* Márcio Archanjo Ferreira Duarte
Hermenêutica… Denotada publicamente pelo célebre professor e lexicógrafo Aurélio Buarque de Holanda, é definida – dentro outros sentidos semânticos – como “arte de interpretar leis”. Arte essa, tão íntima dos profissionais do Direito quanto o próprio vernáculo. Através dela, o ordenamento jurídico de um país pode tomar um ou outro sentido, podendo afetar poucos ou muitos indivíduos.
Contudo, notoriamente prescreve-se que o objetivo maior da lei é o bem comum. Não obstante sua imperatividade e obrigatoriedade, por (muitas) vezes aquela só é acatada por via Poder Judiciário, através da força coercitiva do Estado, subjetiva e sumariamente aplicada, sobretudo, também arrimada na lei. Ou seja, se constata que a ordem judicial é subsidiária da ordem legal, de qualquer forma sob lei.
Deste preâmbulo, se concluiu que, ou o indivíduo atende logo o que a lei determina ou terá que atendê-la sob o púlpito judiciário. Então terá de acatá-la de qualquer maneira. Mas não seria mais fácil atender a lei imediatamente? A resposta desta indagação vai depender de como o Legislador dispõe-na. Já, se a forma de interpretar a lei é tão-somente e claramente gramatical ou literal, aí a resposta daquela indagação está no caráter de cada um.
Após esta necessária introdução, passa-se ao tema versado no título deste artigo: afinal! De quando se conta o prazo do Art. 475-J do C.P.C.? Esse dispositivo legal é um exemplo de atecnia do Legislador, que deveria ter previsto todas as possíveis interpretações quando não permitiu que fosse possível unicamente a interpretação gramatical à redação do Art. 475-J do Código de Processo Civil, introduzido pela Lei Federal nº. 11.232/2005. E assim, trazendo discussões doutrinárias e jurisprudenciais. O que apenas contribui mais para o atolamento da máquina judiciária brasileira, já bastante emperrada. E em tais discussões, entra a hermenêutica para tentarmos entender e aplicar a real intenção do Legislador, no tocante.
Pessoalmente, este humilde exegeta prefere não citar o entendimento individual e seus respectivos nomes de operadores do Direito, doutrinadores ou juristas. Na análise de um dispositivo legal – graças à atecnia do Legislador – prefere analisar a própria letra da lei, primando sempre pela interpretação gramatical. Senão, vejamos o artigo legal, ipsis litteris:
Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação. (grifado)
Pois bem, é no trecho grifado que incide a celeuma. A discussão gira em torno do prazo de quinze dias, se contam da decisão publicada; se contam da intimação pessoal (discute-se até se do patrono ou da parte); se contam do trânsito em julgado (entendimento recentemente decidido no Superior Tribunal de Justiça); ou se contam até da devolução dos autos na serventia judiciária mesmo já tendo havido o trânsito.
Com o devido e merecido respeito a todos os nobres colegas, doutrinadores e juristas, este, pessoalmente, entende pelo espírito da lei, ou seja, independentemente de se estar na defesa do credor ou devedor.
O artigo legal dispõe que o devedor arcará também com multa de dez por cento, caso não efetue o pagamento determinado na condenação. Assim, apesar do Legislador não complementar expressamente de quando correrá o prazo para incidência da multa, o entendimento tácito está implícito na interpretação gramatical, sem olvidar de sopesar o espírito da lei que deverá sempre atender à complexidade e dinâmica da sociedade no tempo presente (pois este é um dos segredos da aplicação da Justiça em cada sociedade: analisar o comportamento humano social no tempo e no espaço).
E se a sociedade brasileira atual anseia por justiça imediata para tentar mitigar o sofrimento por tantos descasos do poder público, óbvio que a interpretação que se deve dar ao referido artigo legal – devendo-se considerar também os modernos princípios pós-positivistas como celeridade e eficiência, dentre outros – é a de que o prazo deve contar da condenação! Ora, está lá prescrito! Será acrescida a multa de dez por cento ao pagamento de quantia certa a que o devedor restou condenado. E se a condenação vigora a partir da publicação da decisão (que pode ser da leitura na própria audiência, da intimação às partes ou da publicação
Questões processuais atinentes a prazos recursais não devem interferir no específico prazo mencionado no Art. 475-J, ora citado. Pois sensato vislumbrar que o efeito que será exarado judicialmente ao respectivo recurso (suspensivo ou devolutivo ou duplo efeito) é peculiar a cada tipo de instrumento recorrente. Portanto, é risco do devedor que recorre, lograr êxito em seu recurso ou não. E na hipótese deste último caso, já tendo depositado judicialmente o valor da condenação, ficará livre da incidência da multa de dez por cento.
Em suma, entende-se pessoalmente que o prazo de quinze dias do Art. 475-J, do Código de Processo Civil, deve correr da publicação da decisão condenatória, ficando ao alvitre do devedor atender ao comando judicial – dentro dos quinze dias da ciência da decisão – depositando simplesmente o valor a que foi condenado ou arriscar recorrer, arcando também com a multa de dez por cento, caso não logre êxito em seu recurso.
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Pensamento pessoal: o presente artigo é dedicado ao Direito como ciência, no intuito de contribuir para sua perfeição, para que seja mais justo, mais Direito.
MÁRCIO ARCHANIO FERREIRA DUARTE: advogado, natural do Rio de Janeiro.
e-mail: marcio.duarte@adv.oabrj.org.br
REFERÊNCIA BIOGRÁFICA