*Clovis Brasil Pereira
A Constituição de 1988, elaborada em clima de democratização, deu especial atenção aos direitos fundamentais – direitos individuais, sociais e de solidariedade – tendo como dois de seus fundamentos basilares, a cidadania e a dignidade da pessoa humana[1].
Em seu preâmbulo, o texto constitucional define, de forma cristalina, seu comprometimento com a garantia de pressupostos mínimos para o pleno exercício da cidadania, em prol da dignidade humana.
Diz o texto promulgado que:
“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos
O texto constitucional ampliou, em muito, os direitos fundamentais até então protegidos, e incluiu, entre eles, direitos que tradicionalmente são considerados de segunda e terceira geração, como os direitos políticos e sociais e de solidariedade, incluindo, neste rol, o direito a um meio ambiental equilibrado previsto no artigo 225, estabelecendo, na prática, um novo regime jurídico para esses últimos direitos, ao assegurá-los como fundamentais.
Outras inovações foram incluídas no texto constitucional, e se constituíram em importantes instrumentos colocados à disposição dos cidadãos, no artigo 5º, possibilitando e facilitando o exercício da cidadania, em sua plenitude, com destaque para: o mandado de injunção (inc. LXXI), que é uma ação constitucional de defesa do cidadão perante omissões normativas, pelo qual é possível se recorrer à justiça para exigir o cumprimento de disposições constitucionais ainda não regulamentadas; o hábeas data (inc. LXXII), instrumento que propicia a qualquer pessoa, o direito de requerer a obtenção de informações ou solicitar a retificação dos dados nela constante, existentes em entidades de caráter público ou no próprio governo; a ação popular ambiental (inc. LXXIII), disponibilizada a qualquer cidadão para anular ato lesivo ao meio ambiente; a assistência jurídica integral e gratuita (inc. LXXIV), aos que comprovarem insuficiência de recursos, como meio de assegurar o acesso à justiça.
Outros direitos de primordial importância foram atribuídos posteriormente, através de legislação especial, com a finalidade de ampliar os direitos fundamentais, e assegurar aos cidadãos maior efetividade aos fundamento básicos da Constituição – cidadania e dignidade humana – com destaque para o Programa Nacional de Direitos Humanos; a Lei do Racismo; criação dos Juizados Especiais Cíveis no âmbito da Justiça Estadual e Federal (Leis 9.099/95 e 10259/01), para facilitar o acesso à Justiça; o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03), dentre outras.
É de ser salientado que grande parte da população desconhece seus direitos civis, sociais ou políticos, notadamente os primeiros, contribuindo para tal a deficiência no processo de educação no Brasil, pois ainda existe grande contingente de analfabetos, absolutos ou funcionais, estes, vítimas dos precários meios de educação colocados à disposição da população, notadamente nas regiões mais distantes dos grandes centros urbanos e nas regiões mais pobres do país.
Apesar da amplitude dos direitos civis, sociais e políticos consagrados na Constituição Federal e na legislação especial, do estado de direito e da plenitude democrática das instituições no Brasil, no período pós-1988, é ainda precária a convivência da democracia, com o pleno exercício dos direitos fundamentais, políticos e sociais.
Na referida pesquisa foram divulgados os seguintes dados estatísticos, em que a população pesquisada sobrepôs os problemas econômicos, e o alcance dos direitos sociais, ao pleno exercício dos direitos civis e políticos.
Observe-se o resultado de tal pesquisa:
58,1%: concordam que o presidente possa ir além das leis;
56,3%: crêem que o desenvolvimento econômico seja mais importante que a democracia;
54,7%: apoiariam um governo autoritário se resolvesse os problemas econômicos;
43,9%: não crêem que a democracia solucione os problemas do país;
40,0%: crêem que possa haver democracia sem partidos;
38,25%: crêem que possa haver democracia sem Congresso Nacional;
37,2%: concordam que o presidente ponha ordem pela força;
37,2%: concordam que o presidente controle os meios de comunicação;
36,0%: concordam que o presidente deixe de lado partidos e congresso;
25,1%: não crêem que a democracia seja indispensável para o desenvolvimento.
O resultado dessa pesquisa, publicada no ano de 2004, retrata a falta de conscientização da população dos países da América Latina, dentre eles, o Brasil, a respeito da ação política como instrumento do exercício da cidadania e da conquista de direitos, pois, em que pese a dolorosa experiência de períodos de supressão de liberdades individuais e de direitos políticos que foram impingidos pelos diversos governos ditatoriais que se instalaram nos paises latino-americanos – Chile, Uruguai, Argentina, Bolívia, Costa Rica, Honduras, Guatemala – dentre outros, assim mesmo, a população dos referidos paises ainda desacredita da ação política e democrática, como instrumento de suporte ao desenvolvimento da cidadania.
No Brasil, como nos demais países, ao que parece, a relação entre os direitos políticos – em sentido estrito – e o exercício da cidadania, se processara de forma ambígua, de tal sorte que, na história do Brasil, não se pode afirmar que os momentos de maior exercício dos direitos civis e políticos, mormente o direito de voto, coincidiram com os de maior desenvolvimento da cidadania.
A Constituição de 1988, é o instrumento mais moderno e abrangente, já feito ao longo da história do Brasil, sendo de fundamental importância a previsão dos direitos civis, políticos e sociais, contidos em seu texto. Importantes também são as sucessivas regulamentações de direitos assegurados nos textos infraconstitucionais, posteriormente aprovados.
Essas disposições, no entanto, por si só, não bastam para o pleno exercício da cidadania.
Para Tânia Regina de Luca:
“A garantia de direitos nos textos legislativos, ainda que essencial, não basta para torná-los efetivos na prática. As desigualdades sociais deitam raízes profundas na ordem social brasileira e manifestam-se na exclusão de amplos setores, que seguem submetidos a formas variadas de violência e alijados da Previdência Social, do acesso à justiça, moradia, educação, saúde.”[3]
No tocante ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, para as presentes e futuras gerações, é um direito constitucional assegurado no artigo 225, da Carta Magna, sendo sua defesa e preservação, mais do que um direito mas, sim, um dever de preservá-lo, tendo os cidadãos, destinatários da norma constitucional, à sua disposição, o instrumento processual da Ação Popular Ambiental, como meio de consumação do dever imposto pelo Legislador Constituinte.
Parece importante o manuseio da ação popular ambiental, tendo como legitimados ativos todos os cidadãos, sempre que se fizer necessária a garantia do meio ambiente sadio e equilibrado. A ação popular ambiental, se constitui em importante passo, ao lado de outras ações individuais e coletivas, para o fortalecimento do conceito de cidadania, que deve ser fruto da participação e das conquistas originadas da ação política de seus agentes, sob a égide do Estado de Direito e na plenitude do regime democrático.
No Brasil, o quadro geral que se afigura exige ainda muitas ações no sentido de romper as estruturas que impedem a ascensão das camadas sociais mais desfavorecidas, sem o que será difícil de ser vivenciada e conquistada a cidadania plena. Esta, por sua vez, somente poderá ser alcançada, com o pleno exercício dos direitos civis, políticos e sociais assegurados no texto constitucional vigente.
NOTAS
[1] Artigo 1º, inciso II-III.
[2] Jornal Folha de São Paulo, Caderno A, 21-04-2004, p. 14
[3] Op. cit., p. 488.
REFERÊNCIA BIOGRÁFICA
CLOVIS BRASIL PEREIRA: Advogado, com escritório na cidade de Guarulhos (SP); Especialista
Contato: prof.clovis@54.70.182.189
Texto extraída da Dissertação de Mestrado do Autor , “A LEGITIMIDADE ATIVA NA AÇÃO POPULAR AMBIENTAL”, defendida em agosto de 2006, na UNIMES – Universidade Metropolitana de Santos, perante a Banca Examinadora presidida pelo Professor Doutor Celso Antonio Pacheco Fiorillo.