EDUARDO MIRABILE – Mestre em Direito Difusos e Coletivos. Advogado. Professor de direito Constitucional, Ambiental, Civil e Biodireito dos cursos de graduação e pós-graduação.
A abordagem deste tema está intimamente ligado com o papel histórico que o Brasil pretende ter nos anos vindouros, especialmente se queremos ser protagonistas da história mundial ou apenas observadores daquilo que é decidido pelas grandes potências mundiais. E isso passa pela questão ambiental como veremos adiante.
A guerra na Ucrânia fez voltar à memória, restabelecendo e trazendo à tona movimentos que estavam dispersos nos aliados ocidentais devido a um fato novo: a volta do inimigo.
Apenas para relembrar, durante o seu mandato, o governo norte-americano de Trump em discurso dirigido aos líderes europeus, destacou com muita ênfase a necessidade das potências europeias gastarem uma parcela maior de seu orçamento com a defesa, eis que não poderia o contribuinte americano arcar com a defesa da Europa. O pedido do presidente americano teve pouco efeito prático na ocasião perante seus pares europeus.
Nesse diapasão chegou-se até mesmo a discutir a necessidade da existência da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), o mais importante pacto militar dos Estados Unidos e Canadá com a Europa, oriundo dos tempos da Guerra Fria, e que para muitos não faria mais sentido no mundo atual tamanho gasto com armas.
Porém a guerra na Ucrânia, com a invasão das tropas russas na nação-irmã, trouxe a volta, como puro reflexo, fatos que estavam esquecidos: a coesão dos Estados Unidos e Europa num objetivo comum. A organização militar ocidental passou a exercer e exibir o poder de sua força com a união dos países. Reconquistou o status que estava dormente na suposta paz.
Sem ingressar nas razões (ou falta delas!) que levaram a Rússia a invadir seu vizinho menor, o fato é que foi construído com muita clareza, em sua grande maioria, uma narrativa na mídia e pelo mundo do “bárbaro invasor russo”. Claro que essa visão que chega também ao Brasil, claramente enevoada pela mídia do mundo ocidental do qual também estamos inseridos, pode ou não, refletir a realidade dos fatos. Mas essa é a verdade que fica.
Tal invasão, precedidas de avisos do mundo ocidental para que a Rússia não ultrapassasse a linha vermelha, foi frontalmente ignorada pelos russos, o que levou a uma união dos países ocidentais poucas vezes visto. Sanções econômicas sem precedentes abalarão, inexoravelmente, por muito tempo a economia russa, que certamente vai estrangular o desenvolvimento bélico do país e também avanços sociais para o seu povo.
Esse movimento do mundo ocidental, fez com que, justificadamente ou não, a Rússia se tornasse um pária internacional, com todas as consequências nefastas para a vida econômica e social daquela nação. Como ato subsequente a geopolítica vai interpretar a realidade global trazendo explicações e reflexões que servirão, e muito, para projetar um possível futuro.
É aqui o ponto que gostaríamos de chegar com a narrativa da guerra.
O Brasil, através de seus governantes de plantão, tem enviado sinais titubeantes e contraditórios sobre a defesa e proteção ambiental. Encontram muitas dificuldades em conciliar os interesses desenvolvimentistas com a proteção ambiental. A palavra desenvolvimento sustentável não encontra muita guarida no Brasil atual.
Inobstante seja objetivo do Brasil garantir uma sadia qualidade de vida para a presente e futuras gerações, nossos governantes, por muitas vezes, acabam relevando a um segundo plano o Texto Maior de nosso país, permitindo que outros interesses sobreponham a proteção ambiental.
Esse cenário preocupante, certamente pode ser perigosamente um franco aberto a ser explorado por nações concorrentes, sobretudo as mais poderosas que podem se sentir incomodadas com a presença do Brasil subtraindo antigos e até outrora bem consolidados acordos comerciais e que podem colocar nosso país numa posição extremamente desvantajosa no cenário internacional.
O Mercosul, capitaneado pelo Brasil, tem procurado construir laços com a Europa na criação de uma zona de livre comércio entre o bloco latino e o europeu. Esse acordo, que precisa ainda ser aprovado pelo Parlamentos dos países envolvidos, alardeado com o maior acordo ente blocos do mundo visa criar uma área de livre comércio que representaria cerca de 25% da economia mundial. Passos importantes já foram dados nesse sentido, mas temos encontrado importantes resistências.
A França, apenas para citar um país, posicionou-se frontalmente contra esse livre comércio pretendido pela Mercosul e aponta dentre outras razões o desrespeito com a proteção ambiental, notadamente do Brasil, que impediria de manter relações comerciais privilegiadas.
Ora, é sabido, sem qualquer ingenuidade, que os verdadeiros sentimentos que movem o governo francês não são exatamente com a questão ambiental brasileira, mas sim que o Brasil, tradicional exportador de produtos agrícolas, poderia atrapalhar negócios com os produtos franceses, também de forte tradição agrícola.
O fato é que, independentemente do verdadeiro motivo, a comunidade internacional está cada vez mais exigente e intolerante com os desrespeitos com a proteção ambiental. Cada vez mais exigem certificações de produtos importados no tocante a questão ambiental. E daí, pensar um pouco mais adiante, numa comunidade internacional que queira banir os agressores ambientais parece-nos apenas mais um passo adiante, que tecnicamente e humanisticamente não estaria errado.
O mundo, logo após superar e passar algum tempo da guerra na Ucrânia e da vitória sobre a COVID, certamente voltará seus olhos com mais fervor na questão ambiental. Questões dormentes pelos assuntos mais quentes e mais urgentes, voltarão, sem dúvida, a tela.
Não se pretende aqui defender uma posição brasileira de alinhamento automático ou muito menos subserviência aos países poderosos, mas sim de tomarmos medidas proativas no sentido de defender o meio ambiente. Razões não faltam para isso.
Primeiro porque há uma determinação constitucional nesse sentido. Depois porque o desenvolvimento sustentável é o ponto que toda a humanidade evoluída irá buscar. E finalmente porque não podemos ser coniventes com atitudes que vão contra o meio ambiente, e por consequência, contra a própria vida humana.
A proteção ambiental tem que ser uma política do Estado Brasileiro. Não podemos correr o risco, de amanhã, nações unidas juntarem-se num discurso contra nosso Estado sob a alegação de que desrespeitamos o meio ambiente e sejamos colocados à margem do comércio internacional.
E aqui fica a advertência sobre o risco sério de o Brasil tornar-se uma pária mundial, não como a Rússia que invade o país vizinho, mas sim por sermos um país sem compromisso com a defesa ambiental, intolerável para o mundo civilizado.
Devemos, com urgência, largar os discursos prontos e vazios para a adoção de atitudes eficazes, como um país livre e soberano na sua verdadeira busca de um desenvolvimento sustentável com olhos para o futuro.