OPINIÃO: * Siro Darlan –
Em 1993 uma pesquisa realizada pelo Instituto Osvaldo Cruz constatou que em 500 notícias de crimes praticados contra crianças no Rio de Janeiro apenas 8 haviam sido denunciadas e dessas somente uma chegara à sentença judicial com a absolvição do agente criminoso por falta de provas do abuso praticado contra a criança.
Essa noticia repercutiu no aparelho policial e no Ministério Público que reagiram. A secretaria de segurança criou uma Delegacia Especializada em crimes contra crianças e adolescentes a DECAV, e o Ministério Público criou uma Promotora Especial para acompanhar essa modalidade de crimes praticados contra inocentes e indefesas criaturas.
O resultado, embora ambos os órgãos criados necessitem de melhor aparelhamento, não podia ter sido outro, reduziu a impunidade dos agentes criminosos. Vários foram presos e respondem a processos e o trabalho da DECAV já é reconhecido, tendo se transformado num importante instrumento de combate a violência contra crianças.
No início do ano o ISP – Instituto de Segurança Pública, órgão vinculado á Secretaria de Segurança divulgou uma pesquisa elaborada com base nos inquéritos policiais distribuídos no Estado do Rio de Janeiro esclarecendo que dentre os crimes praticados com participação de crianças seja como agentes seja como vítimas, 90,8% aparecem como vítimas e em apenas 9,2% são agentes.
A pesquisa revela dados que desmistificam a falsa idéia passada à sociedade de que há uma significativa participação de jovens na criminalidade e aponta na direção da necessidade de criação de outros mecanismos de proteção à criança e ao adolescente.
No Dia Nacional de Combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes foi reivindicado pelos movimentos sociais a necessidade de mudança da postura machista e insensível de alguns magistrados que se colocam na posição de julgadores das vítimas quando elas são atingidas por abusos sexuais praticados por adultos, e esse é mais um elemento patrocinador da impunidade.
Alguns casos foram pontuados e merecem uma profunda reflexão ante o despreparo de alguns julgadores que repetem jargões populares, como o caso de um juiz que ao ouvir uma adolescente de 15 anos vítima de estupro lhe perguntou se ela havia atingido o orgasmo. E outros que atribuem à vítima, por estar trajando essa ou aquela vestimenta, a responsabilidade de provocar os instintos do criminoso e conduzido à prática delituosa. E, ainda caso de um juiz que ao tomar conhecimento de um atentado violento ao pudor praticado contra uma adolescente de 13 anos, desqualificou a vítima afirmando que não se tratava de uma adolescente e sim de uma prostituta. Afirmou o magistrado como motivação para a absolvição que “o acusado está nitidamente na figura de cliente de alguém que se oferece como prostituta em via pública”.
E ainda o caso de uma juíza criminal que rejeitou o pedido de prisão preventiva de um Pai de Santo que havia estuprado em seu terreiro uma criança de dez anos, alegando em seu despacho que deixava de deferir a prisão do provável criminoso porque “não se pode conferir total credibilidade a versão de M face a seu histórico familiar e lamentável, repita-se, desvirtuamento sexual e moral”. Vale lembrar que a vítima tinha apenas 10 anos.
Diante desses poucos exemplos citados dentre muitos casos de despreparo para a função de julgador desses crimes contra crianças e adolescentes, evidencia-se a necessidade de especialização e melhor aparelhamento da máquina judiciária visando evitar que tantas crianças continuem sendo vítimas de violência e os acusados continuem sem punição.
Já há exemplos em outros estados da federação de instrumentos eficazes como a criação de Varas Criminais Especializadas no combate à criminalidade contra crianças e adolescentes. Essas Varas Especializadas são dotadas de equipe técnica com médicos, assistentes sociais, psicólogos, salas especiais para o chamado depoimento sem danos, que evita que a vítima seja obrigada a repetir a violência sofrida diante de vários servidores diferentes. Serviços integrados do Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Policia e Instituto Médico Legal que abreviam o processo e livram a pequena vítima da repetição exaustiva de sua triste história.
Levamos à superior administração do Tribunal de Justiça a informação da gravidade dessa modalidade de violência, que consideramos a “mãe” de todas as outras formas de criminalidade, já que uma criança violentada certamente repetirá essa prática e se transformará em agente da mesma violência que a vitimou. Imploramos a urgente necessidade de se criar mecanismos de defesa e proteção à infância, com prioridade absoluta, como impõem a norma constitucional e aguardamos a resposta afirmativa uma vez que acreditamos na sensibilidade e no compromisso do Presidente Murta Ribeiro de uma administração participativa e construída para melhor atendimento dos jurisdicionados.
AUTOR: Siro Darlan, Desembargador do TJRJ
FONTE: TJ-RJ