Para a doutrina, insider trading é a utilização de informações relevantes sobre uma companhia – por parte de pessoas que, por força do exercício profissional, a conheçam em detalhes – para negociar ações no mercado de capitais antes que tais informações sejam de conhecimento do público. Fazendo uso indevido daquilo que sabe em razão do trabalho, o insider compra ou vende ações no mercado a preços que ainda não estão refletindo o impacto de determinadas informações que são de seu conhecimento exclusivo.
O uso indevido de informações privilegiadas foi criminalizado em 2001, com a alteração da Lei de Mercado de Capitais (Lei 6.385/1976). O artigo 27-D, atualizado em 2017, preceitua que utilizar informação privilegiada relevante e ainda não divulgada no mercado para propiciar vantagem indevida, para si ou para outrem, sujeita o agente à pena de reclusão e multa.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) começou a julgar, em 2016, ações envolvendo insider trading, consolidando em sua jurisprudência entendimentos importantes com impacto direto sobre vários aspectos do uso indevido de informações privilegiadas no mercado de capitais brasileiro.
Mercado de capitais
Em fevereiro de 2016, o STJ analisou a primeira condenação por crime de insider trading na Justiça brasileira, ao julgar o REsp 1.569.171. Durante o julgamento de recurso do ex-diretor de Finanças e Relações com Investidores da Sadia, Luiz Gonzaga Murat Júnior, condenado por crime de uso indevido de informação privilegiada, a Quinta Turma reconheceu que a conduta do ex-diretor se enquadra no artigo 27-D da Lei 6.385/1976.
“Forçoso reconhecer que a conduta do recorrente se subsume à norma prevista no artigo 27-D da Lei 6.385/1976, que foi editada justamente para assegurar a todos os investidores o direito à equidade da informação, condição inerente à garantia de confiabilidade do mercado de capitais, sem a qual ele perde a sua essência, notadamente a de atrair recursos para as grandes companhias”, afirmou o relator do caso, ministro Gurgel de Faria.
Para o ministro, ficou evidente que o acusado participou das discussões e tratativas visando a elaboração da oferta pública de aquisição de ações da Perdigão, obtendo informações relevantes e confidenciais sobre a companhia – as quais, no exercício de sua profissão, tinha o dever de manter em sigilo.
JBS
Em outubro de 2017, a Sexta Turma do STJ também analisou caso envolvendo crimes no sistema financeiro. Na ocasião foram julgados dois habeas corpus, dos irmãos Wesley e Joesley Batista. O colegiado negou o pedido no julgamento do HC 416795e doHC 416785.
Eles foram acusados de utilizar informações privilegiadas para obter ganhos no mercado de capitais, configurando o crime de insider trading, nos meses de abril e maio de 2017, com a compra e venda de dólares e ações da JBS. De acordo com o Ministério Público, eles teriam se aproveitado do conhecimento prévio das oscilações de preços que sua delação premiada causaria no mercado.
Para o ministro Rogerio Schietti Cruz, autor do voto seguido pela maioria do colegiado, não houve ilegalidade na decisão que determinou a prisão dos empresários. “A magnitude da infração, relevante o bastante para impactar o mercado financeiro, e a notícia de nova investida criminosa, depois da prática de inúmeros crimes assumidos nas tratativas de colaboração premiada, sugerem audácia e certeza de impunidade, expressões que, ante as peculiaridades do caso, não traduzem mera retórica”, afirmou.
Schietti destacou trechos da ordem de prisão emitida pela 6ª Vara da Justiça Federal em São Paulo, especializada em crimes financeiros, em que havia menção expressa à possibilidade de reiteração delitiva e de risco à ordem pública – fatores que, na visão do ministro, autorizam a prisão preventiva.
“Os fatos ao longo dos meses indicam que não é desproporcional a fundamentação quando salienta que no curso da negociação da delação premiada houve interferência ilícita dos pacientes junto a agentes públicos. Os crimes em tese teriam sido praticados para a obtenção de lucros astronômicos, de aproximadamente R$ 140 milhões. A magnitude dessa infração mostra que houve abalo à ordem pública”, disse Schietti.
Sistema financeiro nacional
Ainda no âmbito criminal, em 2018, a Sexta Turma confirmou a competência da Justiça Federal para o processamento da ação penal por insider trading, em virtude das repercussões do crime no sistema financeiro nacional como um todo, ao analisar recurso em habeas corpus do empresário Eike Batista (RHC 82.799).
Eike Batista foi denunciado porque, na condição de acionista controlador da empresa OSX Construção Naval S/A, teria utilizado informações potencialmente negativas relacionadas a mudanças no seu plano de negócios para transacionar ações, antes que essas modificações fossem formalmente comunicadas ao mercado.
“É inegável, portanto, a existência de ligação ou interação entre o mercado de capitais e a economia como um todo, de tal sorte que condutas ilícitas praticadas em seu âmbito podem repercutir não só em relação aos investidores, mas também afetar a própria credibilidade e a harmonia do sistema financeiro, com prejuízos econômicos ao país”, apontou o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz.
No recurso dirigido ao STJ, a defesa do empresário alegou que os delitos previstos na Lei de Mercado de Capitais não seriam propriamente crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, expressamente previstos na Lei 7.492/1996, ficando de fora da esfera de competência da Justiça Federal.
Apesar de a Lei 6.385/1976 (que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários) não trazer a previsão de competência da Justiça Federal, o relator destacou que, nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do STJ, os crimes contra o sistema financeiro e a ordem econômica devem ser julgados pela Justiça Federal quando houver fato que demonstre a existência de lesão a bens, serviços ou direitos da União, de suas autarquias ou empresas públicas.
Seguro
Ao analisar um caso envolvendo o seguro de RC D&O (Directors and Officers Insurance), o STJ decidiu que a garantia securitária não abrange operações de diretores, administradores ou conselheiros qualificadas como insider trading.
No julgamento do REsp 1.601.555, a Terceira Turma rejeitou o pedido para que fossem incluídos na cobertura do seguro de responsabilidade civil de diretores e administradores de pessoa jurídica atos investigados como insider trading.
Para o ministro relator do recurso, Villas Bôas Cueva, atos fraudulentos e desonestos de favorecimento pessoal e práticas dolosas lesivas à companhia e ao mercado de capitais (a exemplo do insider trading) não estão abrangidos na garantia securitária.
O colegiado entendeu não ser possível solicitar cobertura do seguro para ressarcir a empresa com o prejuízo dos atos praticados pelos seus insiders na negociação de ações feita com informações privilegiadas.
“A apólice do seguro de RC D&O não pode cobrir atos dolosos, principalmente se cometidos para favorecer a própria pessoa do administrador. De fato, a garantia securitária do risco não pode induzir à irresponsabilidade”, explicou o relator.
Indenização
Recentemente, o STJ analisou outro caso de insider trading (REsp 1.540.428) envolvendo um banco privado, mas, dessa vez, pelo viés indenizatório. A ação envolveu corretora que pediu reparação de possíveis prejuízos decorrentes da aquisição, pelo banco, de ações por um preço supostamente abaixo do valor de mercado, valendo-se de informações privilegiadas e irregularmente ocultadas do público investidor.
“Para a reparação civil de danos resultantes da prática de insider trading, a legislação exige, além da presença dos elementos genéricos (conduta ilícita, dano e nexo de causalidade), o desconhecimento, por parte dos possíveis prejudicados, das informações supostamente omitidas ao tempo da negociação envolvendo valores mobiliários (artigo 155, parágrafo 3º, da LSA)”, explicou o relator, ministro Marco Aurélio Bellizze.
No caso analisado, ao dar razão ao banco, o relator explicou que, se os investidores têm ciência da informação por outros meios oficiais diversos da publicação de fato relevante, não se pode afirmar que eles tenham negociado seus títulos sem o conhecimento de fato capaz de influir na cotação das ações e na decisão de vendê-las ou comprá-las.
Segundo o ministro, as operações entre a corretora e o banco foram realizadas no período de vigência da Lei 9.457/1997, que optou por afastar a obrigatoriedade de simultânea oferta pública de aquisição de ações dos sócios minoritários pelo mesmo preço pago aos controladores na hipótese de alienação do controle de companhia aberta.
“Afastada a obrigação de tratamento equitativo, incumbe aos autores o ônus de comprovar a existência de efetivo prejuízo na venda de seus títulos, tendo como parâmetro a comparação entre o preço recebido e a cotação desses papéis a partir do momento em que a informação supostamente omitida veio a público”, afirmou o ministro. REsp 1569171REsp 1601555RHC 82799REsp 1540428HC 416795HC 416785
FONTE: STJ, 23 de junho de 2019