A inclusão digital como direito fundamental

POR: Lucas da Luz Pereira

 

1. O início da internet

Com o surgimento da internet e novos meios de comunicação, o ser humano avançou muito tecnologicamente em um curto espaço de tempo. Em 1866, o primeiro cabo intercontinental foi instalado para o tráfego de telegrafia e, posteriormente, surgiram os cabos para telefonia e transmissão de dados. Em um lapso de 100 anos, o primeiro satélite artificial, Sputnik, foi lançado; a primeira transmissão ao vivo aconteceu, via satélite, entre Estados Unidos da América e Europa; o primeiro computador foi construído. Grandes mudanças aconteceram em diversas áreas com a facilidade de acesso à informação e ao conhecimento. Estar conectado aos outros é uma necessidade básica dos seres humanos desde o início de sua existência como espécie. Nos diferenciamos de outros seres vivos pela nossa complexa capacidade de raciocinar. O ser humano, através a inteligência, é capaz de criar realidades e conceitos intangíveis, como o tempo, a verdade, a moralidade e a virtude. Conceitos que foram criados há muito tempo e são transmitidos entre gerações através da comunicação até os dias de hoje.

A internet surgiu a partir das pesquisas militares durante a Guerra Fria, que ocorreu entre 1947 e 1991. A disputa entre os dois grandes blocos ideológicos, União Soviética e Estados Unidos, que exerciam um enorme controle e influência no resto do mundo, resultou na inovação na área tecnológica. Era imprescindível que se inventassem um meio de proteger informações sigilosas. Qualquer vazamento poderia ser o motivo que resultasse na derrota de uma das superpotências. Desta forma, o objetivo era criar um modelo de troca e compartilhamento de informações que permitisse a descentralização delas. Em 1969, foi criada então a ARPANET – Rede da Agência para Projetos de Pesquisa Avançada, uma rede de computadores que era utilizada para transmissão de dados militares sigilosos e interligação dos departamentos de pesquisa nos Estados Unidos.

A partir desse momento, todos os anos novos computadores se juntavam à rede. A finalidade militar deixou de ser a principal. Em 2001, o número de hosts na rede mundial ultrapassou 15 milhões. Aos poucos a internet chegava à casa das pessoas ao redor do mundo. A rede de computadores começou a ser utilizada para comércio, bancos, prestadores de serviços. A facilidade de se comunicar permitiu que negócios ocorressem totalmente através da internet. Uma informação compartilhada por uma pessoa em qualquer lugar do mundo poderia ser vista por qualquer um que tivesse acesso à rede mundial de computadores.

O avanço tecnológico contribuiu para que a informação e a transmissão de conhecimento se difundissem muito rapidamente. Com a internet, surgiram cursos universitários transmitidos online, museus virtuais, diversos sites que armazenam todos os tipos de informações como o Wikipedia e até ferramentas de visualização do globo terrestre como o Google Earth. Ao ponto de que hoje é possível, através da ferramenta Google Maps, simular um passeio por praticamente qualquer rua ou estrada do mundo.

Esse desenvolvimento só foi possível porque a cada nova pessoa que é atingida pelas novas tecnologias, a difusão de informação aumenta exponencialmente. A globalização e a democratização da informação permitiram que um conjunto de pessoas que provavelmente nunca teriam qualquer tipo de contato, pudessem trabalhar de forma homogênea para desenvolver e criar conjuntamente. Com o conhecimento difundido, é muito mais fácil e rápido que uma nova tecnologia que é criada do zero seja aprimorada e melhorada. Isto porque o desenvolvimento feito de maneira aberta e de domínio público permitem a contribuição de muitas pessoas. Desta forma, o avanço dos meios de comunicação acaba resultando no próprio avanço da tecnologia de informação e comunicação.

Ocorre que, o avanço exponencial da internet não foi possível desde o primeiro momento. Isto porque inicialmente, com sua finalidade militar e por seu custo elevado, o acesso era muito restrito. Com o passar do tempo e com o surgimento de novas tecnologias e projetos para difusão da internet, o acesso à internet tomou proporções inimagináveis. A criação do World Wide Web, mais conhecida como “WWW”, tornou possível que a navegação na internet ocorresse de maneira gratuita. Nesse mesmo sentido, o projeto GNU permitiu que softwares fossem disponibilizados sem qualquer tipo de oneração. Esse ambiente proporcionou a democratização da informação e conhecimento, que foram imprescindíveis para a globalização e evolução da tecnologia e de diversas áreas.

2. O acesso à informação através da internet e a inclusão digital

A internet permite que qualquer pessoa que tenha acesso à rede mundial de computadores possa acessar um universo de informações sobre qualquer assunto. Aliada à digitalização dos conteúdos de texto, áudio, vídeo, as pessoas podem ter acesso à informação até mesmo de forma offline. As músicas podem ser ouvidas em aparelhos celulares, computadores e armazenadas nos dispositivos. Os textos são acessados na internet a todo momento e livros inteiros podem ser lidos através de e-books. Os vídeos, que antes só eram acessados através do cinema e televisões, hoje podem ser vistos em qualquer celular.

Nesse sentido surgiu o conceito da inclusão digital. Apesar de ser algo muito recente, o termo é derivado do conceito de inclusão social, que foi começou a ser utilizado após a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. A inclusão social tem como objetivo a universalização de direito formais e materiais. Ao longo dos anos novos grupos que eram excluídos através de práticas sociais, culturais e históricas, reivindicaram essa luta, como por exemplo os negros, índios, mulheres, comunidade LGBT etc.

A inclusão digital é também uma luta social frente a necessidade humana de se inserir nas possibilidades das tecnologias de informação e comunicação. Uma pessoa que é excluída desse universo digital sofre grandes impedimentos e consequências em diversos âmbitos, como educação e comunicação, tendo em vista que tecnologias de informação e comunicação são imprescindíveis para as demandas da sociedade atual. Tudo ao nosso redor tem influência das novas tecnologias, desde grandes reuniões envolvendo os líderes mundiais, até o comércio de um pequeno produtor rural. Todos nós estamos interligados através dessa grande rede de informações.

É inegável que se trata de um ambiente complexo e o acesso à informação as vezes não é tão simples como na teoria. A infraestrutura de telecomunicações por exemplo é imprescindível para as tecnologias de informação e comunicação. Para países com grande território, o investimento para essa infraestrutura é bem alto, mas que pode ser feito de forma gradativa até atingir totalidade da população. O acesso à celulares e produtos de informática pela população mais pobre muitas vezes não ocorre em decorrência por exemplo da alta tributação sobre o mercado das telecomunicações, a fiscalização concorrencial ineficiente e o custo dos produtos que a cada ano estão mais caros. Desta forma, conclui-se que o principal fato que gera a exclusão digital da população é o econômico, impedindo a estes o acesso aos bens da tecnologia da informação e comunicação.

As tecnologias de informação e comunicação se tornaram, portanto, um novo aspecto da vida do ser humano. É uma necessidade que antes não era vista pelo Direito e que hoje não pode ser ignorada porque se tratar de algo fundamental na vida de qualquer pessoa. A inclusão digital deve abarcar desde instituições do governo até o pequeno produtor rural no interior do país. É claro que a forma de acabar com a exclusão digital é diferente para uma pessoa que mora na periferia na região Sudeste e para um índio na região Norte do país. São abordagens e processos que demandam análises e soluções diferentes.

A Organização das Nações Unidas (ONU) já estipulou como uma das metas do milênio que os países devem usar projetos de infraestrutura como oportunidades para aprendizado tecnológico; adotar novas tecnologias e associá-las à qualidade de seu sistema de ensino superior; promover empreendimentos na área de ciência, tecnologia e inovação.

O acesso à informação e aos meios digitais são valores sociais que devem ser recepcionados pelo Direito, é uma forma de potencializar a capacidade do ser humano de se expressar, de produzir, de difundir conhecimento. O Direito deve sempre se atualizar com as novas demandas sociais e culturais, e com a evolução tecnológica da informação e comunicação não deve ser diferente. Garantir a inclusão digital é permitir que cada um de nós possamos cada vez estar mais perto de realçar outros direitos do nosso cotidiano, como a liberdade, igualdade, dignidade, liberdade de expressão etc. A inclusão digital como direito fundamental é uma necessidade histórica, é o reflexo da evolução social. Os fenômenos da tecnologia afetam nossa percepção do mundo, influenciam nas interações sociais, no nosso desenvolvimento como espécie. Desta forma, é imperioso que o Direito tutele a inclusão digital como um valor inerente ao ser humano.

 

 

Lucas da Luz Pereira

Advogado; Formado em Direito pela Faculdade Damásio de Jesus. Especialista em Direito Empresarial na Economia Digital pela PUC-SP; Pós-graduando em Direito Tributário pela PUC-SP.

Lucas da Luz Pereira
Lucas da Luz Pereira
Advogado; Formado em Direito pela Faculdade Damásio de Jesus. Especialista em Direito Empresarial na Economia Digital pela PUC-SP; Pós-graduando em Direito Tributário pela PUC-SP.

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