* Sergio Busso –
SUMÁRIO
I – ACEITAÇÃO DA HERANÇA
NOÇÕES GERAIS
1.1 – Fundamentos e conceitos
1.2 – A aceitação vale por si só
1.3 – Aceitação e renúncia no direito alienígena
1.4 – Fases que temos entre a abertura da sucessão e a aceitação da herança
1.5 – Formas de aceitação da herança
1.6 – Prazo para aceitação ou não da herança
2. ASPECTOS QUE SE VOLTAM PARA A ACEITAÇÃO DA HERANÇA
2.1 – Aceitação da herança legítima e do legado, quando recebidos de forma simultânea
2.2 – Aceitação e renúncia da herança mediante condição ou termo
II – RENÚNCIA DA HERANÇA
– NOÇÕES GERAIS
1.1 – Conceitos e fundamentos
1.2 – Capacidade para renunciar
1.3 – Dessemelhanças – Renúncia abdicativa e translativa, desistência e doação
1.3.1 – Renúncia abdicativa e translativa
1.3.2 – Renúncia e desistência
1.3.3 – Renúncia e doação
1.4 – Destino da quota hereditária do herdeiro renunciante
1.5 – Dívidas do “de cujus” – Responsabilidade dos herdeiros
1.6 – Efeitos da renúncia
1.7 – Falecimento do herdeiro antes de se manifestar sobre a eventual renúncia da herança
1.8 – Formalidades exigidas para o ato da renúncia
1.9 – Prazo para se renunciar herança
1.10 – Requisitos da escritura de cessão de direitos de herança, ou de renúncia translativa, e também dos termos judiciais e das escrituras de renúncia abdicativa
1.11 – Retratação da renúncia
– ASPECTOS QUE SE VOLTAM PARA A RENÚNCIA DA HERANÇA
2.1 – Renúncia em favor do monte ou dos demais co-herdeiros
2.2 – Renúncia feita por tutor ou curador
2.3 – Renúncia de herança gravada com a cláusula de inalienabilidade
2.4 – Renúncia na herança legítima e no legado, quando recebidos de forma simultânea
2.5 – Renúncia da herança de pessoa ainda viva
2.6 – Renúncia de herdeiro casado
2.7 – Renúncia lesiva aos credores
2.8 – Renúncia de meação
2.9 – Renúncia de parte da herança, ou mediante condição, termo ou encargo
2.10 – Renúncia por procuração
2.11 – Renúncia na sucessão testamentária
2.12 – Renúncia de herança – outras formas
III – EXCLUSÃO DA SUCESSÃO
– NOÇÕES GERAIS
1.1. – Conceitos e fundamentos
2. – ASPECTOS QUE SE VOLTAM PARA A EXCLUSÃO DA SUCESSÃO
2.1 – Indignidade
2.1.1 – Casos que tornam o herdeiro indigno
2.1.2 – Julgamento do indigno pelo juízo criminal
2.1.3 – Efeitos da indignidade
2.1.4 – Falecimento do indigno
2.1.5 – Formalidades exigidas para caracterizar a exclusão
2.1.6 – Reabilitação do indigno
Incapacidade sucessória e a indignidade – Dessemelhanças
2.2 – Deserdação
2.2.1 – Base legal
2.2.2 – Deserdação – Pena pessoal
2.2.3 – Exclusão de herdeiros não necessários
2.2.4 – Efeitos da deserdação
2.2.5 – Requisitos para a formalização da deserdação
Indignidade e deserdação – Dessemelhanças
IV – BIBLIOGRAFIA
I – ACEITAÇÃO DA HERANÇA
(artigos 1.581 a 1.590, do Código Civil)
1. – NOÇÕES GERAIS:
1.1. – FUNDAMENTOS E CONCEITOS – A aceitação da herança se sustenta nos artigos 1.581 a 1.590, do Código Civil. Para que possamos melhor estudar esse instituto, vamos conhecer o texto do art. 1.572, do mesmo estatuto legal, também conhecido na doutrina como “princípio saizini” dentro do direito sucessório, que tem origem no Direito Francês.
Art. 1.572 – Aberta a sucessão, o domínio e a posse da herança transmitem-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários
Com o advento da morte do autor da herança, todos os direitos e obrigações que incorporavam seu patrimônio, que se apresentam de forma universal, transferem-se diretamente aos herdeiros legítimos e testamentários, mesmo que estes não saibam desse termo. Assim, o que cada herdeiro recebe deve ser visto de forma universal, sem se falar em fração ideal, até final julgamento da partilha. Porém, não podemos analisar tal artigo como por si só a dar por aceita a herança, uma vez que a lei não impõe a ninguém a obrigação de receber aquilo que não quer, dando-se a ela, desta forma a oportunidade para declarar se aceita ou não o que lhe é colocado à disposição. Assim, a aceitação da herança é essencial para considerá-la definitivamente incorporada ao patrimônio do herdeiro. A justificativa que é dada à redação do aludido artigo 1.572, do Código Civil, é a de que em momento algum o patrimônio pode ficar sem titularidade. Lembramos, ainda, que a manifestação que mostra a aceitação da herança é vista apenas como ato que formaliza o que a lei já dispõe, dando-se, desta forma, por consolidado o texto do referido artigo 1.572. Em assim ocorrendo, seus efeitos retroagem à data do óbito do até então titular dos direitos e obrigações objetos da herança. Importante aqui também observar que, à vista do que temos no art. 1.587, do Código Civil, as obrigações impostas aos herdeiros não poderão ser superiores às forças do que irão herdar, cabendo ao beneficiado a prova de eventual excesso. Convém aqui informar que antes do advento do atual Código Civil, o que prevalecia nesse caso, era a obrigação do herdeiro assumir todo o passivo do autor da herança, o que, em alguns casos, poderia levar o sucessor à ruína. Isto só não ocorria, se viesse ele a declarar no ato da aceitação de que assim fazia “a benefício do inventário”, cuja expressão, Caio Mário, citando “Vitali”, a define como a manifestação do autor em só assumir a convocação se sua responsabilidade pelos encargos da herança se limitarem ao ativo que a mesma vier a apresentar. Tal situação não mais encontrou amparo no atual Código Civil, o qual, como já visto, dispensa o herdeiro de responder pelo passivo do “de cujus” que vier a ultrapassar a força da herança, sem que para isso precise apresentar qualquer declaração, como era anteriormente exigido. Caso o herdeiro venha a nessa situação se encontrar por direito de representação, responderá apenas pelas obrigações do autor da herança, e em nenhum momento pelas de responsabilidade do representado. Ressaltamos que, caso o herdeiro, em qualquer situação, resolva assumir tais obrigações do titular da herança, mesmo que além do limite do que irá receber, poderá fazer, nada havendo que o impeça de assim proceder.
Washington de Barros Monteiro, em sua obra “Curso de Direito Civil”, ensina que aberta a sucessão, a lei formula aos sucessores chamados a recolher a herança a pergunta seguinte: Quereis, sim ou não, ser herdeiros? A essa indagação devem eles responder afirmativamente ou negativamente, isto é, aceitar a herança ou renunciá-la.
1.2 – A ACEITAÇÃO VALE POR SI SÓ – Vale lembrar que a aceitação da herança não precisa ser comunicada a quem quer que seja para que possa produzir seus efeitos, fazendo por si só acontecer todos os resultados previstos em nossas leis.
1.3 – ACEITAÇÃO E RENÚNCIA NO DIREITO ALIENÍGENA – As regras que nos são apresentadas pelo direito alienígena quanto à aceitação e renúncia da herança são na maior parte as mesmas que temos em nosso País, onde especificamente se exige manifestação em ambos os sentidos, sendo uma menos rígida que a outra, não se fixando prazo para assim se fazer; sendo que podemos encontrar algumas exceções, como na legislação soviética que presume a aceitação da herança se o herdeiro presente no lugar da abertura da sucessão não a renuncia nos três meses subseqüentes; e se ausente, presume-se inversamente, ou seja, deve a herança ser tida como renunciada, se não comparecer o herdeiro para reclamá-la nos seis meses imediatos. Outra orientação que devemos destacar é a que se tinha para os romanos, onde a pessoa falecida, ficticiamente, se considerava como sobrevivente até que se verificasse a aceitação da herança pelos respectivos sucessores. O direito moderno atinge o mesmo fim, tendo como retroativa a aceitação manifestada pelo herdeiro. Nessas condições, como ensina Planiol, em obra citada por WBMonteiro, não é mais o direito do extinto que se prolonga além de sua morte; é o do herdeiro que remonta ao passado.
1.4 – FASES QUE TEMOS ENTRE A ABERTURA DA SUCESSÃO E A ACEITAÇÃO DA HERANÇA – Como ensina Caio Mário da Silva Pereira, em sua obra Instituições do Direito Civil, entre o óbito do titular de direitos e a aceitação da herança, temos 3 momentos distintos:
a) o da abertura da sucessão, como fenômeno fático determina a transferência abstrata do acervo;
b) a delação da herança, concomitante e conseqüente à primeira, é o conceito jurídico que consiste no oferecimento do patrimônio do defunto aos herdeiros; e
c) a aquisição, que se apresenta como o fato jurídico do ingresso dos bens no patrimônio dos herdeiros em decorrência da manifestação de vontade destes, em virtude da qual a herança já deferida é aceita. Não podemos afirmar que o momento da aquisição se verifica com a aceitação, porque os direitos de herança não nascem com ela, mas recuam à data da morte, produzindo a aceitação efeito retro-operante, dando-se, desta forma, por encerrada a situação de pendência criada com a abertura da sucessão
1.5 – FORMAS DE ACEITAÇÃO DA HERANÇA – Devemos ainda ressaltar que, ao contrário do que se requer para a renúncia da herança, na aceitação comumente não se utiliza forma expressa, servindo-se quase sempre de outros meios – tácitos e presumidos – que induzem a esse entendimento, não se permitindo o uso dessa pretensão através do meio oral, o qual, quando provado, pode regularmente ser admitido pelo nosso direito em outros casos (art. 141, do C.Civil). Maria Helena Diniz, “in” Curso de Direito Civil Brasileiro, também exemplifica atos que não implicam na aceitação, como a outorga de procuração a advogado para a abertura do inventário, por ser este ato obrigação legal inerente aos herdeiros, o mesmo acontecendo com atos meramente conservatórios a fim de impedir a ruína dos bens da herança, ou os de administração e guarda interina para atender a uma necessidade urgente, por se apresentarem como atos de favores, sem qualquer outro interesse; e também com o pagamento de débitos da herança, porque é permitido pagar dívida alheia, além de outros. Devemos aqui ressaltar a exceção que se vê no art. 1.584, do C.Civil, cujo silêncio do herdeiro, importa entendimento de aceitação da herança, sem qualquer outra formalidade. Essa exceção é também tratada pela doutrina como aceitação presumida, criando-se, ai nova modalidade de ingresso à herança. Entendimentos outros voltados para a aceitação tácita, não escrita, encontramos na doutrina, como ensina Leila Moreira Soares, na obra “Testamento”, citando como exemplo a administração efetiva da herança por parte do herdeiro, o que faz concluir estar ai a aceitá-la.
Como ninguém deve ser herdeiro contra a própria vontade, temos ai reforçada a necessidade da aceitação da herança para que definitivamente venha ela incorporar ao seu patrimônio.
Se tivermos em algum momento elementos nos autos para afirmar a aceitação da herança por parte do herdeiro, não mais podemos falar em renúncia propriamente dita. Se isso ainda vier a ocorrer, deve ela ser tida como cessão de direitos, não podendo mais ser vista dentro do instituto renúncia de herança. Assim também ensina Maria Helena Diniz, em sua obra “Curso de Direito Civil.
Nesse mesmo sentido, temos a Lei 10.406/2002 – novo Código Civil – que, em seu artigo 1.812, textualmente reza que “são irrevogáveis os atos de aceitação ou de renúncia da herança”.
Vale lembrar, ainda, que se o herdeiro outorgou procuração pública para aceitar e também renunciar a herança a que teria direito, e tendo o mandatário primeiro aceito a herança, não mais poderá usar a autorização para renunciá-la, dando-a por definitivamente resolvida. O que se busca na renúncia é a manifestação clara e precisa do herdeiro. Em caso de dúvida na interpretação da redação do instrumento, não deve ser ela admitida, devendo ser desconsiderada tal renúncia.
Pode a aceitação da herança ainda se apresentar de forma direta ou indireta:
Direta – advém do próprio herdeiro;
Indireta – ocorre quando alguém a faz por ele, o que se verifica nos seguintes casos:
a) aceitação pelos sucessores – se o herdeiro falecer antes de declarar se aceita ou não a sucessão, seus herdeiros ficam com o direito de assim fazer, valendo a declaração destes, como se daquele partisse. Em assim se fazendo, a herança aceita irá a inventário em nome do herdeiro falecido, passando a seguir aos herdeiros que a aceitaram em seu lugar. Essa aceitação não será possível se deixada a herança com a cláusula de condição suspensiva, não verificada até a morte desse herdeiro (art. 1.585, do C.Civil). Acrescente-se, ainda, que, aberta a sucessão e falecendo o herdeiro sem que tenha se manifestado sobre a aceitação ou não da herança, seus herdeiros terão o mesmo prazo que teria ele, se provocado para tal manifestação, o qual vem determinado no art. 1.584, do Código Civil, correspondente a, no máximo, 30 dias.
b) aceitação pelo tutor ou curador – À vista do que temos no art. 427, III, do Código Civil, o tutor só poderá aceitar pelo tutelado, heranças, legados ou doações, se tiver autorização judicial para assim fazer. Tal exigência também se estende ao Curador, à vista do que reza o art. 453, do mesmo Código.
c) aceitação por mandatário – nenhum óbice existe quanto a admissão da aceitação da herança por meio de procurador. Na verdade, quando o mandante dá poderes para o mandatário assim fazer, já está aceitando a herança, tornando-se desnecessário qualquer outro procedimento.
d) aceitação pelos credores – art. 1.586, do CCivil – só pode ocorrer se o herdeiro renunciar a herança em prejuízo dele credor, tornando-se insolvente ao repudiar tal direito. Nesse caso, é indispensável autorização judicial para que o credor possa aceitar a herança em nome do renunciante, só podendo beneficiar-se até o montante do crédito. Pago o débito, o remanescente será devolvido àquele a quem a renúncia beneficia, e não ao renunciante, que não é mais herdeiro. Essa situação ocorre porque não se admite a renúncia de parte da herança, ou seja, ou se renúncia a tudo ou a nada. O Código atual não prevê de forma específica prazo para que assim se manifeste o credor, o que nos leva a concluir que desta forma poderá fazer até que seja homologado o plano de partilha levado aos autos. Em nada se fazendo até ai, ao credor restará a ação revocatória ou pauliana para ver satisfeito seu crédito.
O novo Código Civil, porém, traz em seu art. 1.813, § 1º., o prazo de 30 dias seguintes ao conhecimento dos fatos, para que o credor se habilite. Concluímos que, em assim não se fazendo, precluso estará tal direito, devendo o credor, a partir daí, procurar outros recursos judiciais para ver resolvido seu crédito.
Voltando um pouco no tempo, lembramos que antes do Estatuto da mulher casada (Lei 4.121/62), a mulher que nesse estado viesse a se encontrar, não podia aceitar herança ou legado sem autorização do marido. Com a nova redação do art. 242, dada pela citada Lei, tal proibição foi abolida, permitindo-se que assim viesse a fazer sem necessidade da anuência marital, até então exigida.
1.6 – PRAZO PARA ACEITAÇÃO OU NÃO DA HERANÇA – Dispõe o art. 1.584, do Código Civil, o prazo de até 30 dias para que o herdeiro se manifeste se aceita ou não a herança que lhe é de direito. Caso não se manifeste, considerar-se-á como aceita. Providência nesse sentido pode ser requerida ao Juiz competente para o inventário por qualquer interessado, depois de 20 dias da data em que foi aberta a sucessão. Tal dispositivo é de extrema importância, pois está ele a não permitir que posição nesse sentido seja exercida pelo herdeiro por tempo indefinido, o que poderia trazer prejuízos para a segurança das relações jurídicas. Devem ser considerados como interessados nessa pretensão: o co-herdeiro, o testamentário, o credor, e o que eventualmente sucederia o herdeiro, em substituição, caso venha a se consumar eventual renúncia. Como já informamos, a doutrina denomina a aceitação disposta neste artigo como “presumida”, diferenciando-a da expressa e da tácita por nós já conhecidas.
1.7 – RETRATAÇÃO DA ACEITAÇÃO – Pode ser retratada, desde que não traga prejuízos a terceiros e obedeça as formas determinadas pelo artigo 1.581, do C.Civil, ou seja, só pode ocorrer de forma expressa, e à vista de termo judicial a ser feito nos próprios autos de inventário, ou de escritura pública, dispensando qualquer ação judicial específica para assim proceder. Pode ser ela exercida a todo tempo, de forma unilateral, independentemente até mesmo da ocorrência de qualquer vício de vontade. Em se verificando a retratação como aqui exposto, terá ela caráter de renúncia translativa, ficando sujeita ao recolhimento dos impostos exigidos quando se transmite domínio. Maria Helena Diniz traz em sua obra aqui já referida, o entendimento de que a retratação da aceitação equivale ao instituto da renúncia, aplicando-se ao caso, em conseqüência, normas alusivas a esta, inclusive as da aceitação da herança pelos prejudicados que a requeiram.
O novo Código – Lei 10.406/2002 – em seu art. 1.812, prevê textualmente como irrevogáveis os atos de aceitação ou de renúncia da herança, o que não temos com a mesma transparência na legislação hoje aplicada.
2. – ASPECTOS QUE SE VOLTAM PARA A ACEITAÇÃO DA HERANÇA:
2.1 – ACEITAÇÃO DA HERANÇA LEGÍTIMA E DO LEGADO, QUANDO RECEBIDOS DE FORMA SIMULTÂNEA – Encontrando-se o beneficiário como herdeiro legítimo e legatário de forma simultânea, à vista do que temos no art. 1.583, do C.Civil, poderá ele aceitar ou renunciar o que lhe é conferido nos dois institutos, ou aceitar ou renunciar o direito a que se firma cada um deles.
2.2. – ACEITAÇÃO E RENÚNCIA DA HERANÇA MEDIANTE CONDIÇÃO OU TERMO – A aceitação e a renúncia da herança devem ser pura e simples, não podendo estar vinculada a condição ou termo, uma vez que, adquirida a herança pelo herdeiro ou pelo monte, não mais pode ela ser perdida, o que, ao contrário, traria uma insegurança nas relações jurídicas. Ressaltamos aqui que é o ato de aceitação ou de renúncia da herança que não pode ser gravado, e não a respectiva herança.
II – RENÚNCIA DA HERANÇA
(artigos 1.581 a 1.590, do Código Civil)
1. – NOÇÕES GERAIS:
1.1 – CONCEITOS E FUNDAMENTOS – Nossos dicionários comuns definem renúncia como ato de recusar ou de desistir de alguma coisa. Juridicamente temos para esse instituto uma definição consistente no ato de unilateralmente, abandonar o direito que se tem sobre um bem ou um conjunto de bens, não criando a ele renunciante qualquer prerrogativa nesse sentido, devendo ser considerado no referido instituto como se nunca tivesse existido, ou melhor, como se nunca tivesse herdado. A renúncia retroage à data da abertura da sucessão, sendo tratada em nosso Código, nos artigos 1.581 a 1.590.
1.2 – CAPACIDADE PARA RENUNCIAR – Só os que se apresentarem com plena capacidade jurídica é que poderão exercer o direito de renúncia. Não se admite representação ou assistência para assim se fazer. Em desta forma se pretendendo, necessária intervenção judicial. Se o renunciante adquiriu a capacidade através da emancipação ou do casamento, que posteriormente foram anulados, nenhum prejuízo sofrerão os atos que praticou quando assim se apresentava, ou seja, em condições legais para o exercício dos mesmos, mantendo-se inalterada a renúncia praticada no momento em que se encontrava legalmente capacitado para a prática de tal ato.
1.3 – DESSEMELHANÇAS – RENÚNCIA ABDICATIVA E TRANSLATIVA, DESISTÊNCIA E DOAÇÃO –
1.3.1 – RENÚNCIA ABDICATIVA E TRANSLATIVA – ABDICATIVA – Trata-se a renúncia abdicativa do efetivo abandono de um direito em favor do monte ou dos demais herdeiros, feita de forma unilateral, o que vem a caracterizar a renúncia propriamente disposta no Código Civil. TRANSLATIVA – é figura de alienação, alheia, portanto, ao campo da renúncia – Reveste-se ela dos mesmos requisitos que se exige para uma transmissão a título gratuito ou oneroso, exigindo-se, inclusive duas declarações de vontade, uma de quem transmite algum direito, e a outra de quem o recebe. É o instituto que mais conhecemos como cessão de direitos.
1.3.2 – RENÚNCIA E DESISTÊNCIA – Quando estamos a tratar da renúncia, temos que primeiramente constatar que não existe qualquer ato que venha a exprimir anterior aceitação do direito. Se falarmos em desistência de direitos, temos que presumir já ter o mesmo sido aceito em momento anterior. Não podemos, desta forma, confundir renúncia com desistência.
1.3.3 – RENÚNCIA E DOAÇÃO – Caio Mário da Silva Pereira nos ensina que não podemos confundir doação com renúncia de herança, uma vez que a primeira subentende saída de bens do patrimônio do doador e sua entrada no do donatário; e o repúdio à herança não traduz essa mutação, mas somente obstáculo a aquisição.
1.4 – DESTINO DA QUOTA HEREDITÁRIA DO HERDEIRO RENUNCIANTE: O herdeiro que renuncia é considerado estranho à herança. Partilhar-se-á esta, portanto, entre os demais herdeiros, como se não existira o renunciante. Assim, em havendo renúncia, não podemos falar em direito de representação, devendo, em conseqüência, o quinhão do renunciante acrescer ao dos outros herdeiros da mesma classe. Desta forma, se o “de cujus” deixa vários filhos e um deles vem a renunciar, a parte deste acresce a dos outros irmãos. Não se contemplam, destarte, os netos, filhos do renunciante, já que ninguém pode suceder representando herdeiro que assim se apresenta. Contudo, se o renunciante surge como o único de sua classe, nesse caso, devolve-se seu quinhão hereditário aos herdeiros da classe subseqüente. Só nessa hipótese se convocam os descendentes do renunciante, que sucedem por direito próprio, ou seja, por cabeça e não por estirpe ou representação. Idêntica a solução se todos os herdeiros de uma mesma classe vêm a renunciar. Assim, se todos os filhos renunciarem, convocar-se-ão os netos, filhos deles, que receberão individualmente ou por cabeça, como acima já constou. Na falta de netos, ou outros descendentes, serão chamados os ascendentes e assim sucessivamente, até a declaração de vacância dos bens deixados, os quais, de acordo com a redação do art. 1.594, do C.Civil, passam ao domínio dos Municípios ou do Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, ou da União, quanto aos situados em território federal.
1.5 – DÍVIDAS DO “DE CUJUS” – RESPONSABILIDADE DOS HERDEIROS – O art. 1.587, do Código Civil vigente, reza que o herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbindo-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se existir inventário, que a escuse, demonstrando o valor dos bens herdados. Desta forma, os herdeiros não respondem pelas dívidas que venham a ultrapassar as possibilidades de seus quinhões sucessórios, não podendo, em conseqüência, serem acionados por débitos do espólio, quando os recursos deste se mostrem insuficientes para atender ao pagamento. Constitui-se, assim, princípio normativo do nosso direito a responsabilidade do herdeiro estar limitada às possibilidades do acervo hereditário.
Em se cuidando de herdeiro testamentário, instituído ou nomeado, sua renúncia torna caduca a disposição de última vontade, a não ser que o testador tenha indicado substituto, ou haja direito de acrescer entre os herdeiros.
1.6 – EFEITOS DA RENÚNCIA – Assim os temos, à vista do que nos ensina o mestre Caio Mário da Silva Pereira:
a) realizada a renúncia, a parte do repudiante passa automaticamente à dos outros herdeiros da mesma classe – direito de acrescer -. Se for o único desta, devolve-se aos da classe subseqüente (art. 1.589, do C.Civil). A regra somente se estende à sucessão testamentária, se o testador não tiver determinado uma substituição. O renunciante é tratado como se nunca fosse herdeiro.
b) se o renunciante vier a falecer, os seus herdeiros não herdam por estirpe. Mas sendo ele o único da sua classe, ou se os demais desta renunciarem também, podem seus filhos ser chamados a suceder, porque nessa hipótese comparecem por direito próprio e por cabeça (art. 1.588, do C.Civil).
c) aquele que renuncia à herança não está impedido de aceitar legado, dada a diversificação das causas aquisitivas.
d) na sucessão testamentária, não se pode deduzir uma norma fixa e uniforme para definir as conseqüências da renúncia – poderá passar a herança ao substituto, ou ao co-herdeiro, ou aos sucessores legítimos – tudo na dependência da disposição de última vontade. Em falta de disposição expressa, é de se sustentar o direito de acrescer.
e) não se confundindo o repúdio com a exclusão, o renunciante não está privado da administração e usufruto dos bens que por força dela venham a tocar a seus filhos menores.
f) o renunciante não é computado para efeito de se calcular a quota disponível do autor da herança. Tratado o renunciante como se nunca tivesse sido herdeiro, o monte é considerado em relação aos demais.
g) se o co-herdeiro (ou herdeiro da classe subseqüente) tiver cedido seus direitos hereditários, a renúncia beneficia o cessionário que é chamado no lugar do cedente, salvo se dos termos da cessão inferir-se que ela teve por objeto o quinhão do cedente, tal como existente no momento da cessão.
1.7 – FALECIMENTO DO HERDEIRO ANTES DE SE MANIFESTAR SOBRE EVENTUAL RENÚNCIA DA HERANÇA – Aplica-se no caso o mesmo tratamento que se deu neste trabalho para a aceitação da herança, quando trata das formas possíveis para assim fazer (1.5), ou seja, se falecido o herdeiro antes de declarar se aceita ou não a herança, tal direito passará aos sucessores deste, a menos que advinda ela de um testamento onde se previu a ocorrência de uma condição suspensiva, ainda não verificada. Em assim se constatando, e considerando que no momento da consumação da aludida condição, não mais encontrou vivo o favorecido, impedidos estarão seus herdeiros de se manifestarem se aceitam ou não a herança, uma vez que ficou frustrada a pretensão do testador ao não encontrar, naquele momento, a pessoa do nomeado por ele como favorecido no testamento. Assim podemos concluir, uma vez que, antes da verificação da condição, não se poderia falar em direito, mas somente em expectativa dele, pois a incerteza é da essência desse tipo de condição. Por sua vez, aberta a sucessão e falecendo o herdeiro sem que tenha se manifestado sobre a aceitação da herança, seus herdeiros terão o mesmo prazo que teria ele, se provocado, para tal manifestação, o qual vem determinado no art. 1.584, do Código Civil, correspondendo a 30 dias, no máximo.
1.8 – FORMALIDADES EXIGIDAS PARA O ATO DA RENÚNCIA – Nosso direito só admite a renúncia da herança se vier manifestada solenemente de forma expressa e através de escritura pública ou termo judicial. O artigo que assim se manifesta – 1.581 -, do Código Civil, veio qualificar a forma de renúncia da herança, não se admitindo outra que não as ali apresentadas, mesmo que expressamente se perceba tal intenção do agente, sob pena de nulidade absoluta, à vista do que temos no art. 145, III, do mesmo Código. Uma vez renunciados tais direitos e obrigações, independe ele de qualquer outra providência para sua eficácia, como anuência ou aceitação por parte dos beneficiados, e até mesmo de qualquer manifestação judicial para assim se apresentar.
Assim, voltamos a ressaltar que, ao contrário da aceitação, a renúncia, como regra, não pode ser aceita de forma presumida, sendo que a única exceção que temos para assim ser deferida, ocorre quando é conferido ao herdeiro testamentário um patrimônio, mediante a condição de só poder recebê-lo depois que fizer a entrega a outrem de coisa que lhe pertence e assim resolve não fazer, dando-se, desta forma, por renunciado o recebimento daquela herança, caracterizando-se ai a renúncia ora enfocada como renúncia presumida. Como já dito, a aceitação da herança pode, tranqüilamente, ser admitida desta forma, ou seja, presumida, à vista de expressa disposição legal, que pode ser vista na reação que temos no art. 1.584, do Código Civil vigente.
1.9 – PRAZO PARA SE RENUNCIAR HERANÇA – A disposição legal que se assenta ao aqui tratado, é a mesma que se dá ao prazo para aceitação da herança, aqui já comentado, ou seja, art. 1.584 do Código Civil, que concede o prazo de até 30 dias para que o herdeiro se manifeste se aceita ou não a herança que lhe é de direito. Caso não se manifeste, considerar-se-á como aceita. Desta forma, se pretender renunciá-la, deve nesse período assim se manifestar, sob pena de ter a herança como aceita de forma presumida, como já informado neste trabalho. Aplica-se para a renúncia o mesmo comentário que fizemos para a aceitação da herança, da forma disposta no referido artigo 1.584 (1.6).
1.10 – REQUISITOS DA ESCRITURA DE CESSÃO DE DIREITOS DE HERANÇA, OU DE RENÚNCIA TRANSLATIVA, E TAMBÉM DOS TERMOS JUDICIAIS E DAS ESCRITURAS DE RENÚNCIA ABDICATIVA – Além dos requisitos que já conhecemos, deve o Tabelião ao lavrar uma escritura de cessão de direitos de herança, que equivale a renúncia translativa, fazer mencionar em seu texto, “ad cautelam”, declaração do cedente voltada a informar se existe ou não decisão judicial visando excluí-lo da sucessão, e se o “de cujus” deixou ou não dívidas que comprometem o acervo que se vê à título de herança, e ainda se referida cessão está vinculada apenas ao que cabe no momento ao cedente, ou se irá ela estender a eventuais benefícios decorrentes de supostas renúncias dos outros co-herdeiros, se tiver. Providência semelhante deve ser tomada nos termos judiciais e nas escrituras públicas de renúncia abdicativa, pois, se o renunciante já se apresentar com sentença que o declare indigno ou deserdado, alterada estará a distribuição da herança.
1.11 – RETRATAÇÃO DA RENÚNCIA – Antes de qualquer comentário, vamos aqui nos reportar a imprecisão da aplicação do termo “retratação”, o qual tem o caráter de negar renúncia anteriormente manifestada. Crítica nessa direção é feita por Maria Helena Diniz, em citação que faz na obra Curso do Direito Civil, onde lembra Sílvio Rodrigues, oportunidade em que mostra no caso a ocorrência de uma imperfeição técnica do legislador, pois o caso não se apresenta como de retratação, mas de anulação da renúncia por vício de consentimento. Vamos observar novamente que o conceito mais adequado para a expressão “retratação”, é voltado para um desmentido ou uma negação voluntária daquilo que se fez antes, o que não ocorre no caso em estudo, que cuida de uma imposição legal e não convencional, que, como já dito, seria próprio do termo “retratação” aqui em comento.
Porém, para todos os efeitos, as análises que a seguir fazemos se atêm sem maiores detalhes a expressão ora condenada, pois assim é prestigiada pelo atual Código Civil.
Só é admitida quando nela manifestado um dos vícios de vontade, provenientes de violência, que pode ser física ou moral, erro ou dolo. É o que diz a primeira parte do art. 1.590, do C.Civil. Na verdade não precisaria esse dispositivo, pois no mesmo sentido já temos o art. 147, II, do referido Estatuto legal que coloca todos os atos jurídicos, incluindo-se ai o da renúncia, como sujeitos a anulabilidade, quando maculados com tais vícios. Se nenhum desses vícios vier a renúncia a apresentar, será considerada ela irretratável. Esta forma é imposta e deve ser observada a bem da seriedade e da segurança das relações jurídicas. Assim também acontecia no direito romano, onde, igualmente, não se permitia a posterior reconsideração da decisão de renunciar direito à herança.
A retratação da renúncia da herança não poderá ser apreciada no próprio inventário, devendo ser examinada e julgada em ação ordinária adequada, cujo pedido não deverá ser acolhido se o renunciante houve com malícia na apresentação dos motivos para ver deferida tal retratação.
O novo Código Civil trata do caso no art. 1.812, determinando expressamente que “são irrevogáveis os atos de aceitação ou de renúncia da herança”, sendo assim mais preciso que o visto no Código atual.
2. – ASPECTOS QUE SE VOLTAM PARA A RENÚNCIA DA HERANÇA:
2.1 – RENÚNCIA EM FAVOR DO MONTE OU DOS DEMAIS CO-HERDEIROS – Mesmo em se considerando que a renúncia deve ser pura e simples, e sempre em benefício do monte, nada impede que o renunciante declare no respectivo ato que seus efeitos tenham os demais co-herdeiros como favorecidos. Em qualquer dessas hipóteses, deve o ato ser tido como de renúncia abdicativa, não podendo ai se falar em cessão de direitos, ou de renúncia translativa. O que não pode é escolher um deles ou um terceiro como indicado para receber os efeitos dessa renúncia. Em assim se fazendo devemos entender como anteriormente por ele recebido o direito de herança, resultando tal ato em cessão de direitos que ali se formaliza “inter vivos”, a qual só poderá ser feita por instrumento público, e não mais através de termo nos autos, incluindo-se, ai, também a necessidade em se recolher o imposto devido por esse negócio jurídico, caracterizado como “inter vivos” e não “causa mortis”, os quais têm hoje os Estados como credores, quando feita à título gratuito.
2.2 – RENÚNCIA FEITA POR TUTOR OU CURADOR – O tutor ou o curador não pode em nome de seus representados renunciar a direitos de herança sem autorização judicial, pois tal ato implicaria em abandono dos mesmos, o que estaria a trazer prejuízos aos tutelados e curatelados. Vale aqui destacar que à vista do que temos no art. 427, III, do Código Civil, nem mesmo a aceitação da herança pode ocorrer sem intervenção judicial, o que vem a justificar ainda mais a impossibilidade da renúncia aqui tratada vir a se efetivar sem uma cautela maior.
2.3 – RENÚNCIA DE HERANÇA GRAVADA COM A CLÁUSULA DE INALIENABILIDADE – A imposição de tal cláusula, que deve vir em ato testamentário, não inibe o herdeiro de renunciar a herança, desde que somente em favor do monte (abdicativa), transmitindo-se, em conseqüência, tais direitos aos demais herdeiros, que, por sua vez, terão de suportar a inalienabilidade imposta pelo titular do acervo. Vale aqui lembrar que impedido está o herdeiro de proceder a renúncia com forma de transmissão, uma vez que em assim se fazendo, concluímos que em momento anterior deu por aceita a herança, a qual incorporou seu patrimônio com a cláusula de indisponibilidade (STJ – RESP 57217/SP 1994/0036027-4).
2.4 – RENÚNCIA NA HERANÇA LEGÍTIMA E NO LEGADO, QUANDO RECEBIDOS DE FORMA SIMULTÂNEA – Como já exposto no estudo da aceitação da herança, encontrando-se o beneficiário como herdeiro legítimo e também como legatário em testamento feito pelo autor da herança, poderá ele, à vista do que temos no art. 1.583, do C.Civil, aceitar ou renunciar o que lhe é conferido nos dois, ou aceitar ou renunciar o direito a que se firma cada um dos referidos institutos.
2.5 – RENÚNCIA DA HERANÇA DE PESSOA AINDA VIVA – Não pode ela ocorrer, à vista do impedimento textual que temos no art. 1.089, do Código Civil, que assim se expressa: “Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva”.
2.6 – RENÚNCIA DE HERDEIRO CASADO – A renúncia quando envolve herdeiro casado, no entendimento de Washington de Barros Monteiro, e de Maria Helena Diniz, não necessita de anuência do cônjuge; porém, outros autores, como Caio Maria da Silva Pereira, pensam de forma contrária, afirmando a necessidade da presença do cônjuge. Nossa posição se alia no sentido de não se dispensar a presença do cônjuge do herdeiro em eventual ato de renúncia, buscando assim uma segurança maior para o que se pretende, principalmente quando o herdeiro for casado no regime da comunhão universal de bens, caso em que diretamente seu cônjuge terá prejuízo com tal renúncia Justificamos ainda tal posição pelo que temos no art. 44, III, o qual considera imóvel para os efeitos legais, o direito à sucessão aberta, o que nos leva aos artigos 235 e 242, que, independentemente do regime de bens, exigem sempre anuência dos respectivos cônjuges quando se negocia transferência ou oneração de direitos imobiliários.
2.7 – RENÚNCIA LESIVA AOS CREDORES – Prevê o art. 1.586 do Código, disposição no sentido de não se permitir renúncia lesiva aos credores. Se houver prejuízo com a renúncia, podem estes aceitar a herança em nome do renunciante, a qual deverá ser feita em sua totalidade, independentemente do valor do crédito, pois, como já vimos, a herança, enquanto não tiver sua partilha homologada, será considerada um universo só para todos os herdeiros, impossibilitando assim ser dada a ela tratamento de fração ideal. Para tanto basta ao credor provar que o devedor é herdeiro legítimo daquela herança, e que não tem ele bens ou outros recursos para pagar a dívida que com ele se verifica. Não importa, no caso, que o crédito seja de valor muito inferior ao que está se renunciando. Pedido nesse sentido deverá ser feito pelo interessado nos próprios autos de inventário, desde que ainda em andamento, o qual deverá ser examinado e admitido ou não pelo Juiz do feito. Em assim se fazendo, e sendo por ele admitida a aceitação da herança pelos credores, ai em nome dos renunciantes, serão estes aquinhoados no curso da partilha. Se o herdeiro for comerciante com pedido de falência, a renúncia é nula de pleno direito, apresentando-se como favorecida a massa falida. Em havendo saldo, de acordo com o artigo 1.586, do CCivil, entregar-se-á ele aos demais herdeiros, e não ao renunciante. Se já findo o processado, deverá o credor fazer uso da ação pauliana ou revocatória, que tem por finalidade ver pronunciada em juízo, com relação a ele credor, a ineficácia ou revogação do ato jurídico praticado pelo devedor, dando-se, desta forma, por reintegrado o patrimônio do renunciante.
Na Lei de Falências, este assunto é tratado no art. 52, o qual reza que a renúncia à herança ou a legado não produz efeitos relativamente à massa, se exercida até dois anos antes da declaração da falência. Para o caso, visando obter a ineficácia do ato, é mister ação revogatória.
Devemos aqui ressaltar ser discutível na sucessão testamentária a substituição do herdeiro que renuncia a herança por credor que pretende vê-la recebida para satisfação de seu crédito, quando o respectivo herdeiro testamentário poderá alegar questões de ordem moral para desprezar o benefício que se vê na manifestação de última vontade do testador, e fazer prevalecer a renúncia anteriormente feita.
2.8 – RENÚNCIA DE MEAÇÃO – Não se admite renúncia de meação, pois seu titular já a tem como integrante de seu patrimônio, devendo a mesma ser tratada como cessão de direitos, sujeita, portanto, ao instrumento público, não podendo ser exercida através do termo judicial como se permite na renúncia de herança. Nesse caso, o meeiro só participa do inventário para mera especificação da parte que já é de sua propriedade, independentemente da sucessão.
2.9 – RENÚNCIA DE PARTE DA HERANÇA, OU MEDIANTE CONDIÇÃO, TERMO OU ENCARGO – Devemos aqui ressaltar que se a renúncia vier a ser exposta de forma parcial, ou condicionada, ou ainda mediante termo ou encargo, de renúncia na verdade não se tratará, devendo o ato ser enquadrado como de cessão de direitos, e sujeito às formalidades por ela exigidas, inclusive com recolhimento dos impostos a que a mesma deve se submeter, pois implícito está o efetivo recebimento do direito de herança por parte do renunciante/cedente. Quanto ao não reconhecimento da renúncia parcial, sustenta-se tal proibição em não reconhecer a divisibilidade do patrimônio deixado pelo “de cujus”, o qual, como já dito aqui, é tido como universal até a homologação da partilha, quando então cada herdeiro passa a saber exatamente a parte que nele lhe cabe dentro do que foi deixado pelo falecido. Se porém, o herdeiro que, além dos direitos que lhe são conferidos pela Lei, também vir a se apresentar como herdeiro por testamento, poderá renunciar o direito que teria como herdeiro legítimo, mantendo-se o que lhe é testado, ou renunciar o que lhe é testado e manter o que lhe é de direito como herdeiro legítimo. O art. 1.583, do CCivil, quando trata do aqui exposto, faz referência apenas ao legado, mas entendemos estar ali também protegido o direito do beneficiário do testamento que se apresentar na condição de testamentário de forma universal.
2.10 – RENÚNCIA POR PROCURAÇÃO – Como o ato de renúncia exorbita o da simples administração, depende a procuração de poderes especiais e expressos (art. 1.295, I, do CCivil). Pelo que também já foi decidido pela 2ª. Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, nos autos de Agravo de Instrumento de número 2000 00 2 001103-5 – Processo 0-11035, a procuração a ser usada para o fim de renúncia de herança, mesmo que tenha como mandatário o advogado dos autos, deve se revestir da forma pública, uma vez que o art. 1.581, não admite forma particular para a prática desse ato. O que percebemos nessa decisão quando exigiu o instrumento público para a procuração, é de que em nenhum momento a Lei, e mais precisamente o referido artigo 1.581 permitiu a escrita particular para o herdeiro assim proceder, ou seja, a alternância que ali se vê envolve a escritura pública ou comparecimento pessoal do herdeiro em Juízo para a lavratura do respectivo termo. Desta forma, não podendo o herdeiro comparecer em Juízo para assim fazer, só por meio do instrumento público que poderia ver satisfeita sua vontade.
2.11 – RENÚNCIA NA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA – Algumas peculiaridades devem ser examinadas nesse caso, a saber:
a) se o testador tiver previsto substituto ao renunciante, nenhuma dúvida vamos ter, uma vez que a parte que a ele renunciante seria destinada, irá para seu substituto, como pretendido pelo testador.
b) se não previu tal substituição, e o herdeiro testamentário estiver isolado, a sucessão ocorrerá como se nenhum testamento tivesse sido feito, procedendo-se a entrega do patrimônio aos herdeiros legítimos do “de cujus”.
c) em se verificando que a instituição foi conjunta, irá ocorrer ai o direito de acrescer (art. 1.710, do Código Civil)
d) no caso de ser nomeado no testamento mais que um beneficiário, mas de forma isolada, sem a característica de conjunção, será tal nomeação vista como isolada, não podendo se admitir, no caso, o direito de acrescer, como previsto no caso mencionado no item anterior. Nessa situação, em ocorrendo a renúncia por parte de qualquer um deles, a parte que lhe seria atribuída se voltará para o herdeiro legítimo mais próximo (arts. 1.711 a 1.713, do Código Civil).
2.12 – RENÚNCIA DE HERANÇA – OUTRAS FORMAS – Tida como de forma indireta, ocorre quando o testador testa ou lega que o herdeiro testamentário, nomeado ou instituído, ou o herdeiro legatário entregue coisa de sua propriedade a outrem, para que possa receber a herança ou legado deixado em testamento. Em assim não se fazendo, entender-se-á que renunciou a herança ou legado, pois trata-se de encargo imposto pelo testador.
III – EXCLUSÃO DA SUCESSÃO
(arts. 1.595 a 1602, 1719, e do 1741 ao 1745, todos do Código Civil)
1. – NOÇÕES GERAIS:
1.1. – CONCEITOS E FUNDAMENTOS – Para que possamos tratar da exclusão da sucessão, precisamos saber, primeiro, que capacidade para suceder não deve ser confundida com capacidade civil. Esta é a aptidão que tem uma pessoa para exercer, por si, os atos da vida civil; é o poder de ação no mundo jurídico. A capacidade sucessória é a aptidão da pessoa para receber os bens deixados pelo “de cujus”. Maria Helena Diniz além de dar tais conceitos, assim os exemplifica: uma pessoa pode ser incapaz para praticar atos da vida civil e ter capacidade para suceder; igualmente, alguém pode ser incapaz de suceder, apesar de gozar de plena capacidade civil, como ocorre com o indigno de suceder, que não sofre nenhuma diminuição na sua capacidade para os atos da vida civil, mas não a tem para herdar da pessoa em relação à qual é considerado indigno, pelo que não tem eficácia jurídica a declaração que, porventura, tenha feito de aceitar a herança. Nesse sentido estrito, assevera Caio Mário da Silva Pereira, a incapacidade sucessória identifica-se como impedimento legal para adir à herança.
Importante lembrar que a lei que cuida de dar ou não capacidade para o herdeiro assim se apresentar, é a vigente na data do óbito do titular. Se mudanças ocorreram antes ou depois de seu falecimento, nenhuma influência terá no poder de aquisição dos herdeiros, visto que, como já dito, a lei do dia do óbito é que irá reger o direito sucessório do herdeiro legítimo ou testamentário
Também conhecida como exclusão de herdeiros, pode ser definida como a não inclusão de um herdeiro na sucessão, motivada por fato expressamente previsto em lei. Tem ela o alcance restrito a pessoa excluída, dando-se, desta forma por respeitados os direitos de seus herdeiros, pois será o excluído visto como se morto fosse para tais fins. Essa exclusão pode ser apresentada através do afastamento ou do impedimento do herdeiro em participar da herança.
Dentro do direito brasileiro, temos 3 institutos que cuidam de excluir o herdeiro em receber herança, apresentando os mesmos efeitos, porém com estruturas diversas, e que são:
a. – por incapacidade – art. 1.719, do C.Civil;
b. – por indignidade – arts. 1.595 ao 1.602, do C.Civil;
c. – por deserdação – arts, 1.595 ao 1.602, e 1.741 ao 1.745, do mesmo Código.
Incapacidade – consiste na falta de aptidão para receber a herança, como acontece com a pessoa ainda não concebida ao tempo da abertura da sucessão, ou, se concebida, não nascer com vida. Idêntico tratamento deve ser dado às coisas inanimadas e animais, pois não reúnem elementos para se apresentarem como sujeitos a algum direito. No art. 1.719, do Código vigente, temos expressamente catalogados casos dessa incapacidade, a saber: Art. 1.719 – Não podem também ser nomeados herdeiros, nem legatários: I – pessoa que, a rogo, escreveu o testamento; II – as testemunhas do testamento; III – a concubina do testador casado; IV – o oficial público, civil ou militar, nem o comandante, ou escrivão, perante quem se fizer, assim como o que fizer, ou aprovar o testamento.
Indignidade – dá o herdeiro por excluído da herança à vista da prática de ato que contraria a ordem jurídica – atinge tanto os herdeiros legítimos – necessários e não necessários -, como também os testamentários, incluindo-se ai os legatários. É caracterizada como uma pena civil, pois priva o infrator do direito de herança.
Deserdação – situada no campo da sucessão testamentária, visa a exclusão punitiva do herdeiro necessário, por iniciativa do testador. Não pode ela atingir os herdeiros não necessários, cuja pena fica restrita ao instituto da indignidade.
2. – ASPECTOS QUE SE VOLTAM PARA A EXCLUSÃO DA SUCESSÃO:
2.1 – INDIGNIDADE:
2.1.1 – CASOS QUE TORNAM O HERDEIRO INDIGNO – Código Civil – Art. 1.595 – “São excluídos da sucessão – arts. 1.708, IV, e 1.741 a 1.745, do CCivil – os herdeiros, ou legatários”.
I – que houverem sido autores ou cúmplices em crime de homicídio voluntário, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se trata;
O novo Código acrescenta ao que se vê neste inciso também a figura do cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente do titular da sucessão (art. 1814 – I)
II – que a acusaram caluniosamente em juízo, ou incorreram em crime contra a sua honra;
O novo Código também traz um acréscimo na redação que acima se apresenta, estendendo o ali previsto para as pessoas do cônjuge ou companheiro do titular da herança (art. 1.814 – II)
III – que, por violência ou fraude, a inibiram de livremente dispor dos seus bens em testamento ou codicilo, ou lhe obstaram a execução dos atos de última vontade.
Tais causas podem ser resumidas em atentados contra a vida (I), a honra (II) e a liberdade do “de cujus” (III), e levam o autor a ser considerado indigno para com o titular da herança.
No caso de indignidade por homicídio ou tentativa de homicídio, o Código não exige a condenação. Se absolvido por falta de provas, pode no caso de declaratória de indignidade ocorrer essa prova e assim ser declarado (não herdará).
A relação que aqui se expõe, é exaustiva, não se admitindo extensão analógica, uma vez que cuida ela da aplicação de uma pena civil, devendo ai prevalecer a máxima jurídica de que não há pena sem lei (nulla poena sine lege). Mesmo sob essa máxima, questão acadêmica se coloca na busca de também se considerar indigno o herdeiro que induz o titular da herança ao suicídio, equiparando-a ao homicídio.
2.1.2 – JULGAMENTO DO INDIGNO PELO JUÍZO CRIMINAL – A legislação brasileira não exige prévio julgamento condenatório do acusado na área criminal para considerá-lo indigno na área civil, excluindo-o, em conseqüência, da sucessão hereditária. Admite ela que tal prova seja produzida no cível. Não se discute, porém, que a absolvição do herdeiro na ação criminal, à vista de reconhecimento de uma excludente de criminalidade, impede o questionamento do fato no cível (art. 1.525, do C.Civil). Assim, como a sentença criminal produz efeito de coisa julgada em relação aos efeitos civis, lícito não será o juízo cível reconhecer a indignidade do acusado em sua área. O mesmo não pode ser dito quando o crime cuidar apenas da extinção da pena – prescrição ou indulto -, que não tem o condão de ilidir a exclusão do herdeiro.
Quanto ao agravo moral tratado no inciso II – “que a acusaram caluniosamente em juízo, ou incorreram em crime contra a sua honra” -, lembramos que a ofensa caluniosa só se caracteriza como motivo para decretação da indignidade do agente, se apresentada perante o juízo criminal, através de queixa ou de representação perante o Ministério Público, de maneira que não se configura indignidade se o herdeiro acusar, caluniosamente, o autor da herança em juízo cível (RT, 145:693; AJ, 97:45). Quanto aos crimes contra a honra, a que se estende dita disposição legal, temos a calúnia, a difamação e a injúria. Orlando Gomes, citado por Maria Helena Diniz, entende que a expressão “crimes contra a honra” deve abraçar também ofensas contra a memória do morto.
Analisando ao que temos no inciso III – “que, por violência ou fraude, a inibiram de livremente dispor dos seus bens em testamento ou codicilo, ou lhe obstaram a execução dos atos de última vontade” -, percebemos que o legislador visou punir o herdeiro que, fraudulenta, dolosa ou coativamente, venha a praticar atos que busquem inibir o titular de direitos no que efetivamente pretendia executar, tirando dessa situação proveito próprio. Maria Helena Diniz traz alguns exemplos do que ora ensina, dentre os quais destacamos o do herdeiro ou legatário que induz o “de cujus” a fazer testamento, ou que venha a impedi-lo de revogar tal ato feito em momento anterior. Como tal comportamento não se caracteriza ilícito penal, Caio Mário da Silva Pereira entende que o fato deverá ser provado por qualquer meio. Maria Helena ensina ainda que o ato lesivo do sucessor não será punido se ele tiver tempo de corrigir seus efeitos. Ex. – se induziu o testador a facção testamentária, executada de forma cerrada ou particular, e, posteriormente, inutiliza a cédula.
2.1.3. – EFEITOS DA INDIGNIDADE – Assim nos ensina Maria Helena Diniz:
2.1.3.1 – Os descendentes do excluído o sucedem, por representação, como se o indigno já fosse falecido na data da abertura da sucessão (art. 1.599, do C.Civil). Os bens que o indigno deixa de herdar são devolvidos às pessoas que o herdariam, como se ele morto fosse, devido ao caráter personalíssimo da pena, que não deve ultrapassar a pessoa do delinqüente, ante a injustiça de se estender a outrem as conseqüências de um fato a que se mostrou alheio. Observe-se, no entanto, que a substituição do excluído da sucessão ocorre tão-somente na linha reta descendente (art. 1.599, do C.Civil); não podendo, em conseqüência, ser sucedido pelos ascendentes ou colaterais.
2.1.3.2 – Retroação “ex tunc” dos efeitos da sentença declaratória da indignidade, pois, embora se reconheça a aquisição da herança pelo indigno, a legislação faz os efeitos da decisão judicial retroagirem à data da abertura da sucessão, considerando o indigno como pré-morto ao “de cujus”. Assim, se o herdeiro indigno durante o período entre a data da abertura da sucessão e o reconhecimento da indignidade, tirou proveito dos frutos e rendimentos do acervo, deverá restituí-lo ao monte, uma vez que está no caso equiparado ao possuidor de má fé. Apesar disso, terá ele direito ao ressarcimento dos gastos que teve com a conservação dos bens até então em sua posse, pois a ninguém é lícito locupletar-se à custa alheia. Todavia, no seu efeito retroativo, a sentença não poderá causar prejuízos aos direitos de terceiros de boa fé, daí respeitarem-se os atos de disposição à título oneroso ou de administração praticados pelo indigno antes da sentença; mas aos co-herdeiros subsiste, quando prejudicados, o direito a demandar-lhe perdas e danos (art. 1.600, do C.Civil);
2.1.3.3 – O excluído da sucessão não terá direito ao usufruto e à administração dos bens que a seus filhos menores couberem na herança (art. 1.599, do C.Civil), ou à sucessão eventual desses bens (art. 1.602, do C.Civil), uma vez que quanto ao produto da herança que foi considerado excluído, é equiparado ao morto civil e, em assim sendo, não poderia receber tais direitos. Desta forma, se um de seus filhos que o substituiu vier a falecer, sem descendentes, não poderá o excluído receber o que for deixado à título de herança;
Devemos também observar que o indigno não está proibido de representar o ofendido na sucessão de outro parente, já que a pena deve ser considerada restritivamente.
2.1.4 – FALECIMENTO DO INDIGNO – Importante lembrar que se o indigno vier a falecer durante o processo de conhecimento, extinta estará a ação movida contra ele, não podendo as conseqüências de eventual declaração de indignidade se estender aos seus sucessores, porque, como já vimos, trata-se ela de uma pena, e nenhuma pena deverá ir além do criminoso.
2.1.5 – FORMALIDADES EXIGIDAS PARA CARACTERIZAR A EXCLUSÃO – O pretendente na exclusão de um herdeiro, deverá assim se manifestar através de testamento, onde, de forma expressa, fará consignar o motivo que lhe deu causa. A causa de assim se fazer deverá ser reconhecida judicialmente, em ação própria, a ser promovida por quem poderia se beneficiar com tal exclusão, ou até mesmo pelo próprio herdeiro prejudicado, que irá tentar refutar tal situação, mantendo-se como herdeiro regular, sem considerar a causa que o levaria a ser excluído da sucessão. O prazo da prescrição para tal ação é de 4 anos, contado da abertura da sucessão (art. 178, § 9º., IV, do C.Civil), e, enquanto se processa tal ação, o inventariante ficará na posse da herança, até sua decisão final. Percebemos pela forma como o legislador tratou da prescrição que a ação visando a exclusão de herdeiro não precisa ser impetrada com o titular de direitos ainda em vida, podendo e até mesmo devendo ela ser apreciada após seu falecimento, o que, com certeza, estaria a levar o caso a um julgamento mais justo, sem se ater ao sentimento do próprio ofendido, que, no caso, já não mais aqui está para assim se manifestar.
2.1.6 – REABILITAÇÃO DO INDIGNO – o ofendido pode reabilitar o indigno, dando-lhe condições para o ingresso na herança. Isso só pode ocorrer à vista de declaração do ofendido expressa em testamento ou em ato autêntico. Uma vez concedido o perdão, este será irretratável, não mais se reconhecendo aos co-herdeiros legitimação para reabrir o debate.
INCAPACIDADE SUCESSÓRIA E A INDIGNIDADE – DESSEMELHANÇAS – Ensina Maria Helena Diniz que, embora a indignidade esteja bastante próxima da incapacidade sucessória, com ela não se confunde, porque:
a) a incapacidade impede que surja o direito à sucessão e a indignidade obsta a conservação da herança;
b) a incapacidade é um fato oriundo do enfraquecimento da personalidade do herdeiro, enquanto a indignidade é uma pena que lhe é imposta, se violou o art. 1.595, do C.Civil;
c) o incapaz não adquire a herança em momento algum, ao passo que o indigno já recebe a posse e o domínio dela por ocasião da abertura da sucessão, vindo a perder os bens hereditários somente com o trânsito em julgado da sentença declaratória de sua indignidade;
d) o incapaz nunca foi herdeiro, nada transmitindo a seus sucessores; o indigno, por sua vez, foi herdeiro, e, devido ao caráter personalíssimo da pena, transmite sua parte na herança, como se morto fosse, a seus descendentes.
2.2 – DA DESERDAÇÃO:
2.2.1 – BASE LEGAL – Vem ela tratada nos artigos 1.741 a 1.745, do Código Civil, a saber:
1.741 – Os herdeiros necessários podem ser privados de sua legítima, ou deserdados, em todos os casos em que podem ser excluídos da sucessão.
1.742 – A deserdação só pode ser ordenada em testamento, com expressa declaração de causa.
1.743 – Ao herdeiro instituído, ou àquele a quem aproveite a deserdação, incumbe provar a veracidade da causa alegada pelo testador (art. 1.742, do C.Civil).
Parágrafo único – Não se provando a causa invocada para a deserdação, é nula a instituição, e nulas as disposições que prejudiquem a legítima do deserdado.
1.744 – Além das causas mencionadas no art. 1.595, autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes:
I – ofensas físicas;
II – injúria grave;
III – desonestidade da filha que vive na casa paterna (ver art. 5º., I, da C.Federal – Todos são iguais perante a lei ….)
IV – relações ilícitas com a madrasta, ou o padrasto;
V – desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.
O novo Código Civil excluiu como motivo para deserdação o que vemos no inciso III, ou seja, “desonestidade da filha que vive na casa paterna”
1.745 – Semelhantemente, além das causas enumeradas no art. 1.595, autorizam a deserdação dos ascendentes pelos descendentes:
I – ofensas físicas;
II – injúria grave;
III – relações ilícitas com a mulher do filho ou neto, ou com o marido da filha ou neta.
IV – desamparo do filho ou neto em alienação mental ou grave enfermidade.
Nem sempre a manifestação de vontade do testador possui caráter positivo, no sentido de beneficiar alguém; pode ser negativo, visto que pode privar um herdeiro necessário de sua legítima (C.Civil – art. 1.741) por meio da deserdação, favorecendo com isso, ainda que indiretamente, outro herdeiro.
2.2.2 – DESERDAÇÃO – PENA PESSOAL – A deserdação é pena imposta ao herdeiro, não podendo, portanto, passar da sua pessoa, o que significa que não alcança seus sucessores.
A Lei 10.406/2002 – novo Código – prevê em seu art. 1.818, parágrafo único, que “não havendo reabilitação expressa, o indigno, contemplado em testamento do ofendido, quando o testador, ao testar, já conhecia a causa da indignidade, pode suceder no limite da disposição testamentária”
2.2.3 – EXCLUSÃO DE HERDEIROS NÃO NECESSÁRIOS – Como a deserdação só atinge herdeiro necessário, não se estendendo para os colaterais, o testador, se desejar, pode proceder à exclusão de herdeiros não necessários, segundo o comando do art. 1.725, do Código Civil, sem que para isso faça uso dos institutos da indignidade e da deserdação, bastando que disponha em vida que seu patrimônio seja atribuído a outras pessoas, sem necessidade de justificar tal posição. Estará, em assim se fazendo, excluindo esses pretensos herdeiros do direito que até então a lei lhes conferia, sem que para isso viesse a se manifestar expressamente seu desejo de excluí-los da sucessão.
2.2.4 – EFEITOS DA DESERDAÇÃO – Maria Helena Diniz alerta que, quanto aos efeitos da deserdação, seria de bom alvitre lembrar que:
a) – pelo art. 1.572, do C.Civil, o deserdado adquire o domínio e a posse dos bens da herança com a abertura da sucessão; todavia, com a publicação do testamento, surge uma condição resolutiva da propriedade. Deveras, se se provar a causa de sua deserdação, será ele excluído da sucessão, retroagindo os efeitos da sentença até a data da abertura da sucessão. Ou seja, o deserdado é considerado como se morto fosse, portanto, como se nunca tivesse tido o domínio daqueles bens do acervo hereditário do autor da herança;
b) – ante o caráter personalíssimo da pena de deserdação, os descendentes do deserdado sucedem como se ele fosse falecido, procedendo à sua substituição, não se estendendo a deserdação aos descendentes do excluído. Ela atinge exclusivamente o culpado, pois há um princípio geral de direito que impede a punição do inocente, consagrando a idéia do caráter personalíssimo da pena. Em sentido contrário, Washington de Barros Monteiro, que propugna a exclusão não só do deserdado, bem como de seus descendentes, por não haver no Código Civil, no capítulo atinente à deserdação, norma similar à do art. 1.599, alusivo à indignidade, ao prescrever que são pessoais os efeitos da exclusão do herdeiro por indignidade;
c) há necessidade de preservar a integridade do acervo hereditário para entregá-lo ao deserdado, se ele vencer a ação proposta pelo beneficiado com a sua deserdação; ou para destiná-lo ao herdeiro instituído ou a outros favorecidos com a exclusão do deserdado, se este for vencido na referida ação. Para tanto, será preciso nomear um depositário judicial, que custodiará a herança até o trânsito em julgado daquela ação;
d) se não se provar a causa da deserdação, ela não prevalecerá, mas o testamento produzirá todos os seus efeitos naquilo que não contrariar a legítima do herdeiro necessário, reduzindo-se os quinhões dos herdeiros legítimos, dos instituídos e dos legatários, se isso for necessário, para inteirar a legítima do herdeiro que foi infelizmente deserdado.
Maria Helena Diniz ensina ainda que convém mencionar que a mera reconciliação do testador com o deserdado não gera a ineficácia da deserdação, se o testador não se valer da revogação testamentária, porque, como aqui já dito, essa pena é imposta por testamento.
2.2.5 – REQUISITOS PARA A FORMALIZAÇÃO DA DESERDAÇÃO – Para que se efetive a deserdação, é necessária a presença de certos requisitos essenciais, como:
a) existência de herdeiros necessários;
b) exigência de testamento válido com expressa declaração do fato determinante da deserdação (C.Civil – art. 1.742), ocorrido, obviamente, antes de sua morte. O testador só pode deserdar seus herdeiros necessários por meio do testamento, ante a solenidade com que se reveste esse ato. Se nulo for o testamento, igualmente nula será a deserdação;
c) fundamentação em causa expressamente prevista pelo legislador, pois nula será a cláusula testamentária pela qual o testador deserda herdeiro sem declarar-lhe a causa (RT, 263:135, 160:717), ou por motivo não contemplado em lei. O legislador retira do testador a decisão quanto aos casos de deserdação, devido à gravidade desse ato, não admitindo interpretação extensiva e muito menos o emprego de analogia;
d) comprovação da veracidade do motivo alegado pelo testador para decretar a deserdação (RT, 329:243), feita pelo herdeiro instituído ou por aquele a quem ela aproveita (C.Civil – Art. 1.743), por meio de ação ordinária movida contra o deserdado dentro do prazo de 4 anos, contados da abertura da sucessão (C.Civil – art. 178, § 9º., IV). Se provar cabalmente o fato, a sentença privará o herdeiro de sua legítima. Se não se conseguir provar a causa da deserdação, nula será a instituição de herdeiro e todas as disposições que prejudicarem a reserva legitima do deserdado (C.Civil – art. 1.743 e parágrafo único; RT, 181: 708), mas, se se tratar de legado, cumprir-se-á a liberalidade que comporte a quota disponível.
O novo Código prevê o prazo de 4 anos, a contar da data da abertura do testamento, para se provar a causa da deserdação (art. 1.965 – § único). Proposta de modificação que se encontra no Projeto de Lei 6.960/2002, de autoria do Dep. Ricardo Fiúza, altera dito prazo para 2 anos, a partir da data a abertura da sucessão.
INDIGNIDADE E DESERDAÇÃO – DESSEMELHANÇAS – Apesar de a indignação e a deserdação terem o mesmo objetivo – a punição de quem ofendeu o “de cujus” – são institutos distintos, pois:
a) a indignidade funda-se, exclusivamente, nos casos expressos no art. 1.595, do C.Civil, ao passo que a deserdação repousa na vontade exclusiva do autor da sucessão, que a impõe ao ofensor no ato de última vontade, desde que fundada em motivo legal (C.Civil – arts. 1.595, 1.744 e 1.745, do C.Civil);
b) a indignidade é própria da sucessão legítima, alcançando, também, herdeiros testamentários, incluindo-se, ai, os legatários (art. 1.595, do C.Civil), enquanto a deserdação afasta da sucessão somente os herdeiros necessários, através de manifestação do titular da herança, que só pode ser feita mediante testamento.
IV – BIBLIOGRAFIA
1. – Tratado dos Registros Públicos – Miguel Maria de Serpa Lopes – 3ª. edição – Editora Livraria Freitas Bastos;
2. – Curso de Direito Civil – Washington de Barros Monteiro – Direito das Sucessões – Editora Saraiva – 17ª. Edição;
3. – Curso de Direito Civil Brasileiro – Maria Helena Diniz – Direito das Sucessões – Editora Saraiva – 7ª. Edição;
4. – Publicações Jurídicas – Perrone Cartier – Roteiro de Informações Jurídicas para Serventias;
5. – Testamento – Leila Moreira Soares – Editora WVC;
6. – Vocabulário Jurídico – De Plácido e Silva – Editora Forense
Referência Biográfica
SERGIO BUSSO, 2º Tabelião de notas de Araraquara (SP)