial review é predominantemente marcada por um protagonismo judicial, no qual é reforçada a característica destacadamente legislativa das Cortes.

Inseridos na tradição da common law, os juízes passaram não apenas a atribuir à lei caráter secundário, mas reescrevê-las. Como mesmo escreveu Wolfe (1994) no subtítulo de seu livro,parte-se from constitucional interpretation to judge-made law.

Dessa forma, não seria demais afirmar que a atual concepçãode judicial review, distorceu completamente a seria demais afirmar que a atual concepção de judicial review distorceu completamente a pretensão de Marshall quando introduziu o controle de constitucionalidade, pois sua ideia nascenão de uma noção de sobreposição do Judiciário, mas de um agir enquanto pertencente a determinado sistema jurídico, isto é, surge de uma me too position, contraditória ao atual perfil da jurisdição,que se encontra fundado na me superior ou até mesmo me only view.

Robert Dahl (2009) ao elaborar sua teoria voltada à atuação da Suprema Corte, possui preocupação com a democracia. E, por isso procurou lançar luzes sobre como compreender o papel exercido pela mais alta corte de seu país na conjuntura política norte-americana.

A partir deste enfoque, ele realizou uma abordagem esclarecedora sobre a relação entre o contexto político de seu país e o papel exercido pela intervenção judicial, demonstrando o impasse que o crescimento da atividade Suprema Corte faz surgir.

Assim, ele iniciou seu texto afirmando que os casos remetidos à apreciação da Suprema Corte possuem cunho eminentemente político, além de serem constituídos por conflitos (desacordos)entre a sociedade.

Com isso, configura-se um quadro em que o Judiciário, por um lado, é convocado a resolver questões políticas, mas, por outro, possui o dever de utilizar um critério jurídico para tanto(Constituição, legislação e jurisprudência).

Esta situação é ainda mais agravada em face da existência, de posicionamentos antagônicos entre os membros que compõem a Corte;de vagueza e ambiguidades presentes nas leis e na Constituição; de uma jurisprudência que aponta para direções distintas e da impossibilidade de calcularas consequências desta tomada de decisão.

Neste contexto, a tese de Dahl (2009) consiste em afirmar que é uma ficção compreender a Suprema Corte como umórgão não político, mas exclusivamente jurídico. Issoporque, por mais que as decisões da Suprema Corte somente sejam consideradas legítimas se tomadas por um critério jurídico, em contrapartida, em face das matériassobre as quais é chamada a se manifestar, a Corte acaba exercendo papel de formuladoras de políticas nacionais. E, então,surge um problema de como compatibilizar a atuação da Suprema Corte com um regime democrático.

Sobre este ponto, Dahl (2009) afirmou que, ao ponto longo dos anos, construiu-se duas maneiras possíveis de avaliar a função da Suprema Corte por um critério da maioria ou do direito. Em síntese,significa que se procurou legitimar sua atuação ou pela proteção da minoria (o que produz um dilemademocrático), pois se estaria engando a soberania popular e a igualdade política ou pela defesa dos direitos básicos de caráter fundamental.

De um modo ou de outro, o que o autor pretendeu demonstrar é que estas são compreensões um tanto quanto ingênuas,pois, considerando que os juízes são nomeados pelos presidentes e, que estes não escolherão pessoas com posicionamentoshostis à sua política de governo, na verdade, a atuação da Suprema Corte se revela como parte essencial da liderança política[26].

A partir de um estudo estatístico que relaciona as nomeações da Suprema Corte, o percentual dos casos em que leisforam consideradas inconstitucionais e as medidas realizadas pelo Congresso após o juízo de inconstitucionalidade, Dahl (2009) constatou que poucas vezes houveum embate entre o Legislativo (federal) e a Suprema Corte.

Ou seja, em poucos momentos a Corte objetivouenfrentar as decisões legislativas, declarando sua inconstitucionalidade em defesa dos direitosdas minorias (pelo contrário, majoritariamente, com exceção do período do new deal, porque Rooseveltsó conseguiu nomear um juiz apenas após quatro anos, sua atuação é consideradaeficaz apenas ao estabelecer limites às políticas públicas para autoridades, agências e governos estaduais.

Com isso, concluiu com sendo a principal tarefa da Suprema Corte a de conferir legitimidade às políticas básicasda coalização que logrou êxito.

É elucidativa a crítica de Dahl (2009) que desmistificou a atuação da Suprema Corte como imbuída de um interesse constitucional. Ouseja, suas contribuições teóricas revelaram que a ampla interferência da Corte no contexto político do país não é movida,como se defende no Brasil, pela defesa da Constituição, ou por um sentimento constitucional, comoafirma Lenio Streck (2011) ao também atentar para tal fato.

Ao contrário, o doutrinador norte-americano fez questão de enfatizar o quanto a intervenção da Suprema Corte está incluídana agenda política dos governantes do país, possuindo, assim, um papel estratégico no cenáriopolítico.

Ran Hirschl (2007) apontou as três faces da política judicializada, em sua obra Towards Juristocracyfez a forte afirmação de que nos últimos anos, o mundo transitou para o que pode ser chamadode jurstocracia.

A contemporaneidade é marcada por sua transposição do poder ao Judiciário, em detrimento das tradicionais instânciasde representatividade o que é resultado das transformações ocorridas no constitucionalismo (especialmente das recentesreformas constitucionais pelas quais passaram alguns países, como os da América Latina, África do Sul, Canadá,Reino Unido e Israel.

Segundo Hirschl (2007), as mudanças surgiram com aparecimento de novos textos constitucionais ou, com as alteraçõesque se procederam nos já existentes engendraram um novo constitucionalismo, marcado pela afirmação preponderantede direitos fundamentais, por nova concepção de democracia que passa agregar à regra majoritária e o respeito aos direitosda minoria e pela institucionalização de um efetivo controle de constitucionalidade (judicial review).

O doutrinador começou a cumprir o conteúdo anunciado no subtítulo de seu livro: “as origens e as consequências do novo constitucionalismo”.Para ele, o novo constitucionalismo, que teve sua origem no pós-guerra e, deste modo, em todosos cenários forjados pelo fim desta guerra, trouxe consequências significativas para o diálogo entre democracia e atuaçãojurisdicional.

Como se pode perceber, é possível afirmar que o ponto de partida de Hirschl (2007) estava situado na compreensão de quejuristocracia e novo constitucionalismo são questões que, na atual conjuntura, passaram a ser articuladas a partir de uma relação consequencialista,o que significa afirmar que, para o doutrinador, a juristocracia aparece como resultado do que se pode chamar de neoconstitucionalismo.

Apesar de o neoconstitucionalismo ser compreendido predominantemente no Brasil como sinônimo de ampliação dos poderes jurisdicionais,há uma sensível diferença entre estes posicionamentos e a proposta de Hirschl (2007).

Ocorre que, para o doutrinador, que possui em sua obra uma intencionalidade própria do métododa ciência política, afirmar que o novo constitucionalismo conduziu ao surgimento do que chamou de juristocracia é apenas uma constatação que impulsionasua teoria em dois tempos: em um primeiro momento, voltando seu olhar para trás, na buscapor compreender detalhadamente os diferentes contextos políticos e históricos que ensejaram a configuraçãodeste protagonismo judicial; eposteriormente,conduzindo seus estudos sob uma análise prospectiva, no estabelecimento de uma revisão crítica das consequênciasdestas transformações ocorridas no campo constitucional.

Na verdade, o objetivo de Hirschl (2007)foi fazer uma análise diferenciada, que possibilite uma concreta investigação empírica e indutiva para questionar o caráter democráticodo constitucionalismo e do controle de constitucionalidade.

Assim, em visão panorâmica da proposta de Hirschl (2007), foi possível identificar alguns elementos como centrais em suas obras. Pode-se afirmar,inclusive que seu posicionamento é estruturado a partir de três críticas, a saber:

  1. Crítica à importação de teorias sem análise contextual e, afirmou que os acadêmicosde direito constitucional estão acostumados a se utilizar dos contributos teóricos de outros paísespara tratar desta ampliação de poderes que ele chama de empowerment do Judiciário.Identificando o problema da adaptação de teorias a contextos históricos distintos, com peculiaridadesdiversas.

O doutrinador direcionou sua crítica diretamente à tendência de fazer-se uso da experiência norte-americana, que, segundoHirschl (2007), que possui uma legislação constitucional com conteúdo repleto de idiossincrasias, e, por tudo isso,tal recorrente menção à doutrina americano representa um certo paroquialismo, que precisa ser superado.

Assim, prosseguindo nesta linha, afirmou que é necessária uma busca por concretos vetoressócio-políticos que estejam por trás destes incidentes de constitucionalização corridos por quase todo mundo.

  1. Crítica à indexação entre democracia e constitucionalismo[27] e/ou democracia e ativismo judicial:ao mesmo tempo em que reconheceu uma tensão entre estes temas, o doutrinador afirmou que não é seu objetivofazer estes enfrentamentos, porque há muito tempo isso já vem sendo debatidos pelos acadêmicos.

Nesta linha, reconheceu que estes se compatibilizam, na medida em que seja produzida justiça social,restando apenas espaço para a realização de um estudo empírico que demonstre qual tipo de princípiofundamental de governo seja capaz de produzi-la.

É por este motivo que Hirschl (2007) mencionou que uma impossibilidade de indexação diretaentre estes elementos, reconhecendo que o ativismo pressupõe uma análisesubstancial (e não uma mera expansão do poder judicial).

  1. Crítica à atribuição de poderes ao Judiciário: analisando a questão da judicialização da política,o doutrinador afirmou que este é fenômeno pouco estudado e de maneira não muito refinada.Muitas vezes, por ser considerado por umtermo “guarda-chuva”, acaba sendo confundido com ativismo judicial.

Em face disso, para contribuir com o tema, afirma a existência de três categoriasabrangentes a saber: judicialização como disseminação de discursos, jargões, regras e processos na esfera políticae nos fóruns e processos de elaboração de políticas públicas, ou seja, trata-se da juridificação da vida moderna;como expansão da competência de tribunais e juízes quanto à definição de políticas públicas,principalmente, por meio de decisões envolvendo direitos constitucionais e da remarcação judicial dos limites entre órgãosdo Estado (separação de poderes[28], federalismo) e, por fim, a judicialização da política aparece como judicialização da megapolítica, istoé, como um deslocamento para as vias judiciais de controvérsias políticas que, na maioria das vezes, são questões centrais de comunidades.

Trata-se da judicialização de processos eleitorais e da supervisão judicial do Poder Executivo em termos de planejamentomacroeconômico, por exemplo.

Enfim, é o último modo de conceber a judicialização da política de Hirschl (2007) que enfatizou, especialmente, como posturajudicial a que conduz à formação de uma juristocracia. Isso porque, este perfil da jurisdição tem como consequênciaa intrusão nas prerrogativas dos outros Poderes, o que, às vezes, pode ser até compreendido como um bom acontecimento.

Entretanto, o doutrinador afirmou que não está claro que o Judiciário seja local adequado para a definição destas controvérsias, neste sentido, diversos países implementaram mecanismos para reforçar a legislação constrangendo o poderdas cortes, como é o caso da Rússia, Equador, Tailândia, Zimbabwe, dentre outros.

Há um dilema que assola o cenário jurídico brasileiro, principalmente marcado pelo crescimentoda atividade jurisdicional que foi promovida pelo seu notável crescimento, que galgouprotagonismo que desafia o Direito a repensar seus pressupostos teóricos na tentativa de não permitiro esvaziamento do conteúdo democrático do contemporâneo Estado de Direito.

E, num esforço crítico que seja, ao menos, capaz de colocar sob suspeita posturas ativistas,mesmo aquelas consideradas convenientes, ou pelo menos,bem-intencionadas. O ativismo judicialprecisa ser encarado como um problema, cuja superação implica na observância de certos apontamentos.

No plano da doutrina pátria, vige certa dificuldades, de, ao menos, fixar-se um acordo semânticodo que realmente seja o ativismo judicial, de forma que tal postura acaba revelando-se basicamente como exageradainterferência do Judiciário na sociedade, traduzindo o protagonismo judicial, ou então, sendo aleatoriamente invocada na tomadade decisões, através de critérios de conveniência.

Por este motivo, muitas vezes resta impossibilitada a apresentação de uma necessária distinção entre ativismo judicial e judicialização da política.

O modo de compreender a atividade jurisdicional passar por relevante distinção entre a judicialização da política e ativismo judicial[29].

Neste sentido, a primeira revela-se como um fenômeno contingencial e inexorável, ao passo que o último,consolida-se como uma postura, um comportamento de juízes e tribunais, que, através de um ato de vontade, isto é,de um critério não jurídico, proferem seus julgamentos, extrapolando os limites de sua atuação.

No que tange à judicialização da política, é possível mencionar que esta surgiu a partir de um contexto social, marcado por um conjuntode fatores, a saber: pela insurgência do constitucionalismo do segundo pós-guerra, com a inclusão de novos textos constitucionais, com amploscatálogos de direitos, concebidos sob a perspectiva de materialidade. pela noção de constituição dirigente, criado por Canotilho (2001) que traz a noção de irradiação constitucional; pela criação dos Tribunais  Constitucional, especialmente, o da Alemanhaque procurou empenhar-se na constitucionalização do sistema jurídico, porém, através de uma proposta teórica que, em última análise, dispensariaaté mesmo o texto constitucional (a jurisprudência dos valores); pelo aumento da litigiosidade;pela compreensão do surgimento da noção da sociedade de massa; pela crise da democracia e, ipso facto, da representatividade política;pelo redimensionamento do acesso à justiça que facilitou a tutela jurisdicional para a concretização dos direitos.

É possível verificar que a judicialização aparece não como fenômeno propriamente jurídico ou exclusivamente do Direito, masé decorrente de um contexto marcado por transformações em diversos setores, especialmente,na esfera social;uma postura ativista deriva, por sua vez, de julgamentos feitos a partir de um ato de vontade do aplicador, não condicionados,portanto, a elementos jurídicos, embora, por vezes, possuam a aparência de juridicidade.

Esse conceito de aplicação do direito medianteum ato de vontade pode ser encontrada na obra de Kelsen (1999), Teoria Pura do Direito, assim como a caraterização do ativismo por este enfoque pode serextraída tanto da obra de Antoine Garapon (2006) que trata a decisão ativista como movida por desejos como do posicionamento dodoutrinador norte-americanoChristopher Wolfe (1994), para quem os momentos mais intensos de interferência da Suprema Corte, abandonou-se o critériode julgamento, e a decisão judicial passou a ser uma questão de vontade.

A partir disso, afirma-se dois relevantes aspectos, a saber: primeiro, que o ativismo judicial aparece como um problemacriado exclusivamente pelo âmbito jurídico, isto é, cuja origem, à diferença da judicialização[30], não está condicionada a acontecimentos externosao Direito; e, segundo que, no fundo, o problema do ativismo judicial é de cunho interpretativo, de observar se a intervenção do Judiciário ocorreu dentrodos limites constitucionais, questionando sua legitimidade a partir de critérios igualmente jurídicos;

Assim, o constitucionalismo norte-americano é a experiência que melhor refletiu sobre a questão da legitimidade do Poder Judiciário.Neste sentido, há diversos contributos que podem ser apreendidos pela doutrina brasileira.

Entretanto, necessariamente, antes de qualquer aproximação, não se podeesquecer as peculiaridades que conformam o sistema jurídico americano, tais como: a pertinência a uma tradição assentada na construção do Direito jurisprudencial, a existênciade um controle de constitucionalidade que não foi textualmente previsto na Constituição (motivo pelo qual insurgiram-se tantas discussões sobre a legitimidade do Poder Judiciário noexercício do controle de constitucionalidades e de um sistema de vinculação decisória (teoria dos precedentes) profundamente preocupado com a análise do caso, com sua fundamentação e com apossibilidade de ser utilizado como fundamento para decisão de outro;

Em razão destas diferenças entre as experiências brasileira e a norte-americana, também o ativismo judicial é experimentado de mododiferente nos EUA;a primeira forma de ativismo foi para criar o controle de constitucionalidade ou judicial review; o ativismo judicial não está vinculado como maior intervenção da Suprema Corteem questões políticas, no sentido de que mesmo posturas de não intervenção da Corte (como no caso concreto Lochner) também podem ser consideradas substancialmente ativistas, porque movidas porinteresses econômicos.

E, por derradeiro, é possível perceber que o ativismo judicial norte-americano pouco esteve vinculado à uma proposta de defesa da Constituição, na medida em que a Suprema Cortepreponderantemente assumiu um compromisso político-partidário, que na maioria das vezes era colocado acima dos fundamentos jurídicos para a decisão;

A Constituição brasileira diferencia-se basicamente da norte-americana por apresentar denso e vasto conteúdo normativo o que o texto constitucional norte-americano não possui, por sersintético.

É por isto que se pode afirmar que em tese, as discussões sobre a legitimidade da atuação do Judiciário brasileiro poderiam ser amenizadas, pois ainda restariaa dimensão interpretativa do Direito, passível de gerar controvérsias, porque o próprio texto constitucional brasileiro estabelece os limites formais e materiais de intervenção judicial,evitando que seja necessária a existência de estratégias teóricas, tais como a leitura moral da Constituição de Dworkin e a constituição invisível de Tribe (2008) que em síntese são propostasque visam demonstrar que, mesmo a atuação da Suprema Corte em casos não previstos textualmente pela Constituição, é consideradalegítima em face da constatação de que a Constituição não se encerra em sua literalidade;

A recepção de ativismo judicial à brasileira redundou, portanto, uma série de problemas ao constitucionalismo no Brasil, como:a) fragilização de uma teoria do direito voltada para as peculiaridades do contexto jurídico brasileiro a partir da utilização de uma mixagemde teorias advindas de tradições jurídicas  distintas; a perda da autonomia do direito, em face do que Streck (2012) chama de predadores externos do Direito,que consistem em decisões judiciais fundamentadas em critérios não-jurídicos; e a defesa da discricionariedade que elimina o compromisso democrático e a responsabilidadejudicial na decisão das contendas jurídicas, o que se torna ainda mais preocupantes em razão da caracterização de um cenário marcado por intensa procura peloJudiciário.

Como resposta a CHD, ou seja, Crítica Hermenêutica do Direito de Lenio Streck (2012) apresenta um entendimento sobre o ConstitucionalismoContemporâneo que enfrenta os problemas criados pelo ativismo judicial sob três frentes:a partir de uma nova teoria das fontes[31], na aplicação intransigente da Constituição; da redefiniçãodo papel dos princípios, que, concebidos como normas, passam a limitar a decisão judicial na defesa da integridadedo direito (Dworkin), consistindo em uma nova teoria da norma[32], que também rearticula a relação entre Direito e Moral;e, por fim, no enfrentamento da discricionariedade judicial um novo modelo do compreender a interpretação jurídica que tem como pressuposto uma teoria da decisão judicial[33], apresentando-se, assim, como refutação final e direta ao problema do ativismo judicial, a partirda conjugação da teoria democrática dos aportes filosóficos de propostas  que transformam radicalmente a maneira de compreendero problema hermenêutico.

 

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[1] O oposto do ativismo é a autocontenção judicial, conduta pela qual o Judiciário procura reduzir sua interferência nas ações dos outros Poderes. Por essa linha, juízes e tribunais (i) evitam aplicar diretamente a Constituição a situações que não estejam no seu âmbito de incidência expressa, aguardando o pronunciamento do legislador ordinário; (ii) utilizam critérios rígidos e conservadores para a declaração de inconstitucionalidade de leis e atos normativos; e (iii) abstêm-se de interferir na definição das políticas públicas. Até o advento da Constituição de 1988, essa era a inequívoca linha de atuação do Judiciário no Brasil. A principal diferença metodológica entre as duas posições está em que, em princípio, o ativismo judicial procura extrair o máximo das potencialidades do texto constitucional, sem, contudo, invadir o campo da criação livre do Direito. A autocontenção, por sua vez, restringe o espaço de incidência da Constituição em favor das instâncias tipicamente políticas.

[2] As principais características do sistema Common Law são: Decisões baseadas em julgados anteriores;

Jurisprudências possuem maior peso no julgamento de um caso do que a lei propriamente dita; Direito não escrito ou parcialmente escrito; Aplicação baseada em princípios. Common Law, ou direito comum, é mais utilizado por países de origem anglo-saxônica como Estados Unidos e Inglaterra. Tal sistema, possui forte influência anglo-americana baseada fundamentalmente em precedentes jurisprudenciais. Referido instituto desenvolveu-se primeiramente na Inglaterra durante os séculos XII e XIII, como o conjunto das decisões judiciais que se baseavam na tradição, no costume e no precedente. As decisões judiciais, portanto, são para tais países que adotam a Common Law, fontes imediatas do direito, e geram efeitos vinculantes. Diferentemente do sistema da Civil Law, em que um legislador cria determinada a norma, na Common Law, a lei é extraída a partir de uma decisão concreta, sendo, posteriormente, aplicada a casos futuros.

[3] O historiador William Nelson (2000) insiste na necessidade de entender-se Marbury mais propriamente como um caso “nascido da amarga batalha política do seu tempo”, e não como se Marshall fosse um oráculo com o poder de ver o futuro e assim decidir, definindo parâmetros institucionais inequívocos para as gerações futuras. Compreender, portanto, as denominadas “origens” do controle da constitucionalidade exige um exame que vai muito além de um único julgado proferido pela Suprema Corte dos Estados Unidos, em 1803. O historiador Jack Rakove (1997) cria sua hipótese: caso Marbury se

houvesse embriagado em uma noite qualquer, do ano de 1802, e, acidentalmente, tombado e afogado às margens do Rio Potomac, sumindo em definitivo da cena política, alguém seriamente acreditaria que a teoria e a prática constitucionais americanas seriam bem diferentes das de hoje? É notório, pois, que o projeto de Rakove é radicalizar a noção trivial de Marbury como momento fundacional do judicial review. Sua afirmação é categórica: “a conclusão a que a análise conduz é que o judicial review das leis do Congresso, embora inequivocamente o mais gravoso exercício de aplicação teórica, historicamente foi menos importante e problemático”.

[4]Foi o presidente da Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988, que inaugurou a nova ordem democrática, após 21 anos sob a Ditadura Militar. Ulysses nasceu na vila de Itaqueri da Serra, atual distrito do município de Itirapina, que à época era parte do município de Rio Claro no interior do estado de São Paulo.

[5]Rui Barbosa ainda introduziu pela primeira vez em uma constituição (1891) o instituto do habeas corpus, que assim dispunha no art. 72, § 22: “Dar-se-há o habeas-corpus sempre que alguém soffrer ou se achar em imminente perigo de soffrer violência por meio de prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade de locomoção”. (Redação dada pela Emenda Constitucional de 3 de setembro de 1926). A Constituição de 1891 foi denominada como a melhor, mais realista, clara e objetiva que o Brasil já possuiu. De forma simples e direta, assegurava a autonomia dos estados, a isonomia legal dos cidadãos e a proteção das vidas.

[6] A discussão sobre o excesso de poder das Cortes em declarar a inconstitucionalidade, das leis é historicamente a obsessão central da teoria constitucional norte-americana, conforme identifica Barry Friedman (In: The Birth of an American Obsesseion: The History of the Countermanjoritarian Difficulty. Parte V. Yale Law Journal, volume 112(2), 2002, p. 155 e ss.

[7]Nos Estados Unidos da América (EUA), a proliferação do Ativismo Judicial se retrata, principalmente, como forma de autocontenção de um Poder Legislativo forte e atuante. Em contrapartida, no Brasil o ativismo judicial é descrição de uma inércia e falta de vontade política dos Poderes Legislativo e Executivo.

[8] A noção de Estado de Direito tem sua origem ainda na Idade Média como contenção do poder absoluto e, ressurgiu nas derradeiras décadas como ideal poderoso para todos os que lutam contra o autoritarismo e totalitarismo, transformando-se num dos princípios basilares do regime democrático. Para os defensores dos direitos humanos, o Estado de Direito é visto como ferramenta indispensável para evitar a discriminação e o uso arbitrário da força. O Estado de Direito foi renovado por libertários como Hayek em meados do século XX, passando a ter forte apoio das agências financeiras internacionais e instituições de ajuda ao desenvolvimento jurídico, erguendo-se como pré-requisito principal para o estabelecimento de economias de mercados eficientes. Até mesmo os marxistas que enxergavam o Estado de Direito como mero instrumento superestrutural dirigido à manutenção do poder das elites, começaram a vê-lo como bem humano incondicional. Cada concepção de Estado de Direito, bem como suas características que são atribuídas, refletem distintas concepções políticas ou econômicas que se pretende progredir. O conceito clássico do Estado de Direito fora submetido a séria reavaliação nas primeiras décadas do século passado e, Max Weber e outros pensadores alertaram sobre o processo de desformalização do Direito como consequência das transformações da esfera pública. E, seguiu-se tensa luta política e intelectual sobre a capacidade de Rechtsstaat de se adequar aos novos desafias propostos pela Constituição socialdemocrata de Weimar. Tal luta pode ser encontrada no debate entre os conservadores como Carl Schmitt e os socialdemocratas como Frans Neumann e, Hayek responde a essas perspectivas céticas sobre o Estado de Direito em sua obra “O Caminho da Servidão” de 1944.

[9]Leia: MATSUURA, Lilian. STF definiu diretrizes sólidas para combate à Covid-19, diz Lewandowski.Disponível em:https://www.conjur.com.br/2021-abr-09/stf-definiu-diretrizes-combate-covid-19-lewandowski Acesso em 16.8.2021. A decisão, unânime, foi proferida no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.341.  Na ação, o PDT pede a declaração de inconstitucionalidade da MP 926, editada pelo presidente Jair Bolsonaro em 20 de março, por entender que a norma desrespeita o preceito constitucional da autonomia dos entes federativos e foi editada com a finalidade política de atingir os governadores. A liminar do ministro Marco Aurélio para explicitar a competência de estados e municípios de tomar medidas com o objetivo de conter a pandemia do coronavírus. Desta forma, estes entes da federação podem determinar quarentenas, isolamento, restrição de atividades, sem que a União possa interferir no assunto. A ação em julgamento questiona a Medida Provisória 926, sobre procedimentos para aquisição de bens, serviços e insumos. Foi o primeiro caso apreciado pelo plenário da Corte no formato de julgamento por videoconferência, a liminar do ministro Marco Aurélio para explicitar a competência de estados e municípios de tomar medidas com o objetivo de conter a pandemia do coronavírus. Desta forma, estes entes da federação podem determinar quarentenas, isolamento, restrição de atividades, sem que a União possa interferir no assunto. A ação em julgamento questiona a Medida Provisória 926, sobre procedimentos para aquisição de bens, serviços e insumos. Foi o primeiro caso apreciado pelo plenário da Corte no formato de julgamento por videoconferência.

[10] A CPI da Covid, que busca apurar ações e omissões do governo federal na gestão da pandemia, ainda tem um longo caminho pela frente: há mais dez depoentes já convocados e uma duração prevista para um total de 90 dias — prazo que pode ser ampliado. Prorrogada em 21.07.2021para mais três meses de trabalhos, a CPI da Pandemia chega ao recesso parlamentar com uma bagagem de 33 depoimentos colhidos e informações referentes à quebra dos sigilos de 62 pessoas e empresas. Nas próximas duas semanas, a comissão parlamentar de inquérito deve fazer diligências internas, antes de retomar as audiências, em agosto.

[11]Os Estados Unidos são o berço do tema e do termo “ativismo judicial”. Se fosseescrito um livro sobre a história geral do ativismo judicial, o debate norte-americanodeveria consumir talvez mais da metade do espaço da obra. E, sem dúvida, seriam osmomentos mais importantes, interessantes e ricos em elementos teóricos e empíricos.Os Estados Unidos são o principal palco da discussão em torno da atuação de juízes ecortes no sistema político em que estão inseridos e do qual fazem parte; em especial,sobre o papel que uma corte suprema pode cumprir nesse sistema. Na realidade, adiscussão sobre os limites e possibilidades de atuação da Suprema Corte norte-americanaantecede em muito à própria criação do termo “ativismo judicial” para confundir-secom a história do constitucionalismo estadunidense.

[12] Conforme leciona Barroso Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais, tais como o Congresso Nacional e o Poder Executivo, em cujo âmbito se encontram o Presidente da República e seus ministérios e, ainda, a Administração pública em geral. Trata-se de tendência mundial e, outros aspectos relacionados diretamente com o modelo institucional brasileiro.

[13] Com a afirmação do Estado Constitucional de Direito na segunda metade do século XX e a superação do Estado Legislativo de Direito, houve o reconhecimento da força normativa da Constituição, materializada em sua posição de superioridade no ordenamento jurídico e vinculatividade para os poderes públicos e privados. Assim, o Poder Judiciário, ou órgãos caracterizados como tribunais constitucionais, passaram a verificar a conformidade dos atos do Poder Legislativo e do Poder Executivo com a Constituição, exercendo um papel mais ativo ao assegurar a supremacia constitucional.

[14]Segundo Barroso, três objeções podem ser opostas à Judicialização e, sobretudo, ao ativismo judicial no Brasil: “Riscos para a legitimidade democrática, risco da politização da justiça e a capacidade institucional judiciária e seus limites”.

[15] A interpretação é atividade humana voltada a atribuir sentido a algo, que pode ser muitas coisas como frases, gestos, signos, pinturas, sons e até nuvens. Enfim, tudo pode ser tomado pelo intérprete como texto, portanto, sendo um objeto interpretável. Para Heidegger, o homem é um ente que não se limita a pôr-se frente aos outros entes, mas que se caracteriza justamente por compreender o ser das coisas, especialmente o seu próprio, reconhecendo um sentido e, não apenas existência às coisas. In: HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Petrópolis, 2006.

[16]Em síntese, judicialização significa que uma parcela do Poder Político está sendo transferido das instâncias políticas tradicionais para o Poder Judiciário. Significa dizer que a última palavra sobre questões econômicas, sociais ou morais de largo alcance, estão tendo a sua instância final de decisão perante o Poder Judiciário.

[17] O ativismo judicial é uma consequência da judicialização da política, mas não somente desta.  O excesso de demandas de cunho político levadas ao judiciário é que faz com que os juízes atuem de maneira expansiva, ultrapassando o limite da lei, tornando-se um juiz legislador. Num Estado democrático de direito, é de suma importância o equilíbrio entre os Poderes, de maneira que nenhum se destaque em relação ao outro.

 

 

 

[18]Para uma hermenêutica (constitucional) preocupada com a democracia, é necessário evitar discricionariedades, decisionismos e a correção moral do direito. Nessa seara, o dever de fundamentar – que é mais do que motivar – não é simplesmente um adereço que será posto na decisão. Tampouco será uma justificativa para aquilo que o juiz decidiu de forma subjetivista-solipsista, substituindo o direito pela moral, política ou economia ou até mesmo suas opiniões pessoais. O Estado Democrático e a Constituição são incompatíveis com modelos de motivação teleológicos do tipo “primeiro decido e só depois busco o fundamento”. Superado o paradigma subjetivista, é a intersubjetividade que será a condição para o surgimento de uma decisão (ver Verdade e consenso, sexta edição, pela Saraiva). Nesse sentido, o juiz deve controlar a sua subjetividade por intermédio da intersubjetividade proveniente da linguagem pública (doutrina, jurisprudência, lei e Constituição). As suas convicções pessoais são – e devem ser – irrelevantes para a decisão. Por isso, a decisão judicial não é fruto do pensamento pessoal ou da “consciência do julgador”. Se a decisão jurídica for fruto de uma “hermenêutica pessoal-solipsista”, obviamente já cogitaremos de hermenêutica, e, sim de uma “interpretação como ato de vontade”. Decisão nesse sentido será nula. Como bem lembra Arruda Alvim, o juiz não decide arbitrariamente, em função de sua mera vontade.4 Como se pode ver pela leitura do art. 371, o novo Código de Processo Civil aboliu a livre apreciação da prova e qualquer forma de livre convencimento. A expulsão do livre convencimento é um elemento de extrema relevância para demonstrar o significado democrático da hermenêutica. Uma hermenêutica apta para implementar a Constituição não pode depender de livres convicções, mesmo que sucedidas da falácia “livre convicção ou livre convencimento motivado”. De novo, a aporia da ponte desmonta a tese do livre convencimento, que, aliás, já desde há muito nada tem a ver com a superação da prova tarifada, passando a ser uma “tese” que nada mais faz do repristinar o protagonismo judicial do final do século XIX e início do século XX.

[19] Sendo o pedido determinado, na sentença ultra petita, o juiz concede ao autor a tutela jurisdicional pedida, o gênero do bem da vida pretendido, mas extrapola a quantidade indicada pelo autor. No pedido genérico, em que não há determinação do pedido, não se pode falar em sentença ultra petita. Por ultra petita, entende-se a decisão que vai além do pedido, concedendo ao autor mais do que ele pleiteou.  Aqui o julgamento do juiz não foge ao que foi pedido numa análise ampla, mas concede a mais do que foi requerido na inicial. A relação com a causa de pedir continua existindo, contudo, no pedido é que há excesso (vício de quantidade). Humberto Theodoro Júnior afirma que essa sentença é parcialmente nula, “não indo além do excesso praticado, de sorte que, ao julgar o recurso da parte prejudicada, o Tribunal não anulará todo o decisório, mas apenas decotará aquilo que ultrapassou o pedido”.

[20] Com o advento da CRFB/1988, a judicialização da política aparece como fato inevitável que decorre das mudanças no papel das instituições. Não pode, portanto, ser caracterizada como opção tomada pelo Poder Judiciário, como uma postura a ser por ele adotada, guiada pela vontade de seus integrantes. O ativismo judicial ocorre se, no exercício da sua competência, o Poder Judiciário optar por um “modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance”, ou seja, o Poder Judiciário escolhe ter uma postura mais ativa na interpretação da Constituição. Barroso (2012) define o ativismo judicial como “participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. Em muitas situações sequer há confronto, mas mera ocupação de espaços vazios”.

[21]O neoconstitucionalismo é, como o prefixo indica, releitura do constitucionalismo. O tema é, por várias razões, bastante controverso. Tanto o rótulo em si, como o significado a ele atribuído são assuntos polêmicos. Como será aqui explicado, o nome foi proposto para identificar um conjunto de teorias bastante heterogêneas, e o foi por autores contrários a elas. Quer dizer: a proposta da denominação partiu de uma crítica à teoria denominada. Ademais, boa parte dos autores das várias teorias associadas ao rótulo não o utilizou, de modo que o próprio “nome” se tornou bastante problemático. Muitos que aceitam as premissas neoconstitucionais rejeitam a denominação “neoconstitucional”. As divergências não se restringem ao rótulo. Muitos teóricos consideram equivocadas as premissas teóricas a ele associadas, e outros as consideram um avanço definitivo da Ciência do Direito. Assim, pode-se dizer que há quem ame e há quem odeie as premissas neoconstitucionais; e dentre uns e outros há quem ame e quem odeie o rótulo “neoconstitucional”. Apesar de tudo, é inegável que a denominação se incorporou ao léxico da Ciência do Direito, de modo que é fundamental conhecer seu significado. Daí a proposta: pretende-se aqui, da forma mais didática possível, explicitar o significado do neoconstitucionalismo e apresentar um panorama das controvérsias que o envolvem. Não se pretende, porém, realizar um estudo meramente descritivo: como o autor não é jornalista, mas jurista, está além de sua capacidade descrever o debate sem se posicionar sobre ele.

[22]Thomas Bonham versus College of Physicians, comumente conhecido como Dr. Bonham’s Case ou simplesmente Bonham’s Case, foi um caso decidido em 1610 pelo Tribunal de Fundamentos Comuns na Inglaterra, sob Sir Edward Coke, o Chefe de Justiça do tribunal, no qual foi decidido que O Dr. Bonham fora preso injustamente pelo College of Physicians por praticar medicina sem licença. O caso é notável porque Coke argumentou nos fundamentos da decisão que “em muitos casos, a lei comum controlará os Atos do Parlamento”. O significado desta frase foi contestado ao longo dos anos. De acordo com uma interpretação, a Coca pretendia o tipo de revisão judicial, isso mais tarde se desenvolveria nos Estados Unidos, mas outros estudiosos acreditam que a Coca-Cola pretendia apenas construir um estatuto, não desafiar a soberania parlamentar. Se Coke pretendia usar a primeira opção, ele pode ter mudado de opinião posteriormente.  A declaração da Coca é às vezes considerada um obiter dictum (uma declaração feita ‘a propósito’), em vez de parte da ratio decidendi (justificativa para a decisão) do caso. Os advogados do Dr. Bonham argumentaram que a prisão era reservada para negligência, não prática ilícita, com Coca concordando na opinião da maioria. Depois de um período inicial durante o qual a visão controversa de Coca teve algum apoio, mas nenhum estatuto foi declarado nulo, o caso de Bonham foi posto de lado como um precedente, em favor da crescente doutrina da soberania parlamentar. William Blackstone, um dos mais proeminentes defensores da doutrina, argumentou que o Parlamento é o legislador soberano, evitando que os tribunais de common law rejeitem ou revisem os estatutos da maneira que a Coca sugeriu. A soberania parlamentar é agora a doutrina judicial aceita no sistema jurídico da Inglaterra e do País de Gales.

[23] Algumas pautas a respeito de decisões do STF importantes: 1. Constitucionalidade das pesquisas com células-tronco embrionárias ADIn 3.510/DF, Relator Min. Carlos Britto; 2. Vedação do nepotismo nos três Poderes (ADC 12, Relator Min. Carlos Britto; e RE 570.951, Relator Min. Ricardo Lewandowski); 3. Prisão por dívida. Virada na jurisprudência. HC 87.565/TO, Rel. Min. Marco Aurélio e 92.566, Rel. Min. Marco Aurélio. RE’s 349.703, Rel. p/ ac. Min. Gilmar Mendes e 466.343, Rel. Min. Cezar Peluso); 4. Demarcação de terras indígenas na área conhecida como Raposa/Serra do Sol (Pet. 3388/RR, Rel. Min. Carlos Britto); 5. Inelegibilidade e vida pregressa de candidatos a cargos eletivos (ADPF 144/DF, Rel. Min. Celso de Mello); 6. Restrições ao uso de algemas (HC 91.952/SP, Rel. Min. Marco Aurélio); 7. Passe livre para deficientes no transporte coletivo (ADIn 2.649/DF, Rel. Min. Carmen Lúcia); 8. Suspensão da Lei de Imprensa do regime militar (ADPF 130/DF, Rel. Min. Carlos Britto); 9. Sigilo judicial e Comissões Parlamentares de Inquérito (MS 27.483/DF, Rel. Min. Cezar Peluso); 10. Isenção da Cofins sobre sociedades profissionais e revogação por lei ordinária (RE’s 377457/PR e 381964/MG, Min. Gilmar Mendes).

[24] Diante de tantas injustiças sociais e de um poder legislativo inerte, coube ao poder judiciário pacificar os conflitos sociais que deveriam ser solucionados por meios políticos. A separação dos poderes é, antes de mais nada, um postulado de liberdade política consubstanciado inicialmente como parte do pensamento político da burguesia, tendo se tornado um dogma aferidor da própria liberdade.

[25] Realismo jurídico (legal realism) é um conjunto de correntes doutrinárias da filosofia do direito que entendem o sistema jurídico como fato, distanciando-se da metafísica e de visões mais idealistas sobre o direito. Geralmente, seus teóricos costumam entender a decisão judicial (que seria um ato de vontade política) como a verdadeira forma de determinação do direito. Suas principais versões se desenvolveram nos Estados Unidos e nos países escandinavos com formulações teóricas diferentes, mas também ganharam espaço em outros países

Ao se dizer que o realismo lida com os fatos, que o objeto para os realistas é o fato, não se refere ao fato cotidiano, nem o fato social. O fato que vai ser a referência para o realismo é a decisão judicial, pois, para esse conjunto de correntes doutrinárias, o direito é aquilo que os tribunais fazem e não o que se espera que ele faça ou o que as fontes do direito indiquem que ele faça.

[26] Enquanto na política vigoram a soberania popular e o governo da maioria, no direito o que vigora é a supremacia da lei e o respeito aos direitos fundamentais. Portanto, a política é o universo da maioria, e o direito é o domínio da razão pública. O direito e a política interagem mutuamente. No entanto, o direito deve ter uma forte pretensão de autonomia em relação à política.

[27] A ideia de constitucionalismo, adstrita ao Estado Democrático de Direito, regulamenta e apresenta direitos individuais que figuram também em uma dimensão política e que estão limitados à possibilidade de alteração pelo legislador, haja vista a necessidade de se observar os requisitos procedimentais para tanto, especialmente se considerados como cláusulas pétreas, sendo passíveis de apreciação e amparo pelo Poder Judiciário. Em contrapartida à relação do constitucionalismo ao Estado Democrático de Direito, a concepção de democracia como um governo do povo e que, supostamente, estaria ligada à vontade da maioria, parece estar objetando o constitucionalismo acima mencionado, criando-se uma aparente contradição – a qual, contudo, não merece guarida.

[28] Desde a famosa teoria da separação dos poderes, tem se observado que a função típica do Poder Judiciário é a interpretação e respeito às leis, ou seja, o limite de suas atribuições é dado pela lei. Nesse sentido, não é difícil de observar que o Poder Judiciário deve trabalhar baseado na legislação e que sua função típica é a resolução dos conflitos, que deve ser realizada pela observância das normas. Um ponto muito importante a ser destacado sobre as funções do Poder Judiciário é o papel fundamental desse poder em nossa sociedade, pois cabe ao Judiciário resguardar os direitos fundamentais dos indivíduos. Nenhuma lesão ou ameaça a direitos, em especial, os direitos consagrados na Constituição poderão ser afastados da apreciação do Poder Judiciário. Este é considerado o guardião da Constituição Federal.

[29] Podemos observar o ativismo judicial, por exemplo, nas situações que envolvem o Poder Legislativo (classe política) e a sociedade civil, principalmente quando nessa relação as demandas sociais não venham ser atendidas efetivamente. Fica claro que o ativismo judicial é uma tentativa do Poder Judiciário de ter uma participação mais ampla e intensa na concretização de fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros poderes. o ativismo judicial é um importante elemento no desenvolvimento dos direitos fundamentais no Brasil. Contudo, tal atividade deve estar balizada em critérios compatíveis com o princípio da divisão dos poderes, com as normas constitucionais e com o princípio democrático.

[30] A judicialização, portanto, significa que algumas questões de grande repercussão política ou social estão sendo resolvidas pelo Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais, como Congresso Nacional e Poder Executivo. Assim, a judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política. Importante destacar que na judicialização, o Poder Judiciário é devidamente provocado a se manifestar e o faz nos limites dos pedidos formulados. O tribunal não tem a alternativa de conhecer ou não das ações, de se pronunciar ou não sobre o seu mérito, uma vez preenchidos os requisitos de cabimento. A judicialização não decorreu de uma opção ideológica ou filosófica do Judiciário, pois esse decide em cumprimento, de modo estrito, ao ordenamento jurídico vigente.

[31] Esclarece-nos, ainda, Miguel Reale que esse poder se caracteriza como fonte negocial, pela convergência dos seguintes elementos: a) manifestação de vontade de pessoas legitimadas a fazê-lo; b) forma de querer que não contrarie a exigida em lei e objeto lícito e possível; e c) paridade entre os partícipes ou pelo menos uma devida proporção entre eles. O negócio jurídico resultante desse poder é, nas palavras de Santoro Passarelli,38 o ato de autonomia privada com o qual o particular regula por si os próprios interesses. Consiste numa autorregulamentação dos interesses particulares reconhecida pelo ordenamento jurídico que, assim, dá força criativa ao negócio.  O negócio jurídico é norma jurídica individual, pois as partes contratantes acordam que se devem conduzir de determinada maneira, uma em face da outra.  A norma jurídica negocialmente criada, que não estatui sanção, mas uma conduta cujo comportamento oposto é pressuposto da sanção prevista pela norma jurídica geral, não é, na terminologia kelseniana” -, norma jurídica autônoma, mas sim não autônoma, pois só será jurídica em combinação com norma geral estatuidora de sanções. É norma jurídica individual porque mediante o contrato estabelecem-se, em regra, deveres e direitos apenas para os contraentes, embora se possa admitir contrato em favor de terceiro, impondo deveres e conferindo direitos a pessoa que não participou na produção do negócio jurídico, porém seu conteúdo deve ser sempre querido pelos contratantes.

[32]O fenômeno jurídico dá-se em três planos: existência, validade e eficácia.  A diferenciação foi, segundo consta, inicialmente proposta pelo jurista alemão Zachariae von Lingenthal, em seu Curso de Direito Civil, tendo em vista o casamento de pessoas do mesmo sexo. A lei francesa não o considerava nulo e a jurisprudência só invalidava casamentos nas hipóteses expressamente previstas em lei. Passou-se a diferenciar, então, o casamento nulo do casamento inexistente. Pontes de Miranda, nos primeiros volumes de seu Tratado de Direito Privado, aprofundou a teoria.

[33] Os fundamentos da Teoria da Decisão no Direito são constituídos por três ordens de postulados teóricos. Da Metamatemática emanam as formulações da Teoria da Decisão, da Filosofia provêm as premissas sobre formação do raciocínio e dos seus modelos de racionalidade e do próprio Direito procedem as elucidações de conceitos da Hermenêutica Jurídica, da Teoria da Argumentação Jurídica e da Teoria Dogmática da Aplicação do Direito. Assim, a Teoria da Decisão Judicial é produto de algumas hibridações disciplinares que constituem como uma interdisciplina em que hipóteses colam conceitos estratégicos da Teoria da Decisão da Metamatemática a outros filosóficos, jusfilosóficos e teórico-jurídicos.

 

Gisele Leite
Gisele Leite
Gisele Leite
Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Pesquisadora - Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE – Associação Brasileira de Direito Educacional. Vinte e nove obras jurídicas publicadas. Articulistas dos sites JURID, Lex Magister. Portal Investidura, Letras Jurídicas. Membro do ABDPC – Associação Brasileira do Direito Processual Civil. Pedagoga. Conselheira das Revistas de Direito Civil e Processual Civil, Trabalhista e Previdenciária, da Paixão Editores – POA -RS.

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