A advocacia além dos tribunais começa com uma atitude intencional de curiosidade.

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POR: Adriana Aguiar Brotti 

 

Os conflitos são inerentes às relações humanas e as emoções desencadeadas tendem a restringir ou ampliar, tanto a intenção quanto a compreensão de cada pessoa envolvida. Quando o fluxo natural da comunicação é interrompido pelos conflitos, acredita-se tradicionalmente, que os mesmos devem ser submetidos e deliberados pelo Poder Judiciário através de uma ação judicial.

O litígio como único caminho para solucionar conflitos configura uma cultura de sentença, na qual delega-se ao Estado o poder de decidir a controvérsia. Na maioria dos casos não atende efetivamente a necessidade das pessoas, principalmente quando se trata de demandas de direito das famílias. Essa “ cultura da sentença ou litígio” resulta de uma lacuna na formação dos bacharéis em Direito, pois nos cursos não há ainda disciplinas que os preparem para desenvolver habilidades comportamentais, que equilibrem razão e emoção.

Acreditamos que a base da advocacia se firma na inteligência e na estabilidade emocional. Caso essa base não seja bem desenvolvida, o profissional terá dificuldades para exercer uma advocacia consensual.

Na advocacia consensual, o profissional não se limita a demandar judicialmente e sim, entende a necessidade de seu cliente, buscando ir além das respostas tradicionais.

Esperamos reforçar aqui que o papel do advogado não deve ser reduzido a um simples ajuizador de ações. O conhecimento técnico jurídico não pode mais ser sustentado como o único pilar da advocacia. É fundamental a consciência sobre os saberes complementares ao direito, para que se alcance uma comunicação ativa, empática e que resulte em uma negociação com valores. O objetivo é que a advocacia atue de modo a atender interesses e necessidades de seus clientes, humanizando as soluções.

Assim, além do pilar do conhecimento técnico, chamamos a atenção para um segundo pilar da advocacia, igualmente importante, que é o do aperfeiçoamento pessoal que inclusive, é apontado como um dever do advogado.

Nos termos do Código de Ética e Disciplina:

“Art. 2º. O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce.

Parágrafo único.São deveres do advogado:

[…]”.

IV – empenhar-se, permanentemente, em seu aperfeiçoamento pessoal e profissional;

[…]”.

Entendemos que alcançar a excelência na advocacia significa então considerar os dois pilares e ambos exigem do profissional atitudes intencionais de atenção, abertura, curiosidade, generosidade e de não julgamento frente a todos os saberes e tipos de conflitos existentes. O êxito da missão do advogado perante a sociedade também está atrelado ao seu autoconhecimento. Segundo afirma Daniel Goleman, psicólogo e estudioso das ciências comportamentais, são cinco os elementos que compõem a inteligência emocional na advocacia: autoconsciência, autocontrole, motivação, habilidades sociais e empatia.

Fato é que o exercício da advocacia traz inúmeros desafios comuns a todos os advogados, e talvez o maior deles seja administrar a rotina e cuidar da inteligência emocional, porque mesmo em meio aos caos, é exigido que o profissional:

· seja capaz de abordar negociações difíceis;

· estabeleça uma comunicação clara e que transmita confiança;

· atenda as necessidades urgentes dos clientes;

· mantenha-se calmo mesmo diante de situações de falta de decoro e etiqueta daquelas pessoas com as quais se relaciona;

· desenvolva habilidades que possam se tornar diferenciais na prestação de seus serviços;

· acompanhe as constantes mudanças e incertezas do mercado;

· alcance alta performance;

· mantenha o bem-estar e sua humanidade.

Para um profissional que serve a sociedade, administrando a justiça e solucionando conflitos, pergunta-se: é possível operar com excelência na advocacia sem acolher sua própria humanidade e conectar-se com seus clientes?

Acolher a própria humanidade significa sair do padrão piloto automático das atividades e das emoções (ou seja, da padronização das ações e da prisão de crenças limitantes e de emoções não tratadas). Somente assim, é possível acessar a sabedoria de todos os recursos interno e externo para um existir mais lúcido na vida pessoal e profissional.

Assim, o convite que fazemos é o de atendermos nossos clientes não mais de uma forma apenas profissional, mas também de forma empática, e com o conhecimento da pertinência dos métodos consensuais de solução de conflitos.

A advocacia do futuro é aquela que entrega uma experiência única, diferenciada aos seus clientes. Vai além dos tribunais, buscando oportunidades, conectando-se com as pessoas e que mantém de forma genuína, a curiosidade sobre todos os métodos que possam agregar no esforço de pacificar as relações humanas.

Não cabe ao advogado apegar-se ou rejeitar um ou outro método de solução de conflitos, até porque os modelos adversarial e não adversarial vão sempre coexistir. Na verdade, cabe a ele identificar qual o modelo mais adequado para cada caso concreto.

Atualmente para corroborar com a cultura da paz são muitos os métodos à disposição da advocacia, como: mediação, conciliação, negociação, arbitragem (sistema híbrido), práticas colaborativas, dentre outros. Contudo, para muitos profissionais que não se colocam genuinamente interessados nas necessidades da sociedade, acabam não acolhendo oportunidades como: influenciar produtivamente, pela via consensual, o desfecho das soluções, com fundamentos e argumentos válidos; alcançar maior celeridade, sem reduzir seus honorários e, ainda, permitir que o cliente tenha uma nova experiência na advocacia.

Os métodos adequados de solução de conflitos, reinauguram a função essencial da advocacia, possibilitando que além da postura combativa, enérgica, a advocacia também possa assegurar os direitos de seus clientes, assumindo uma postura resolutiva, capaz de dialogar e construir as soluções dos conflitos, inclusive com a colaboração dos próprios clientes.

O Código de Processo Civil incentiva e valoriza a adoção dos meios consensuais, inserindo o tema em diversos dispositivos. Para que a abordagem autocompositiva prospere é fundamental que haja abertura para novos conceitos que gerem soluções mais ágeis e criativas. É de suma importância o estudo com maior profundidade, sobre todos os métodos adequados de solução de conflitos, de modo a diferenciá-los, destacando suas vantagens e desvantagens, o que faremos em outra oportunidade. Com isso, asseguraremos o compromisso de difundir a cultura de paz, focada na gestão de conflitos humanos, porque todas as histórias importam.

Referências bibliográficas

SANCHES, Ji. Inteligência emocional na advocacia como diferencial para o sucesso. Originalmente publicado em < https://www.aurum.com.br/blog/inteligencia-emocional-na-advocacia/ Acesso em: 04 de Outubro de 2021.

TARTUCE, Fernanda. Mediação no Novo CPC: questionamentos reflexivos. In Novas Tendências do Processo Civil: estudos sobre o projeto do novo Código de Processo Civil. Org.: Freire, Alexandre; Medina, José Miguel Garcia; Didier Jr, Fredie; Dantas, Bruno; Nunes, Dierle; Miranda de Oliveira, Pedro (no prelo). Disponível em www.fernandatartuce.com.br/artigosdaprofessora. Acesso em 08 de Outubro de 2021.

 

 

Adriana Aguiar Brotti advogada, graduada em Direito pela Universidade de Guarulhos – UNG; MBA em Direito de Família pelo Centro Universitário Salesiano São Paulo, Mediadora pela CAMCESP, Radialista, Coordenadora do Núcleo de Estudos de Direito de Familia da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB Guarulhos e Instrutora de Mindfulness pelo Mindfulness Trainings International