A dimensão humana da proteção ambiental

POR: EDUARDO MIRABILE

Temos acompanhado rotineiramente as constantes preocupações dos países, notadamente dos mais desenvolvidos, com as questões ambientais. Inúmeras conferências, reunindo as mais altas figuras de governantes onde se mostram presentes buscando soluções que garantam ao menos um mínimo de proteção ambiental para que a Humanidade possa permanecer vivendo neste planeta pelas descendências que surgirão.

A Conferência das Nações Unidas sobre mudança do clima de 2021, realizada na Escócia, é um excelente exemplo dessa preocupação, que envolveu a presença das figuras mais ilustres e importantes da política mundial, garantindo a legitimidade do evento.

O presente estudo, porém, pretende focar no aspecto humano e sua relação com o meio ambiente. Afinal o que leva a humanidade a ter preocupação com o ecossistema?

Esse conceito de ecossistema decorre da interação de dois sistemas bem definidos, a saber, o sistema natural, composto de meio físico e biológico e o sistema cultural, criado pelo Homem que através de sua inteligência e atividade altera esse meio natural para sua conveniência.

Assim, como um artista nos dias de hoje, o Homem também altera aquilo que lhe foi dado inicialmente pela natureza, transformando o bem natural num bem artificial ou cultural. Essa transformação, a princípio realizada para a conveniência humana, acaba culminando em resultados bons ou ruins e sempre com consequências que igualmente poderão ser boas ou ruins conforme a escolha.

Aqui se faz interessante apresentar rapidamente duas ideias distintas, dentre tantas concepções existentes sobre a visão do mundo dentro do contexto dos bens naturais do planeta.

A primeira concepção que gostaríamos de abordar seria a visão criativista do mundo, que entende que todos os bens naturais existentes devem ser mantidos nesse estado, a fim de garantir a manutenção do delicado equilíbrio das coisas existentes desde a Criação do Universo. Portanto, as normas legais de proteção devem garantir a manutenção dos bens naturais no seu estado puro.

De forma antagônica, a concepção criativista, entende que o mundo é um amontoado de bens naturais que devem ser ordenados e transformados pela ação humana, de tal forma que mais lhe aprouver para sua conveniência. Aqui, ao contrário, as normas legais devem garantir que o Homem possa utilizar-se ao máximo desses bens naturais para os fins que entenda mais adequados.

O leitor, acreditamos, rapidamente, claro, chegará a conclusão que devemos abraçar a ideia da famosa frase “nem tanto o mar, nem tanto a terra”. O meio termo, em algum ponto entre essas duas concepções deve ser a melhor resposta que a humanidade deve buscar ao criar as leis protetivas ao meio ambiente.

Temos claramente aqui o confronto meio ambiente e desenvolvimento. O meio ambiente, nos dias atuais, tem se mostrado um inibidor do desenvolvimento desenfreado, que busca resultados imediatos com um alto preço a pagar no futuro.

A resposta a essa dualidade que estaria num crescimento econômico sustentável, que permitisse que os recursos naturais utilizados pudessem de alguma forma serem repostos pela natureza ou ação humana, seria facilmente encontrada se não houvesse tantos interesses, notadamente egoísticos envolvidos.

O desenvolvimento é algo que sempre é defendido, pois afinal é graças a ela que gera a criação de empregos, avanços tecnológicos, melhor qualidade de vida com as vantagens que a vida moderna oferece. Vemos que o desenvolvimento está atrelado até mesmo a dignidade da pessoa humana.

O ser humano, único animal dotado de inteligência no planeta, transforma bens naturais em qualidade de vida. Os países utilizam dos bens naturais colocados à disposição no seu território e procuram melhorar a qualidade de vida de sua população com bens naturais agora transformados em bens de consumo, com o valor agregado do trabalho humano.

Os países do primeiro mundo tiveram um forte desenvolvimento econômico no passado, com pouca preocupação ambiental, sobretudo pelo contexto e realidade que viviam. As leis ambientais só proliferaram entre os países nas últimas décadas. Na época da Revolução Industrial, por exemplo, eram pouquíssimas as sociedades que defendiam questões ambientais.

Temos grandes nações desenvolvidas que dizimaram matas nativas, florestas e um sem fim de ataques a biodiversidade e recentemente se deram conta que se outras nações seguirem pelo mesmo caminho, o resultado ambiental será muito caro para toda a Humanidade.

Hoje países em desenvolvimento também desejam um rápido crescimento e veem em questões ambientais um óbice para essas pretensões. O argumento da soberania e da autodeterminação de seus povos é sempre colocado na mesa de negociação pelos países em desenvolvimento, ansiosos pelos avanços desenvolvimentistas em que acredita.

A comunidade internacional, também é verdade, vem buscando soluções no sentido de dar uma indenização ou compensação a esses países que ainda não tiveram o desenvolvimento que o façam, mas respeitando o meio ambiente natural. É uma tentativa de demover da ideia de um crescimento ao arrepio de valores ambientais fortes.

Perceberam os países mais ricos que leis ambientais mais rígidas poderiam frear a sanha de desenvolvimento desenfreado e poluidor dos mais pobres, mas ao mesmo tempo afetariam o “status quo” da sua poderosa e poluidora economia.

Nesse norte, foi criado por exemplo, um interessante mecanismo chamado de crédito de carbono, onde os mais poluidores pagam créditos a governos/empresas que poluem menos, conforme metas pré-estabelecidas em acordos internacionais.

Esse mecanismo aprovado pelas nações veio a criar um mercado de crédito de carbono que tem seus méritos ao estabelecer limites e compensações ou indenizações a outras nações signatárias. Levam-nos, num primeiro momento, a uma ideia de justiça.

Por outro lado, também é verdade, pode ser encarado como um mecanismo que assegura o direito do poluidor, que é rico, continuar poluindo, mediante uma compensação ao mais pobre. Justo como dito acima, mas não deixa de ser perturbadora a ideia de que possa o rico fazer prevalecer seus interesses sobre o pobre no suposto direito de poluir o meio ambiente que pertence a todos.

Temos, nesse quadro, claramente um conflito de interesses envolvendo a humanidade e seu ecossistema.

A humanidade, fantasiada de ideais nobres busca agora cada vez mais a criação de leis protetivas ao meio ambiente, não por acreditar naquela concepção criativista do universo, mas sim, por entender, que é preciso fazer algo senão inexistirá futuro para o Homem.

Estamos inseridos no planeta, onde criamos uma espécie de bomba-relógio ambiental, em que desconhecemos qual ao tempo que nos resta, mas onde há um senso comum que certamente precisa ser feito algo senão o tempo chegará cobrando o Homem de uma forma inexorável pela utilização pouco inteligente do ecossistema.

 

 

EDUARDO MIRABILE
Mestre em Direito Difusos e Coletivos. Advogado. Professor de direito Constitucional, Ambiental, Civil e Biodireito dos cursos de graduação e pós-graduação
Eduardo Mirabile
Eduardo Mirabile
Mestre em Direito Difusos e Coletivos. Advogado. Professor de direito Constitucional, Ambiental, Civil e Biodireito dos cursos de graduação e pós-graduação

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