Analisar os paradigmas da metafísica clássica e moderna calcados no dualismo sujeito-objeto e que formam a ideia de verdade no neopositivismo e, estão igualmente presentes nas decisões judiciais.
Aliás, com o CPC/2015 vários paradigmas são trazidos tais como: a prioridade pela autocomposição das partes por meio de mediação e conciliação, a primazia do julgamento do mérito, prevendo a maior sanabilidade que possível, a previsão do contraditório dinâmico e mais efetivo, o endosso legitimador da fundamentação das decisões judiciais e, por fim, a maior celeridade processual pela simplificação e até customização do rito processual.
O CPC/2015 assumidamente neoprocessualista[1] filia-se consequentemente ao neopositivismo[2] que é explicado tanto pela filosofia como pela teoria geral do Direito e, ainda, a epistemologia jurídica.
A garantia de eficácia do CPC está ligada aos problemas de linguagem, pois os juristas estão diariamente envoltos com a linguagem e, esta é indispensável para que possam articular os pensamentos, bem como expressar-se. Há quem cogite no chamado “juridiquês”.
A linguagem ao longo dos anos tem sido estudada tanto pela filosofia do Direito como pela filosofia da linguagem, tendo em vista que desde da Antiguidade Clássica procurou-se descobrir a noção de verdade, ou seja, basear-se para poder decidir e como deveria ser tal decisão.
E nesse contexto, a metafísica tem por fim analisar a partir da matriz hermenêutica, por meio de filósofos e juristas que também trataram do tema. Os primórdios da filosofia da linguagem começam com Platão e sua noção sobre a verdade, que se encontrava nas coisas, uma vez que as palavras e a linguagem podiam ser enganosas.
Tanto Platão quanto Aristóteles traçaram suas teorias de maneira a rechaçar a ideias dos sofistas, posto que não acreditassem que a linguagem deveria ser utilizada como melhor conviesse ao indivíduo. Enfim, questiona-se o que deveria ser buscado: era a verdade.
Já para Aristóteles é através da essência das coisas que se poderá dar sentido àquilo que se fala, ou a forma como o mundo se apresenta. Apresentava-se o entendimento contrário, o qual foi elaborado pelos estoicos, pois estes não comungavam que os objetos possuíssem essência, sendo que, seus textos serviram de base para que Saussure[3] realizasse sua teoria sobre o signo[4].
O pensamento dominante na metafísica clássica permaneceu durante toda a Idade Média, quando então muitos textos gregos foram traduzidos para o cristianismo. E, Santo Agostinho[5] busca no interior a solução para a verdade, enquanto que Santo Tomás de Aquino[6] sustenta na razão divina a noção de verdade.
Em oposição as suas ideias, surge o nominalismo de Guilherme Ockham[7] que enfatizou a importância da linguagem. Posteriormente, apresenta-se a influência da metafísica da Escola da Exegese[8] surgida na França e na Escola da Jurisprudência dos Conceitos[9] elaborada da Alemanha, onde apesar de tentarem dar uma resposta ao sistema positivista, não deixaram de importar os mesmos preceitos já presentes na Antiguidade Clássica.
A relevância dessa corrente é grandiosa, especialmente porque esta constituiu o primeiro esforço sistemático no sentido de elaborar um conhecimento científico acerca do direito positivo e, nessa medida, ela é precursora de toda a ciência jurídica[10] contemporânea.
O nome mais destacado à jurisprudência dos conceitos é o Georg Puchta, principal discípulo de Savigny e mentor do projeto de construção do sistema conceitual abstrato que ele próprio chamava de genealogia dos conceitos.
Como a principal obra de Puchta chamava-se Pandekten (Pandectas) e esse mesmo título foi utilizado por vários dos juristas que levaram à frente a sua proposta teórica que ele propôs, passou-se a designar como pandectística a corrente que buscou aplicar ao direito o método propugnado por Puchta.
Embora esse método tenha sido utilizado também no estudo do direito público, a pandectística é uma escola tipicamente ligada ao direito privado, tendo atingido sua formulação mais acabada nas Pandectas de Bernhard Windscheid, que exerceram tal influência que vieram a praticamente servir como base para a codificação do direito germânico ocorrida no final do século XIX.
Acontece a ruptura trazida pela metafísica moderna a partir da noção de sujeito formulado por Descartes, ser pensante, sendo o filósofo responsável pela criação do solipsismo[11] como consequência do cogito ergo suum, ou seja, penso logo existo.
No mesmo período, surgiu o contratualista Thomas Hobbes[12], grande defensor da sociedade civil que apontou que esta seria resultado de um contrato e novamente trouxe a linguagem como fundamental instrumento para formulação do Estado. Mais tarde, a teoria de Immanuel Kant apontou que a linguagem possui caráter acessório, pois o conhecimento pertenceria ao indivíduo a priori.
Através de Nietzsche[13] aconteceu novamente uma ruptura paradigmática, pois não concordando com os pensadores gregos e com Kant, expôs sua teoria a partir dos problemas que a linguagem[14] apresenta para o pensamento real.
Após a exposição filosófica sobre a metafísica moderna relaciona-se sua influência para a ocorrência da Escola da Jurisprudência dos Interesses[15], bem como com o problema da discricionariedade[16] judicial, onde o sujeito solipsista decide conforme sua consciência.
Sendo que essa corrente de pensamento somente foi derrubada a partir do giro linguístico. Há um impasse a superar na interpretação do Direito, de qual forma maneira a discricionariedade do julgador ultrapassa as barreiras do positivismo, ou melhor, fere a própria democracia.
Para abordar tal questão, optou-se pelo método hermenêutico[17], a fim de contrapor a interpretação e as ideias apresentadas pelos filósofos que construíram o entendimento dentro da metafísica clássica e moderna.
Quando se inicia um estudo filosófico na busca do essencial, ou seja, do que está nas entrelinhas dos problemas e teorias fundamentais das ciências. É aquilo que os olhos não podem ver na primeira observação, tendo em vista que é necessário um esforço para que se consiga visualizar quais os problemas jurídicos que a sociedade enfrenta, para então buscar possíveis respostas.
Desta forma, a filosofia do Direito transcende ao Direito, visto que tende a responder os questionamentos feitos por este. Dentre tais questionamentos e problemas que o Direito[18] enfrenta, percebe-se que ainda se decide conforme os padrões aristotélicos e da filosofia da consciência, onde o conceito de verdade fica restrito ao dualismo objeto- sujeito. Alega-se que o dualismo tem elevado a discricionariedade do intérprete da norma.
Esse dualismo vem da busca pela verdade que desde a Antiguidade constituía um problema, algo que deveria ser desvendado. Nesse período o senso comum acreditava que era verdade, era o mundo sensível, ou seja, aquele que os sentidos poderiam perceber e tocar.
Com isso, a verdade passou a ser relacionada à coisa (objeto do mundo sensível), sendo que a linguagem para ser considerada verdadeira deveria registrar adequadamente a coisa.
Na metafísica clássica a verdade está relacionada ao objeto, a coisa. Em Crátilo[19], de Platão, apresenta-se a discussão sobre a linguagem, pois são contrapostas duas teses, de um lado o naturalismo, onde cada coisa tem um nome por natureza e de outro o convencionalismo, defendido pelos sofistas, no qual a ligação dos nomes é terminantemente arbitrária e convencional.
Não há uma relação entre as palavras e as coisas, sendo que Platão tomou a posição intermediária entre ambas. Isso porque, no naturalismo há a noção de que a significação de uma palavra está ligada ao seu som, enquanto que Platão traçou a noção de que uma afinidade natural deve existir entre o som e a significação da palavra, por isso apesar de as palavras não imitarem os sons, elas representam a essência das coisas.
Ou seja, as palavras são a própria coisa, o próprio ser. Logo, para o filósofo a palavra será justa somente quando apresentar corretamente a coisa. Tal teoria de Platão representa o pensamento objetivista, no qual as coisas têm características que se relacionam, sendo a tarefa da linguagem ser a expressão correta da ordem objetiva das coisas.
Platão questionou-se a respeito da forma mais segura para se obter o conhecimento, pois que através dos nomes é possível conhecer com exatidão a coisa, assim como por meio das coisas em si mesmas (visto que uma coisa difere-se a todas as outras que não são seus semelhantes), assim pode-se partir da imagem que reproduz consequente a verdade sobre a coisa, ou partir da verdade, para então conhecer a coisa e sua imagem e verificar então se foi acertadamente realizada.
Platão recomenda que se deva começar o conhecimento pela verdade, não é pelos nomes que se deve partir, mas sim, das coisas. Tal conclusão platônica representa a principal ideia da metafísica clássica, posto que deseje demonstrar que através da linguagem, não se chega à verdade sobre as coisas, pois o que é real, só é conhecido em si mesmo, sem a intervenção linguística, onde é possível conhecer as coisas sem os nomes.
Assim como a verdade está no objeto, a linguagem seria unicamente um instrumento, sendo que o conhecimento não necessita dela. Nesse sentido, a linguagem não é a formadora da experiência humana, mas sim, um instrumento posterior, haja vista, que possui a função de designar com sons, o que fora percebido sem esta.
Diferencia a linguagem do conhecimento, pois para o filósofo a linguagem possui função secundária ao pensamento, o próprio pensar seria uma atividade não linguística.
Defende Platão que não existe uma autonomia da linguagem em relação às coisas, dessa forma, ele e Aristóteles possuem um entendimento contrário ao convencionalismo, haja vista que, conforme se percebe nas suas teses, não ser possível confiar na linguagem, inclusive, os sofistas gregos haviam formulado muitos paradoxos, com o cretense mentiroso: Um cretense diz: “todos os cretenses são mentirosos”. Ora, quando um cretense diz que “todos os cretenses são mentirosos”, não se sabe se o que ele diz é mentira ou verdade.
A partir de Platão tem-se a noção de metafísica, na medida em que é possível exprimir de suas ideias uma universalidade do discurso que apresenta uma verdade sobre o ser, a coisa Seu discurso apresenta uma correspondência entre o pensamento e o ser.
Para Josef Simon[20], o filósofo grego iniciou a filosofia ontológica, uma vez que enxergou no “ser das coisas”, o seu objetivo, ao tentar eliminar o poder dos nomes sobre os significados, ao passo que a retórica sofística a este se manteve presa.
Com Aristóteles surge a primeira metafísica, depois de ter sido discípulo de Platão por dezenove anos, elaborou sua própria tese, visto que não satisfeito com a resposta do mestre que deu aos sofistas. Criou uma teoria voltada para significação, objetivando a refutar a proposição sofística.
Como Aristóteles não concordou com a noção de Platão de que as palavras possuíam uma relação mimética com as coisas. Veio a romper com esse vínculo proposto pelo seu mestre e, finalmente escreveu a sua teoria baseada na teoria da significação, onde a linguagem será o signo e o ser, o significado.
Enquanto que em Platão, a linguagem é apenas um instrumento, cuja relevância é secundária se comparada às coisas e as ideias, para os sofistas a linguagem tem absoluta importância, tanto que desvincula o ser da verdade.
Aristóteles concorda inicialmente com os sofistas, no sentido do valor que a linguagem possui em sociedade. Porém, na sua teoria será a essência das coisas que darão possibilidade de sentido às palavras. Sem a essência, as palavras perderiam a sua função de significante.
Para Aristóteles, a metafísica, era chamada de ciência primeira, que estuda o ser, enquanto ser e os acidentes próprios do ser. Ao contrário das demais ciências que o estudam limitadas sob determinado ponto de vista. Portanto, a metafísica analisar os questionamentos sobre os princípios, as causas mais elevadas, é evidente que tais princípios devem ter uma natureza própria.
Voltando a tese aristotélica percebemos que o indivíduo é formado por matéria e forma, sendo seria como cada um se individualiza e a forma seria a maneira pela qual a matéria se organiza.
Assim, todos os indivíduos de uma mesma espécie teriam uma mesma forma, diferenciando-se na matéria, em face de que os indivíduos são diferentes uns dos outros, ao menos numericamente.
Para Aristóteles, a matéria e forma são impossíveis de serem divorciadas, posto que constituam uma unidade.
O ser humano, a partir da abstração de seu intelecto consegue se relacionar com diferentes objetos, a partir dos quais têm a mesma forma, diferenciando-se de acordo com suas qualidades particulares da matéria.
Logo, a ideia de ser humano, de homem, é uma natureza comum a todos os homens, a partir da forma de ser humano, por meio desta, também é possível distingui-los dos demais animais.
Por essa razão o que existem são as substâncias dos seres, se não houvesse indivíduos, não existiriam, ipso facto, nem espécies, nem gêneros, pois, é justamente dessa substância que depende o conhecimento humano.
Didaticamente Aristóteles explicou que o ser pode ser entendido de diversas maneiras, mas estes diferentes sentidos, se referem a uma só coisa, isto é, uma mesma natureza, sendo que não existe entre eles apenas uma similaridade de nome.
Um ser pode ser muitos significados, mas todos se referem a um único princípio, a sua ideia de substâncias. A essência não é o ser, mas sim, esta é ele no ser.
Conclui-se que a metafísica seria uma ciência que estuda igualmente os seres enquanto seres. E, tendo em vista que cada ciência possui um objeto que lhe é próprio, na metafísica, o seu objeto de análise é o motivo da existência das demais coisas, necessita Aristóteles ao determinar a essência como objeto, estabelecer os princípios e as causas essenciais.
Segundo Aristóteles as palavras só possuíam sentido definido porque as coisas possuíam essência, a linguagem não manifestava (teoria defendida por Platão) a coisa, mas sim, a significava.
A palavra denominada pelo filósofo, relaciona-se com a coisa devido à significação e não por semelhança ou imitação. Logo, para que o pensamento e a linguagem ocorram é preciso que as palavras tenham um sentido definido, o que é possível a partir da essência.
Isto advém da distinção aristotélica existente entre o discurso geral e a proposição, onde explica que somente com a proposição, pode-se observar quando algo é verdadeiro ou falso. Sendo que os discursos são verdadeiros quando apresentam as semelhanças com as coisas em si.
Para tanto, dizer que aquilo que é, não é, ou que aquilo que não é, ou é falso. Enquanto que dizer que aquilo que é, que não é, ou é verdadeiro.
Importante há de se distinguir a semelhança de significação, tendo em vista que não haja semelhança completa entre os nomes e as coisas, porque os nomes são limitados, ao passo que as coisas são numericamente infinitas, o que determina que muitas venham a ser nomeadas com um único nome.
A linguagem e mais propriamente a palavra será o símbolo do real, pois como não apresenta uma semelhança completa com a coisa, não poderá ser utilizada no lugar destas, de modo que exprime uma ligação ou distância em face e que, ao mesmo tempo em que a palavra não pode ser entendida como um signo do real, esta expressa uma relação simbólica, cujo sentido é determinado pela intervenção do ser, o que permite, por exemplo, que se diferencie a linguagem humana dos sons produzidos pelos animais.
Com o surgimento do discurso advém o problema de seja universal, as coisas são singulares. E, por meio da convenção, as palavras são significativas e para garantir que estas conservem a devida significação, ou seja, uma unidade objetiva, Aristóteles utilizou-se da noção de essência das coisas.
A comunicação entre humanos somente é possível porque as palavras possuem uma unidade de sentido, ao contrário de Platão que defendia a secundária importância da linguagem.
A metafísica aristotélica[21] também pode ser caracterizada como ontologia, uma vez que a linguagem não traz um discurso do ser, mas somente pode ser compreendida a partir do seu fundamento, ou seja, do ser em si.
Dessa forma, a ontologia como ciência primeira, seria o estudo das condições de possibilidade da comunicação humana.
Diametralmente opostas às teorias de Platão e Aristóteles, os estoicos vão assumir um viés materialista, pois, para estes, apenas o que existe é o corpo, o qual é passível de tensões e acontecimentos. Logo, somente o indivíduo singular é o real.
O significante seria a palavra, já o significado seria a coisa que é relevada pela palavra, que é formada através do pensamento humano, enquanto que o objeto existe no mundo exterior ao pensamento.
Por essa razão, a palavra e o objeto são corpóreos, enquanto que o significado que é também chamado de entidade, é incorpóreo, mas presente no pensamento. Tal entidade não se confunde com as palavras, somente poderá ser expresso a partir das palavras, logo, esta é o que dá sentido à fala.
A linha divisória nos estoicos foi traçada entre as palavras e o sentido (corpóreo e incorpóreo), tendo em vista que o fundamental aqui não seja a ideia, mas os próprios corpos com suas ações e paixões, não sendo a ideia mais do que um efeito.
O acontecimento (termo usado no sentido estoico como algo que não é um ser, mas um quase-ser, sendo efeito incorporal dos corpos) pertence à linguagem, mas acontece às coisas, não são seres, mas dão-se na superfície dos seres.
A importância dos estoicos é enorme que mais tarde Saussure realizou a sua interpretação sobre o signo, caracterizando este como a união entre significante e significado, na realidade, usou-se da terminologia estoica.
A verdade é que Aristóteles iniciou a tradição no pensamento metafísico, e com a evolução, a busca pela verdade continuou por toda Idade Média, que a relacionou à razão divina, sendo que tais filósofos utilizaram-se do pensamento grego, vindo adaptá-lo ao cristianismo.
A teoria da significação de Aristóteles, Lacan[22] e Santo Agostinho vieram elaborar suas teorias baseadas na função significante da palavra.
Para o filósofo Santo Agostinho a busca pela verdade direciona à interioridade do ser humana, ao invés, de nas coisas ou palavras. Assim, a verdade é ínsita ao indivíduo, pois não é possível adquiri-la. A compreensão dos signos é possível a partir do interior, sendo esta, exterior aos signos e aos objetos.
Com a presença do absoluto, as palavras e coisas possuem sentido, visto que a palavra em si não possui verdade, as palavras somente levam as pessoas a apreender novas palavras (e como as palavras são signos, a relação será signo-signo), formando um sistema fechado de significações, por isso elas incitam a busca pela verdade, a qual somente é possível com uma iluminação interior.
De modo que o caminho para a verdade é consequentemente o caminho para Deus, o qual leva para o interior das pessoas. Essa interioridade é condição de possibilidade para a linguagem, e não o contrário, tendo em vista o que se dá no âmbito exterior, é a relação signo-signo, a qual sem a interioridade não é passível de compreensão.
O signo é enganador posto que não tenha uma relação natural com a coisa. Portanto, o Deus agostiniano é ao mesmo tempo íntimo e transcendente, familiar e distante, uma espécie de iluminador do pensamento, o que demonstra que nessa teoria a verdade está relacionada a algo que não é sujeito, mas sim, Deus, visto que a interioridade do indivíduo depende da iluminação divina.
Já par Jacques Lacan, a função significante da palavra traduz que a linguagem seja uma rede ou teia sobre o conjunto de coisas da realidade, cuja utilização permite expressar o mundo simbólico. Para ele as coisas têm um nome devido às relações entre os signos, descartando a ideia de que denominação advém dos signos ou das coisas, logo, também a verdade somente será possível a partir da interioridade do sujeito.
Para Tomás de Aquino se o intelecto humano e divino, permanecendo as coisas, o que é impossível, fossem eliminadas, de nenhum modo permaneceria a noção de verdade. Como a verdade está em Deus, observa-se que há igualdade do intelecto divino e da coisa, tendo em vista que o intelecto divino primordialmente entende a realidade humana, a qual é a sua própria essência, por meio desta, o intelecto divino apreende todas as coisas. Dessa forma, a noção de verdade depende da igualdade do intelecto divino com as coisas criadas.
Ressalta-se que, a adequação entre o intelecto divino e a essência divina (realidade, coisas criadas por Deus) não ocorre como entre mesurante e mesurado, tendo em vista que um não é princípio do outro, pelo contrário, são totalmente idênticos.
A ideia de essência trazida por Tomás de Aquino tem nítida base aristotélica, sendo adaptada ao cristianismo, tanto que utiliza os mesmos termos que são referidos pelo filósofo grego em seus textos.
Na era medieval foi apoiado pelas teses aristotélicas e a razão divina que comandava todas as coisas e é responsável pela noção de verdade. O sujeito estava submetido ao objeto, de modo que a subjetividade somente será construída na Idade Moderna, cujo rompimento paradigmático será autor da construção do Estado Absolutista e demais acontecimentos modernos.
De qualquer maneira, durante a era medieval, o nominalismo será a corrente de pensamento que terá uma postura antimetafísica. Fora Guilherme de Ocklam, um filósofo do século XIV, que adotou a posição nominalista em discussão com a ideia universalista da natureza das espécies. No nominalismo, o universal corresponde a um conceito por meio do qual nos referimos a essas qualidades ou características.
O universal é alusão a um termo, um conceito, não um ente ou ser conforme defendeu Aristóteles, mas ao mesmo tempo não é só uma palavra pois existe um relacionamento mental ao conceito, o qual é a referência dos gêneros e espécies.
Por essa razão, defende uma valorização da linguagem em frente às coisas e que, consequentemente, não se deve supor a existência de entidades metafísicas, como a teoria platônica do mundo inteligível, pois, estas possuem uma explicação deficitária.
O que as coisas de mesmo nome têm em comum é apenas a denominação. Conforme se percebe, ao contrário de Guilherme de Ockham, para Aristóteles os conceitos são as diferentes funções da linguagem enquanto demonstração dos diversos aspectos do real. Logo, não poderiam ser consideradas as essências independentes.
Ocorre que, o modo como se fala sobre determinadas coisas já demonstra como estas são percebidas, logo, a filosofia deve buscar explicar e demonstrar de maneira crítica de que forma dá-se essa pré-compreensão, cuja mediação é feita através da linguagem.
É certo que os principais marcos filosóficos da metafísica clássica é relevante que se sublinhe na medida em que sua influência pode ser detectada na postura positivista, bem como até que ponto a ideia do objeto, torna-se um impasse no julgamento do Judiciário.
Apesar da tentativa no século XIX de se excluir a metafísica da interpretação do Direito, a Escola da Exegese que surgiu na França, em 1804, a jurisprudência dos conceitos criada na Alemanha[23] em 1900 e a doutrina positivista acabaram por integrar e incorporar o conceito de objeto da metafísica clássica.
É sabido que o positivismo refere-se aos fatos, ou seja, a interpretação da realidade será somente o que se pode contar, medir, ou pensar, sendo definido por meio empírico.
Na ciência jurídica, a manifestação do positivismo se dá através dos códigos e de toda legislação escrita. Na Escola da Exegese, tem-se a ideia de juiz como boca da lei[24], isto é, o mito do dado, sem poder alterar o texto feito pelo legislador[25], porque se fundava na concepção da perfeição do sistema normativo, na ideia de que a legislação era completa, e de que, na generalidade da lei, encontrava-se a solução para todas as situações jurídicas.
Consagrava-se assim que a lei escrita era a única fonte do Direito, onde se devia busca a mensagem e a vontade do legislador, a aplicação das leis. Esta era a função do jurista, buscar o sentido da norma que o legislador imprimiu, e dele apreender para o caso concreto, visto que a interpretação praticamente não era permitida. Em existindo a lacuna ou obscuridade, deveria ser utilizada o método lógico de interpretação.
Seguindo a linha doutrinária da Escola da Exegese, na jurisprudência dos conceitos, existe uma concepção de sistema jurídico fechado e autossubsistente. Como na Alemanha não havia os Códigos da mesma forma que em França, basearam-se nos sistemas normativos do Direito Romano, de forma que o Direito era visto como um corpo de normas positivas. E, conferia o primado à norma legal e as respectivas técnicas de interpretação. Negava qualquer fundamento absoluto ou abstrato à ideia do Direito.
O referido positivismo presenta nas duas escolas acima mencionadas é considerado positivismo exegético, mais tarde Hans Kelsen partindo da doutrina positivista que já era aplicada e procurava resolver o problema da interpretação formulando o positivismo normativo que enfatiza a semântica ao invés da sintaxe.
Kelsen, em sua teoria pura do Direito, supera a questão da interpretação pelo julgado e elaborou uma divisão entre o Direito e a ciência do Direito, diferenciando, por conseguinte, a interpretação como ato de vontade e interpretação como ato de conhecimento.
No primeiro caso, resta presente quando se aplicam as normas, pois nesse momento cria normas, que são aplicadas ao caso concreto, tal é a interpretação dos órgãos jurídicos.
Enquanto que o segundo produz proposições, pois, interpreta de modo abstrato a norma que é dada, sendo esta a interpretação utilizada pelo cientista do Direito. Nesse espaço de movimentação trazido pela interpretação como ato de vontade, está presente o solipsismo do julgador.
De qualquer modo a crença dos julgadores de que o positivismo exegético continua sendo a forma correta para decidir, a edição de súmulas vinculantes e conceitos prontos pela jurisprudência, além da contínua e progressiva busca pela verdade real, como se houvesse essências, ratifica essa perspectiva objetivista, onde não se pode questionar o produto, ou seja, as normas e ementas, porque o que domina é a razão do legislador, ou do órgão superior, dependendo da discricionariedade em questão.
Portanto, as ideias platônicas podem ser bem relacionadas com a formulação de conceitos jurídicos abstratos prévios, pressentes no entendimento dos Tribunais. Em linhas gerais, o sentido está na própria coisa, na sua essência, imutável e permanente.
A metafísica moderna faz a viagem do subjetivismo até a discricionariedade[26]. E, é inaugurada com a noção de sujeito trazida por Descartes. Refere-se a uma ruptura filosófica, através da qual é possível entender a modernidade e o papel do Direito.
Assim, a modernidade cria o sujeito, o qual, na realidade é quem cria a modernidade. Foi a modernidade que alterou o espaço da experiência e a forma como o tempo histórico até então era demarcado, pois no medievo, com o predomínio do pensamento cristão, e o assujeitamento forçado do sujeito à razão divina, a realidade da sociedade ficava adstrita a uma dupla tensão no presente de um lado, o passado que condiciona a vida a partir de seu caráter pedagógico; de outro, o futuro que se mantém obscuro pelo temor/certeza da chegada do juízo final. De suma importância essa ruptura para a ocorrência do pensamento hermenêutico nos moldes que vimos atualmente.
Uma realidade colocada em dúvida, com Descartes, percebe-se que é apenas o sujeito (que diz: eu penso) que vai continuar isento de críticas. O filósofo parte do ponto de que como todos os pensamentos que as pessoas têm quando estão acordadas, também podem lhes correr enquanto dormem, sem que nesse caso sejam considerados verdadeiros, resolveu simular que todas as coisas que até então haviam passado pelo seu espírito não eram mais verdadeiras que as ilusões de seus sonhos.
Porém, ao considerar que tudo era falso, chega-se à conclusão de que ele o ser pensante, precisava ser alguma coisa. Logo, adota como primeiro princípio de sua teoria filosófica a máxima do penso, logo existo. Visto que considerou uma verdade bastante abalizada e correta, podendo ser livre de todas as críticas dos céticos diante de sua teoria.
Descartes fora bem feliz em sua formulação subjetivista, uma vez que ao notar que em penso, logo existo, não há nada que comprove que ele diz a verdade, tão somente que para pensar é preciso existir, vai estabelecer como regra geral que apenas as coisas que se idealiza de maneira clara e distinta é que são verdadeiras, a dificuldade que resta é distinguir de maneira correta quais são as coisas que concebe distintamente.
O filósofo vai além desse problema dos sonhos, entende que os sentidos também podem enganar as pessoas, como quando alguém está com icterícia e enxerga tudo amarelo, ou então ao observar os corpos celestes, estes parecem muitos menores do que realmente o são.
Tendo em vista o período de forte influência cristã em que Descartes escreveu sua filosofia, vai estabelecer que Deus seja o ser perfeito, aquele que fornece o conhecimento e permite que os indivíduos vejam as coisas claramente e distingam àquelas eivadas de verdade.
Conclui que independente de estar dormindo ou acordado, o sujeito não se deve deixar persuadir a não ser pela evidência da razão que possui em si mesmo, pois é somente esta que vai estabelecer o que é verdadeiro, ou seja, vai permitir que se observasse se as coisas e as palavras possuem um fundamento de verdade.
Na sua obra Discurso do Método, Descartes fixa que o método deveria ser o momento da subjetividade e da probabilidade de certeza. A consequência do argumento (do cogito) o penso, logo existo, representando o solipsismo cartesiano, onde há o isolamento do eu em relação a todo mundo externo, bem como ao próprio corpo que também se considera externo ao eu. Esse solipsismo apresenta uma certeza tão viril e forte porque é carregada de subjetivismo.
Contudo, como Descartes pretende construir um conhecimento científico, tanto que chama o seu livro de Discurso do Método, procura encontrar uma perspectiva para ultrapassar essa ideia de que a única realidade certa é a existência do puro pensamento.
E tal propósito fora possível a partir da afirmação da existência de Deus, o que rompeu com o solipsismo e trouxe a noção de algo fora do cogito.
Essa existência decorre da ideia inata que os indivíduos possuem de Deus, o qual é perfeito e permite com se veja e pense com clareza, observando-se então um realismo, no qual, a existência e a inteligibilidade do mundo externo são garantidas pela existência de Deus, sendo o conhecimento a representação verdadeira, a correspondência entre a ideia e o objeto externo.
Por essa razão, Descartes constrói uma reflexão que não depende da tradição e da linguagem, tendo em vista que é a consciência, a subjetividade que permite a certeza plena, a qual é o problema do conhecimento, sem a necessidade de uma mediação linguística, uma vez que é através da autointuitição que se cria o conhecimento, sem a interferência da comunidade linguística.
Diferentemente dos filósofos medievais da metafísica clássica que propunham a verdade como razão divina, Descartes apesar de trazer a ideia da existência de Deus como método para romper com o solipsismo de sua própria teoria, a verdade estará na razão do indivíduo, o qual enxerga ao mundo com clareza e, é passível de tomar suas decisões conforme sua própria consciência.
A contribuição de Thomas Hobbes fora importante que desenvolveu uma forte teoria sobre o envolvimento entre o indivíduo e o Estado na Idade Moderna. O estado de natureza, no qual o homem se encontrava, colocava-o em constante guerra de todos contra todos, o que levou à vida em sociedade organizada, como meio de sobrevivência.
Esse estado de natureza descreve como o homem se comportaria quando não está submetido às leis e contratos impostos pela sociedade. Por isso, os homens são essencialmente iguais, tendo em vista que as diferenças entre eles são irrelevantes, sendo que o poder do soberano é concebido para permitir que os indivíduos coexistam, impedindo o estado de natureza, onde acabariam por se exterminar uns aos outros.
A construção e o funcionamento da sociedade pressupõe que o indivíduo ceda parte de seus direitos ao poder soberano, cujo poder deve ser exercido de forma absoluta para que a sociedade seja eficaz, o que não demanda uma realização pessoal do soberano, mas sim, que o soberano exerça o seu poder em nome dos indivíduos que a ele o confiaram.
Tudo isso ocorre por o homem deseja sobreviver e, em nome da sobrevivência que firma contrato com os demais membros da sociedade.
É por conta da natureza de contrato que Hobbes é chamado de contratualista, em face de entender que a sociedade civil resulta de contrato firmado entre os indivíduos, sendo que o poder absoluto é o que garante a paz civil.
Na tese contratualista, a linguagem é fundamental instrumento para a formulação do Estado, pois é através desta que as pessoas podem compreender e aderir ao pacto social. Se não há uma correta compreensão do pacto, consequentemente, ocorre uma má formação do Estado.
A linguagem tem a função de construir as relações sociais e políticas, sendo que a sua interpretação equivocada e subjetiva é que pode trazer maiores riscos e prejuízos para o Estado. A origem e a formação do Estado além de romper com as teorias metafísicas medievais. Hobbes também pode ser considerado um nominalista, devido a essa importância que acarreta à linguagem.
De sorte que fica evidente que fora a vontade dos homens que faz com eles consigam vencer a barbárie. A palavra “vontade” é de suma influência quando se discute acerca do solipsismo e discricionariedade.
Foi a filosofia crítica de Kant que ofereceu a metafísica moderna uma nova visão para o conhecimento, pois abalou as estruturas do direito natural ao questionar o dogmatismo metafísico e ao defender a autonomia ética e normativa.
Assim, se construiu a teoria na qual a linguagem possui um caráter acessório, cuja função é ajudar na medida em que idealiza as palavras como signos das representações, ou seja, são formas sensíveis que ligam conteúdos inteligíveis, sendo estes últimos àqueles que representam genuinamente as coisas.
Desta forma, o signo limita-se a acompanhar o conceito como guardião, para produzir-lhe oportunamente, o que relega a linguagem a uma função de ajudar, uma vez que a função principal seja reservada ao pensamento.
Dessa forma, Kant formula a verdade formal[27] que seria a concordância do conhecimento com o objeto em análise, ou então, do conhecimento consigo mesmo, por isso, a verdade é conhecida como uma relação imanente ao espírito, a concordância do conhecimento com o objeto representado.
A verdade seria a objetividade do pensamento. Essa objetividade a que se refere o filósofo pode ser reduzida ao critério de validade universal do juízo, sendo compreendida como aquilo que se impõe à razão comum da todos os homens.
Assim, a verdade é acordo do juízo com as leis imanentes da razão, é a unidade entre o sujeito e o objeto. Para Kant[28], as experiências necessitam de ser avaliadas segundo o “eu penso”, pois ao se conectar a uma consciência, o indivíduo pode, diante das diferentes representações apontar para uma unidade de consciência.
Portanto, diferentemente do eu cartesiano, o “eu penso” de Kant não é puro e posterior às experiências, muito antes, pelo contrário, são as experiências que lha dão unidade, de modo que não pode afastar-se delas.
De modo que conforme a dialética transcendental[29], a razão não produz o conhecimento porque não remete aos objetos de uma experiência possível. A metafísica como era concebida não poderia ser considerada ciência porque não tem objetos próprios e não produz um conhecimento do real.
Assim, as questões sobre o cosmos, a perfeição de Deus e a imortalidade da alma, nãos e manifestam no tempo e no espaço, são transcendentes, e tais conceitos não possuem relação com a intuição.
Logo, suas discussões baseiam-se no campo do agir ético, onde concebeu o homem não como um sujeito do conhecimento, mas sim, como agente livre e racional. Kant em sua crítica transcendental ainda presente na noção de sujeito enquanto submisso às coisas e objetos.
O intrigante e genial Lenio Streck traz o entendimento de qua análise da linguagem em Kant é complexa e problemática, posto que não admita que a discussão se reduza a linguagem, por isso, a coloca como um instrumento secundário.
De forma que para Kant a palavra ou o signo não apresenta uma relação natural com o significado, até porque este não faça parte da palavra, visto que é alheia a esta, já que pertence ao conhecimento a priori.
Somente a partir de um conceito de significante, que não possui sentido, se completa seu ciclo da significação, ou seja, é o conceito que faz o signo significativo.
O responsável pela quebra do paradigma metafísico-essencialista foi Nietzsche[30] proveniente dos filósofos gregos, tendo em vista que para ele não existe nenhuma semelhança, nem afinidade prévia entre o conhecimento e essas coisas que seria necessário conhecer, isso porque para rebater Kant defende que as condições da experiência e aquela que o objeto possui, são diferentes.
Nietzsche[31] defende a ruptura entre o conhecimento e as coisas, por isso, que o último princípio da modernidade, formulador por ele é chamado de vontade do poder, ou seja, comando.
É uma forma refinada de positivismo vez que o Direito passa a depender de discursos adjudicadores e do protagonismo do poder do intérprete, haja vista que nessa perspectiva a ideia antecede a matéria.
No campo da linguagem Nietzsche entende que esta se interpõe entre o pensamento e o real, pois dá forma ao modo que as pessoas pensam e aquilo que é pensado.
Observa que a linguagem possui concepções e conceitos históricos que pode acarretar o equivoco, o engano, contudo acredita não existir uma solução para tal problema, vez que a nova linguagem estaria submissa às mesmas dificuldades.
Em sua crítica afirmou que a crença da gramática, no sujeito e no objeto linguístico e, nas palavras de atividade, subjugou até atualmente os metafísicos. Esta crença eu ensino abjurar, sendo que como a linguagem é exterior ao pensamento, formaria empecilho, já que na realidade não se pensa em palavras, porque quem pensa em palavras, não pensa as coisas, os objetos, não pensa objetivamente, de modo que pensar seria uma luta contra a linguagem, pois estamos habituados, onde as palavras nos faltam, a não pensar com rigor, porque é penoso continuar a pensar com rigor, e outras vezes, conclui-se automaticamente que onde termina o reino das palavras, aí termina o reino da existência.
A busca pelo conhecimento, pela verdade[32], na metafísica moderna traz a ideia da segurança, uso seguro. A virada do subjetivismo estabelece que a maneira correta do uso da razão é a capacidade de julgar, isso faz com que a vontade (a vontade de poder[33] trazida por Nietzsche) supere a razão.
A perspectiva moderna tem forte poder de influência para a corrente da jurisprudência dos interesses, na qual o juiz é o sujeito que vai buscar a vontade do legislador quis dizer com a lei, oportunizando uma discricionariedade ao julgador. A jurisprudência dos interesses é escola hermenêutica que surgira na Alemanha, bem no começo do século XX e teve como representantes Philipp Heck, Max Rümelin, Paulo Oertmann[34] e Stampe.
Propõe que deveriam ser investigados os interesses, onde as normas jurídicas são juízos de valor a respeito desses interesses, de maneira que o juiz diante do caso concreto, deve encontrar o interesse que o legislador[35] mais procurou defender.
A sentença como solução do litígio deve incluir os interesses que estão em disputa, cabendo ao juiz sopesá-los no conflito[36]. O objeto dessa análise dos interesses traz uma solução justa para o caso concreto. E, parte de duas ideias centrais: a primeira é de que o juiz deve obedecer ao Direito positivo, sendo sua função precípua, proceder o ajuste de interesses, em resolver as lides, do mesmo modo que o legislador, ao promover a valoração dos interesses feita pelo legislador, deve prevalecer sobre a valoração que o juiz venha a fazer segundo o seu critério pessoal.
A segunda ideia consiste na função do juiz que não se limita a subsumir os fatos às normas, pois compete-lhe também construir as novas regras para as situações que a lei não previu e não regulou, e, ainda, corrigir as normas deficientes.
Assim, o julgador deveria proteger a totalidade dos interesses do legislador, sendo que a partir da sua subjetividade irá analisar como isso irá ocorrer, logo, nos conflitos de interesses o juiz irá se basear nas suas próprias avaliações, atinente ao pensamento social ciente, para então combinar e harmonizar os interesses do legislador.
Eis que surge a nobre figura do intérprete[37], e o juiz tem o poder para tanto, ou seja, manusear o procedimento para então manifestar o justo.
Larenz explicou que a jurisprudência dos interesses progressivamente substituiu os rígidos conceitos elaborados pelo legislador, através da ideia de ponderação diante de uma situação complexa, bem como da visualização da lide, sendo seus critérios utilizados para ocorrência da conformidade na resolução desses conflitos, de modo a preservar a ordem jurídica vigente, quando no julgamento do caso concreto.
Ofertou-se aos julgadores uma consciência sadia, tornando frequentemente supérfluas as pseudomotivações, permitindo que a jurisprudência analisasse os eventos da vida real, e se tornando metodicamente mais consciente e eficaz, e também mais diferenciada e livre. Suprimiu-se as necessidades da época em que fora criada, uma vez que procurava ultrapassar os limites da jurisprudência dos conceitos.
Conforme-se observa Karl Larenz[38] sustenta que jurisprudência tornou-se mais consciente e mais presente, o que se pode relacionar com a filosofia da consciência, advinda da vontade do julgador.
A metafísica moderna se preocupa com a discricionariedade judicial, o qual acaba por aplicar de forma errônea o próprio positivismo normativo. É esse sujeito solipsista (egoísta, que basta a si mesmo) que se encarrega de realizar sua própria inquirição do processo, pois ele vai produzir a prova ex officio e vai decidir conforme os princípios do livre convencimento do juiz e da livre apreciação da prova.
Mas, o problema da discricionariedade se confronta com a noção de Estado Democrático de Direito[39], o que após todas as lutas para garantia plena dos direitos individuais e fundamentais, delega ao juiz a livre possibilidade de decidir de maneira arbitrária.
O sujeito solipsista[40] é aquele que decide conforme sua consciência, tendo em vista que o mundo é somente um esboço ou rascunho daquilo que ele quer e decide o que é.
Decorre daí vários jargões como aquele que atrela semanticamente a sentença[41] ao sentire, ou seja, a decisão estaria ligada às sensações do julgador.
Com a Constituição Cidadã, finalmente derrotamos a noção de juiz “boca da lei”, o que, aliás, na Justiça do Trabalho nunca fora assim, colocando-se no seu lugar, o império dos princípios. Ocorre que, para a adoção de tais princípios não existem limites, e com a errônea interpretação da teoria da argumentação de Alexy, a importação da jurisprudência dos valores e a própria ilusão brasileira sobre o ativismo judicial do common law instaurou-se a salutar possibilidade de ponderação de princípios.
O mesmo ocorre com a separação de poderes, pois o judiciário às vezes cumpre funções de parlamento. Porém, após séculos para a construção científica do Direito, não se pode permitir que o judiciário decida de qualquer forma e crie entendimentos, cuja possibilidade de mudança, somente seja possível a muito custo pelo entendimento de poucos juízes e filósofos do Direito.
Embora exista a influência do dualismo sujeito-objeto[42] que permanece ainda nas decisões judiciais, a ruptura com tal pensamento ocorre no século XX, através do giro linguístico, para o qual comungaram as ideias de Heidegger, Wittgeinstein, Austin, Gadamer[43] e Habermas.
A transferência do conhecimento para o campo da linguagem, ou seja, compreender que a linguagem através da ação, dá sentido ao mundo, posto que exista a descoberta de que, para além do elemento lógico-analítico, pressupõe-se sempre uma dimensão prático-pragmático.
É a partir do pensamento hermenêutico consegue superar o dualismo e ao menos no âmbito filosófico, aplicar o Direito conforme a democracia.
A reviravolta hermenêutica[44] tão bem comentada por Streck revela que resta superado o esquema sujeito-objeto. Há avanços concretos para a eficácia de direitos, contudo, ao mesmo tempo, a noção de sujeito-objeto continua a crescer a partir da formulação de conceitos prévios, por meio de súmulas, jurisprudências dominantes, sob a desculpa de que a lei não pode abarcar todas as hipóteses de aplicação.
O paradoxal é identificar a institucionalização da súmula com efeito vinculante aponta na direção contrária, isto é, parece que os juristas descobriram um modo de abarcar as múltiplas hipóteses de aplicação de uma lei.
Ainda quando da análise do caso concreto, diante da jurisprudência dos interesses, a comunidade jurídica, espera que o intérprete e julgador, procure os valores entranhados no texto legal.
Ocorre que, com o giro linguístico, evidente que a norma não pode ficar a mercê da vontade do intérprete, através dos ensinamentos de Gadamer, observa-se que por meio da antecipação de sentido que se dá na aplicação porque não há cisão entre interpretar e aplicar, funciona como uma blindagem contra a discricionariedade na atribuição dos sentidos.
Tal posição positivista e a forma como está evoluindo a prática judiciária, onde não se consegue se libertar do esquema sujeito-objeto, bem como dos paradigmas presentes na metafísica clássica e moderna, sendo que as decisões, inclusive dos órgãos superiores, apresentam uma mistura de objetivismo e subjetivismo.
A preocupação com a limitação do poder cuja discussão já estava presente nas teorias contratualistas do Estado, em um Estado Democrático de Direito não pode permitir que as arbitrariedades realizadas pelo Judiciário continuem a ocorrer, muito menos que se propaguem ideias de que as sentenças[45] vêm de sentire.
Não se pode interpretar a norma com uma filosofia da consciência e calcada nos paradigmas aristotélicos. Evidentemente a filosofia e a metafísica possuem grande influência para a aplicação do Direito, seja na forma com que o processo se forma e até a decisão, pondo resolução na lide. A revolução ocorrida pela filosofia da linguagem mudou a forma como era observado o mundo, e assim também o Direito se transformou conforme o pensamento filosófico.
A crise notabilizou o protagonismo do Judiciário e na discricionariedade do intérprete possui relação com a crise que o conhecimento passou durante a metafísica clássica e moderna, tendo em vista que a busca pela verdade e pela origem do conhecimento, acabou por construir duas correntes dominantes.
A primeira corrente advém da metafísica clássica, onde se acreditava que o sentido estava nas coisas. Conforme defendia Aristóteles, as coisas possuíam uma essência e era ela que proporcionava o sentido. Na Antiguidade, as teorias que analisaram a linguagem, esforçaram-se para combater o pensamento dos sofistas, tendo em vista que a própria linguagem criava armadilhas, por isso a verdade, o conhecimento estava no exterior, na coisa.
Nos paradigmas aristotélicos, a linguagem significava a coisa, sendo que a palavra relacionava-se com a coisa devido a significação, construindo a sua teoria da significação.
Durante a época medieval é possível perceber que o conhecimento não pertencia ao indivíduo, e só era possível com a razão divina. O que comandava o campo da filosofia era a razão divina, tanto que Santo Agostinho entendeu que as palavras (os signos) somente levavam as pessoas, a aprenderem novas palavras, formando um sistema fechado de significações, a verdade só era acessível através da iluminação divina.
Na metafísica moderna quebrou-se a ideia do objeto. A partir do argumento do cogito, eu penso, logo existo de Descartes, passa-se a adotar a filosofia da consciência, nesse contexto, é o sujeito o senhor do mundo, do seu destino, sendo quem comanda e sub-roga o objeto.
Kant ao construir o “eu transcendental”, criou a ideia do conhecimento a priori, sendo que para o filósofo era possível solucionar o problema do conhecimento a partir da de conceitos de entendimento e da razão. Sendo a razão que o sujeito possui aquela que prevalece, valendo-se a linguagem como instrumento. Em discordância ao pensamento de Kant.
Coube a Nietzsche elaborar o último conceito da modernidade[46] que é a vontade do poder, ou seja, o intérprete vale-se do solipsismo e discricionariedade no momento de decidir.
A concepção de verdade ratifica a ideia que depende de conceitos prontos, entendimentos dominantes e extratos que condicionem toda a jurisprudência, além de criar mecanismos no próprio sistema processualista visando barrar recursos cujo entendimento divirja daquele então dominante.
A partir da concepção de que a verdade está no sujeito, intimamente relaciona-se com a Escola da Jurisprudência dos Interesses, onde se ressalta a vontade do intérprete como aquela que prepondera diante da norma, tendo em vista que é justamente esse o dever do julgador, dar à norma a correta interpretação diante do caso concreto e contexto histórico vigente no momento do processo.
A metafísica moderna[47] trouxe consigo o problema do solipsismo, o protagonismo do intérprete, onde o julgador sob o pseudoargumento de que está protegendo os direitos fundamentais, baseia-se em princípios[48], realizando a ponderação equivocada no sistema jurídico brasileiro.
Os julgadores que continuam a basear suas decisões de acordo com a sua consciência, desconsiderando as normas processuais do CPC/2015, a fim de que o processo possua andamento de acordo com a sua vontade.
Em termos linguísticos e filosóficos, o CPC/2015 trouxe aperfeiçoamentos redacionais, vindo inclusive a positivar vários posicionamentos jurisprudenciais pacificados pelas cortes superiores brasileiras. E, visam ainda na busca da efetiva justiça ao promover a maior homogeneização das teses jurídicas aprovadas aplicando-as nas demandas repetitivas e evitando a loteria judiciária.
Conforme o nobre doutrinador Luiz Guilherme Marinoni já aludiu devemos encarar o processo civil como uma comunidade de trabalho regida pela ideia de colaboração, portanto, é reconhecer que o juiz tem o dever de cooperar com as partes a fim de que o processo civil seja apto a atingir efetivamente a uma decisão justa, fruto de efetivo dever de engajamento do juiz no processo.
A colaboração não apaga obviamente o princípio da demanda e as suas básicas consequências; o juízo de conveniência a respeito da propositura ou não da ação e a delimitação do mérito da causa continuar tarefas ligadas exclusivamente à conveniência das partes.
Abandona-se a noção de que o processo seja exclusivamente das partes ou exclusivamente do juiz, é comum ao juiz e às partes.
O CPC/2015 preocupa-se firmemente com a celeridade processual aliada a segurança jurídica valendo-se de técnicas de julgamento[49] e de filtros recursais capazes de não só garantir não apenas o acesso à justiça, mas a concretização dos direitos fundamentais.
A partir do pensamento hermenêutico conseguimos superar o dualismo e, ao menos no âmbito filosófico, para aplicar o Direito em conformidade com a democracia. E, revelando um positivismo que não viole os direitos fundamentais dos cidadãos e ao mesmo tempo proteja a democracia e a dignidade humana.
Referências:
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JAKOBSON, Roman. Linguística e Comunicação. Trad. Izidoro Blikstein e José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1977.
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STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.
______________________. Verdade e Consenso. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.
BECKER, Rodrigo Frantz; NÓBREGA, Guilherme Pupe. Artigo 942 do novo CPC pode massacrar a divergência nos julgamentos. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-mar-27/artigo-942-cpc-massacrar-divergencia-julgamentos Acesso em 05.02.2016.
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[1] A expressão “neo” (novo) permite chamar a atenção do operador do direito para mudanças paradigmáticas. Pretende colocar a crise entre dois modos de operar a Constituição e o Processo, para, de forma crítica, construir “dever-seres” que sintonizem os fatos sempre cambiantes da realidade ao Direito que, para não se tornar dissociado da vida, tem de se ajustar – sobretudo pela hermenêutica – às novas situações ou, ainda, atualizar-se para apresentar melhores soluções aos velhos problemas.
Luís Roberto Barroso apud Cambi, ao buscar sentido para os prefixos “neo” e “pós”, bem sintetiza o tempo presente2: “Vivemos a perplexidade e a angústia da aceleração da vida. Os tempos não andam propícios para doutrinas, mas para mensagens de consumo rápido. Para jingles, e não para sinfonias. O Direito vive uma grave crise existencial.
[2] Cabe a princípio esclarecer a falta de unanimidade em se fazer a distinção entre o neopositivismo e a filosofia da linguagem. Existem autores que não fazem tal distinção, e outros ainda separam a filosofia da linguagem da filosofia analítica.
O neopositivismo ou positivismo lógico, ou ainda, empirismo lógico teve seu início com o Círculo de Viena e se marcou caracteristicamente pela aversão da metafísica e a valorização das ciências empíricas e da lógica (matematização).
E o extremo dessa valorização das ciências empíricas resulta na criação de uma filosofia da ciência, que quer ser como ciência tendo um método e o mesmo rigor científico. Desta forma, a exploração da realidade é tarefa da ciência, cabendo a filosofia ser a metodologia da ciência. Assim, o problema da filosofia, não é o que é real, qual é conteúdo do ser, mas o pretende dizer propriamente?
[3] O método semiótico tem como conceito fundamento o estudo do signo e, segundo Saussure apresenta um primeiro elemento chamado de significante, caracterizado não por sua natureza material, mas com a imagem acústica, a impressão psíquica do som que pode desencadear um outro fenômeno psico-semiótico, o significado, o segundo elemento constituinte do signo.
Afirma Saussure que a língua é o mais importante dos sistemas de signos. Sendo o mais complexo e o mais utilizado dentro os chamados sistemas de expressões sígnicas, mesmo sendo a língua, para ele, apenas uma parte do universo semiótico. Para Saussure existe uma ciência geral dos signos, da qual a Linguística poderia ser tão somente uma subdivisão, questão que será elucidada com apoio de Roland Barthes.
Segundo Charles Sanders Peirce a semiótica é constituída por três níveis: o sintático, o semântico e pragmático. O primeiro revela a relação que o signo tem com seu interpretante, o segundo refere-se à relação existente entre o signo e o seu referente (objeto) e o último se importa com a relação do signo com ele mesmo e com os outros signos.
Em face da complexidade da linguagem humana, seus signos e respectivas significações. Roland Barthes, além de definir a semiótica como sendo a ciência que se ocupa do estudo de qualquer sistema de signo, considerando suas substâncias e/ou limites, também refuta Saussure, quando diz que: A Linguística não é parte, mesmo privilegiada, da ciência dos signos: a Semiologia é que é uma parte da Linguística: mais precisamente, a parte que se encarregaria das grandes unidades significantes do discurso.
[4] O signo linguístico para Saussure é, pois, uma entidade psíquica de duas faces, sendo a combinação do conceito e da imagem acústica. O significante é a apresentação física do signo, de forma sonora ou imagética. O significado é o conceito que permite a formação da imagem na mente de um indivíduo quanto este entra em contato com o significante;
Portanto, o signo é resultado de um conjunto de relações mentais. Em cada signo existe uma ou várias ideias de acordo com o contexto, com a leitura ou com o leitor e seu estado emocional. O signo, para Saussure, é um elemento binomial e, sua natureza é dicotômica. O significado e o significante traduzem as pontas da bifurcação do signo, agem dialeticamente, embora sua relação de reciprocidade seja considerada pelo próprio Saussure como arbitrária. Não é possível admitir a existência do significante sem o significado e vice-versa, assim como não é possível estabelecer ou definir um elemento de relação objetiva entre o conceito e sua imagem acústica.
[5] Santo Agostinho é um dos maiores pensadores católicos e além de filósofo era também um escritor primoroso. Sua obra-prima “Confissões” apesar de não ser um livro fácil, mostra-se como obra de grande atualidade. Para Agostinho, o tempo não tem realidade em si, é uma invenção do homem, constituído por três nadas: o passado, que não existe mais; o futuro que ainda não existe e o presente por ser tão fugaz é uma mistura de passado e futuro. É partir daí que se compreende com relativa facilidade a concepção agostiniana de Deus.
Assim como Platão (427-347 a.C.), Agostinho concebe Deus como uma entidade que pertence a um reino de verdades atemporais, perfeitas e imateriais, com o qual só temos contato de maneira não-sensorial: tendo sido feitos à imagem e semelhança de Deus, uma parte desse reino existe dentro de nós (e pode ser identificado com a alma).
Dentro é outra palavra chave para conhecer o pensamento de Agostinho: em sua busca filosófica, ele deixou de lado a reflexão sobre o mundo exterior, e fez uma profunda introspecção para descobrir a sua interioridade, a essência do ser humano. Por isso, Agostinho é considerado também um pioneiro da psicologia. Para encerrar, convém lembrar que o cristianismo – antes de Agostinho – pouco tinha de filosófico: consistia da crença num Deus criador que se fez homem e num conjunto de instruções morais. Por isso, o filósofo pôde conciliá-lo sem contradições ao platonismo.
[6] A verdade está apenas no intelecto? (Utrum veritas sit tantum in intellectus?]. Para defender a objeção de que a verdade estaria somente no intelecto. Tomás de Aquino usa os argumentos de Agostinho em Solilóquios e rejeita a tese de que o verdadeiro é aquilo que se vê, tomando o exemplo das pedras que estão debaixo da terra são falsas, pois não poderiam ser visualizadas.
Também rejeita a tese de que o verdadeiro é o que aparece como tal sujeito que conhecer, se este quer e pode conhecê-lo. Ao justificar que a coisa está inacessível aos sentidos não pode ter estatuto de verdade. Assim, infere-se que a verdade não estaria para o âmbito do intelecto, mas sim da coisa. A conclusão é que a verdade se manifesta, por assim dizer, conforme o conhecimento da coisa. A verdade não tem dependência de um sujeito que a conhece, e seria essencial dizer a origem da verdade no conhecimento, ou seja, nas coisas. O equívoco dos antigos filósofos foi considerarem a manifestação de uma entidade é necessariamente a verdade, ao passo que, sua não-manifestação configuraria condições de não-conhecimento.
Aristóteles, citado por Tomás, afirma nos Primeiros Analíticos: “o que faz que uma coisa seja tal o é mais do que ela. ”.
O Filósofo coloca em evidência a manifestação da entidade em relação à sua própria existência, no sentido da manifestação perpassar seu âmbito existencial. O fato da coisa ser ou não-ser está relacionado com uma opinião verdadeira ou falsa.
Assim, a verdade se encontra mais nas coisas do que no intelecto. Tomás, em sentido contrário, recorre à Aristóteles, que afirma em IV Metafísica que “o verdadeiro e o falso não estão nas coisas, mas no intelecto. ” Tomás sugere a seguinte solução: “Assim como chamamos bem [Bonum] àquilo que tende o apetite [Appetitus], chamamos verdade [Verum] àquilo que tende ao intelecto [Intellectus]. ”.
[7] O termo “nominalismo” refere-se a uma abordagem reducionista de problemas sobre a existência e natureza de entidades abstratas; opõe-se, portanto, ao platonismo e ao realismo. Enquanto o platônico defende um enquadramento ontológico em que coisas como propriedades, gêneros, relações, proposições, conjuntos e estados de coisas são tomadas como primitivas e irredutíveis, o nominalista nega a existência de entidades abstratas e tipicamente procura mostrar que o discurso sobre entidades abstratas é analisável em termos do discurso sobre concretos particulares da experiência comum.
Nominalistas como Abelardo e Ockham insistiam em que tudo o que existe é particular. Argumentavam que o discurso sobre universais é um discurso sobre certas expressões linguísticas — as expressões de aplicação geral — e procuraram fornecer uma explicação da semântica de termos gerais suficientemente rica para acolher a ideia de que os universais devem ser identificados com estes.
Numa acepção, “nominalismo” refere-se a um grupo de temas filosóficos e teológicos relacionados entre si, e de um modo geral articulados por alguns pensadores de finais do séc. XIV, influenciados por Guilherme de Ockham. Estes pensadores expressavam dúvidas acerca da metafísica aristotélica, em particular acerca da sua eficácia em provar a existência de Deus. Concederam prioridade à fé sobre a razão e enfatizaram a omnipotência divina de maneiras que em ética levaram frequentemente à teoria dos mandamentos divinos e a um cepticismo geral acerca do nosso conhecimento tanto das relações causais como da distinção entre substância e acidente.
[8] A Escola da Exegese também chamada de Escola filológica foi uma das primeiras correntes de pensamento juspositivista, florescendo na França no início do século XIX, a partir do Código Napoleônico, tendo, entretanto, ultrapassado as fronteiras do seu país de origem, disseminando-se por toda a Europa continental e América Latina, e exercendo, ainda hoje, influência no ensino e nas práticas jurídicas dos países de tradição romano-germânica.
As origens dessa Escola remontam ao quadro constituído após a Revolução Francesa. As modificações trazidas pela revolução liberal ao Estado, a sociedade e ao Direito levará à necessidade de novas concepções jurídicas que servissem à nova realidade. Por um lado, a mudança das funções do jurista, não mais responsável por criar o direito, devido a mudança na concepção das fontes de direito, mas incumbindo-se da tarefa de sistematizar o direito legislado através da sua exegese, que não era nada mais do que a descoberta do sentido do direito expresso em suas normas legais pela vontade do legislador. De outro lado, um novo modo de formar os juristas nas faculdades do direito, com um novo método de ensino que fosse focado na exclusividade da lei, isto é, no ensino da lei.
A Escola preconizava a multiplicação das codificações, de forma a eliminar as lacunas da lei; a utilização da analogia para descobrir a norma oculta, dada pela vontade do legislador, porém não aparente no texto legal, e a interpretação mecânica calcada no silogismo, fundada no sentido literal do texto, utilizando de outros métodos interpretativos apenas com a função de esclarecer a vontade do legislador, legitimação única da autoridade da lei, na medida em que é, esta vontade, legitimada pela vontade geral do povo. Foi hegemônica na França durante todo o século XIX, acabando quando as condições que a possibilitaram não mais persistiam. Isto ocorreu, de um modo, com a mudança das condições sociológicas, a partir da Revolução Industrial que mudou a sociedade francesa, tornando as velhas formas inaplicáveis, de forma literal, a fatos novos e a uma conjuntura completamente diferente. De outro modo, quando o saber jurídico passou a receber influências da história e a perceber a necessidade de uma hermenêutica jurídica que controlasse a aplicação da lei, recebendo o auxílio de outras fontes.
[9] A jurisprudência dos conceitos fora a primeira subcorrente do positivismo jurídico, segundo a qual a norma escrita deve refletir conceitos quando de sua interpretação. Seus principais representantes foram Ihering, Savigny e Puchta, considerado por muitos como seu fundador. Fora precursora da ideia de que o direito provém de fonte dogmático, imposição do homem sobre o homem e não uma consequência natural de outras ciências ou da fé metafísica. Entre as principais características da jurisprudência dos conceitos estão: o formalismo, com a busca do direito na lei escrita; a sistematização; a busca de justificação da norma específica com base na mais geral. E, o direito deveria, prevalentemente, ter base no processo legislativo, embora devesse ser justificado por uma ideia mais abrangente relativa a um sentido social.
E o direito histórico não se revela nos códigos e nas leis, pois estes elementos normativos precisam ser compreendidos como parte de uma tradição jurídica que os conforma. Assim, a unidade do sistema jurídico não podia ser encontrada na própria lei, mas nos elementos que a formam, ou seja, nos conceitos jurídicos estratificados em uma determinada tradição. Portanto, a descrição sistemática do direito é elaborada pelos próprios juristas, a partir de uma análise do direito positivo como um todo. E, como a tradição jurídica germânica não era legalista, mas basicamente consuetudinária e romanística, foi a partir do estudo dessas fontes que os estudiosos germânicos buscaram construir um sistema de conhecimentos.
Seguindo esses passos, a cultura germânica experimentou uma sistematização dos conceitos presentes em sua tradição, o que representa uma espécie de autoconhecimento, na medida em que os estudiosos investigaram a sua própria cultura e sistematizam as suas os seus conceitos, gerando a corrente que veio a ser conhecida como Jurisprudência dos conceitos. Essa foi a escola que primeiramente tentou infundir no direito uma perspectiva propriamente científica, tendo em vista que a objetividade do conhecimento científico não está baseada na homogeneidade dos fatos com que ela trabalha, mas na sistematicidade dos modelos teóricos elaborados para conferir unidade à diversidade.
Em meados do século XIX, elegeu-se como objetivo da ciência jurídica germânica a análise do direito positivo historicamente dado na busca de extrair deles os conceitos que o estruturam, possibilitando uma descrição unificada e sistemática da totalidade do direito de um país, segundo os padrões de um sistema lógico de organização piramidal. Essa escolha metodológica representou o surgimento da Jurisprudência dos conceitos, escola positivista que representou o ápice do formalismo jurídico novecentista e que se caracterizava por deduzir “as normas jurídicas e a sua aplicação exclusivamente a partir do sistema, dos conceitos e dos princípios doutrinais da ciência jurídica, sem conceder a valores ou objetivos extrajurídicos (por exemplo religiosos, sociais ou científicos) a possibilidade de confirmar ou infirmar as soluções jurídicas.
[10] É oportuno fazer a distinção entre Direito Positivo e Ciência do Direito ou Ciência Jurídica, tendo em vista o emprego errôneo e indiscriminado de um e de outro, como se tratassem da mesma linguagem. Na perspectiva de Hans Kelsen, a Ciência do Direito busca conhecer e compreender o seu objeto de estudo, qual seja, a norma jurídica, o ordenamento jurídico, ou seja, o Direito Posto. Nessa medida, a Ciência do Direito tem seu próprio paradigma, o qual se vale de uma linguagem descritiva e predicativa para enunciar as constatações encontradas ou expressar o significado de seu objeto.
De tais enunciados extraem-se proposições, as quais se submetem ao crivo da verificabilidade, da testabilidade, do falso/verdadeiro, em relação ao paradigma metodológico adotado. A Ciência Jurídica vale-se da lógica apofântica ou alética ou formal, que se opera sobre o mundo do ser, sendo, repise-se, descritiva e predicativa.
Por sua vez, o Direito Positivo consiste num conjunto de normas jurídicas, que se caracterizam por proposições acentuadamente prescritiva e relacional, dotadas de imperatividade e autorizamento. Imperativa no sentido de dar um norte, uma direção à conduta humana, seja uma permissão, proibição ou obrigação, segundo os anseios sócio-políticos de uma sociedade organizada de um determinado tempo e lugar. Autorizativas por possibilitarem a legitimação por parte do lesado em exigir do Poder Estatal a satisfação ou a reparação do seu direito violado. Nesse sentido, o Direito Posto está submetido à lógica deôntica, a qual opera sobre o mundo do dever ser. De seus enunciados colhem-se também proposições, as quais não mais são verificadas segundo o binômio do verdadeiro/falso, mas segundo os critérios da validade ou invalidade em relação à conformação ao ordenamento jurídico em referência.
[11] Filosoficamente é doutrina segundo a qual só existem efetivamente, o eu e suas sensações, sendo os outros entes (seres humanos e objetos), como partícipes da única mente pensante, meras impressões sem existência própria. Considerado como uma possibilidade intelectual (caso limite da filosofia idealista), o que jamais fora endossado integralmente por algum pensador. Enfim, é concepção filosófica que aponta que além de nós, só existem as nossas experiências. O solipsismo é a consequência extrema de se acreditar que o conhecimento deve estar fundado em estados de experiência interiores e pessoais, não se conseguindo estabelecer uma relação direta entre esses estados e o conhecimento objetivo de algo para além deles. O “solipsismo do momento presente” estende este ceticismo aos nossos próprios estados passados, de tal modo que tudo o que resta é o eu presente.
[12] Na Introdução do Leviathan, Thomas Hobbes (1588-1679) apresenta o homem sob dois aspectos básicos: como matéria ou corpo, e como artista. Essas características, apresentadas em matizes diversos, irão percorrer todas as páginas dessa obra do pensador inglês. Como matéria ou corpo, o homem não difere dos demais seres ou objetos que fazem parte do universo.
O homem é muito mais do que um corpo, é um corpo que deseja e expressa seu desejo através da fala, da linguagem elaborada, que faz do homem um ser criador, um verdadeiro artista.
Como artista, caberá a ele o grande papel de imitar a natureza em sua função criadora, aproximando-se de uma função demiúrgica. E é como artista-demiurgo que o homem empreenderá, a partir do desejo, a maior de todas as suas obras: a construção de sua própria humanidade. Essa construção, de acordo com o pensamento hobbesiano, não cessará nunca, pois o desejo humano não conhece fim.
O homem é apresentado como um ser de desejo (homo desiderium) e de palavra (homo loquens), que em seu processo de hominização, movido pelo desejo de paz – esse bem universal – se servirá da palavra para criar a estrutura que lhe garanta a realização de sua humanidade plena.
A linguagem, que a princípio é a formalização do desejo, será abordada em seu aspecto de instrumento político, isto é, enquanto realizadora do pacto social, que institui um poder soberano. Este poder soberano, além da linguagem performativa, usará também a linguagem gestual como força retórica para a obtenção da obediência e da paz.
[13] A discussão que Nietzsche realizou sobre a linguagem influenciou importantes filósofos do século XX como, por exemplo, Heidegger, Foucault e Merleau-Ponty. Já Guervós demonstra que em Nietzsche existe uma profunda reflexão sobre a “relação entre dança, pensamento e linguagem”.
Nietzsche foi o precursor de muitas das reflexões sobre a linguagem que atravessaram o século XX.
Conhecer sua perspectiva sobre a linguagem é, de certa forma, conhecer os fundamentos das discussões travadas neste século sobre a linguagem. No “projeto de transvalorização dos valores, Nietzsche ataca a pretensão da linguagem de ser veículo para a cristalização da verdade”. Ele questiona a necessidade que o homem possui de ter verdade, de alcançar a verdade. Em Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral, § 1, Nietzsche conceitua a verdade da seguinte forma:
As verdades são ilusões cuja origem está esquecida, metáforas que foram usadas e que perderam a sua força sensível, moedas nas quais se apagou a impressão e que desde agora não são mais consideradas como moedas de valor, mas como metal desejo humano de encontrar uma relação adequada entre a palavra e o objeto.
Entretanto, ele afirma em Considerações extemporâneas, § 26, que o ser humano não possui domínio da palavra. A palavra é fugidia. Quando o homem pensa que dominou a palavra, ela já fugiu do seu controle. Por causa disso o homem nunca domina a palavra e, por conseguinte, nunca possui a verdade. O que o ser humano possui é uma crença sobre os objetos. O homem pensa que conhece as coisas em si mesmas. Sobre essa questão ele afirma, em Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral, § 1, “acreditamos saber algo das coisas em si mesmas, quando falamos de árvores, de cores, de neve e de flores e, entretanto, não possuímos nada mais que metáforas das coisas, que de nenhum modo correspondem às entidades originais.
Na Gaia ciência, § 354, Nietzsche afirma que a linguagem surgiu a partir da necessidade de conservação da existência humana. Ela se desenvolveu por meio do intelecto com o intuito de estabelecer a associação entre os homens. Neste caso, ela “não surgiu em função da verdade, ou com o fim de esclarecer a verdade”.
Para Nietzsche a origem da linguagem não está ligada a verdade, a metafísica e a qualquer outra forma de cosmologia racional criada pela filosofia no Ocidente. Pelo contrário, todas essas concepções teóricas são formas de negação da linguagem. Toda a grande teoria criada pela filosofia para falar da linguagem não passa de uma forma de não-falar, ou seja, é uma impossibilidade de afirmar qualquer coisa sobre a linguagem.
[14] A linguagem é um organismo vivo que não pode ser teorizado por um sujeito qualquer. Ela é um enigma, no qual o ser humano não pode decifrar. Resta ao homem apenas aceitá-la. A pergunta: o que é a linguagem? Não pode ser respondida com uma teoria, mas unicamente com a palavra enigma. É por causa disso que, para ele, só a linguagem pode falar da própria linguagem. Em sua essência a linguagem é enigma e qualquer teoria metafísica desenvolvida pelo homem “não pode representar a essência dos objetos.
[15] A jurisprudência dos interesses corresponde a segunda subcorrente do positivismo jurídico, segundo a qual a norma escrita deve refletir interesses, quando de sua interpretação. Seu principal representante foi Phillipp Heck. Caracteriza-se pela ideia de obediência à lei e subsunção como conflito de interesses em concreto e em abstrato, devendo prevalecer os interesses necessários à manutenção da vida em sociedade, materializados nessa mesma lei. É de cunho claramente teleológico.
A jurisprudência por ser fonte indireta de Direito, o juiz não fica vinculado a sua aplicação, mas terá nela importantes subsídios para decidir o caso que lhe foi apresentado. A crítica se deu, em virtude da interpretação preconizada feita pela escola da exegese, onde não se coadunou com a realidade dos tempos modernos, devido ao processo evolutivo das nações. A escola exegética acredita em uma lógica dedutiva na aplicação da lei e na interpretação do Direito, o que não estava codificado, não era possível aplicar, ocasionando o surgimento de oposição às ideias exegéticas. A partir daí observaremos que a crítica feita pela jurisprudência dos interesses fixou alguns princípios que deviam ser seguidos pelos juízes na elaboração de suas sentenças.
Não era admissível, que uma sociedade em constante mudança por causa dos fatos sociais, permanecesse com uma interpretação literal do texto legal, deduzindo o sentido oculto da lei pela lógica.
A Jurisprudência dos Interesses se destaca pela sua valorização pragmática, ou seja, as modificações que a vida social e com isso as suas necessidades práticas que se modificam, trazendo novas demandas sociais que por muitas vezes são contraditórias entre as atuais e as novas, entre outras possibilidades. Devido a essa necessidade de verificar os interesses e eles estão protegidos por lei, surge à defesa que o Direito tem por ideia uma finalidade, que “a função judicial é também de ajustar os interesses, como o legislador o faria se tivesse de legislar sobre aquele caso”. Thiago Viera Mathias de Oliveira destaca uma característica crucial do pensador Ihering, um dos maiores influenciadores da Jurisprudência dos interesses. Para o teleologismo de Ihering, a lei deveria ser elaborada tendo em vista certo grau de abstratividade, permitindo-lhe grande mobilidade e, portanto, podendo ser interpretada de acordo com seus fins, em suma, o bem social, passando o Direito a ser determinado a partir de suas próprias construções. A finalidade é uma influência direta de Ihering, que possuía uma preocupação maior de como o direito era desenvolvido no cotidiano da sociedade, do que o seu formalismo conceitual nas letras da lei. Direito para Ihering possuía um caráter subjetivo que tinham dois pilares principais, o fim prático que aquele direito possa produzir, que pode se chamar o pilar substancial e o pilar formal que se resume na proteção desse direito pela lei.
[16] Para Hart, o poder de discricionariedade do juiz estaria pautado na própria aplicação de princípios e doutrinas para fundamentações de decisões. Sendo, inclusive, contraditório Dworkin alegar que o uso de princípios em decisão jurídica não gera discricionariedade, pois estes são conhecimentos gerais e passíveis de diversas interpretações, sendo seu uso sujeito a discricionariedade.
Não apresenta o princípio um consenso de aplicabilidade, pois o caso concreto é passível de interpretação e diversos posicionamentos. Para Hart, quando Dworkin admite o uso do princípio como fundamento de decisões, este afirma a própria discricionariedade diante da múltipla possibilidade de interpretação de princípios ao caso concreto.
Feldhaus, ao interpretar a doutrina de Kant, discorre sobre as regras de aplicação da norma e a possibilidade de o juiz recorrer a outros elementos fora da formalidade jurídica, a saber:
“Qualquer ambiguidade de norma na indicação da ação correta torna a norma inapta para a vigência, pois, nesse caso, o juiz precisaria recorrer a outros elementos, além da mera formalidade jurídica. ”.
Do texto acima apura-se uma intenção de pensamento positivista, com ausência de poder discricionário do juiz e impossibilidade de usufruir da moral, da ética e dos costumes para proferir decisões jurídicas.
Essa distinção também pode ser observada na obra de Kant quando há referência aos deveres de direito e deveres de virtude. O primeiro, deveres de direito, está ligado ao dever para os quais a legislação externa é possível. O segundo, a legislação externa, não tem relevância, pois apresenta conexão com um fim que é também um dever.
O conceito de Kant de direito estrito parece até mesmo excluir do código positivo qualquer regra que não apresente precisão matemática na determinação do direito em sua aplicação. Qualquer ambiguidade da norma na indicação da ação correta torna a norma inapta para a vigência, pois, nesse caso, o juiz precisaria recorrer a outros elementos, além da mera formalidade jurídica. ”.
A doutrina de Kant faz importante distinção entre deveres morais e legais. Para a análise de cumprimento de deveres legais, não se admite o uso da discricionariedade pelo magistrado, este pensamento afasta o uso da moral em interpretações legais.
Para Dworkin, o pensamento positivista reduz a interpretação normativa em normas e regras, desconsiderando princípios, e fica sujeito a discricionariedade do intérprete. Na sua visão, não haveria discricionariedade se os princípios que norteiam as normas jurídicas concretas fossem usados.
Na visão de Hart, o juiz deve decidir com discricionariedade quando a norma jurídica não existir no caso concreto. Ele afirma que o ordenamento jurídico não contempla resposta a todos os casos e, portanto, seria necessário o uso da discricionariedade para a decisão, principalmente em casos difíceis.
[17] A modernidade equaciona esse problema de uma maneira bastante original: apesar de a evidência ser uma experiência subjetiva (cada pessoa sente algumas coisas como evidentes), a evidência racional deve ter um caráter objetivo, na medida em que a racionalidade é a mesma para todos os homens. Assim, havendo parâmetros objetivos de racionalidade, tudo o que puder ser demonstrado para um indivíduo com base nesses parâmetros deve ser aceito também por todos os outros homens. Portanto, desde que um homem comprove racionalmente uma ideia, ele terá certeza absoluta de ter descoberto uma verdade, mesmo que ela contrarie a crença de todas as outras pessoas. Nesse contexto, os critérios de evidência racional passaram a ser a pedra de toque de todo o sistema de conhecimento moderno, pois são eles que servem como elo entre a subjetividade da evidência e a objetividade da verdade.
[18] Quanto ao conhecimento jurídico, analisando suas principais matrizes epistemológicas, partindo-se do método adotado pelo positivismo jurídico, pelo pós-positivismo e do realismo jurídico volta-se para a revalorização e resgate do discurso jurídico de tradição aristotélico-tomista o que serviu para outros pensadores como Karl Larenz, Herbert Hart, Ronald Dworkin, dentre outros.
Conhecer é ato pelo qual o sujeito cognoscente (sujeito pensante) dirige sua atenção e seu intelecto para apreender certas propriedades do objeto cognoscível, posto que o objeto em si, em oposição à imagem ou às características deste capturadas pela mente, continuará sempre incognoscível em sua essência, representar-se uma coisa. É operação imanente pela qual um sujeito pensante se representa um objeto. É o ato de tornar um objeto presente à imaginação ou à inteligência. É ato de sentir, perceber, imaginar ou pensar um objeto.
No processo interativo dialético entre o sujeito e objeto, conduz à formação do conhecimento, o qual imprescinde da união e atuação conjunta de três elementos, a saber, do “eu”, ou seja, daquele que se dispõe conhecer algo, do exercício da atividade intelectiva por este “eu” pensante e o objeto a ser pensado, para que ocorra e possa esse conhecimento ser traduzido em linguagem.
[19] Crátilo é um debate sobre a origem da linguagem e sobre a relação entre as palavras e o que ela significa. Platão por ser essencialista, acreditava que as coisas têm uma medida, em essência própria.
De acordo com Platão, as coisas têm uma verdade única e fixa que traduz os nomes e que transcende a experiência humana. Os nomes são legatários das essências que independem da opinião humana, está fora do mundo humano. Para aprofundar mais a sua explicação, na defesa de sua tese, de que as coisas têm essência permanente, não podendo ser deslocadas em todos os sentidos por nossa fantasia.
Ao final do diálogo Crátilo de Platão, deparamo-nos com a constatação de que os nomes não seriam capazes de dizer a essência das coisas, o que parece pôr em xeque a tarefa da filosofia pensada como atividade de busca do conhecimento presidida pelo logos.
[20] Josef Simon é filósofo alemão contemporâneo e ex-professor da Universidade de Bonn, tem escrito muito a respeito da metafísica, epistemologia, a filosofia do idealismo alemão e vários filósofos como Kant, Hamann e Nietzsche. O mais influente trabalho foi na filosofia da linguagem.
A reflexão sobre o legado da filosofia de Kant, marcada, especialmente, pela interpretação do modo peculiar como ele buscou validar (objetivamente) as pretensões do homem à verdade, bem como dos critérios que norteiam a pretensão de validade dessa reivindicação a partir de uma nova disciplina do pensamento – a filosofia transcendental –, passa, certamente não pela primeira vez, por uma curiosa e, a nosso ver, promissora inflexão. Essa nova inflexão, apresentada em um livro de 2003 e de autoria de um emérito professor da Universidade de Bonn, Josef Simon, procura incorporar temas relativos à filosofia da linguagem ao núcleo rígido da filosofia transcendental.
[21] Metafísica, Aristóteles buscou investigar o “ser enquanto ser”. Significa que buscou compreender o que tornava as coisas o que elas são. Nesse sentido, as características das coisas apenas nos mostram como as coisas estão, mas não definem ou determinam o que elas são. É preciso investigar as condições que fazem as coisas existirem, aquilo que determina “o que” elas são e aquilo que determina “como” são.
Em sua metafísica, Aristóteles fala acerca dos primeiros princípios. Os primeiros princípios dizem respeito aos princípios lógicos, a saber: o princípio de identidade, da não contradição e do terceiro excluído. O princípio de identidade é autoevidente e determina que uma proposição é sempre igual a ela. Disto pode-se afirmar que A=A. O princípio da não contradição afirma que uma proposição não pode, ao mesmo tempo, ser falsa e verdadeira. Não se pode propor que um triângulo possui e não possui três lados, por exemplo. O princípio do terceiro excluído afirma que ou uma proposição é verdadeira ou é falsa, e não há uma terceira opção viável. Tais princípios, deste modo, garantem as condições que asseguram a realidade das coisas.
[22] Jacques Lacan definiu o sujeito com o que um significante representa para outro significante. É sabido que o conceito de sujeito não é unívoco e comporta uma diversidade de interpretações e definições. O termo sujeito foi promovido ao patamar de conceito com o pensamento de Descartes.
A noção de significante utilizada por Lacan é proveniente de Ferdinand de Saussure, um linguista que propôs uma visão estruturalista da linguagem. Para Saussurre, a linguagem seria formada por elementos chamados signos. Esses, por sua vez, seriam compostos de duas dimensões, unidas arbitrariamente, ou seja, em função do acaso, a saber: o significante e o significado. O significante seria a parcela material do signo linguístico (o som da palavra, por exemplo). Já o significado seria o conceito, o sentido, a ideia associada ao significante. A teoria da linguagem de Saussure é estrutural porque pressupõe que o valor de um determinado signo não é dado a priori, mas depende da relação com os demais signos do sistema linguístico.
[23] O chamado “Anspruch auf rechtliches Gehör” (pretensão à tutela jurídica) no direito alemão, assinala o Bundesverfassungsgericht que essa pretensão envolve não só o direito de manifestação e o direito de informação sobre o objeto do processo, mas também o direito de ver os seus argumentos contemplados pelo órgão incumbido de julgar. Daí afirmar-se, correntemente, que a pretensão à tutela jurídica, que corresponde exatamente à garantia consagrada no art. 5º LV, da CF/1988.
[24] Chamam-se interpretativistas, os que, embora admitam que o aplicador da Constituição – tal como o aplicador de qualquer norma jurídica – não deva prender-se à literalidade do texto, mesmo assim consideram incompatível com o princípio democrático qualquer criatividade judicial em sentido forte, isto é, qualquer forma de interpretação dos enunciados normativos que ultrapasse o âmbito de seu significado linguisticamente possível, porque isso implicaria atribuir aos juízes uma legitimidade que é privativa dos titulares de mandatos políticos.
[25] A função legislativa é maior e menor do que a função normativa. Maior porque abrange a produção de atos administrativos sob a forma de leis [lei apenas em sentido formal, lei que não é norma, entendidas essas como preceito primário que se integra no ordenamento jurídico inovando-o]; menor porque a função normativa abrange não apenas normas jurídicas contidas em lei, mas também nos regimentos editados pelo Poder Judiciário e nos regulamentos expedidos pelo Poder Executivo.
[26] O termo discricionariedade pode ser apontado em três acepções, indicadas por Dworkin. A primeira seria a escolha pelo juiz entre critérios que um homem razoável poderia interpretar de diferentes maneiras. A segunda é a ausência de revisão da decisão tomada por uma autoridade superior, sendo estas discricionariedades em sentido fraco. A terceira acepção, que seria a discricionariedade em sentido forte, ponto este de divergência entre Hart e Dworkin. Neste, implica a ausência de vinculação legal a padrões previamente determinados. Para Hart, poderia, na terceira acepção, na ausência de vinculação legal, o juiz usar o poder discricionário para proferir decisão, enquanto Dworkin é contra este poder, alegando não ser o juiz membro do legislativo.
Hart procura traçar uma teoria descritiva da lei, em busca da segurança jurídica e pela eficiência da pressão social. Tenta também criar critérios para dizer quais regras e quais princípios são leis, sendo irrelevante sua justificação. Entre a discussão, Hart contesta a interpretação feita por Dworkin de que a discricionariedade seria criar direitos com liberdade “sem freios”. Para Hart, o juiz poderia aplicar a discricionariedade apenas aos casos de omissão da lei e sendo vedada reformas de larga escala ou novos códigos, sempre pautando a decisão em padrões dogmáticos e racionalidade.
[27] […] Que é a verdade? – Kant responde – A definição nominal do que seja a verdade, que consiste na concordância do conhecimento com o seu objeto, admitimo-la e pressupomo-la aqui; pretende-se, porém, saber qual seja o critério geral e seguro da verdade de todo o conhecimento. Kant parece falar sobre uma verdade material (objetiva) – materielle (objektive) Wahrheit) – e uma verdade formal – formale Wahrheit –, distinção sobre a qual nos debruçaremos agora, movidos pelas duas questões acima colocadas, não esquecendo que a pergunta pela verdade deve ser, segundo Kant, entendida como a pergunta pelo critério de verdade: «1) Será que há um critério material e universal da verdade? 2) Será que há um critério formal e universal da verdade?». Busca-se definir um critério de verdade que seja universal e não particular, o que significa que deverá ser um critério válido para todos os casos, para todos os objetos em geral, abstraindo toda e qualquer particularidade e a distinção entre estas. A questão que se coloca é se existe um tal critério material e/ou formal.
[28] A interpretação de Josef Simon, ora brevemente apresentada, conduz a filosofia de Kant para um domínio ainda, a nosso ver, inexplorado, e isso não apenas por enfatizar o papel da imaginação para o conhecimento e usos da razão em sua orientação cognitiva e comunicativa, rejeitando assim uma simples interpretação formalista, dominante na Pesquisa-Kant; talvez a principal força dessa interpretação, que, julgamos, carece ainda ser melhor aprofundada, assente-se no fato de que ela concretamente abre um horizonte de interlocução da filosofia kantiana com problemas filosóficos contemporâneos, tais como temas relativos a uma visão pragmática da teoria da linguagem e da teoria da comunicação, bem como a uma nova (uma vez que supera os impasses daquela formalista) concepção de “subjetividade”, de indivíduo, que não se assenta em uma razão plena de “certezas absolutas”, plena de convicções atemporais, mas sim em “certezas falíveis”, e, uma vez que essas são simplesmente pontos de vista plausíveis, precisam ser constantemente justificadas pela razão em sua orientação cotidiana. Para essa forma de racionalidade, “riscos” no significar e comunicar são e devem ser sempre considerados.
[29] Na “dialética transcendental”, finalmente Kant examina a possibilidade dos juízos sintéticos a priori na metafísica. A “coisa em si” (alma, Deus, essência do cosmos, etc.), não nos é dada em experiência alguma. Ora, como chega a razão a formar esses objetos? Sintetizando além da experiência, fazendo a síntese das sínteses, porque aspira ao infinito, ao incondicionado, ao absoluto. Nas célebres, “antinomias”, Kant mostra que a razão pura demonstra, “indiferentemente”, a finitude e a infinitude do universo, a liberdade e o determinismo, a existência e a inexistência de Deus. Ultrapassando os limites da experiência, aplica arbitrariamente as categorias e pretende conhecer o incognoscível. A metafísica é impossível como ciência, pois não se pode chegar mais, além disso.
[30] Para Nietzsche a vontade de verdade é fruto da metafísica que nasceu na Grécia antiga com Sócrates e ao longo dos séculos foi propagada pelo Ocidente. Por isso, toda a história da metafísica é simultaneamente a história da busca do homem pela verdade. O problema é que a verdade não passa de pura ilusão. A verdade é uma ilusão que gerou outra ilusão, ou seja, a metafísica. Segundo Nietzsche, em Além do bem e do mal, § 20, é por causa dessa dupla ilusão, isto é, a metafísica e a verdade, que o homem vive aprisionado pelo “encanto da gramática”. Esse encanto é a tentativa de o homem encontrar uma similitude entre a palavra e o pensamento, entre a palavra e o objeto. É a constante ilusão humana de que a palavra pode representar perfeitamente o objeto e, com isso, ser possível descrever a realidade.
Para Nietzsche o homem utiliza o poder criador da linguagem, por meio da metáfora, para nomear os objetos e criar uma ilusão de estabilidade existencial e social. O homem olha para a história e vê a estabilidade, ou seja, durante séculos os objetos tiveram os mesmos nomes. Essa estabilidade ganhou mais força com o advento da verdade produzida pela metafísica. Entretanto, tudo isso é ilusão.
[31] O pensamento pós-moderno é herdeiro filosófico de Nietzsche e de Heidegger. De Nietzsche o pensamento pós-moderno herdou a crítica a todo tipo de idealismo; filosófico, ideológico e científico. A frase “Deus está morto” sintetiza a falência de todos os fundacionismos e a impossibilidade do pensamento metafísico. Heidegger, em parte herdeiro de Nietzsche, ainda aprofunda mais esta crítica, colocando-a como fato dado.
Assim como vivemos a chamada pós-modernidade e nesta identificamos a fragmentação de toda a unidade entre a ciência, arte e religião, assim temos que reconhecer que, se ainda procuramos razões que não sejam razões da ciência, essas não são mais razões ou fundamentos metafísicos. O pós-metafísico é um mundo sem fundamentos absolutos. Como diz Bauman é um mundo líquido.
[32] Parafraseando aqui Demócrito, concluir-se-ia, sem exageros, que “a verdade jaz num abismo”, o que para Kant equivaleria a dizer: a verdade encontra-se na certeza oculta à razão de um ato estético, ou seja, na síntese entre tempo e conceito. Ao revocar uma pretensão puramente normativa (formalista) de verdade em Kant, Simon quer enfatizar, vale dizer, a importância pragmático-filosófica da razão em sua Weltorientierung, isto é, na diversificação dos seus modos de significação e comunicação dos sentidos das coisas.
[33] A Vontade de Poder por sua vez é um conceito – parcialmente situado na perspectiva de Schopenhauer – através do qual Nietzsche pretende dar conta da essência da vida, do fundo de onde germina a vida. Onde há vida, movimento, existe vontade de poder. A vida é vontade de potência. Eliminar esta dimensão da vida, como pretenderia um certo sentimentalismo, seria como querer amputar um órgão vital. O encontro com a filosofia de Nietzsche é desconcertante não somente pela sua dura crítica ao modo de valorar e viver moderno, mas também pela desconstrução do modo de pensar tradicional. Em Nietzsche o pensamento é força, desejo ativo. É um pensamento nômade. Agora o monumental edifício da filosofia ocidental corre o risco de ver corroído seus próprios fundamentos. Pelo menos desde Aristóteles filosofia foi predominantemente sistema, coerente e totalizante da realidade. Ela sempre procurou a verdade na forma de um sistema mais ou menos complexo ordenado pelo pensamento lógico e formal.
[34] Paul Ernst Wilhemlm Oertmann (1865-1938) foi advogado alemão. Tornou-se conhecido principalmente por ter publicado em 1921 a obra intitulada “A base para o negócio – um novo conceito legal”. O Supremo Tribunal assumiu a doutrina da base de negócios no ano após a introdução da base em 03 de fevereiro de 1922 em sua decisão “Vigognespinnerei” para ter em conta a inflação em um contrato para a compra de uma fábrica de fiação.
[35] O legislador como pessoa é substituído pelas forças sociais (interesses). Daí não se falar mais em voluntas legislatoris. No entanto, não é possível identificar Heck totalmente com as correntes objetivistas da interpretação já que não se limitava a analisar o que objetivamente o texto normativo poderia dizer, mas exortava a necessidade de se buscar os “interesses históricos” que embasavam a lei.
[36] O desenvolvimento judicial do direito na modalidade de “superador da lei”, o que traz as seguintes características: O juiz realiza esse grau de desenvolvimento judicial do Direito porque tem o dever de decidir uma questão jurídica; o desenvolvimento judicial do direito superador da lei tem de estar embasado naquilo que Larenz chama de “razões de grande peso”; o desenvolvimento judicial do Direito supera a lei, mas está dentro do quadro e dos princípios diretivos do ordenamento jurídico no seu conjunto;
Considerando-se essas características, verifica-se que a superação da lei que resulta da criação judicial do direito parte da premissa de que o julgador necessita decidir, mas que a lei não é suficiente para permitir-lhe a prática desse ato. Nem pode ele recorrer à técnica de integração da lacuna como um desenvolvimento judicial de Direito imanente à lei, porque nem teleologicamente ela lhe possibilita isso.
[37] Em “Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral”, § 1, Nietzsche afirma que a linguagem é a “primeira metáfora”, ou seja, a linguagem é a metáfora que possibilita ao homem construir todas as coisas que estão dentro da sociedade (arte, ciência, religião, etc). Tudo que existe dentro da vida social é metáfora e, por conseguinte, interpretação. Em Além do bem e do mal, § 22, ele afirma que até as leis construídas pelos físicos são interpretações, logo também são metáforas.
[38] Karl Larenz (1903-1993) foi jurista e filósofo do direito alemão. Destacou-se na área do Direito Civil, tendo produzido obras que fizeram e ainda fazem autoridade na disciplina. Seus ensinamentos muito influenciaram os pensadores pátrios. Dentre os que adotaram sua doutrina, destacou-se Orlando Gomes. Foi um dos pensadores da escola da jurisprudência dos valores.
A teoria de Karl Larenz sobre interpretação jurídica tem como pressuposto a necessidade da interpretação das normas, a qual deriva de situações de fato problemáticas quanto à compreensão do sentido e alcance do texto da norma, como, por exemplo, quando o intérprete da lei se vê diante de conceitos/palavras que comportam mais de um sentido ou quando verifica que há uma espécie de conflito de normas que potencialmente regulam a mesma situação fática, mas em sentidos totalmente contrários.
[39] Com a queda das doutrinas oficiais ligadas às ditaduras derrotadas, na Alemanha e na Itália, os teóricos do direito tiveram de remeter-se às doutrinas pré-bélicas para iniciar a reconstrução de uma teoria jurídica que acompanhasse e favorecesse o renascimento dos Estados Democráticos.
Porém, exatamente às doutrinas pré-bélicas podia-se censurar, no mínimo, o fato de não terem oposto nenhuma barreira à afirmação das ditaduras. O positivismo jurídico, que havia caracterizado as primeiras décadas do século XX, pregara a aceitação do direito que vinha do Estado, qualquer que fosse seu conteúdo. A tese da indiferença do conteúdo do direito positivo já não podia ser aceita.
Com isso, a elaboração europeia ocidental, mesmo não podendo receber por inteiro o modelo do Common Law3, começou a elaborar teorias que, embora não prevendo uma criação imediata do direito por parte do juiz, lhe reservavam uma tarefa criativa no delimitado âmbito das normas jurídicas positivas, mas estendido para além de tais normas com a ajuda de máximas da experiência e de princípios gerais.
[40] Lenio Luiz Streck publicou interessante obra cujo título é: “o que é isto? – decido conforme minha consciência? Que pretende combater o juiz solipsista, como uma espécie de juiz Robson Crusoé que decidiria, não segundo a Constituição, mas segundo a sua consciência e vontade apenas.
Afinal, o Direito não é aquilo que o judiciário afirma que é. Nem tampouco é aquilo que em segundo momento, a doutrina afirma quando compila a jurisprudência, este se define a partir do repertório de ementários ou enunciados com pretensões objetivadoras.
[41] As leis, regulamentos, atos administrativos e sentenças judiciais devem concordância formal e conteudística em relação à Constituição, e a eventual contradição deve ser passível de controle por parte de uma instância destinada para isso, como, por exemplo, um Tribunal Constitucional. São normas que criam Direito a partir da norma superior. Há aqui uma misto de execução e produção jurídica.
[42] A filosofia de Hegel pode ser interpretada como uma superação do dualismo entre sujeito e objeto, mas de um modo mais amplo pode-se dizer que Hegel pretende superar, por um lado, a objetividade grega que empregava uma atenção toda especial para o homem em sua identificação com o mundo; por outro lado, a subjetividade da modernidade na perspectiva cartesiana e humana, bem como a revolução copernicana de Kant. Com isso, tem se em Hegel a busca pela superação do dualismo entre o subjetivo e o objetivo, ou, entre sujeito e objeto. Superar o dualismo kantiano, para Hegel, é compreender que Kant separa fenômeno de coisa em si, retirando a necessidade e a universalidade da razão, promovendo um conhecimento formal e parcial, já que Hegel afirma que o conhecimento é a visão da totalidade. Nesse sentido, Hegel irá afirmar que o a priori kantiano não é possível, uma vez que o conhecimento em Hegel é resultado e não a busca da coisa em si que, segundo Kant, não é possível de ser conhecida, mas ao menos pode ser pensada.
[43] Gadamer lucidamente alude que não é a história que pertence a nós, mas nós que pertencemos à história. Muito mais do que nós compreendemos a nós mesmo na reflexão, já estamos compreendendo de uma maneira auto-evidente na família, na sociedade e no Estado em que vivemos. A lente da subjetividade é um espelho deformante. Como diz Gadamer, ‘quem pensa a linguagem já se movimenta para além da subjetividade. ” E não seriam o espírito de transgressão e a tendência ao isolamento/solipsismo inerentes aos pensadores que se pretendem originais?
Mas não é só. Para Lenio Streck, que cita voto proferido por um certo ministro que afirma não importar o que os doutrinadores pensam, “já como preliminar é necessário lembrar – antes mesmo de iniciar nossas reflexões no sentido mais crítico – que o direito não é (e não pode ser) aquilo que o intérprete quer que ele seja. Portanto, o direito não é aquilo que o Tribunal, no seu conjunto ou na individualidade de seus componentes, dizem que é”.
[44] Em 1999 aportou no Direito brasileiro uma verdadeira reviravolta hermenêutica através da obra de Lenio Streck, Hermenêutica Jurídica e (m) Crise: Uma Exploração Hermenêutica da Construção do Direito. O conhecimento sobre o Direito não se orienta pelo sentido projetado pelas duas grandes reviravoltas que atingiram a filosofia durante o Século XX. Não há pois acesso direito aos objetos. O conhecimento das coisas do mundo depende, necessariamente, da mediação linguística.
[45] Busca-se, a partir dos preceitos firmados anteriormente, a máxima eficácia da relação processual visando seu resultado útil e, mormente, seu término com sentença definitiva (não terminativa, portanto) pacificando a relação contenciosa nos moldes preconizados pelo Estado Constitucional, mormente, pelos direitos fundamentais. Tais vertentes devem ser guiadas pela reconstrução interpretativa e argumentação jurídica com técnicas efetivas e idôneas para tutelar, desta maneira, o direito material ou o bem da vida.
[46] Nietzsche ultrapassa os pressupostos filosóficos da modernidade a partir, notadamente, da noção de vontade de potência como interpretação, do conferir a toda afirmação o estatuto de interpretação e da busca de uma nova linguagem para expressar seu pensamento. Recusamos, por isso, a afirmação de Habermas, em seu Discurso filosófico da modernidade, de que a Filosofia de Nietzsche estaria circunscrito à modernidade ao permanecer subsidiada por uma consciência temporal e pelo apelo à racionalidade.
É o fio condutor do corpo que Nietzsche propõe, em termos de interpretação, como medida das produções humanas. Efetivamente, ele entende a esfera de um sujeito somente como deslocamento, quer dizer, como crescendo ou diminuindo enquanto se esforça para ser mais. A sua introdução se deve a razões práticas, utilitárias, que visam à compreensão do vir-a-ser a partir de sua fixação.
Não há sujeito, mas sujeitos, quer dizer, o homem como multiplicidade de vontades de potência: “A hipótese de um sujeito unitário talvez não seja necessária”, escreve Nietzsche, e, na sequência, introduz no lugar da unidade a hipótese de uma multiplicidade, que passa a nortear a sua investigação acerca do homem: “talvez seja igualmente permitido admitir uma multiplicidade de sujeitos, cuja interação e luta entre si estejam na base do nosso pensamento e, em geral, da nossa consciência”
[47] O filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), ao ler o Tratado da Natureza humana de Hume, afirmou que este o havia “despertado do sono dogmático”, isto é, de sua crença inquestionável na metafísica clássica. Com isso dá início a uma crítica da razão teórica, ou seja, um estudo para determinar o que a razão pode ou não efetivamente conhecer.
O filósofo realiza uma verdadeira “revolução copernicana” na filosofia, estabelecendo que não é a realidade que determina nossa maneira de pensar, como Hume argumenta, mas que é nossa maneira de pensar que determina a realidade.
Através das formas a priori de sensibilidade (aquelas que existem antes da experiência) e dos conceitos a priori do entendimento, Kant demonstra que existem dois tipos de realidade: a) aquela que apreendemos através dos nossos “filtros” apriorísticos, os chamados fenômenos e b) a que é inapreensível à experiência e que Kant chama de noumeno. Sendo este noumeno ou “coisa-em-si o objeto da metafísica, então esta não é possível.
[48] O direito não é indeterminado ou incompleto para Dworkin, pois além do direito explícito, haveria princípios implícitos que mantêm coerência com o direito e apresentam melhor justificação moral. Nesta linha de raciocínio, o direito nunca seria incompleto ou indeterminado e não poderia o juiz aplicá-lo com discricionariedade.
[49] Nesse sentido vale a pena sublinha o art. 942 do CPC/2015 que no julgamento da apelação, do agravo de instrumento ou da ação rescisória, se não se obtiver a unanimidade, será este suspenso e, prosseguirá apenas com a presença de outros julgadores, em número suficiente para garantir a possível inversão do resultado inicial, até então obtido antes da suspensão. O voto minoritário deixa de ser mera dissidência, mas uma efetiva posição que mereça uma análise por maior número de julgadores.
Portanto esse julgamento ampliado ou de um julgamento em etapas sucessivas que funcionará como espécie de confirmação do acórdão em determinadas hipóteses, causa especial estranheza visto que a ideia inicial era a redução de recursos.