Aguardar benevolência judicial

CRÔNICA:  Elias Mattar Assad –   Estou submetendo ao amigo Dálio Zippin Filho a seguinte matéria: A palavra "delação" nos faz lembrar de imediato a figura de Joaquim Silvério dos Reis (Judas brasileiro). O nosso Código de Processo Penal é da decada de 40 e a nova legislação não previu a atuação do denominado "réu colaborador" e de seu advogado no processo. É um confitente que vai além, acusando outras pessoas.

Diferentemente dos demais réus no mesmo processo não refuta as provas que são produzidas pelo MP por sua colaboração nem é conceituado como acusador. Denunciado com o grupo, não assume a posição de assistente do MP, pela vedação do artigo 270 do velho CPP, e nem se defende amplamente. Para não incorrer em contradição, não produzirá provas defensivas. O processo nulifica-se em relação a sua pessoa, por falta do indisponível contraditório constitucional. Ausência ou insuficiência de defesa se equivalem.

Não se pode imaginar em uma audiência o "colaborador" e seu advogado compartilhando a bancada das demais defesas pela colidência de interesses. Mais próprio seria que tomasse assento ao lado do Ministério Público na nova figura de colaborador (direito a reperguntas, esclarecimentos, etc., após o MP).

Comparecer no processo criminal para contar a história de sua vida, motivos que o levaram a ter contato com os fatos, razões, e conviccões íntimas que o compeliram a figurar como colaborador ou delator, não é sinônimo de exercício de defesa ou contraditório. Atualmente, o réu colaborador fica "manietado" e seu advogado não poderá se desincumbir do dever de apresentar autêntica defesa (abortada pelo novo instituto). Ficar inerte, aguardando sentença de possível e incerta benevolência judicial, também não representa exercício de defesa. Digamos que no final não seja reconhecido pelo juiz ou tribunal como "colaborador" e sim como "hábil estrategista de seu interesse pessoal", como ficará o processo e a pena imposta?

Assim, em interpretação sistemática entendo que deva ser admitido como assistente, nas formas dos artigos 268 e seguintes do CPP, superando a barreira do artigo 270 do mesmo código. Se o colaborador/delator é um acusador que o seja por completo, funcionando ao lado do MP na persecução criminal. Há entre eles um atípico "litisconsórcio" na fase investigatória que lembra um "namoro envergonhado". Um lugar adequado no processo, que atenda tais objetivos deve ser estabelecido por decisão judicial, suprindo a lacuna processual deixada pelo direito posto, afastando conflitos, incertezas e contradições entre princípios vigentes. "A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito" (art 3º do CPP).

Para essa nova figura, sugiro o nomen juris de "assistente colaborador". O juiz no despacho de admissão firmará tal disposição. Na sentença final, enfrentará o dilema de mensurar as condutas de Judas, Barrabás e congêneres em meio a contemporânea turba "sodogomorrense" do "crucificai-o"… Meio culpado, meio herói ou meio vilão. Quem é ele? Com a palavra o nobre processualista!


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Elias Mattar Assad:  (eliasmattarassad@sulbbs.com.br) presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas.é

Redação Prolegis
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ISSN 1982-386X – Editor Responsável: Prof. Ms. Clovis Brasil Pereira.

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