* Jomar Luiz Bellini
Ementa: Alteração da toponímia do Município. Competência. Estadual. Impossibilidade de Lei Municipal. Constituição. Tratado internacional.
OBJETO
No final do ano de 2008, ao apagar das luzes da legislatura, foi enviado pelo Prefeito Municipal de Mairinque, projeto de lei, onde alterava a grafia da denominação do município para Mayrink, substituindo o primeiro “i” por “y” e o “que” por “k”.
A justificativa era de que se estava resgatando as origens da cidade e acertando o nome do fundador ao do município.
O projeto recebeu parecer contrário pela Assessoria Jurídica tendo sido acatado pela Comissão de Justiça e Redação da Casa, arquivando assim a propositura.
No entanto, a dúvida permaneceu e, diante da insistência da alteração por alguns integrantes da atual Administração, torna-se imperativa um estudo mais aprofundado do assunto.
Raul Machado Horta,[3]referindo-se a esse aspecto da autonomia municipal, leciona:
“Prestigiando a descentralilzação normativa, consectário da descentralização política, a Constituição de 1988 implantou o poder de auto-organização do Município, atribuindo-lhe a elaboração da lei orgânica. A decisão do Constituinte federal retoma no plano mais elevado da Constituição da República a solução originariamente contemplada na Constituição do Rio Grande do Sul, de 14 de julho de 1981 (art. 64)”.
“O Supremo Tribunal Federal, suspendeu a eficácia de duas leis do Estado do
“Os exemplos recolhidos antes e depois do “boom” de 1983, dizem que não. Há municípios de reduzida dimensão territorial, como Nilópolis, com apenas 22 km² de área, dos quais 9km² são efetivamente do município, porque os outros 13km² são ocupados pelo Exercito Nacional com seu campo de treinamento de GERICINÓ.
Mesmo pequenino, ele dá conta do recado, atendendo aos imperativos pelos quais foi criado. Há municípios também, de reduzida receita, como é o caso de Conceição de Macabu, mais que mantém hospital próprio, tem suas escolas, coleta de lixo, pavimenta e ilumina ruas e até distribui água à população. Se não houvesse sido emancipado, certamente seria mais uma área abandonada pelos poderes públicos.
Depois de 1983, pode-se afirmar que todas as emancipações foram altamente benéficas para a comunidade, através da descentralização dos serviços públicos municipais. Destas a mais antiga é a de Arraial do Cabo, que passou a contar com hospital próprio e até deu inicio ao tratamento de esgotos sanitários. Igual sorte teve Italva, onde o atendimento à população melhorou substancialmente. Mesmo em município de vida mais recente, como é o caso de Paty do Alferes, os resultados positivos já podem ser contabilizados. Segundo pesquisa aqui realizada, até quem votou contra a emancipação mudou de opinião após sentir as conseqüências da independência”.[5]
Durante as comemorações do bicentenário da morte de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, em
O autor, jornalista Jorge Nunes, relata com clareza o resultado da febre emancipacionista, que é oportuno transcrever pois retrata o momento histórico que imperava à época:
“Até 1889, ano da Proclamação da Republica, o Estado do Rio (então Província), contava com trinta e três municípios a saber: Araruama, Angra dos Reis, Barra Mansa, Cabo Frio, Cachoeira de Macacu, Campos dos Goitacazes, Carmo, Casemiro de Abreu, Itaboraí, Itaguaí, Itaperuna, Macaé, Mangaratiba, Valença, Niterói, Nova Friburgo, Nova Iguaçu, Paraíba do Sul, Paraty, Petrópolis, Pirai, Resende, Rio Bonito, Rio Claro, Santa Maria Madalena, Santo Antonio de Pádua, São Fidéles, São João da Barra, Sapucaia, Três Rios e Vassouras.
Derrubada a Monarquia, explodiram as campanhas de emancipação, resultando na criação, entre 1889 e 1891, de mais de dezenove municípios: Barra do Pirai, Bom Jardim de Itabapoana, Cambuci, Conceição de Macabu, Cordeiro, Duas Barras, Itaocara, Maricá, Natividade, Rio das Flores, São Gonçalo, São Pedro da Aldeia, São Sebastião do Alto, Saquarema, Silva Jardim, Sumidouro, Teresópolis e Trajano de Moraes.
Passaram-se quatro décadas para que um novo município fosse criado no Estado Rio de Janeiro, só em novembro de 1935 surgiu Miracema. Demoraram-se mais oito anos para que outro adquirisse identidade própria, com Duque de Caxias (31/10/43) prenunciando a queda do Estado Novo e dando margem ao aparecimento de três municípios em um só ano: Nilópolis (20/06/47), São João de Meriti e Porciúncula (ambos em 21/08/47).
Havia, é verdade, movimento emancipacionista em diversas regiões fluminense – notadamente os realizados por Italva (Campos dos Goitacazes) e Alcântara (São Gonçalo) – mas foram sobrestados por acontecimento superveniente: Instalado o regime em 64, as manifestações populares desaparecem nesse campo”.[6]
Art. 18. (…).
§ 4º A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar Federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei. [7]
Após a Emenda Constitucional nº 15, assim ficou a redação do artigo 145, dada pela Emenda Constitucional Estadual nº 21, de 14/02/2006:
Art. 145. A criação, a fusão, a incorporação e o desmembramento de Municípios far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por lei complementar federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei, nos termos do art. 18, §4º, da Constituição Federal. (NR)
Parágrafo único – O território dos Municípios poderá ser dividido em distritos, mediante lei municipal, atendidos os requisitos previstos em lei complementar, garantida a participação popular.
§ 1º – Considera-se região metropolitana o agrupamento de Municípios limítrofes que assuma destacada expressão nacional, em razão de elevada densidade demográfica, significativa conurbação e de funções urbanas e regionais com alto grau de diversidade, especialização e integração sócio-econômica, exigindo planejamento integrado e ação conjunta permanente dos entes públicos nela atuantes.
§ 2º – Considera-se aglomeração urbana o agrupamento de Municípios limítrofes que apresente relação de integração funcional de natureza econômico-social e urbanização contínua entre dois ou mais Municípios ou manifesta tendência nesse sentido, que exija planejamento integrado e recomende ação coordenada dos entes públicos nela atuantes.
§ 3º – Considera-se microrregião o agrupamento de Municípios limítrofes que apresente, entre si, relações de interação funcional de natureza físico-territorial, econômico-social e administrativa, exigindo planejamento integrado com vistas a criar condições adequadas para o desenvolvimento e integração regional.
CE-SP – Art. 154. Visando a promover o planejamento regional, a organização e execução das funções públicas de interesse comum, o Estado criará, mediante lei complementar, para cada unidade regional, um conselho de caráter normativo e deliberativo, bem como disporá sobre a organização, a articulação, a coordenação e, conforme o caso, a fusão de entidades ou órgãos públicos atuantes na região, assegurada, nestes e naquele, a participação paritária do conjunto dos Municípios, com relação ao Estado.
§ 1º – Em regiões metropolitanas, o conselho a que alude o “caput” deste artigo integrará entidade pública de caráter territorial, vinculando-se a ele os respectivos órgãos de direção e execução, bem como as entidades regionais e setoriais executoras das funções públicas de interesse comum, no que respeita ao planejamento e às medidas para sua implementação.
§ 2º – É assegurada, nos termos da lei complementar, a participação da população no processo de planejamento e tomada de decisões, bem como na fiscalização da realização de serviços ou funções públicas em nível regional.
§ 3º – A participação dos municípios nos conselhos deliberativos e normativos regionais, previstos no “caput” deste artigo, será disciplinada em lei complementar.
“A condição de validade da lei de efeito concreto que – desmembrando um Município – introduz no universo jurídico uma nova pessoa jurídica pública-política (novo Município) e a realização de uma consulta – plebiscito – ao povo.
O grande problema está em determinar-se o que são, no dizer constitucional ‘as populações diretamente interessadas’. Parece óbvio que interessados são todos os munícipes originários. É inquestionável o interesse de todos na manutenção ou não daquela ‘unidade global’. A Constituição quer que sejam ouvidas as populações diretamente interessadas. Este advérbio pode induzir, inicialmente, que diretamente interessados sejam só os habitantes da área que será desmembrada. À primeira vista, o intérprete é levado a crer que deverá ser ouvida somente esta parte do povo, em razão da literalidade do texto. Tal foi a interpretação feita pelo legislador estadual ao editar a lei em exame”.[8]
Aliás, é esse o que se extrai do artigo 5º, da lei 9708/98:
Artigo 5º – O plebiscito destinado à criação, à incorporação, à fusão e ao desmembramento de Municípios, será convocado pela Assembléia Legislativa, de conformidade com a legislação federal e estadual.
Não há duvidas que a competência única é do Estado, condicionado as regras impostas na Constituição Federal, na Lei Complementar Federal, na Constituição Estadual, competindo ao Estado fixar o procedimento a ser adotado, inclusive quanto aos aspectos orçamentário e financeiro, para a realização de consulta popular objetivando a mudança do nome de município. À Justiça Eleitoral compete, tão-somente, regulamentar os trabalhos empreendidos na realização de eventual consulta plebiscitária, devidamente autorizada pelo poder competente. [9]
Art. 6º – Nas demais questões, de competência dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, o plebiscito e o referendo serão convocados de conformidade, respectivamente, com a Constituição Estadual e com a Lei Orgânica.
Município. Nome. A alteração do nome dos municípios, de competência do estado-membro, não esta sujeita aos requisitos do art. 14, caput, da constituição federal. Não é inconstitucional a legislação estadual que prevê consulta plebiscitária para esse fim. [10]
O Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte, nos autos da Representação nº 15/98, tendo com o Relator o Juiz Edílson Nobre Júnior, expressou o seguinte entendimento, em votação unânime, no dia 21.06.98, assim resumido (site do TSE):
“PLEBISCITO. MUDANÇA DE NOME DE MUNICÍPIO. SUPORTE LEGAL. DESCABIMENTO DE REVISÃO DA DELIBERAÇÃO ASSEMBLEAR PELA JUSTIÇA ELEITORAL. PRECEDENTES DO TSE. DEFERIMENTO”.
Não é demais a transcrição de trecho daquele julgamento:
“Em primeiro lugar, saliento que o pleito, adstrito a alteração de nome, não enfrenta os ditames da vedação contida na recém promulgada Emenda Constitucional nº 15/97, que modificou o teor do art. 18, parágrafo 4º, da CF, condizente com a criação, incorporação, a fusão e o desmembramento de entes municipais, ou seu desmembramento.
Vislumbro também há, na legislação estadual, mais precisamente no art. 18, parágrafo único, da Lei Complementar 102/92, a previsão de plebiscito para tanto.
Existente lei estadual sobre o assunto, bem como deliberação do Poder Legislativo solicitante nesse sentido, partilho da opinião, lembrada pelo órgão ministerial com menção a precedente do TSE (MS 1.184- SP, rel. Min. Octávio Gallotti, DJU de 02-05-90, p. 3.601), no sentido de que descabe à Justiça Eleitoral reavaliar os requisitos admitidos como existentes pela lei regente da matéria (cf. ainda MSAREG 1.491- PR, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU de 14-11-91), devendo vincular-se a disciplinar a forma de sua realização(cf. MS 1.505- SP, rel. Min. José Cândido de Carvalho Filho).
Se não bastasse isso, outro ponto deve ser considerado.
Quando do desmembramento do município de Mairinque, estava em vigor o Acordo Ortográfico para a Unidade da Língua Portuguesa, regulamentado pelo Decreto-Lei nº 8.286, de 5 de dezembro de 1945.
E, como ensina o constitucionalista Alexandre de Moraes:
“São, pois, três fases para a incorporação de um ato ou tratado internacional em nosso ordenamento jurídico interno: 1ª fase: compete privativamente ao Presidente da República celebrar todos os tratados, convenções e atos internacionais (CF, art. 84, VIII); 2º fase: é de competência exclusiva do Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional (CF, art. 49, I). A deliberação do Parlamento será realizada através da aprovação de um decreto legislativo, devidamente promulgado pelo Presidente do Senado Federal e publicado; 3º fase: edição de um decreto do Presidente da República, promulgando o ato ou tratado internacional devidamente ratificado pelo Congresso Nacional. É nesse momento que adquire executoriedade interna a norma inserida pelo ato ou tratado internacional, podendo, inclusive, ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade.”
É o parecer.
Mairinque, 29 de janeiro de 2009.
REFERÊNCIAS
[1] Destaque em negrito não original.
[2] apud FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Elementos de Direito Municipal. SP: RT. 1993, p. 65. No mesmo sentido: SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional Positivo. p. 623-624.
[3] HORTA, Raul Machado. Estudos de Direito Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, p. 524.
[4] NUNES, Jorge. Criação de municípios no novo Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: ALERJ, 1992, p. 29.
[5] NUNES, Jorge. Criação de municípios no novo Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: ALERJ, 1992, p. 29.
[6] Criação de Municípios no Novo Estado do Rio de Janeiro, vol. IV, p. 15,
[7] Destaques em negrito não originais.
[8] “Criação de Município – Plebiscito (Inconstitucionalidades da Lei Complementar 651/90 do Estado de São Paulo)”, in Revista de Direito Público nº 98, pp. 102/107.
[9] TRE-RO. Acórdão nº 63 de 30 de maio de 2006. Processo nº 2322 – Classe 16. Rel. Juiz Francisco Martins. Porto Velho, 30 de maio de 2006. Publicado no Diário da Justiça nº 105, de 08/06/2006, p. A-48.
[10] RMS 946/RS, Rel. Ministro Américo Luz, 2ª T., julgado em 15/12/1993, DJ 13/06/1994 p. 15093.
[11] Direito Constitucional, 9ª ed. Atlas, 2001, p. 551-552.
REFERÊNCIA BIOGRÁFICA
JOMAR LUIZ BELLINI: Contador e Advogado. Pós-graduado