* Jaques Bushatsky
Tramita o Projeto de Lei n. 3452-A de 2004, na Câmara dos Deputados, apresentado pelo Exmo. Sr. Deputado Almir Moura, visando a estender a impenhorabilidade do imóvel residencial (Lei 8009 de 1990), àquele pertencente ao fiador de locação urbana, alterando-se o art. 82, da Lei de Locações e o art. 3º (inciso VII), da Lei de Proteção ao Bem de Família.
A escolha e a validade da garantia locatícia preocupam o Mercado, assim compreendido o conjunto formado por milhões de locadores e locatários: sem garantias adequadas, nem uns nem outros conseguirão locar.
Verdadeiramente, garantias locatícias só são imprescindíveis porque as ações judiciais conseqüentes ao inadimplemento são caras e morosas. Fosse rápido o trâmite e, certamente, o Mercado dispensaria as garantias (veja-se o desenvolvimento das operações de financiamento decorrentes da legislação que, em tempos idos, possibilitou a rapidíssima busca e apreensão de veículos, por exemplo).
Não houvesse inadimplemento (problema obviamente econômico), não haveria necessidade da garantia; fosse possível a rápida desocupação do imóvel (permitindo nova locação) e a rápida cobrança (problema da carente máquina judiciária), restaria certamente abandonada a preocupação que há de ter levado ao projeto de lei em foco.
Hoje, a lei prevê quatro modalidades de garantia (sempre escolhida por consenso dos contratantes): caução (que impõe ao menos, o depósito correspondente a 3 aluguéis), fiança (gratuita em geral), seguro de fiança (que exige o pagamento do prêmio) e cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento (que impõe a constituição de um fundo), proibindo a respectiva acumulação.
A fiança, principal dentre as modalidades previstas (e que seria praticamente eliminada se aprovado o Projeto ora comentado), é garantia tradicionalmente utilizada, até por ser a única gratuita, dentre as quatro modalidades legais:
Pois bem, para aferir a suficiência econômica do fiador, essencial à sua aceitação, é preciso responder a uma única pergunta: se necessário, o que poderá ser penhorado para honrar a palavra empenhada, de garantir a locação?
E aqui, recorda-se um primeiro aspecto relevante, sumamente prático: no período entre a vigência da Lei de Proteção ao Bem de Família (de março de 1990) e a alteração, para permitir a penhora do bem pertencente a fiador (em outubro de 1991), simplesmente ficaram paralisadas as locações, à míngua de pessoas que dispusessem de mais de um imóvel (fácil provar: quantos, à sua volta, têm mais de um imóvel?). A razão é simples: se para garantir o adimplemento, o fiador só possuía sua residência impenhorável, como se converteria em pagamento, a palavra que empenhara?
De outro lado, deve-se ter em mente que a fiança é garantia pessoal, a não repercutir em gravame do imóvel, portanto. Logo, a penhora do imóvel somente ocorrerá depois de procurados outros ativos, valendo lembrar que o Código de Processo Civil é perfeitamente coerente com as alternativas práticas, ao disciplinar a preferência de penhora sobre dinheiro: só se chega à penhora de imóvel, quando procurados e não encontrados ativos mais líquidos até porque a ação judicial que culmina na alienação do bem imóvel do devedor é cansativamente morosa, ninguém opta por esse caminho, exceto em última circunstância.
Logo, embora a alienação do imóvel do fiador seja sempre a última alternativa perseguida, caso se torne impenhorável o único imóvel do fiador, poucos poderão afiançar e os locatários precisarão optar pelas outras modalidades de garantia, todas elas onerosas. Será que os locatários desejam isso?
Sabendo-se quão difícil é elaborar leis, parece bastante claro que boa lei, é somente aquela que realmente atenda a demanda da sociedade e regule coerentemente a ordem, a paz e o desenvolvimento, este não apenas econômico. Interessa à sociedade, essa alteração proposta? Acredita-se que não, na verdade esse retrocesso legal atrapalhará as pessoas.
REFERÊNCIA BIOGRÁFICA
Jaques Bushatsky: Diretor de Locação do SECOVI-SP