A pobre justiça rica

  * Mário Antonio L. de Paiva 

Tenho acompanhado o noticiário e deparo-me com uma onda de prisões de figurões envolvidos em falcatruas realizadas pela Polícia Federal com ordem de juízes federais e, concomitantemente, vejo a revolta de colegas e do público em geral no momento em que os mesmos são liberados pelos próprios juízes que ordenaram a prisão ou por seus pares em instâncias superiores.

Colegas afirmam que o país não tem leis rígidas, que os juízes não são severos e, principalmente, que as pessoas envolvidas nesses crimes tem grandes posses e que, por isso, não ficarão muito tempo na cadeia.

Em parte o povo tem razão mas, se olharmos a nossa volta, perceberemos que isso acontece em todos os setores. Na saúde se você tem recursos financeiros poderá contratar os melhores médicos com especializações realizadas nos grandes centros ou até mesmo fora do país, poderá também utilizar-se dos melhores hospitais particulares com equipamentos de última geração que diagnosticam com precisão doenças diminuindo assim, sensivelmente, os riscos da intervenção cirúrgica. De outro lado temos o SUS que na sua grande maioria encontra-se desaparelhado, com falta de médicos e sem leitos suficientes para atender as necessidades dos enfermos além, é claro, das longas esperas em filas para receber atendimento médico o que resultará, no mínimo, em maiores sofrimentos advindos da dor sem contar com o próprio óbito.

Na engenharia acontece algo similar. Para a realização de uma obra existem profissionais especialistas em várias áreas, iluminação, fundação, arquitetura, decoração tudo para que a obra tenha solidez e beleza e satisfaça o gosto do proprietário. Já aqueles que não possuem recursos chamam apenas um bom pedreiro e alguns ajudantes e seguem em frente com a obra porém sofrendo todo o tipo de risco de uma possível e provável incorreção e até mesmo, em alguns casos, levando a obra ao desabamento.

Em sendo assim poderíamos elencar ainda diversos outros exemplos em que poderíamos constatar que a influência do poder econômico é decisiva para delinear os caminhos a serem atingidos pelo cidadão. E, é claro, na Justiça não seria diferente.

Cumpre informar, primeiramente que, as leis brasileiras não tem tantos erros como apontam alguns especialistas, pois, muitas delas, são feitas por grandes e renomados juristas com alto poder de avaliação e elaboração. Cabe ainda dizer que elas são sim iguais para todos. Porém como acontece em outras áreas o poder econômico exerce influência no deslinde da causa e, não estamos falando aqui de corrupção, e sim de habilidade, poder de convencimento, inteligência, dedicação, organização e busca dos melhores resultados.

Para o leitor entender citaremos um exemplo, imaginemos que um banqueiro seja preso por desvio de verbas dos correntistas e/ou do governo. Imediatamente este, detentor de grandes posses, contratará um dos melhores escritórios de advocacia do país que, em geral, possui de 100 à 300 advogados, para tentar sua liberação. Contratado o escritório de advocacia, imediatamente é formado um grupo que confeccionará a petição no mesmo dia para o juiz que ordenou a prisão. Não satisfeito já encontram-se de prontidão advogados das sucursais destes escritórios de advocacia em Brasília com profissionais especializados em tribunais superiores que são acionados para conseguir a liberação perante as cortes extraordinárias.

Em geral o réu é primário, tem bons antecedentes, residência fixa e não oferece perigo para investigação criminal não havendo por isso necessidade de ser preso preventivamente até mesmo porque este tipo de prisão é extremamente pernicioso e condenável a nível nacional e internacional já que ninguém pode ser privado de sua liberdade sem o devido processo legal. Portanto não há juiz que possa legalmente manter na cadeia referidos figurões que, libertos, recorrerão reinteradamente das decisões por longos anos até que as discussões cheguem ao Supremo Tribunal Federal.

Não podemos esquecer que a lei que não permite a permanência desses empresários na prisão é a mesma para o ladrão de galinha porém este último dificilmente irá ter uma defesa a contento e será preso infinitamente até que uma alma caridosa lembre-se do pobre coitado e resolva realizar sua defesa.

Vale lembrar que, infelizmente, essa é a lógica do sistema. Portanto, para que o cidadão tenha serviços dignos ou até mesmo de alto padrão precisa de posses pois sem isso não haveria nem mesmo profissionais habilitados a realizar serviços dessa natureza.

Em sendo assim espero que, após a leitura deste ensaio as pessoas entendam que a Justiça é para todos, porém o direito de defesa englobando o asseguramento de todos os direitos previstos na legislação é para poucos.

Por isso intitulei este artigo de pobre justiça rica já que aos olhos do povo a justiça dos ricos é pobre pois não prevalece já que não é efetivamente ou a contento concretizada em virtude da ampla gama de recursos e da excessiva demora na prestação jurisdicional final.

Quero deixar claro que, neste ensaio, estou apenas apontando as causas reais do não aprisionamento da maior parte das pessoas que possuem estrutura econômica avantajada. Soluções existem e podem ser implementadas como, por exemplo, o fortalecimento e estruturação da Defensoria Pública e leis mais rígidas e que visem a efetivação das punições de crimes considerados de relevância social ou de colarinho branco não tratando assim os desiguais de forma igual.

Acredito diante desta realidade que a mitológica deusa Themis (deusa da justiça) deva, nos dias de hoje, retirar a venda de seus olhos e julgar sim, com parcialidade sob esse aspecto levando em consideração o status social do acusado e os efeitos de sua conduta em relação a comunidade utilizando assim essas duas diretrizes como termômetro para a aplicação da pena e, o que é principal, para a efetivação real da punição.

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

MÁRIO ANTONIO LOBATO DE PAIVA: Advogado em Belém; Conselheiro da OAB/PA; sócio do escritório Paiva & Borges Advogados Associados; Assessor da Organização Mundial de Direito e Informática (OMDI), sócio-fundador do Instituto Brasileiro da Política e do Direito da Informática (IBDI); membro da Associação de Direito e Informática do Chile; Presidente da Comissão de Estudos de Informática Jurídica da OAB-PA e conferencista

 

Redação Prolegis
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ISSN 1982-386X – Editor Responsável: Prof. Ms. Clovis Brasil Pereira.

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