A evolução do conflito capital x trabalho: novos paradigmas e a nova competência da Justiça do Trabalho

*Rafael Cruz Bastos

1. INTRODUÇÃO 

A cada dia que se passa, a humanidade descobre novas necessidades, alcança seus objetivos e traça novas metas. Estas transformações atingem todas as áreas do conhecimento humano, e entre elas, a ciência jurídica.

 Gregário por natureza, o homem é um ser eminentemente social, não só por seu instinto, mas também em virtude de sua inteligência, que lhe demonstra a vantagem de se viver em sociedade para alcançar seus objetivos. Todavia, esta convivência não está isenta de conflitos que emanam de razões diversas, tais como religiosas, políticas, econômicas e políticas. E para uma pacífica coexistência, torna-se necessária uma força coercitiva para regular tais conflitos a fim de resguardar determinados valores. 

Oriundo do conflito social, o direito é, portanto, dinâmico. Novas relações sociais e econômicas surgem de tempos em tempos e trazem consigo anseios e demandas das mais diversas origens. Tal fenômeno pode ser vislumbrado quando novos hábitos são introduzidos no seio social, impulsionados por uma revolução tecnológica, ou pelo êxodo rural, ou por situações políticas, econômicas e sociais. 

Neste sentido, sem descurar do aspecto dinâmico do direito, surge a teoria tridimensional de Miguel Reale: 

O direito não é um fenômeno estático. É dinâmico. Desenvolve-se no movimento de um processo que obedece a uma forma especial de dialética na qual se implicam, sem que se fundam, os pólos de que se compõe. Esses pólos mantêm-se irredutíveis. Conservam-se em suas normais dimensões, mas correlacionam-se. De um lado, os fatos que ocorrem na vida social, portanto a dimensão fática do direito. De outro, os valores que presidem a evolução das idéias, portanto a dimensão axiológica do direito. Fatos e valores exigem-se mutuamente, envolvendo-se num procedimento de intensa atividade que dá origem à formação das estruturas normativas, portanto a terceira dimensão do direito.[1]  

Assim, a norma jurídica é fruto da tensão entre a energia dos fatos e dos valores que pressionam um ao outro numa constante busca de harmonia da dialética que insurge do influxo de novos fatos diante da estima de certos valores, ou seja, o direito é “formado de contínuas ‘intenções de valor’ que incidem sobre uma ‘base de fato’, refrangendo-se em várias proposições ou direções normativas, uma das quais se converte em norma jurídica em virtude da interferência do Estado”[2]. 

A evolução da sociedade traz consigo novos fatos e conflitos, levando os legisladores a elaborarem novas leis, e que juízes e tribunais estabeleçam novos precedentes a fim de que seja estabelecido o equilíbrio entre os três fatores: fato, valor e norma. 

Neste sentido, o direito é uma realidade dinâmica, em constante movimento, a fim de acompanhar as relações humanas, modificando-as e adaptando-as às novas exigências e necessidades da vida, abrangendo experiências históricas, sociológicas e axiológicas. 

Assim, como ressalta Miguel Reale,  

a norma jurídica, uma vez emanada, sofre alterações semânticas, pela superveniência de mudanças no plano dos fatos e valores, até se tornar necessária a sua revogação; e, também, para demonstrar que nenhuma norma surge ex nihelo, mas pressupõe sempre uma tomada de posição perante fatos sociais, tendo-se em vista a realização de determinados valores.[3] 

 

Torna-se necessário que o cientista do direito reconheça que a lei, uma vez impotente para prever e regular juridicamente a totalidade das relações humanas, não pode conter o avanço da dinâmica histórico-social. Desse modo, 

Uma lei, por exemplo, uma vez promulgada pelo legislador, passa a ter vida própria, liberta das intenções iniciais daqueles que a elaboraram. Ela sofre alterações inevitáveis em sua significação, seja porque sobrevêm mudanças no plano dos fatos (quer fatos ligados à vida espontânea, quer fatos de natureza científica ou tecnológica, ou, então, em virtude de alterações verificadas na tela das valorações. É sobretudo este domínio que as “intuições valorativas”, em curso no mundo da vida, sempre em contínua variação, mas nem sempre de caráter evolutivo ou progressivo, atuam sobre o significado das normas jurídicas objetivadas e em vigor. A semântica jurídica, em suma, como teoria das mudanças dos conteúdos significativos das normas de direito, independentemente da inalterabilidade de seu enunciado formal, não se explica apenas em função do caráter expansivo ou elástico próprio dos modelos jurídicos, mas sobretudo em virtude das variações operadas ao nível da Lebenswelt, na qual o Direito funda as suas raízes.[4] 

 

Nesse sentido, é forçoso concluir que, a lei não tem conteúdo fixo e invariável. Sua fórmula verbal deve se adaptar às mutações do progresso, numa evolução paralela à sociedade, implicando nova significação à medida de novas valorações. 

Não raramente, através da interpretação progressiva ou histórico-evolutiva é possível adaptar a lei às novas condições sociais inexistentes ao tempo de sua formação, uma vez que na interpretação deve-se buscar sobretudo a vontade atual da lei ( voluntas legis), e não a vontade pretérita do legislador ( voluntas legislatoris).

Outras vezes, tal desiderato só se torna possível através de uma interpretação que se afaste totalmente da letra e da vontade do primitivo legislador ou conferindo àquela um sentido forçado, formando-se um direito extra-estatal ou Direito Livre, sendo esta uma prática abominável, considerando que é uma ameaça à própria existência do Estado.

 Quando se chega a tal ponto, sendo ineficaz aquela primeira modalidade, torna-se necessário a confecção de uma nova lei. Pontes de Miranda sabiamente dizia que, 

a norma jurídica tem certa elasticidade. A norma é elástica. Mas chega um certo momento em que a elasticidade não resiste e a norma se rompe. Logo, as variações na interpretação da norma devem ser compatíveis com a sua elasticidade. Pois bem, quando uma norma deixa de corresponder às necessidades da vida, ela deve ser revogada, para nova solução normativa adequada, o que nos revela a riqueza das soluções que a vida jurídica apresenta.[5]  

2. A DINAMICIDADE DO DIREITO DO TRABALHO 

O caráter dinâmico do direito é mais acentuado no ramo laboral, haja vista que este tem por escopo principal resolver o conflito capital x trabalho. Assim, além da tensão fato e valor, que poderíamos denominar de “tensão jurídica”, pois dela emana a norma, no direito do trabalho o sistema Fato, Valor e Norma sua dinamicidade é mais acentuada em razão da “tensão social” entre capital e trabalho que, por estarem em constante metabolismo, torna o elemento Fato mais instável, gerando constante desequilíbrio no sistema.

Alice Monteiro de Barros, ao tratar das características do Direito do Trabalho, aponta a tendência in fieri, isto é, à ampliação crescente. 

A sua tendência à ampliação crescente levou alguns autores a apelidar o direito do trabalho, há muitos anos, de “direito em vir a ser” (Photoff, em 1928). Essa ampliação ocorre no tocante à extensão pessoal e à intensidade. No que se refere à extensão pessoal, embora o campo de atuação do Direito do Trabalho ainda se restrinja ao trabalho subordinado, a legislação material tende a estender sua esfera normativa ao trabalhador autônomo, quando lhe assegura o direito à sindicalização (art. 511 da CLT) e ao repouso semanal remunerado (art. 3º da Lei n. 605, de 1949), enquanto a legislação processual (art. 652, III, “a”, da CLT) tende a atribuir competência aos tribunais para conciliarem e julgarem dissídios resultantes do contrato de empreitada em que o empreiteiro seja operário ou artífice. Evidentemente, a Justiça do Trabalho é competente, aqui, para deferir ou indeferir o preço da empreitada, não os direitos sociais.[6]

  

A abalizada autora confirma tal atributo do Direito do Trabalho ao constatar que antes da Constituição Federal de 1988 o trabalhador avulso não era equiparado a empregado, embora já tivessem alguns direitos como FGTS, férias, gratificação natalina e salário-família; e, a partir da Constituição vigente, os trabalhadores avulsos foram equiparados aos empregados para fins de direitos sociais (art. 7º , XXXIV).[7] 

Fenômeno semelhante ocorreu com os trabalhadores rurais, que mesmo já tivessem assegurados direitos sociais, a Constituição da República de 1988 passou a equipará-los aos empregados urbanos, passando a estender a eles alguns institutos jurídicos até então inaplicáveis, tais como o FGTS e o salário-família. 

Para se compreender melhor essa peculiaridade do Direito do Trabalho, faz-se necessário uma abordagem histórica de sua evolução pelos aspectos econômicos, sociais e jurídicos: 

2.1 Etimologia do Trabalho 

Ainda gera controvérsias a etimologia do vocábulo trabalho. Acredita-se que não exista uma origem indo-européia comum e que cada um dos troncos da língua indo-européia desenvolveu o conceito isoladamente. No inglês work há a conotação de “obra” e “trabalhar”, enquanto no grego érgon atribui-se a idéia de trabalho ou ação produtiva. 

     Labor em latim significa trabalho, fadiga, afã, obra, empenho, sofrimento, doença, mal, dor, enfermidade, desventura, infelicidade, desgraça. Há quem acredite que trabalho veio do sentido de tortura ( tripaliare) outros afirmam que os gregos conceberam o trabalho como uma dor, um castigo ( pónos em grego significa trabalho e tem a mesma raiz da palavra latina poena). 

Atualmente, predomina o entendimento de que o termo vem do Latim Tardio tripalium (ou trepalium), um instrumento romano de tortura, uma espécie de tripé formado por três estacas cravadas no chão, onde eram supliciados os escravos, derivando-se daí o verbo tripaliare (ou trepaliare). 

Somente a partir do Renascimento, o vocábulo passou a adquirir o sentido atual de “atividade, labuta, exercício profissional”. Todavia, mesmo com intenções atuais de enaltecê-lo, o termo jamais perdeu seu primitivo vínculo com a dor e o sofrimento, reforçado até pela ideologia do Antigo Testamento, quando Adão, ao ser expulso do Paraíso, é condenado a trabalhar: “No suor do teu rosto comerás o teu pão" (Gênesis 3:19).

2.2 A evolução do conflito capital e trabalho

Inicialmente, num regime de economia apropriativa, o homem desenvolvia seu trabalho de forma primitiva, através de instrumentos rudimentares, objetivando exclusivamente a satisfação de suas necessidades imediatas para sobreviver. Assim, trabalhava para obter seus alimentos, e fabricava suas armas a fim de se defender, sem o intuito de acúmulo.

Aos poucos se formam grupos que se organizam, propiciando um desenvolvimento político e econômico. Em algumas regiões, como no Egito, devido à localização geográfica mais favorável à agricultura, há uma concentração da população nas margens do Rio Nilo, onde se percebe uma evolução mais acelerada e a acumulação já podia ser vislumbrada.

Em Roma, as lutas de grupos ou tribos rivais eram constantes e os adversários derrotados eram mortos. Só posteriormente que se percebeu que era mais útil escravizar o derrotado na guerra e aproveitar de seus serviços. A escravidão torna-se aos poucos um fenômeno universal.

Neste contexto, numa sociedade estratificada em homens livres e escravos, o trabalho humano passou por diversos preconceitos, uma vez que o trabalho manual e exaustivo ficava a cargo dos escravos, sendo considerado atividade desonrosa para homens válidos e livres, que eram a minoria.

Na Grécia havia duas visões do trabalho: a que envolvia o exercício do pensamento era admirado, enquanto o trabalho manual era desprezível. Platão e Aristóteles conferiam ao trabalho uma concepção pejorativa, envolvendo apenas força física. A produção de um objeto material representava, para eles uma atividade de segunda ordem, em comparação com a produção de idéias.

Com o Cristianismo o trabalho é resgatado. Jesus e seus apóstolos trabalhavam como artesão e pescadores, respectivamente. Há uma dignificação e enaltecimento do trabalho, o qual era isento de distinções de qualidade (qualificado ou inferior) e de espécie (intelectual ou manual). Num espírito fraterno, os irmãos deveriam servir-se entre si, formando-se uma comunidade sem preconceitos.

Com o fim do trabalho escravo surge uma forma mais branda deste tipo de exploração. Uma vez livres, os antigos escravos se viam em dificuldade de inserção na sociedade, vivendo em situação de miséria. Restou a eles trabalhar nos feudos, surgindo a servidão. Era um tipo de trabalho organizado, em que o indivíduo não dispunha de liberdade e se sujeitavam a severas restrições, inclusive de trânsito, submetidos a um regime de dependência ao senhor feudal, mas sem assumir a condição jurídica de escravo. Em geral, os servos trabalhavam com o dever de entregar uma parcela da produção rural aos senhores feudais em troca de proteção e do uso da terra. E, mais uma vez, relega-se o trabalho a um grau inferior da hierarquia social.

Diante da amplitude do poder dos nobres sobre os servos, estes se dirigiram para as cidades, provocando um enorme êxodo rural com a conseqüente aglomeração de trabalhadores e ativação do movimento comercial ainda na Idade Média. Há uma maior organização no exercício das atividades, todavia, o homem ainda não gozava de inteira liberdade, visto que as Corporações de Ofício funcionavam como um sistema de enorme opressão, estabelecendo as leis profissionais, regulando as técnicas de produção e a capacidade produtiva.

Apesar de não passar de uma forma mais tênue de escravidão, as Corporações foram de importância significativa para o nascimento do moderno capitalismo, vez que já havia circulação de dinheiro, instrumentos de crédito e um sistema salarial.

A incompatibilidade das Corporações de Ofício com o ideal de liberdade do homem trazido pela Revolução Francesa, além da liberdade de comércio e do encarecimento dos seus produtos, culmina com a sua extinção.

Com a mecanização dos meios de produção há uma substituição do trabalho artesanal pelas máquinas e aquilo que era produzido em pequena quantidade passou a ser produzido em grande escala. Assim, a Revolução Industrial provocou uma mudança econômica, social, política e cultural. A ideologia passa a ser focada no individualismo e na liberdade, não só na própria sociedade, mas principalmente no mercado de trabalho, uma vez que a liberdade da mão-de-obra era fundamental para os novos empreendimentos prosperarem.

Neste contexto, seduzidos pelas oportunidades de trabalho, qualidade de vida maior e melhores ganhos, os camponeses, que dependiam da natureza e trabalhando não mais que cinco horas por dia, se deslocam para os centros industriais, trocando o suor do ritmo solar pelo soar das máquinas.

Nascia o capitalismo e o trabalhador se torna empregado, uma vez que passaram a trabalhar por salários e em estado de subordinação. A liberdade de contratar era teórica, pois premido pela fome e em situação de miséria, o operário não dispunha de meios a recusar uma jornada excessiva em troca de um pífio salário.

No sistema fabril o objetivo último era o lucro. Inspirados pelas idéias de John Locke, que afirmava que “ao Estado não cabe interferir. O homem é livre. A intervenção do Estado é negativa”, os detentores do capital exigiam um mercado em que as relações econômicas se auto-regulamentam, em que eles pudessem impor livremente as suas condições ao trabalhador. O capitalismo impôs a ordem burguesa, separando capital e trabalho, ou seja, o trabalhador dos meios de produção. A relação entre capital e trabalho torna-se impessoal e há o distanciamento do trabalhador em relação à direção da empresa e dos destinos da mercadoria. E o operário era apenas um meio de produção.

Neste sentido, salienta Amauri Mascaro Nascimento: 

A precariedade das condições de trabalho durante o desenvolvimento do processo industrial, sem revelar totalmente os riscos que poderia oferecer à saúde e à integridade física do trabalhador, assumiu às vezes aspectos graves. Não só os acidentes se sucederam, mas também as enfermidades típicas ou agravadas pelo ambiente profissional. Mineiros e metalúrgicos, principalmente, foram os mais atingidos. Durante o período de inatividade, o operário não percebia salário, desse modo, passou a sentir a insegurança em que se encontrava, pois não havia leis que o amparassem, e o empregador, salvo raras exceções, não tinha interesse em que essas leis existissem.[8]  

Diante desta crise, emerge a questão social e idéias socialistas surgem com resposta aos problemas sociais e econômicos provocados pelo capitalismo. Propugnando por uma nova organização da sociedade o socialismo visava beneficiar a classe proletária.

 No início do século XX, Henry Ford introduz novos métodos de trabalho em suas fábricas, suplantando a produção de tipo artesanal, então característica da indústria automobilística, e emergindo a produção em massa. Insta salientar que as inovações de Ford tinham apoio na idéias de organização científica do trabalho sistematizada por Frederick Taylor, que visavam alcançar o máximo de volume de produção a baixos custos através da eliminação dos tempos mortos no processo de trabalho.

 O princípio taylorista de separação entre trabalho intelectual e trabalho manual, cabendo este aos trabalhadores e aquele exclusivamente aos diretores e gerentes, foi incorporado por Ford, numa associação que culminou com o regime fordista-taylorista, que se buscava superar a produção do tipo artesanal.

 A produção fordista implantou-se nos Estados Unidos, todavia não migrou para outro país até o segundo pós-guerra. Apesar de gigantesco, o mercado americano revelara insuficiente para o grande volume de produção, evidenciado na crise econômica em 1929. Diante dos sinais de deficiência do capitalismo, das constantes reivindicações dos trabalhadores e da ameaça do socialismo adotou-se o Estado do Bem-Estar Social (Welfare State), que permitiu a expansão da demanda agregada, ajustando-a à absorção da produção em massa; houve uma elevação gradual do padrão de vida dos trabalhadores e ganhou o seu consenso a uma política de tipo social-democrata e fortaleceu a Europa Ocidental contra a ameaça comunista.

 

Na década de 70, o primeiro choque do petróleo e a recessão cíclica revelaram as deficiências e as insuficiências do regime fordista, sobretudo com a introdução dos microprocessadores no interior da produção, intensificada na década de 80, tornando mais evidente a sua inadequação às inovações tecnológicas e, em especial, à automação eletrônica. 

Neste contexto, entram em cena os produtores japoneses de automóveis, implantando o modelo toyotista e ameaçando o domínio do mercado pelos americanos e europeus, na tentativa de superar as deficiências demonstradas pelo regime fordista. Houve de fato uma mudança no regime de desenvolvimento e de acumulação acarretando uma transformação no sistema capitalista mundial.

 Insta salientar que tais transformações são reflexos das políticas financeiras e industriais, assim como inovações tecnológicas, comércio mundial, relações internacionais, empresas multinacionais, organização do trabalho, ideologias, formas de emprego e desemprego, estilos de vida e comportamentos individuais, com efeitos sobre a luta de classe.

 No que tange as repercussões nas relações de trabalho aponta Reginaldo Melhado:

 A chamada globalização econômica acarretou duas conseqüências fundamentais para as relações de trabalho. De um lado, o fenômeno da descentralização dos ciclos produtivos. Fez nascer sistemas de interconexão de atividades empresariais baseados em pequenas e microempresas e até mesmo no trabalho independente de profissionais ou consultores (self-employed). A informática tornou possível a prestação de serviços a partir do domicílio, com o trabalhador conectado à tomadora de serviços por impulsos eletrônicos que fazem do trabalho um passageiro do modem. Surgem novos e mais eficientes métodos de controle do trabalhador.[9]

 Insta salientar que essas transformações não acarretaram uma mudança no paradigma das relações de trabalho, houve sim, uma nova forma de organização de produção que “funciona como uma das bases materiais da precariedade do mercado laboral e do exsurgimento dos novos modelos de contrato de trabalho”, tais como o home office, a terceirização, o trabalhador interino, o trabalho subterrâneo, o trabalho estacional ou a tempo parcial e o trabalho informal.

 O processo produtivo é fragmentado e rarefeito, sendo distribuído em etapas por diversas regiões do planeta, diante do fenômeno da mundialização da economia, dinamizando o fluxo de capitais e internacionalizando os ciclos produtivos. “O capitalismo virtual inaugura os tempos da desterritorialização” [10]

 Neste contexto, num cenário de capital virtual e difuso, juntamente com novas formas de organização da produção, a subordinação da relação de trabalho, sempre requisito para adquirir um conjunto de tutelas jurídicas, vai perdendo a centralidade. Novos paradigmas de poder e sujeição hão de surgir diante do tendencial desaparecimento da tradicional subordinação, uma vez que esta cada vez mais se interioriza e se torna invisível, muitas vezes como um mecanismo de fraude jurídica, visando ocultar a relação de emprego sob a forma de um falso contrato de natureza civil (de prestação de serviços, de empreitada, etc.).

 Pode-se observar que desde a gênese do capitalismo até seu estágio atual, passando pelo taylorismo e toyotismo, a lógica da relação de trabalho é uma só: “diminuir o poder dos trabalhadores e intensificar o trabalho, potenciando a ampliação do capital”.[11]

 Como já foi abordado, as idéias socialistas sempre influenciaram o conflito capital x trabalho, ameaçando sempre o império do capitalismo, os Estados que estavam sob a sua égide passaram a ter que conceder alguns direitos sociais para conter as reivindicações da sociedade e o crescimento ameaçador do comunismo. Todavia, com a queda do muro de Berlim, simbolizando da derrota do socialismo frente ao capitalismo, este teve liberdade absoluta para impor sua voracidade.

 Nesta fase do capitalismo, tamanha é a sua envergadura que até o Estado está a mercê de seu poder, haja vista os endividamentos, agravados por taxas de juros; e fica obrigado a adotar medidas de redução de prestações sociais e políticas de privatização. Esta crise do Estado é mais acentuada nos países subdesenvolvidos, pois além de conviver com as poderosas forças do mercado na rotina da política-econômica, ficam também subordinados às instituições de Bretton Woods (o FMI e o Banco Mundial), que não raramente impõe as políticas a serem adotadas.

 Neste sentido, o Estado perde cada vez mais a sua força e sua capacidade de intervenção social. Nesta onda do neoliberalismo, volta-se à política do Estado Mínimo que desta vez corresponde à empresa mínima. Esta, por sua vez, busca uma quantidade mínima de empregados, o mínimo de custos operacionais e o mínimo de direitos e vantagens para os trabalhadores, para maximizar a sua taxa de lucro.

 Ricardo Antunes, bem observa que

 os novos paradigmas de organização produtiva, no capitalismo da mundialização, não são mera decorrência de expansão do capital. Para ele a superação do binômio taylorismo x fordismo foi determinado ao mesmo temo pelas características da concorrência capitalista internacionalizada mas igualmente pelo escopo ideológico de ‘controlar o movimento operário e a luta de classes’[12]

 Assim como faziam os gregos, parece haver novamente uma divisão do trabalho em intelectual e manual, em que este é desvalorizado e minimizado de tal sorte que a relação de emprego, com a garantia de todo um conjunto de tutela jurídica fica restrita aos trabalhadores altamente especializados; enfim, um trabalho intelectual em que os trabalhadores recebem salário em troca de idéias e gozam de maior estabilidade. Por outro lado, existem os trabalhadores de estabilidade precária, uma vez que são empregados de firmas subcontratadas ou vinculados à própria empresa por meio de uma das inúmeras modalidades de contratos precários; em geral são trabalhadores descartáveis, submetidos a contratos de duração determinada, contratos de experiência ou de tempo parcial.

 Este modelo pode ser bem vislumbrado na organização de produção da empresa Nike, a qual tem seu estabelecimento sede nos Estados Unidos e são empregados nove mil trabalhadores; todavia, atuam em atividades de planejamento, administração, marketing e funções congêneres, ou seja, exercem atividades que não estão diretamente ligadas à produção. São atividades mais abstratas e intelectuais. A produção da empresa, como tênis e camisas, é feita em países cuja mão-de-obra é mais barata, que não haja organizações sindicais e que direitos sociais sejam menos rígidos.

 Como assinalou Robortella, a “estrutura ocupacional se polarizará entre um segmento principal, formado de profissionais de alta especialização, e outro, secundário, envolvendo a maioria, de baixa qualificação, com diferentes aspirações, necessidades, interesses e visões de mundo.”[13] 

3.  A NECESSIDADE E A ORIGEM DE UM RAMO ESPECIALIZADO 

A origem do Direito do Trabalho coincide com a ascensão do capitalismo no final do século XIX, como forma de aplacar os conflitos sociais que se agravavam diante do contexto das tensões causadas na Primeira Revolução Industrial. O Direito do Trabalho surge diante de um cenário de intensa exploração do trabalho humano e de relações de trabalho extremamente rígidas.  Os Códigos Civis não respondiam às questões peculiares insurgidas das relações de trabalho, e se mostraram insuficientes, possibilitando protestos por um espaço próprio e exclusivo para as questões trabalhistas. 

Ao escrever sobre o particularismo do Direito do Trabalho, assinalou Barbagelata: 

o Direito Civil não só ignorava o trabalhador individualmente considerado e sua verdadeira situação diante do empresário, como tampouco sabia da solidariedade entre eles, nem de suas organizações e das ações que realizavam, não levava em consideração o caráter coletivo das relações de trabalho, nem se precatava contra o que, do ponto de vista econômico, se escondia sob os supostos “contratos livres”[14]  

Uma luta de classes marcada por violentos conflitos durante décadas desafiava o poder e a autoridade do Estado e demonstrava que o modelo civilístico do direito era inadequado para reger as tensões e as condições de trabalho oriundas do processo de produção capitalista 

O Direito do Trabalho tem, portanto, suas raízes associadas à revolução industrial, à questão social e às lutas entre o capital e o trabalho num evidente propósito de regular a nova ordem econômica, social e política. 

Destarte, esse ramo especial do direito surge exatamente para proteger o trabalhador, uma vez que pela lógica do mercado de trabalho se converte em mera mercadoria. 

O caráter tutelar deste ramo do Direito deve ser entendido como necessidade de se resguardar um conteúdo mínimo à relação de trabalho, de tal modo que o desequilíbrio e a desigualdade existente entre as duas partes não  acarrete na aceitação, pelo trabalhador, de situações que afetem a sua dignidade, comprometendo o recebimento de verbas pactuadas, já que estas se constituem em contraprestação pela força física e mental despendida a favor da empresa e, principalmente, tendo em vista seu cunho eminentemente alimentar.

Como adverte Carlos Henrique Bezerra Leite, o princípio da proteção busca compensar a desigualdade existente na realidade socioeconômica com uma desigualdade jurídica em sentido oposto.

Insta salientar que a própria idéia de justiça deixa flagrante que 

“justo é tratar desigualmente os desiguais, na mesma proporção em que se desigualam, e o favorecimento é qualidade da lei, e não defeito do juiz, que deve aplicá-la com objetividade, sem permitir que suas tendências pessoais influenciem seu comportamento.”[15] 

No contrato de emprego, a desigualdade entre as partes se inverte: é o trabalhador que receberá a proteção do Estado, em face de sua debilidade econômica frente ao empregador. O reconhecimento dessa desigualdade é o ponto de partida para a adoção do princípio protetor: as leis devem garantir um estatuto mínimo de proteção ao trabalhador, visando amenizar a exploração a que os empregados se encontram sujeitos pelos detentores do capital. O trabalho é posto como valor social relevante, a proteção ao trabalhador como conquista civilizatória e humanizante. Na Constituição Federal de 1988 temos, logo no artigo 1º, inciso IV, que um dos fundamentos da República brasileira é justamente, ao lado da livre iniciativa, o valor social do trabalho. O artigo 170, caput, da CF (Constituição Federal) nos informa também que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por fim assegurar a todos uma existência digna.

 É preciso ainda considerar que, no caput do art. 170, a Constituição expressamente consigna como fundamentos da ordem econômica e financeira a valorização do trabalho humano e da livre iniciativa, fatores assecuratórios de uma existência digna, conforme os ditames da justiça social. Portanto, a justiça social (conceito de difícil contorno) é o parâmetro maior, em que se circunscrevem os valores inerentes à existência digna (lastreados na concepção de dignidade da pessoa humana), e aqueles destinados a lhe dar sustentação – trabalho e livre iniciativa, que precisam, por essa razão, ser prestigiados, tanto pelo legislador como pelos demais intérpretes.  

4. O ATUAL ESTÁGIO DO CONFLITO CAPITAL X TRABALHO 

Com grande poder de síntese, Ferreira identifica três fases percorridas pelo Direito do Trabalho em seu percurso evolutivo: 

uma fase inicial de “repressão-conflitural”, marcada pela desobediência civil e por actos de grande violência, passando para a fase da “tolerância-cooperação”, caracterizada pelo processo de juridificação das relações de trabalho e institucionalização progressiva de direitos sociais e laborais. A fase do “reconhecimento-participação-colaboração”, mais recente, marcada pela consolidação desses direitos, com base na legitimidade que o Estado-Providência e o conexo modo de regulação salarial fordista lhes conferiu, pelo desenvolvimento da concertação social, sendo posteriormente sujeita à pressão das tendências para a flexibilização, desregulamentação e desjuridificação das relações de trabalho.[16] 

Como já foi salientado, este terceiro período coincide com a chamada Revolução Tecnológica (Terceira Revolução Industrial), e que começam a ser questionadas a rigidez da legislação trabalhista e a intervenção-reguladora da relação capital e trabalho pelo Estado. 

Esse modelo tradicional de Direito do Trabalho resguardando um acréscimo de proteção aos trabalhadores, tem sido acusado de causar um fator de rigidez do mercado de emprego e da alta de custo de trabalho, e, conseqüentemente, de contribuir para a diminuição dos níveis de emprego, propiciando o surgimento do chamado “mercado informal” de trabalho.  

É neste contexto que se semeou um movimento de idéias em torno dos institutos da flexibilização e desregulamentação, sendo esta, uma forma mais radical daquela, uma vez que propugna pela supressão de toda proteção normativa que o trabalhador dispõe, a flexibilização do direito do trabalho  

é a corrente de pensamento segundo a qual necessidades de natureza econômica justificam a postergação dos direitos dos trabalhadores, como a estabilidade no emprego, as limitações à jornada diária de trabalho, substituídas por um módulo anual de totalização da duração do trabalho, a imposição pelo empregador das formas de contratação do trabalho moldadas de acordo com o interesse unilateral da empresa, o afastamento sistemático do direito adquirido pelo trabalhador e que ficaria ineficaz sempre que a produção econômica o exigisse, enfim, o crescimento do direito potestativo do empregador"[17]

 Não são poucos os que apontam a sofisticação da demanda de mão-de-obra pelo capitalismo moderno, passando a exigir alta formação profissional e capacidade multi-funcional dos trabalhadores. Os defensores dessa tese sustentam, ao contrário da era taylorista, quando se exigia dos operários que não pensassem, vislumbra-se uma nova geração marcada por operários inteligentes, uma vez que os novos empregos exigirão cada vez mais de formação mais elevada, conhecimento e domínio da tecnologia moderna e versatilidade.

 Reginaldo Melhado, com percuciência e clareza, advoga em sentido inverso, salientando que a

 revolução microeletrônica e as novas técnicas de organização da produção – o ‘pós-fordismo’ – levaram à banalização das rotinas e dos conhecimentos parcelares utilizados em cada uma das muitas etapas dos complexos processos produtivos, agora desdobrados em superfícies de dimensões planetárias. Em lugar do conhecimento de alto nível, um saber vulgarizado. Em lugar do fim do trabalho material, a banalização do trabalho intelectual, que se reduz a pó.

E conclui afirmando que 

a decomposição das tarefas operárias no bojo da produção capitalista, desdobradas em funções elementares e repetitivas, não é exatamente um princípio do taylorismo: é na verdade um instrumento – ou quem sabe um verdadeiro princípio – utilizado para a consecução de maior eficácia produtiva, visando de um lado a ampliação do capital e, de outro, o controle político sobre o trabalho. Nisso reside, isto sim, o princípio fundamental de Taylor, de Ford, da administração ohniana do capitalismo japonês e de qualquer outro paradigma pós-fordista. O ideário taylorista ainda reina na mundialização, mas Taylor agora aprendeu a usar um computador.”[18]  

Com a Revolução Industrial, os ritmos de trabalho não são impostos pelo trabalhador à máquina, mas o contrário. O capitalismo já demonstrava a tendência de sujeição do trabalho ao capital. E no seu estágio atual, diante das novas tecnologias, a operação de instrumentos de trabalho cada vez mais automatizados passa a prescindir da mão-de-obra especializada, banalizando a capacidade de trabalho.

Destarte, diante de um cenário político-econômico favorável, o fortalecimento do capital frente ao trabalho é patente, provocando transformações nas relações de trabalho. Apesar da predominância do contrato de emprego, este paradigma tende a ceder sua hegemonia a outras formas de contratação. O sistema atual dá origem a novas formas de apropriação da mais-valia através de novas técnicas de organização do capital e formas de exploração da mão-de-obra.

Como aponta Reginaldo Melhado:

“Ainda não podem ser identificadas as conseqüências oriundas desse processo de transformação no âmbito específico das relações de poder entre capital e trabalho – ou seja, da passagem da subordinação convencional para a sujeição high-tech e para os novos paradigmas”[19] 

Tal concepção decorre das incertezas de uma fase do capitalismo ainda em formação, porém já definido seus contornos, que apontam para um desequilíbrio do conflito capital x trabalho, numa preponderância implacável do primeiro, que fortalece crescentemente diante da redução da estrutura tutelar típica do Welfare State, da flexibilização do mercado de trabalho e da nova organização das técnicas de produção. 

Assim, com a revolução tecnológica há um abrandamento da pessoalidade, o que é ratificado pelo freqüente trabalho em domicílio e tele-trabalho. Ressalta-se, também, por conseqüência, que a da idéia da não-eventualidade  e o núcleo estrutural da relação de emprego, a tradicional subordinação jurídica, estão “atenuando, diminuindo ou mesmo desaparecendo” em razão das limitações do controle do tele-trabalho ou do trabalho exercido no home office, além da elevação do padrão da formação intelectual dos trabalhadores da era tecnológica. 

Como assevera Reginaldo Melhado : 

O trabalho à distância realizado por meio de instrumentos eletrônicos desloca o controle da atividade do trabalhador para o resultado da prestação obrigacional e ao mesmo tempo significa, em geral, o controle daquela através desta. O controle já não se realiza com o antigo cronômetro taylorista que mensurava tempos, ritmos e movimentos de trabalho; realizava-se integralmente mediante o domínio do resultado. Só este é visível, já que o trabalhador está fisicamente separado da empresa. Não obstante, o resultado é adjudicado e medido de modo infinitesimalmente mais preciso. Além disso, em determinadas áreas de atividade será possível também monitorar os horários e o tempo de conexão do trabalhador com o computador central, permitindo à empresa uma apreciação matemática da produtividade, do tempo de trabalho necessário à realização de cada tarefa.[20]  

Neste sentido, a relação de emprego sofre mutações em alguns pontos estruturais diante dos novos paradigmas de organização da produção do avanço tecnológico e da nova ordem jurídica e econômica. 

Percebe-se um capitalismo voraz e inescrupuloso que não mais se satisfaz apenas com a flexibilização das normas trabalhistas: exige um mercado de trabalho sem emprego protegido juridicamente. E para lograr êxito recorre-se a novos standards de relação de trabalho, fortalecendo o poder do capital sobre o trabalho. 

Destarte, torna-se necessário um novo direito do trabalho para se adequar às novas formas do capitalismo, atendendo sua finalidade social e resguardando o caráter tutelar que lhe é peculiar, uma vez que alguns elementos do paradigma protegido foram desconfigurados, entre os quais se destacam, principalmente, a subordinação tradicional e a força de trabalho como contraprestação. 

Observa Tarso Genro que, 

O velho Direito do Trabalho não responde e não poderá responder a tudo isso. O seu caráter protecionista surgiu para envolver relações com uma certa estabilidade (princípio da continuidade) e subordinação fiscalizada (que informa o seu caráter tutelar), categorias que tendem a ser desagregadas por outras formas de exploração e subordinação. Estas, ao mesmo tempo incentivarão a autonomia e apertarão o cerco sobre a qualidade do trabalho, em função da possibilidade de controles mais rigorosos do resultado, sem o exercício da subordinação jurídica direta, conformadora do contrato de trabalho típico.[21] 

 

Urge, portanto, uma reformulação de conceitos e categorias já consagrados, de tal sorte a compatibilizar e readaptar o ramo juslaboral, tanto material quanto processual, às metamorfoses do mundo do trabalho, a fim de manter incólume a sua essência mesmo diante da evolução da sociedade. Destarte, 

Um novo Direito do Trabalho, portanto, e uma nova tutela, devem emergir gradativamente ao lado do atual Direito do Trabalho, cuja crise terminal será de longo curso. Não só porque a revolução na produção, em andamento, precisa conviver por um longo período com o sistema originário da 2a. revolução industrial, mas também porque a defesa "conservadora" dos seus princípios também tensiona para que, na "ponta" moderna do capitalismo, surja um novo sistema protetivo. [22] 

O Direito do Trabalho tem como corolário o princípio da proteção, considerado por alguns doutrinadores como o seu único princípio específico, caracterizando-se pela interferência do Estado nas relações de trabalho, mediante normas de ordem pública, com a finalidade específica de compensar a desigualdade econômica desfavorável ao trabalhador em relação ao empregador através de uma proteção jurídica favorável àquele suficientemente a estabelecer um equilíbrio. 

Destarte, há que se desenvolver uma evolução da atividade interpretativa e da ampliação das categorias jurídicas em razão das profundas transformações das realidades brasileira e mundial de âmbitos jurídicos, políticos e econômicos, a par de resguardar o peculiar princípio protetor do Direito do Trabalho, que é a sua própria razão histórica. 

                          Pertinentes e salutares são os apontamentos do insigne Tarso Genro, o qual pontifica e sugere



inclusive como pauta jurídica e conseqüentemente conceitual do Direito do Trabalho, as seguintes novas tutelas, que devem conviver por um longo tempo com as tutelas tradicionais, que configuram um direito de resistência dos trabalhadores dos setores da produção tradicional, cujo mundo do trabalho inscreve-se, ainda, na economia e na cultura originárias das primeiras décadas do século XX.


 
a) Uma tutela laboral da prestação autônoma, independente e intermitente, que caracteriza um grande contingente de profissionais hoje inscritos no mercado;

 
b) Uma tutela laboral da prestação de serviços por "contrato de equipe", que se dá entre duas empresas em situação econômico-financeira desigual, ou entre uma empresa e uma cooperativa de trabalho;

 

c) Uma tutela laboral para remuneração dos serviços sem qualificação, cujo valor mínimo deve ser pautado pelo Estado, já que são serviços que tendem a ser degradados na nova ordem capitalista (serviços tais como de limpeza, atividades manuais subsidiárias nas empresas altamente qualificadas, cozinha, prestações domésticas de todos os tipos, etc.);

 

d) Uma tutela laboral especial, para incitar a utilização do tempo livre para serviços comunitários de prestação voluntária e/ou intermitentes, visando estimular uma rede de solidariedade social que hoje, nos países altamente desenvolvidos, já representa uma grande parte do PIB;

 

e) Uma tutela laboral coletiva, que vise socializar os postos de trabalho com a reorganização, gradação e redução da jornada laboral, nos setores diretamente atingidos pela revolução da microeletrônica, da informática e da digitalização, pois o direito ao trabalho produtivo ou útil, deve se configurar como princípio de um novo Direito do Trabalho.[23] 

 

 

5.  CONSIDERAÇÕES FINAIS 

                Historicamente, conferiu-se à Justiça do Trabalho a competência para julgar litígios entre empregados e empregadores, ou seja, sua área de atuação restringia-se à relação de emprego. 

A atual competência da Justiça do Trabalho tem causado grande cizânia na comunidade jurídica, na busca de definir os seus contornos, após a nova redação do artigo 114 da Constituição Federal, provocada pela Emenda Constitucional nº 45/04, com a inserção da expressão “relação de trabalho” no lugar da idéia de “relação de emprego”, envolvendo conceitos e institutos de distinção já consagrada na doutrina e jurisprudência. 

Levando em conta essa distinção, numa relação de gênero e espécie, surgiram as correntes ampliativas, sustentando a dilatação da competência trabalhista; e apresentado como principais fundamentos razões de ordem corporativista ou institucional (visando fortalecer um segmento do Judiciário antes ameaçado de extinção), razões de ordem técnica (que objetivam sanear distorções na distribuição de competências entre os vários ramos da Justiça e a racionalização do sistema, pois não faz muito sentido que o magistrado da Justiça Comum julgue ações relativas ao exercício do direito de greve ou a matéria sindical); e por fim a mais relevante, as razões de ordem sociológica, levando em conta as metamorfoses do capital e do trabalho, que forçam uma expansão da área de aplicação do princípio protetor, uma vez que a desigualdade econômica que justifica uma desigualdade jurídica não se evidencia apenas às relações empregatícias; e envergadura do capital na sua atual fase, tem provocado uma precarização do trabalho e o estado de sujeição do prestador de serviço frete ao tomador também atinge ouras formas de relação de trabalho. 

            Neste trabalho, buscou-se abordar o aspecto sociológico do conflito capital X trabalho, demonstrando a necessidade do Direito do Trabalho estender seu caráter protetivo a outras formas de organização de capital, diante do fortalecimento deste em face do trabalho cada vez mais precarizado; e, conseqüentemente a ampliação da competência da Justiça do Trabalho. 



 

NOTAS

[1]    REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. São Paulo: Saraiva, 1980.

[2]    REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 124.

[3]    Ibid., p. 101

[4]    Ibid., p. 104.

[5]    Ibid., p. 127.

[6]             BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Ltr, 2005, p. 87.

[7]    Ibid, p. 88.

[8]    NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. cit, p.15.

[9]    MELHADO, Reginaldo. Metamorfoses do Capital e do Trabalho: relações de poder, reforma do judiciário e competência da justiça laboral. São Paulo: LTr, 2006, p. 32.

[10]  Ibid, p. 61

[11]  Ibid, p. 74.

[12]  ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? (ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho). São Paulo: Cortez, 1995, p.79.

[13]  ROBORTELLA, L. C. Amorim. O moderno direito do trabalho. São Paulo, LTr, 1994, p. 149.

[14]  BARBAGELATA, Héctor Hugo. O Particularismo do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1996, p. 16.

[15]  GIGLIO, Wagner D. Direito Processual do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 67.

[16]  FERREIRA, António Casimiro. O sistema de resolução dos conflitos de trabalho: da formalização processual à efectividade das práticas. Disponível em http://www.snesup.pt. Acesso em 25 jul. 2006.

[17]  NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. cit., p. 120.

[18]  MELHADO, Reginaldo. Op. cit., p. 125.

[19]  Ibid., pag. 105.

[20]  Ibid., p. 115.

[21]          GENRO, Tarso. Crise terminal do velho Direito do Trabalho. Revista da Anamatra, São Paulo, n. 26, p. 19, 1996.

[22]    Ibid., p. 22.

[23]    Ibid. p. 26.

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

RAFAEL CRUZ BASTOS:Servidor do Ministério Público da União, ex-oficial de Justiça da Justiça do Trabalho (TRT-18), bacharel em Direito pela Universidade Federa de Goiás,pós-graduando em Direito do Trabalho eDireito Processual do Trabalho pela Universidade Federal de Goiás.

E-mail: cruzbastos@yahoo.com.br

 

 

 

Redação Prolegis
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ISSN 1982-386X – Editor Responsável: Prof. Ms. Clovis Brasil Pereira.

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