“Tutela Antecipada X Procedimento Cautelar”

* Hélcio Benedito Nogueira –

                                            O Instituto da Tutela Antecipada, é novo no ordenamento jurídico brasileiro, advindo ao nosso sistema jurídico através da Lei número 8.952, de 13 de dezembro de 1994, com as modificações que lhe deu a Lei número 10.444, de 07 de maio de 2002; leis que deram ao artigo 273 do Código de Processo Civil, um novo “plus”, inserindo-lhe primordialmente dois incisos e cinco parágrafos e posteriormente, ressaltando-se que a chamada 2ª fase da reforma do Código de Processo Civil (Lei nº 10.444/02), trouxe substanciais modificações ao § 3º do referido artigo 273 e inseriu-lhe, ainda, mais dois parágrafos ; assim o atual texto do artigo 273; ficou constituído de dois incisos e sete parágrafos; mais do que nunca, ao que tudo indica o legislador processual civil, quis estabelecer, um divisor de águas entre a antecipação da Tutela e o procedimento Cautelar  (previsto à partir do artigo 796 do CPC).

                                               Em virtude de tais alterações legais (a de 1994 e a de 2002), esta relevante mudança, que se estabeleceu no ordenamento jurídico brasileiro, deixou clara a intenção do legislador processual em estabelecer diferenças entre a Tutela Antecipada e o Procedimento Cautelar. 

                                               Primordialmente, observa-se que a Tutela Antecipada, nunca se confundiu com o processo Cautelar; porquanto, através daquela, busca-se como o próprio nome já diz, obter por antecipação, o provimento parcial ou total, do pedido exordial, desde que existentes os requisitos para a antecipação da Tutela; quais sejam prova inequívoca do alegado na inicial, dano irreparável ou de difícil reparação, abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório em combinação com a sua não permissão de concessão, toda vez que houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipatório (art. 273 pár. 2º CPC).                                               

                                               Naquilo que pertine ao Procedimento Cautelar, através dele, não se busca obter o deferimento de antecipação da tutela pretendida , mas apenas e tão somente, uma ordem judicial, que garanta o resultado útil e eficaz da decisão que será proferida no processo de conhecimento ou de execução, assim, consoante exautivamente discorrido pela doutrina, somente cabíveis as Medidas Cautelares, quando haja fundado receio de lesão ou ameaça de lesão a direitos, através de atos ou fatos, que possam vir a causar danos irreparáveis ao processo (principal).

 

                                               Por conseguinte, é de se destacar que em alguns pontos ou aspéctos, referidos institutos se assemelham em outros evidenciam as diferenças.

                                               Quanto às semelhanças podemos destacar : ambas têm caráter provisório, porquanto nenhuma delas, visa a declarar, constituir ou condenar, nem criam ou modificam ou extinguem obrigações ou direitos. Ambos os Institutos são portanto coerentes com a modificabilidade e revogabilidade, fato inconteste que evidencia o caráter provisório.

 

                                               Ressalte-se que tanto em um, como em outro caso, o juízo que se instaura é de cognição sumária portanto não exauriente, pois, o magistrado ao analisar os pressupostos para a concessão tanto da Tutela Antecipada ou das Medidas Cautelares, levará em consideração a aparência e não a certeza do direito, objeto do pedido de proteção judicial. Assim, o juiz, ao conceder qualquer das ações distribuídas com fulcro nesses institutos, não estará, evidentemente decidindo nada na causa; apenas  e tão somente estará protegendo um direito, que segundo a sua subjetividade, “é bom” e  é “merecedor”, da proteção do Estado (nas Medidas Cautelares) ou antecipando provisóriamente e com possibilidade de revogação, o provimento jurisdicional. (nas ações com pedido de Tutela Antecipada).

 

                                               Logo, se há pontos convergentes e que traçam similitudes, existem também pontos diferenciadores, os quais se assentam no seguinte :

                                               Tutela Antecipatória , não é Tutela Cautelar, porque, não se limita a assegurar o resultado prático do processo, muito menos, visa a assegurar  a viabilidade da realização do direito afirmado pelo autor; porém, tem por escopo precípuo, buscar a concessão antecipada do provimento jurisdicional pretendido ou os seus efeitos. Portanto, a tutela antecipatória, é satisfativa, quando gera a concessão, desde logo, da efetiva prestação jurisdicional pretendida pelo seu autor.    

 

                                               As Medidas Cautelares, apesar de autônomas assim entendidas enquanto procedimento, guardam relação, de dependência com o processo principal (art. 796 CPC), existem em razão dele e para preservar o direito que ele contém. Já a Tutela Antecipada, independe de outro processo; porquanto já se encontra inserida no mesmo processo no qual se discute o direito substantivo perseguido.

 

                                               Na hipótese de Medida Cautelar preparatória, tem-se ainda, as predisposições legais insertas no artigo 806 do CPC; pois, após a concessão, a sua existência  está condicionada a propositura da ação principal, no prazo do trintídio. Já a tutela Antecipada, dura enquanto durar o processo; independendo de quaisquer outras providências, salvo se ocorrer motivo para a sua  revogação. 

                                               Quanto às Medidas Cautelares, é imperioso ressaltar que, não produzem coisa julgada material; pois a sentença aí prolatada, refere-se apenas ao direito que a parte tem ou não, de receber uma prestação jurisdicional preventiva do Estado; hábil a preservar um direito que será amplamente discutido no processo principal. Já no pedido de Tutela Antecipada, há que se falar em coisa Julgada Material, porquanto, pelo fato de estar inserida no próprio processo de conhecimento, o provimento jurisdicional, que é prestado assume a forma efetiva, sinalizando ao final o direito, das partes litigantes.  

                                               Outro ponto extremamente relevante a destacar, é que as ações pelo procedimento cautelar, podem ser concedidas ex offício, pelo magistrado, circunstância decorrente, do poder geral de cautela, que lhe é atribuído por lei (art. 798 CPC). Já a Tutela Antecipada, deve ser provocada pela parte interessada (caput do artigo 273 CPC), o que é coerente com a vedação de sua concessão de ofício; subordinando-se ao requerimento da parte.

                                               Considere-se ainda que nas Medidas Cautelares, não existe exame de mérito material; visto que, verifica-se apenas se o autor, possui o direito que diz ter  no processo principal, e que necessita de forma urgente ser preservado para que não se perca de forma a gerar danos irreparáveis. Já na tutela Antecipada, o deferimento do magistrado, está adstrito, aos pressupostos de sua concessão, intrinsecamente ligados ao direito material perseguido, e advêm de uma decisão interlocutória; a qual enfrenta ainda que de forma provisória e sumária o mérito da própria ação.

 

                                               Destaca-se ainda que as Medidas assecuratórias, buscam, a obtenção de proteção ao provimento final, enquanto que as medidas antecipatórias, antecipam a satisfação do direito pleiteado.

 

                                               As ações pelo procedimento Cautelar, apesar da característica da autonomia processual, têm função eminentemente auxiliar e acessória, pois, as Medidas Cautelares, existem em função de um processo chamado de principal (conhecimento ou de execução). Quanto à tutela Antecipada, deferida no processo de conhecimento, tem os caracteres da antecipação do próprio provimento jurisdicional solicitado; resultado que somente seria alcançado no final da lide, acaba portanto sendo adiantado mediante a permissão legal.

 

                                               Quanto ao perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, requisito comum em ambos os Institutos, é imperioso que se diga : para as Medidas Cautelares, o perigo deve estar ligado obrigatoriamente a ato da outra parte; para as ações com pedido antecipatório : o perigo vincula-se a “não concessão antecipada do pedido”, sendo facultativo estar ou não ligado a atuação da parte contrária.   

 

                                               Podemos asseverar ainda que no tocante à “urgência”, característica em princípio comum a ambos os Institutos, na prática tem-se ainda que ela, a urgência, é obrigatória no procedimento Cautelar; não sendo por conseguinte plena a obrigatoriedade na Tutela Antecipada, pois, segundo previsão legal do artigo 273, inciso II, do Código de Processo Civil, pode referida tutela ser concedida quando ficar caracterizado no processo o abuso do direito de defesa e o propósito meramente protelatório do réu; fato que por si só, descaracteriza a urgência nessa hipótese.

 

CONCLUSÃO

 

                                     É imperioso ressaltar, que a par do Código de Processo Civil italiano , ter de alguma forma inspirado o legislador brasileiro, quanto à implantação em nosso sistema jurídico, da Tutela Antecipada, o qual registra existência nas principais fontes do direito europeu contemporâneo, bem como o reconhecimento de que além da Tutela Cautelar, destinada a assegurar a efetividade do resultado final do processo principal, deveria mesmo existir em determinadas circunstâncias, o poder do juiz de antecipar provisoriamente a própria solução definitiva esperada no processo principal .

 

                                     No Brasil, referido Instituto, que representou um incrível avanço ao nosso direito processual,  tem estrutura singular, totalmente dispare no que se reporta à extensão e profundidade dos provvedimenti d’ urgenza , do sistema italano  (CPCItal.700) que é requisito basilar para a concessão do  que entendemos como tutela antecipada naquele ordenamento jurídico.

                                               Portanto no Brasil, o Instituto da Tutela Antecipada ganhou uma amplitude diferenciada, que denota com maior rigor quanto à finalidade social do processo; porquanto, na hipótese do interessado, não conseguir demonstrar a prova inequívoca ou a verossimilhança da alegação, a priori, não estará vedado de demonstrar os demais requisitos (art. 273,I e II), possibilitando-lhe a esperada antecipação da tutela, ressaltando-se que na hipótese do inciso II do artigo 273, o juiz, excepecionalmente, utilizando-se do poder sancionatório pode ainda conceder de ofício a antecipação da tutela .  

 

        

BIBLIOGRAFIA

 

MACHADO, Antônio Cláudio Da Costa. Código de Processo Civil Interpretado. São Paulo: Saraiva, 1997;

 

MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. Campinas. BookSeller, 1997;

 

WAMBIER, Luiz Rodrigues. Tereza Arruda Alvim, Breves Comentários à 2ª Fase da Reforma do Código de Processo Civil: São Paulo: Revista dos Tribunais 2002.                                        

 


Referências Bibliográficas

Hélcio Benedito Nogueira  –  Advogado, Mestre pela Universidade Mackenzie, professor de Direito do Consumidor, Direito Civil e Processo Civil  na UnG em Guarulhos e Unicsul em São Paulo, Capital.

Redação Prolegis
Redação Prolegishttp://prolegis.com.br
ISSN 1982-386X – Editor Responsável: Prof. Ms. Clovis Brasil Pereira.

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