Guarda Compartilhada e seus pilares.
Introdução
A discussão sobre a guarda compartilhada no Brasil ganhou particular destaque com a aprovação da Lei 13.058/2014, quando se tornou impositiva, segundo o legislador brasileiro.
Muitas interpretações apressadas vieram da mídia em geral, colocando equivocadamente que de agora em diante, com o advento da nova lei, todos os pais terão direito ao compartilhamento da guarda dos filhos, quando separados, criando uma expectativa que não condiz com a verdade dos fatos.
Os pilares da guarda compartilhada no Brasil
Ao nosso ver, a possibilidade da instituição da guarda compartilhada, já existia há muito tempo, antes mesmo do advento da Lei 11.698/2008, que alterou então os artigos 1.583 e 1584 do Código Civil, dando-lhes nova redação, e que previu, “quando não houver acordo entre a mãe e o pai, quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada” (art. 1584, I, § 2º, do CC).
Da leitura atenta da Constituição Federal, do Estatuto da Criança e do Adolescente, e do Código Civil, a sua adoção era perfeitamente admissível, pois no bojo dessa legislação, a nível constitucional e infraconstitucional, já encontrávamos no Brasil suporte para sua plena adoção.
Assim, numa breve revisão no contexto legislativo, temos a Constituição Federal, que em seu artigo 226, § 5º, dispõe que “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal, são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”.
O artigo 229, da Carta Magna, impõem aos pais “o dever de assistir, criar e educar os filhos menores”.
O Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8069/90 – de forma objetiva, atribui em seu artigo 4º, que:
“É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público, assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, e à convivência familiar e comunitária”.
Tal previsão contida no ECA, deu efetividade ao artigo 227, da Constituição Federal, que consolida como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, todos os direitos fundamentais, dentre os quais, o direito à convivência familiar.
O ECA, no artigo 5º, estabelece que:
“Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punindo na forma da lei qualquer atentado por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”
Nos artigos subseqüentes, o ECA trata das disposições que devem ser observadas e garantidas às crianças e adolescentes, para a garantia dos direitos fundamentais assegurados no artigo 4º, já referido.
A partir da vigência no atual Código Civil, Lei nº 10.406/2002, em janeiro de 2003, foi estabelecido o Poder Familiar, em substituição ao Pátrio Poder, ao estabelecer no artigo 1.630:
“Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores”.
O parágrafo único, do artigo 1631, estatui para o caso de ocorrer divergência entre os pais, quando ao poder familiar:
“Divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo”.
A previsão e a disciplina do exercício do poder familiar, se encontra inserta no artigo 1634 do Estatuto Civil, que teve seu teor alterado pela nova lei 13.058/2014.
Temos convicção que a legislação infraconstitucional estabelecida em consonância com os princípios constitucionais da Carta de 1988, ao dar nova disciplina ao exercício do poder familiar pelo pai e pela mãe, tendo como primado básico, o interesse do menor, já possibilitava a adoção da guarda compartilhada, embora não existisse um texto legal específico que regulamentasse o instituto. Muitos juízes, inclusive, em situações isoladas, já a adotavam, levando em conta a pretensão dos pais e o interesse dos filhos.
Aguarda compartilhada após a Lei 11.698/2008
A partir da Lei 11.698/2008, que procedeu alterações nos artigos 1583 e 1584, do Código Civil, nosso ordenamento jurídico passou a ter apenas dois tipos de guarda, com contornos bem definidos, ou seja:
1. A guarda unilateral, “atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua”;
2. A guarda compartilhada, que atribui “a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns”.
A mudança da lei pouco contribuiu para o fortalecimento da guarda compartilhada, uma vez que encontrou muitas barreiras na sua adoção pelos Juízes, embora a norma contida no artigo 1584, I, § 2º, que previa:
“Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada.”
O Instituto sempre encontrou muita resistência entre os membros do Ministério Público, com atuação nas Varas de Família, sempre muito exigentes e normalmente contrários à sua concessão, nos pareceres ministeriais.
Embora o juiz possa se valer, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, de orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, para estabelecer os períodos de convivência da guarda compartilhada, que melhor atenda os interesses dos filhos menores, tal possibilidade acabou esbarrando na indisponibilidade dos profissionais de apoio, notadamente psicólogos e assistentes sociais, para elaboração de laudos e pareceres técnicos tão importantes, as vezes, essenciais, para a tomada de decisões.
Na maioria das Varas de Família são lotados apenas um ou dois profissionais, o que faz com que os laudos e estudos especializados, para se aferir o que é melhor e mais salutar para o menor, sejam elaborados tardiamente, por vezes um ano, 18 meses após sua solicitação, o que por muitas vezes já se tornam sem valia para a decisão judicial.
Nova lei, novas mudanças
Com a Lei 13.058/2014, a guarda compartilhada passou a ser a regra quando da separação ou divórcio dos pais, tornando-se em princípio, impositiva por determinação do legislador.
Novamente foram alterados os artigos 1583, 1584, 1585 e 1634 do Código Civil, tornando impositiva a guarda compartilhada, ressalvando obviamente algumas situações, fortalecendo com isso o instituto, pois tirou um pouco do poder extremo do juiz normalmente contrário à sua concessão, muitas vezes com o apoio e resistência do Ministério Público, pois atualmente se os pais optarem pelo compartilhamento da guarda, ela deverá ser concedida.
É certo todavia, que existe um vácuo enorme entre o que é desejável para os filhos – o compartilhamento da convivência com os pais, e o que é possível, tendo em vistas as peculiaridades de cada caso.
A concessão da guarda compartilhada, comporta um sistema de responsabilização conjunta dos pais separados, em que ambos terão simultaneamente a guarda física e o poder da imediatidade, ou seja, mesma responsabilidade perante o filho, e consequentemente, mesmos direitos e deveres.
Para assegurar a plenitude do compartilhamento, o artigo 1583, § 2º, do Código Civil, ganhou nova redação, e assegura:
“Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos.
Para alcançar o objetivo disposto na legislação, entendemos que sua concessão exige que os pais separados, tenham moradia próxima, comunguem dos mesmos valores morais, éticos, religiosos, e tenham em mente, apenas um único alvo à alcançar: o bem estar e a felicidade plena do filho.
Será impossível a atribuição da guarda compartilhada para os pais que moram em cidades distantes, por vezes em estados diferentes, como ocorre em muitas situações, quando após a separação, cada qual procura novos caminhos para refazerem uma nova família.
Por outro lado, deve haver para o compartilhamento da guarda, harmonia entre os pais, sensibilidade e equilíbrio na tomada de posições, o que por vezes é muito difícil de ocorrer, tanto assim é, que não conseguiram manter uma vida em conjunto.
Como escolher a melhor escola para o filho, a atividade esportiva e lazer mais adequadas (sem levar em considerações as pretensões pessoais de cada um), qual a orientação religiosa a ser seguida, são os grandes dilemas que se debatem na outorga do compartilhamento da guarda.
Embora a lei seja impositiva, adotando a guarda compartilhada como regra, é certo que os pais não são obrigados a adotá-la, bastando que um deles manifeste ao juiz que não tem interesse na guarda do filho. Essa possibilidade está prevista no artigo 1584, § 2º, do Código Civil, cuja redação é a seguinte:
“Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.”
É importante esclarecer, que embora a guarda compartilhada tenha se tornado um direito dos pais, quando não houver acordo entre eles, caberá ao juiz conceder-la para ambos, continuando o magistrado com poderes especiais para adotar medidas efetivas, para resguardar o interesse do menor, como assegura o artigo 1584, parágrafos:
3o– Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe.
4o – A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda unilateral ou compartilhada poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor.
5o– Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda a pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade.
Com relação ao Poder Familiar, a lei 13.058/2014 trouxe alterações no artigo 1.634 do Código Civil, acrescentando novos incisos, positivando direitos e obrigações aos genitores, em relação aos filhos, independente da sua situação conjugal, e especificando as duas modalidades de guarda, a partir de então: a unilateral e a compartilhada.
Eis a nova redação do artigo 1.634, que tem relação direta com as responsabilidades dos pais:
“Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:
I – dirigir-lhes a criação e a educação;
II – exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584;
……….
IV – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior;
V – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município;
……..”.
Os dispositivos do Código Civil alterados pela lei 13.058/2014, analisados e interpretados em conjunto, atribuíram maiores responsabilidades aos pais, na criação e educação dos filhos, garantindo-lhes direitos e obrigações equivalentes, quando ambos manifestarem interesse em manter a convivência estreita com sua prole.
Se pai e mãe desejarem a guarda do filho, e não houver nenhum impedimento para que tal ocorra, que possa ser nocivo à convivência compartilhada, ambos terão direito ao compartilhamento.
Se um dos pais tiver algum impedimento de ordem moral, cuja convivência diária não se apresente salutar para o filho, por certo o juiz deixará de atribuir a guarda compartilhada, visando o bem estar do menor. Imaginemos um dos pais, sendo usuário habitual de drogas, ou condenado por abuso sexual contra menores. Muito provavelmente, mesmo que demonstre interesse na guarda do filho, dificilmente conseguirá o aval judicial.
Nova lei fortalece os direitos na guarda compartilhada
Vemos de positivo na nova lei, a garantia assegurada aos pais de obter a guarda compartilhada, fato que pode ser um remédio eficaz contra a alienação parental.
Muitas vezes, na guarda unilateral, quando um dos pais mantém a guarda física, sendo diretamente o guardião do filho, são criados obstáculos na convivência com o outro genitor, caracterizando-se exemplos de alienação parental, previstos na Lei 12.318/2010, artigo 2º, parágrafo único, tais como:
I – desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;
II – dificultar o exercício da autoridade parental;
III – dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;
IV – dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
V – omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
VI – apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;
VII – mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.
Parece-nos que a nova lei, ao garantir a possibilidade do compartilhamento da guarda, enfraquece em muito a guarda alternada, e desestimula a prática nociva da alienação parental, praticada por um dos genitores, conduta deplorável e que se mostra prejudicial ao desenvolvimento salutar do filho.
É importante ressaltar também, que garante novos direitos ao genitor que não detém a posse direta do filho, a sua guarda física, uma vez que terá agora maior possibilidade de controle sobre o filho.
Essa garantia está prevista no artigo 1.583, do Código Civil, § 5º, do seguinte teor:
“A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos.”
Pela nova diretriz legislativa, o genitor terá até direito à ação de prestação de contas dos alimentos prestados, possibilidade sempre rejeitada pela jurisprudência pátria, inclusive pelo E. Superior Tribunal de Justiça, o que por certo será matéria muito polêmica e proporcionará acalorados debates entre os operadores do direito de família em nossos tribunais.
Outra importante disposição contida na nova lei, é a alteração promovida no Código Civil, artigo 1.584, § 6º, com a seguinte redação:
“Qualquer estabelecimento público ou privado é obrigado a prestar informações a qualquer dos genitores sobre os filhos destes, sob pena de multa de R$ 200,00 (duzentos reais) a R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia pelo não atendimento da solicitação.”
Assim, um dos meios usuais de alienação parental, utilizado por um dos genitores em prejuízo do outro, não detentor da guarda, era a proibição dada à escola de não prestar informações para este, sobre o aproveitamento do filho, como se fosse um estranho, uma vez que não dispunha do poder da imediatidade.
Agora essa possibilidade está vedada pela legislação, podendo o estabelecimento público ou privado que desrespeitar tal preceito, ser punido pecuniariamente.
Por isso, entendemos que a Lei 13.058/2014, ao fortalecer o instituto da guarda compartilhada, também garantiu direitos/obrigações aos genitores, na modalidade da guarda unilateral, pois aqueles que por uma razão qualquer, não detém a guarda física do filho, tem agora a obrigação de “supervisionar os interesses dos filhos“, sendo parte legítima para solicitar informações e intervir diretamente em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos.
Conclusão
Compartilhar a guarda dos filhos, após a separação dos seus genitores, é tarefa das mais complexas, que exige dedicação e compreensão mútua, pois ambos mantém a guarda física e o poder da imediatidade, simultaneamente.
A Lei 13.058, representa um avanço da distribuição e atribuição de responsabilidades, possibilitando o compartilhamento da guarda, quando ambos a desejarem, e não houver nenhum impedimento para sua concessão. Dependerá, no entanto, para solidificação desse instituto, de muito bom senso, equilíbrio, desprendimento, entre os interessados.
Para tanto, o compartilhamento da guarda, exige uma comunicação efetiva, ágil e respeitosa entre os pais, além de uma disponibilidade maior para atender as necessidades dos filhos, não para simplesmente vigiá-los, mas sim, para que sintam segurança, amparo e retaguarda no dia a dia de suas vidas.
O grande desafio será buscar a guarda compartilhada, na sua plenitude, sempre que viável, porque é a desejável. Não sendo isso viável, que se busque compartilhar a convivência pais e filhos, tornando-a mais estreita possível, não representando isso, falta de amor um pelo outro, mas simples circunstâncias que afetam o relacionamento entre as pessoas no cotidiano, inclusive pais e filhos.